
Duas semanas atrás concedi a um jovem palestino, Mohammed Omer, o
Prémio Martha Gellhorn de Jornalismo 2008. Criado em memória da
grande correspondente de guerra estado-unidense, o preço destina-se a
jornalistas que revelam a propaganda do establishment, ou "idiotices oficiais",
como as chamava Gellhorn. Mohammed partilha o prémo de £5.000 [€6.342] com Dahr
Jamail. Com 24 anos, ele é o mais jovem vencedor. A sua condecoração pública
diz: "Todos os dias ele relata de uma zona de guerra, onde também é um
prisioneiro. Seu lar, Gaza, está cercado, privado de alimento, atacado,
esquecido. Ele é uma testemunha profundamente humana de uma das maiores
injustiças do nosso tempo. Ele é a voz dos que não têm voz". Sendo o mais velho
de oito filhos, Mohammed viu a maior parte dos seus irmãos mortos ou feridos ou
mutilados. Um bulldozer israelense esmagou a sua casa com a família lá dentro,
ferindo seriamente a sua mãe. E ainda assim, diz um antigo embaixador holandês,
Jan Wijenberg, "ele é uma voz moderada, instando a juventude palestina a não
cultivar o ódio e a procurar a paz com Israel".
Levar Mohammed para
Londres a fim de receber o seu prémio foi uma grande operação diplomática.
Israel tem um controle pérfido sobre as fronteiras de Gaza, e só com uma escolta
da embaixada holandesa é que ele pôde passar. Na quinta-feira passada, ao voltar
da sua jornada, ele devia encontrar-se na passagem (para a Jordânia) de Alleby
Bridge com um responsável holandês, o qual esperava-o do lado de fora do
edifício israelense. Sem que percebesse Mohammed fora capturado pela Shin Bet, a
infame organização israelense de segurança. Disseram a Mohammed para desligar
seu telemóvel e remover a bateria. Ele perguntou se podia telefonar à escolta da
embaixada e foi-lhe dito brutalmente que não. Um homem examinou a sua bagagem,
escarafunchando seus documentos. "Onde está o dinheiro?", perguntou ele.
Mohammed entregou-lhe alguns dólares americanos. "Onde estão as libras inglesas
que você tem?"
"Percebi", disse Mohammed, "que estava à procura do
dinheiro do prémio Martha Gellhorn. Disse-lhe que não estava comigo. 'Você está
mentindo', disse ele. Fui então cercado por oito oficiais do Shin Bet, todos
armados. O homem chamado Avi ordenou-me que tirasse as calças. Eu já passara por
uma máquina de raios X. Fiquei reduzido às minhas cuecas e disseram-me para
tirar tudo. Quando recusei, Avi pôs a mão sobre a sua arma. Comecei a gritar:
'Por que está a tratar-me deste modo? Sou um ser humano'. Ele respondeu: 'Isto
não é nada em comparação com o que você verá agora'. Ele sacou a arma,
pressionando-a contra a minha cabeça e com todo o peso do seu corpo sobre o meu
lado removeu à força as minhas cuecas. Ele fez-me então efectuar uma remexida
espécie de dança. Outro homem, que estava a rir, disse: 'Por que você trouxe
perfume?' Respondi: 'São prendas para pessoas que amo'. E ele disse: 'Ah, então
você tem amor na sua cultura?'
"Quando me ridicularizavam, eles
deliciavam-se a zombar das cartas que havia recebido de leitores na Inglaterra.
Estive sem água e comida e casa de banho durante 12 horas, e tendo sido mantido
de pé as minhas pernas prendiam-se. Vomitei e desmaiei. Tudo o que me lembro é
de um deles a enfiar, raspar e arranhar com as suas unhas a carne delicada por
trás dos meus olhos. Ele escavou minha cabeça e enfiou seus dedos próximo dos
nervos da audição entre a minha cabeça e o tímpano. O sofrimento tornou-se mais
agudo quando ele enfiou dois dedos ao mesmo tempo. Outro homem tinha a sua bota
de combate sobre o meu pescoço, pressionando-o no chão duro. Fiquei ali por mais
de um hora. A sala tornou-se uma jaula de sofrimento, ruído e terror.
Foi chamada uma ambulância e disseram-lhe para levar Mohammed para um
hospital, mas só depois de assinarem uma declaração de indemnização aos
israelenses pelo seu sofrimento durante a sua custódia. O médico palestino
recusou, corajosamente, e disse que contactaria a escolta da embaixada
holandesa. Alarmados, os israelenses deixaram que a ambulância seguisse. A
resposta israelense foi na linha habitual de que Mohamed era "suspeito" de
contrabando e "perdeu o equilíbrio" durante um interrogatório "regular", relatou
ontem a Reuters.
Grupos israelenses de direitos humanos documentaram a
rotina da tortura de palestinos por agentes do Shin Bet com "pancadas,
amarrações penosas, inclinações para trás, estiramento corporal e prolongada
privação do sono". A Amnistia desde há muito relata a utilização generalizada de
tortura por Israel, cujas vítimas emergem como meras sombras do que eram antes.
Alguns nunca retornam. Israel está num lugar elevado na tabela internacional
pelos seus assassinatos de jornalistas, especialmente jornalistas palestinos,
que mal recebem uma fracção da espécie de cobertura que foi dada a Alan Johnston
da BBC.
O governo holandês diz que está chocado pelo tratamento de
Mohammed Omer. O ex-embaixador Jan Wijenberb afirma: "Isto não é de modo algum
um incidente isolado, mas parte de uma estratégia a longo prazo para demolir a
vida social, económica e cultural palestina ... Tenho consciência da
possibilidade de Mohammed Omer ser assassinado por atiradores israelenses ou por
ataques a bomba no futuro próximo".
No momento em que Mohammed recebia o
seu prémio em Londres, o novo embaixador israelense na Grã-Bretanha, Ron Proser,
queixava-se publicamente de que muitos britânicos já não apreciam a
singularidade
(uniqueness) da democracia de Israel. Talvez a apreciem
agora.