NCeHu 91/08
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Quem nasce no
Brasil é o quê mesmo?
A palavra "brasileiro" designava, no período colonial, aquele
que vivia de explorar e fazer comércio com o pau-brasil, madeira de cor de brasa
de grande valor comercial à época. "Brasileiro" tem sido exatamente isso: aquele
que vive de explorar o Brasil.
Carlos
Walter Porto-Gonçalves
www.cartamaior.com.br
16/6/08
Uma curiosidade uma tanto infantil talvez possa nos ser altamente
reveladora. Afinal, o adjetivo pátrio, aquele que nos indica origem ou
procedência de alguém, geralmente se expressa pelos sufixos ense ou
ês ou, ainda iano. Assim, temos o francês, o português, o inglês
entre tantos. Ou ainda, o italiano, o peruano, o venezuelano, equatoriano entre
outros tais. Há ainda outras variações, como o paraguaio o guatemalteco, que nos
parecem muito originais e para os quais não encontramos paralelo. O mesmo se
passa com brasileiro. Embora os franceses nos chamem bresilien, os
ingleses brazilian e os italianos brasiliano, nós, insistimos em
nos chamar brasileiros usando esse sufixo eiro que não se aplica a nenhum outro
adjetivo pátrio. E, aqui entre nós, também usamos o mesmo sufixo eiro para
indicar a origem ou a procedência de quem nasceu nas Minas Gerais: o mineiro.
A palavra brasileiro designava, no período colonial, aquele que vivia de
explorar e fazer comércio com o pau-brasil, madeira de cor de brasa de grande
valor comercial à época. O sufixo eiro, nesse caso, tem, entre outras
funções, a de assinalar uma ação ou uma função como em madeireiro, mineiro,
pistoleiro, grileiro ou garimpeiro. Todavia, o adjetivo pátrio brasileiro
indica a origem colonial dos que aqui chegavam e o que vinham fazer aqui. O
Superdicionário da Língua Portuguesa, da editora Globo, (2000, Fernandes, F.;
Luft, C.P. e Guimarães, F.M.) assinala que brasileiro, além de ser aquele ou
aquela “natural ou habitante do Brasil” também é o “português que residiu no
Brasil e que voltou rico à sua pátria”. É interessante observar que embora a
língua portuguesa nos ofereça sinônimos para brasileiro, como brasiliense,
brasilense e brasiliano essas variantes são desprezadas.
O termo
brasileiro para designar o natural do Brasil começa a ser consagrado na
primeira Constituição Política do Império do Brasil, em 1824. Era natural que um
novo marco jurídico para conformar as regras do jogo no território que recém se
tornava independente tivesse que nomear e diferenciar os nascidos no novo
território. No nosso continente, até mesmo o nome, América, se afirmou como
contraposição às metrópoles pela necessidade de afirmação da elite criolla. Até
então a expressão Índias Ocidentais era amplamente usada como designação,
sobretudo pelos espanhóis para as terras que, depois, seriam denominadas
americanas.
Nos Estados Unidos, primeiro país a fazer uma revolução de
libertação nacional no mundo em 4/7/1776, a expressão american foi brandida com
força pelos revolucionários para se diferenciarem dos colonizadores ingleses.
Enfim, o termo América só se consagra a partir dos ideólogos das elites criollas
contra as antigas metrópoles. O mesmo ocorreu com o regime republicano que
passou a vigorar em todos os países da América que faziam a sua independência
como forma de auto-afirmação das antigas metrópoles onde imperavam as
monarquias. Exceto o Brasil que permaneceu com regime monárquico e se proclamou
Império e, com isso, se diferenciando de todas as demais novas nações que
nasciam no continente e não sem um ar de superioridade por fazer suas as antigas
instituições das metrópoles européias.
Talvez essa continuidade
portuguesa nos ajude a entender o porquê da escolha do adjetivo pátrio
brasileiro e não brasiliano ou brasiliense. Afinal, brasileiro é o “português
que residiu no Brasil e que voltou rico à sua pátria”. Explorar o Brasil é o ser
do brasileiro. Quando nos tempos da exploração da borracha na Amazônia dizia-se
que o único crime que lá se cometia era não voltar de lá rico, conforme registra
o ensaísta amazonense Samuel Benchimol. É ele quem nos conta que à entrada do
rio Purus, o mais rico na exploração de borracha, havia uma ilha chamada
Consciência, que era onde você devia deixar a consciência antes de subir o rio
para não se lembrar do que você havia feito quando voltasse do alto rio. Não à
toa, no interior do nordeste, o paroara, aquele que voltava rico da Amazônia,
era visto como tendo uma riqueza amaldiçoada.
Assim tem sido o objetivo
da ocupação do nosso território com grande influência na formação do caráter dos
que aqui nascem. Não creio que estamos diante de um fato isolado, nem tampouco
de fatos amazônicos. Brasileiro tem sido exatamente isso: aquele que vive de
explorar o Brasil. Não é natural ser brasileiro. É uma opção. De minha parte,
nasci no Brasil, mas não sou brasileiro. Sou brasiliano. Felizmente, para não
ser acusado de apátrida, os nossos dicionários me dão essa opção.
Doutor em Geografia
e Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade
Federal Fluminense e Pesquisador do CNPq – Conselho nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – e do Grupo Hegemonia e Emancipações
de Clacso. Ganhador do Prêmio Casa de las Américas 2008 de Literatura
Brasileira.