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Asunto: | NoticiasdelCeHu 160/07 - A acumulação de capital na África Austr al (Patrick Bond e Horman Chitonge) | Fecha: | Martes, 20 de Febrero, 2007 21:51:13 (-0300) | Autor: | Noticias del CeHu <noticiasdelcehu @..................ar>
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NCeHu 160/07
A acumulação de capital na África
Austral
A relevância contemporânea de Rosa Luxemburgo
Arndt Hopfmann (prefácio)
A acumulação capitalista como um todo,
como um processo histórico real, tem dois aspectos diferentes. Um
refere-se ao mercado para as mercadorias e o lugar onde é produzida a mais
valia – a fábrica, a mina, a propriedade agrícola… O outro aspecto
da acumulação de capital refere-se às relações entre o capitalismo e os
modos de produção não capitalistas, os quais começam a surgir no cenário
internacional. Seus métodos predominantes são política colonial, um
sistema internacional de empréstimo – uma política de esferas de interesse
– e guerra. Força, fraude, opressão, saque são exibidas abertamente
sem qualquer tentativa de encobrimento… - Rosa Luxemburg,
The Accumulation of Capital, p. 432.
O capital agora
devora seres humanos: ele tornou-se um canibal. Doravante toda a
actividade humana deve tornar-se capital e parir juros, de modo a que o
capital à procura de investimento possa viver: escolas, infantários,
universidades, sistemas de saúde, distribuidores de energia, estradas,
ferrovias, correios, telecomunicações e outros meios de comunicação, etc.
Os sonhos anarco-capitalistas pretendem ir mais longe. Mesmo
a polícia e a legislação devem ser transformados em investimentos do
capital. Uma pessoa recebe licença para viver e participar em
qualquer destas esferas da sociedade desde que pague ao capital as taxas
exigidas na forma de juros. O capital torna-se um 'supermundo' ao
qual devem ser trazidas vítimas para o sacrifício. - Ulrich
Duchrow e Franz Hinkelammert, Property for people, not for profit,
p.148.
Clique a imagem da capa para
descarregar o livro (224 p., ficheiro PDF com 969 kB)
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Estas duas citações apresentam de uma forma
abreviada os traços básicos da acumulação capitalista desde as suas origens até
às suas formas actuais – a dominância das formas capitalistas na arena da
produção material, o uso contínuo da coerção, da violência e do roubo a fim de
aumentar a taxa de lucro, bem como a tendência intrínseca do capitalismo para
subjugar todos os aspectos da vida social ao reino do lucro.
O 3º
Seminário de Educação Política Rosa Luxemburgo, organizado em conjunto pelo
Centro da Sociedade Civil da Universidade de KwaZulu-Natal, em Durban, e pelo
Gabinete Regional Sul Africano da Fundação Rosa Luxemburgo, realizou-se de 2 a 4
de Março em Durban. O seminário examinou estas características gerais da
acumulação capitalista no contexto global, regional e local. Tal contexto é
moldado, por um lado, pelo impacto crescente de um impulso corporativo para a
globalização, mas também pela expansão do capital sul africano em países
vizinhos, pela emergência de novas formas de 'acumulação primitiva' sob o rótulo
do 'Fortalecimento da economia negra' ('Black Economic Empowerment') e a
mercantilização e privatização em curso de serviços públicos.
Por outro
lado, há um movimento crescente que não só resiste à comercialização de todas as
esferas da vida humana como aspira construir alternativas – criar 'um outro
mundo' o que não só é possível como também necessário.
O êxito do
Seminário deveu-se a muitos participantes. Contribuições muito valiosas foram
feitas por convidados de além mar, como Elmar Altvater, Nicola Bullard, Massimo
De Angelis, Ulrich Duchrow e Gill Hart. Outras intervenções cruciais provieram
de activistas-académicos da região, incluindo Jeff Guy, Ntwala Mwilima, Prishani
Naidoo e Greg Ruiters. Mas isto por si só não teria sido suficiente para tornar
o seminário o evento estimulante que foi. O outro factor foi a vibrante
interacção da base.
Contribuições de activistas das cidades e de
movimentos sociais – e o muitas vezes esquecido trabalho discreto dos membros da
equipe das instituições organizadoras – criaram uma atmosfera de debate rigoroso
e encorajamento mútuo.
Este livro contem algumas das contribuições ao 3º
Seminário de Educação Política Rosa Luxemburgo. Os materiais aqui reunidos
proporcionarão, esperamos, uma valiosa fonte de inspiração para activistas e
deverão encorajá-los a estender os seus estudos a outras importantes obras
escritas que fazem parte da nossa enorme herança teórica. Entretanto, estes
textos nunca poderão reflectir o espírito de interacção viva e solidariedade que
prevaleceu durante todo o evento. Para experimentar este sentimento único era
essencial estar ali.
Por isso, estou ansioso por convidar os leitores
para o Seminário Rosa Luxemburgo de 2007, o qual será realizado de 1 a 3 de
Março em Cape Town.
Introdução
por Patrick Bond e Horman Chitonge
Com uma taxa de 16 protestos por dia na África do Sul no período 2004-05, da
qual 13 por cento era ilegal, é evidente que os activistas retornaram a uma
militância anterior que alguns receavam ter sido esquecida ou completamente
reprimida na era pós apartheid. Isto reflecte processos através da região, na
esteira de traições pós independência de progressos prometidos. Se tomarmos
apenas um caso da região, o Zimbabwe, Simba Manyanya e Patrick Bond documentaram
cinco etapas ao longo de um período de vinte anos (1980-2000):
-um
movimento de libertação que venceu repetidas eleições contra uma oposição
terrivelmente fraca, mas sob circunstâncias de pioria do abstencionismo e de
despolitização das massas; -em simultâneo, o inegável fracasso daquele
movimento em proporcionar uma vida melhor para a maior parte das pessoas de
baixo rendimento do país, enquanto a desigualdade material ascendia;
-crescente alienação popular, e cinismo, em relação a políticos
nacionalistas, quando o fosso entre dominantes e dominados aprofunda-se
inexoravelmente e casos cada vez mais numerosos de corrupção e mau governo
chegam à atenção do público; -crescente miséria económica depois de
políticas neoliberais serem tentadas e fracassarem, e -a ascensão súbita de
um movimento de oposição baseado nos sindicatos, rapidamente apoiados pela maior
parte da sociedade civil, pela pequena burguesia e pelos media independentes – o
conduz potencialmente à eleição de um novo governo pós nacionalista.
Esta trajectória aparece inexoravelmente também para a África do Sul,
ainda que não na mesma escala de tempo, dadas as ligações mais fortes entre
sindicatos e partido dominante (especialmente na esteira da ascensão e queda e
ascensão e queda e ascensão… de Jacob Zuma). Quanto a isto, teremos
continuamente nossos ouvidos atentos às dimensões regionais, para aprender tanto
quanto possível de episódios anteriores de capitalismo nacionalista exaurido, e
de reacções temporariamente sem êxito das forças progressistas na sociedade
civil.
Afinal de contas, durante mais de três séculos estas região
abrigou algumas das mais intensas competições do mundo entre o capitalismo e a
vida social e natural não capitalista – na mineração, agricultura, indústria e
serviços – tomando plena vantagem da escravidão, do colonialismo,
neocolonialismo, apartheid e neoliberalismo. O resultado foi uma contínua
'acumulação primitiva' pela qual o capital atinge a super-exploração de
mulheres, povos indígenas, ambientes naturais, trabalhadores e agora
consumidores.
Para aprender mais acerca destes processos regionais,
históricos, teóricos e contemporâneos, em Março de 2006 o Centro para a
Sociedade Civil abriu projectos de investigação temática sobre 'Justiça
económica'. Lançámos este tema com a revisão de algumas das melhores tradições
sul africanas, regionais e internacionais de teoria político-económica e análise
contemporânea. Nosso foco foi sobre interacções mercado–não-mercado e novas
formas de acumulação primitiva.
Além da Fundação Rosa Luxemburgo, fomos
apoiados neste esforço por parceiros financeiros e intelectuais também
comprometidos com tais questões, incluindo o SA-Netherlands Programme for
Alternative Research in Development, Harold Wolpe Memorial Trust, Open Society
Initiative of Southern Africa, Research Council of Norway, SA National Research
Foundation e duas importantes publicações: Capitalism Nature Socialism e
Review of African Political Economy.
A fim de contextualizar,
ideias acerca de uma suposta 'economia dual' na África do Sul (e na verdade na
região e no mundo) estão agora a ser debatidas aos mais altos níveis políticos.
O princípio de 2006 apresentou um momento oportuno para discutir se mercados
formais e economia informal, bem como outros aspectos da sociedade e da
natureza, estão realmente tão divorciados quanto é frequentemente assumido.
Antes de morrerem, vários activistas-académicos – Harold Wolpe na África do Sul
(1995), Guy Mhone (2005) e José Negrão (2005) na África Austral e Rosa
Luxemburgo na Europa (1919) – desenvolveram argumentos consistentes acerca dos
modos como os mercados exploram sistematicamente as oportunidade 'não-mercado',
em outros modos de produção, na sociedade (especialmente o trabalho não pago de
mulheres) e no ambiente natural. Nas três escalas de análise, avaliámos seus
estórias, revimos contribuições passadas e contemporâneas às suas heranças, e
considerámos se cenários político-económicos actuais e futuros exigem novas
percepções.
Cientistas sociais interdisciplinares debateram problemas
intelectuais associados à exploração pelo mercado de esferas não-mercado
(sociedade e natureza) de 28 de Fevereiro a 2 de Março, e de 2 a 4 de Março
activistas de KwaZulu-Natal ajudaram a ir da análise à prática, com discussões
abertas e debates de estratégia no quadro do Seminário de Educação Política Rosa
Luxemburgo. O número de Março de 2007 da Review of African Political Economy
inclui documentos daqueles dias dedicados a Wolpe, Mhone e Negrão, bem como
os documentos principais apresentados em homenagem às ideias de Luxemburgo, e
algumas das percepções estratégicas chave.
Começámos com a própria
análise de Luxemburgo da África do Sul e África Austral, em vários excertos
reveladores de A acumulação de capital. Mas ao discutir a Acumulação
em perspectiva histórica, Arndt Hopfmann sustenta que não só encontramos
erros conceptuais como também podemos reconhecer o fulgor das percepções de
Luxemburgo para a sua aplicação a problemas contemporâneos. Ao situar
historicamente o seu trabalho em KwaZulu-Natal, Jeff Guy nos reintroduz no 'modo
pré-capitalista de produção' e seu interface com a expansão capitalista na
viragem do século XX. E para actualizar o argumento teórico, Ahmed Veriava
considera a acumulação primitiva através do exame das duas direcções em que
podemos prosseguir o tema principal de Luxembrugo, aquele de David Harvey e de
Massimo De Angelis. Com sua noção de 'nossos do lado de fora' ('our
outsides') (isto é, aqueles terrenos de luta social que contrariam a
mercantilização), De Angelis acrescenta um importante lembrete acerca do poder
de agência.
Mas quando avaliamos a natureza do imperialismo
contemporâneo, têm de ser encontrada evidências firmes. No espírito de
Luxemburgo, Elmar Altvater investiga os muitos caminhos pelos quais emergiu um
novo imperialismo petro-fundamentado, bem como uma variedade de outras novas
formas de mercadoria que Luxemburgo pode ter previsto. Alguns de tais aspectos
do imperialismo é confrontar países uns com outros, uma perspectiva que Patrick
Bond argumenta já estar em actuação com o modelo de acumulação da África do Sul
a estender-se pela região. Tal modelo de acumulação actualmente é disfarçado
pela retórica de estado acerca de como uma 'segunda economia' pode ser extraída
da primeira, como se fossem separadas. As interconexões e subdesenvolvimento
sistémico da massa de trabalhadores informais são revelados por Caroline Skinner
e Imraan Valodia. Da mesma forma, o aprofundamento da forma mercadoria em
relação aos serviços do estado é disfarçado por uma nova retórica de servir
'clientes', como mostra Greg Ruiters. Parte do disfarce é também a
desracialização dos postos de comando, um processo desigual, para-arranca-para,
criticado por Leonard Gentle.
Que resistência a estes aspectos da
acumulação regional de capital? Em parte a recordar-nos das vozes proféticas,
radicais, pró-pobres, de tradição religiosa, Ulrich Duchrow lança um ataque
retardado aos próprios fundamentos da acumulação de capital, a forma
propriedade. Ntwala Mwilima apresenta desafios ao trabalho regional quanto aos
desafios ideológicos colocados pelo investimento directo estrangeiro. A
necessidade da unidade entre o povo oprimido, especialmente os mais pobres dos
pobres, é enfatizada por S'Bu Zikode. No caso específico do combate à
mercantilização da educação, Saim Vally traça argumentos estratégicos e revela
práticas anti-capitalistas. Finalmente, o relacionamento mais geral entre
locais, identidades, protestos e lutas de classes são dissecados por Trevor
Ngwane, que finalmente contrapõe uma palavra como antídoto à acumulação de
capital: socialismo.
Esta colecção de textos, apresentados no nosso
Colóquio sobre Economia, Sociedade e Natureza, é a primeira de muitas tentativas
para reviver as tradições de economia política que tornaram a África do Sul e
Austral um dos mais importantes laboratórios de análise e prática
anti-capitalista. Mas se as compreensões académicas ocorrem tipicamente seis
meses ou mais após muitas de tais lutas, continuaremos a oferecer material
interessante somente se, no Centro para a Sociedade Civil e na Fundação Rosa
Luxemburgo, ouvirmos, bastante explicitamente, tão intensamente quanto possível,
a intelligentsia orgânica nos novos movimentos por justiça sócio-económica e
ambiental.
Este livro, na sua versão integral, pode ser
descarregado em http://www.nu.ac.za/ccs/files/RL%20Capital-africa.pdf (224 p., 969 kB). Tradução de JF.
Fuente: www.resisitir.info , 19 de febrero de 2007.
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