NCeHu 237/06
AS LIÇÕES DOS MOVIMENTOS DE LUTA NO BRASIL,
FRANÇA E ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE
EM MARÇO DE
2006
Celi Zulke Taffarel -
Professora Dra. Titular FACED/UFBA -
Março de 2006
O presente texto tem o objetivo
de extrair de três fatos, ocorridos nas três primeiras semanas de março de
2006, as lições imprescindíveis para avaliar as ações coletivas e reconhecer o
que pode estar unificando e educando trabalhadores e movimentos de luta no
mundo todo, para superar o modo de organizar a vida que tem como primazia o
capital que subsume o trabalho humano, o alienando, com processos de
superexploração da mais-valia relativa e absoluta, com a destruição de
direitos e conquistas da classe trabalhadora, com desmonte do Estado e dos
serviços públicos, com a não repartição de riquezas, modo este assentado na
propriedade privada dos meios de
produção.
Os fatos que estamos considerando ocorreram no Brasil, na França e nos Estados
Unidos e são os seguintes:
1.. A ação promovida na quarta-feira
dia 08 de março de 2006 pelo Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), ligado à
Via Campesina, contra um laboratório e viveiros da Aracruz Celulose em Barra
do Ribeiro (RS), fato que colocou em ação as tropas da grande mídia
privatizada para promover uma ampla campanha de demonização do MST. Em
editorial com o título de "Cangaço Revolucionário", a Folha de S. Paulo
afirmou que a ação foi movida por "2.000 delinqüentes", que "poucas vezes se
viu manifestação tão obtusa" e "é com polícia e processo judicial que se
'dialoga' com quem invade e destrói". O Estadão noticiou na primeira página
que o "Líder do MST apóia vandalismo". O conservador diário gaúcho/catarinense
Zero Hora colocou na primeira pagina que a ação teve influência estrangeira,
prejudicou investimentos prometidos ao Rio Grande do Sul e que as "mulheres
invasoras debocharam dos estragos". O jornal O Globo abriu espaço para que o
jornalista de ultradireita Reinaldo de Azevedo (editor do site Primeira
Leitura) afirmasse que "O lugar de João Pedro Stédile, o líder de um movimento
fantasma chamado MST, é a cadeia". O Jornal Nacional, também das organizações
Globo, desqualificou o protesto e as entidades que lutam pela reforma agrária.
O Jornal da Globo realizou gravação com câmera escondida e cita o coordenador
do MST, João Pedro Stédile de forma pejorativa. A rádio CBN entrevistou Luiz
Antônio Nabhan Garcia, presidente Nacional da União Democrática Ruralista
(UDR), concedendo-lhe mais de quinze minutos para que expusesse todas as suas
idéias reacionário contra o MST, a luta pela reforma agrária e o governo Lula.
A imprensa, no entanto não noticiou com destaque o fato de que no dia 20 de
janeiro de 2006 a empresa Aracruz Celulose S/A mobilizou helicópteros, bombas,
armas e 120 agentes da Polícia Federal do Comando de Operações Táticas (COT),
vindos de Brasília, para destruir duas aldeias e expulsar 50 pessoas dos povos
Tupiniquim e Guarani de sua terra tradicional, no município de Aracruz (ES).
Sem sequer receber uma ordem de despejo, os Tupiniquim e Guarani foram
surpreendidos com o violento ataque. A ação, que resultou na prisão arbitrária
de duas lideranças e deixou outras 12 pessoas feridas, teve todo o apoio
logístico da Aracruz. Os 120 agentes receberam hospedagem e utilizaram o
heliporto e os telefones da multinacional, fatos estes que motivaram a família
real da Suécia a vender suas ações da multinacional devido às denúncias e
fortes pressões contra a violação de direitos humanos cometidos e o
desrespeito ao meio ambiente no Brasil.
2.. Os protestos nos
Estados Unidos da América do Norte contra o muro da vergonha e a segregação
imposta em leis. A imprensa noticia que entre 500 mil pessoas, segundo a
polícia, e um milhão, conforme os organizadores, participaram neste sábado 25
de março de 2006 de uma manifestação de rua em Los Angeles, em protesto contra
um projeto linha-dura de legislação para a imigração nos Estados Unidos, que
tem apoio do presidente George W. Bush. Os manifestantes exigiram anistia para
os 11 milhões de imigrantes ilegais que se encontram no país. Entre outras
medidas, o projeto prevê que se construa muros ao longo de um terço da
fronteira entre os Estados Unidos e o México. O muro já vem sendo construído
há anos e é o maior do mundo depois da milenar Muralha da China, mas segundo a
Casa Branca precisa ser reforçado, pois é pela fronteira mexicana que entra a
maioria dos clandestinos.
3.. Greve geral anunciada pelos
sindicalistas na França para o dia 28 de março de 2006 em defesa dos direitos
e conquistas da classe trabalhadora na França. As conseqüências da retirada de
direitos e conquistas é a pressão sobre a Juventude que será submetida à super
exploração, em seu primeiro emprego, podendo ser demitida sem justa causa. Os
estudantes, que já paralisaram diversas escolas e universidades, devem
participar também do dia de luta - reeditando a frente de luta que teve seu
ponto alto em maio de 1968. "Esta terça pode ser a hora da virada", previa
ontem Bernard Thibault, secretário-geral da principal central sindical
francesa, a CGT. Sindicalistas confirmaram a greve geral convocada para a
próxima terça-feira dia 28 de março de 2006 em repúdio ao CPE. Os líderes das
quatro principais entidades estudantis da França ignoraram um convite para uma
reunião convocada para o sábado dia 26 de março de 2006, pelo
primeiro-ministro Dominique de Villepin. Disseram que continuarão com as
manifestações contra o Contrato de Primeiro Emprego (CPE), aprovado pela
maioria governista no Parlamento no último dia 16 de março de 2006. O primeiro
ministro propôs a reunião apenas para discutir mudanças na lei e não a sua
retirada conforme reivindicam os estudantes. "A palavra está com a rua",
sintetizava em sua edição de ontem o jornal Le Monde.
Estes acontecimentos
demonstram concretamente a insatisfação e as reações em diversos paises contra
a ofensiva do capital que, como nunca na história da humanidade, ataca com um
poder destrutivo sem precedentes. Estes fatos nos demonstram que a classe
trabalhadora recupera sua capacidade de ação e de luta em torno de suas
reivindicações. Demonstram que é necessária a organização e a ação tática para
que a estratégia tenha sucesso e avance para derrotar o capital e seu modo
perverso, tirano, autoritário, totalitário de organizar a vida seja enfrentado
e superado.
Portanto, tiramos daí lições importantíssimas:
1.
temos que nos unir em torno de nossas reivindicações gerais - contra o que nos
explora e destrói - o capital e sua expressão avançada, o
imperialismo;
2. temos que nos unir em torno de nossas reivindicações
específicas - juventude que reivindica trabalho, educação, lazer;
3.
temos que construir frentes amplas que nos mobilizem em torno da defesa das
conquistas dos trabalhadores e sua ampliação a todos;
4. temos que nos
manifestar de forma organizada nas ruas, não podemos continuar sendo
indiferentes porque a indiferença é um peso morto na história e permite que se
amarrem os nós que somente serão desmanchados pela espada;
5. temos que
ter nossas organizações - centrais sindicais, estudantis, partidos, com
direções que não nos traiam e encaminhem a luta em defesa das
reivindicações.
6. temos que enfrentar todo o aparato burguês que está
na imprensa, nos poderes judiciário, legislativo, executivo que concentram o
poder econômico e político;
7. temos que enfrentar a nossa própria
acomodação, desesperança, nossas ilusões, nossos pseudoconceitos, enfrentar as
pseudodemocracias, pseudoprocessos participativos, pseudoprocessos de
inclusão;
8. temos que recolocar a nível planetário o que é organizar a
vida colocando o planejamento global de organização da produção referenciado
na emancipação humana, nas necessidades vitais humanas e não nos lucros do
capital.
9. temos que nos educar e reeducar para retomarmos e
avançarmos na organização dos movimentos sociais de luta, para sermos aliados,
companheiros, camaradas, nos indignado e reagindo a cada violência impetrada
ao ser humana e a natureza, lembrando que a maior violência é a propriedade
privada, é a expropriação do trabalhador de sua força de trabalho, único fator
que imprime valor a
algo.
Estas lições não se dão por si só, estas lições são dadas em coletivos, exigem
condições objetivas para serem realizadas, apreendidas, aprendidas, retomadas,
criticadas, re-elaboradas e superadas.
Necessário se faz romper e
superar o que se impõe a nós no marco do capitalismo que é a construção da
subjetividade humana mesquinha, medrosa, egoísta, individualista, oportunista,
pragmática, competitivista, traidora da classe. Sem uma persistente militância
cultural, no seio dos movimentos de luta, chamais seremos capazes de aprender
tais lições porque o que determina a nossa consciência é o modo de nossa
existência.
Como disse o jornalista Cristiano Navarro, do Conselho
Indigenista Missionário, em relação à luta das mulheres campesinas no Brasil,
"era de se esperar que a ação da Via Campesina fosse rechaçada por "rapinas e
oportunistas", representantes do mundo da tecnologia e da propriedade privada,
dois pilares do capitalismo. Mas é assim que avançam as lutas populares no
Brasil. O povo organizado vai à frente tomando porrada de todos os lados e
respondendo as urgências do dia-a-dia, enquanto busca aqui, ali e acolá os
seus aliados - hoje tão difíceis de serem
encontrados".
Fuente: ListaGeografia/Brasil.