A Revolta dos Cabanos foi o movimento popular de maior alcance e
radicalismo do Brasil Imperial. Contra ele, a repressão imposta pelo
poder instituído atingiu níveis impressionantes: 40 mil mortos. O
ódio das elites ao contornar o episódio só foi menor do que o arrojo
com que pobres e oprimidos lutaram pela liberdade, democratização e
reforma agrária. Ideais que abalavam profundamente a sociedade
colonial e oligárquica da época. Como Palmares e Canudos, outras
referências de mobilização popular, a Cabanagem também foi
praticamente apagada dos registros históricos.
Em A Miserável Revolução das Classes
Infames, seu último texto, Décio Freitas - falecido em
2004 e considerado o mais importante historiador dos excluídos -
dilui realidade e ficção ao narrar esse episódio pouco conhecido de
nossa história. Baseado em documentos guardados no Arquivo Público
do Pará e cartas que lhes chegaram às mãos pela esposa do neto de
Francisco Ferrer - o célebre educador e socialista catalão fuzilado
em Barcelona, sob a acusação de participar de um levante anarquista
-, Décio esquadrinha o cotidiano dos envolvidos na revolta a partir
do olhar de um estrangeiro.
Com habilidade de romancista, Décio reconstrói toda uma época
através das cartas de Jean-Jacques Berthier, bretão evadido da
Guiana Francesa para Belém do Pará no século XIX, ao irmão
estabelecido em Nantes. Os textos foram doados por Décio à
Universidade Federal do Pará, permitindo assim que as pessoas façam
sua própria interpretação dos fatos e não se apropriando de
documentação que deve por natureza ser pública. Além de minuciosa
prestação de contas, neles Berthier reúne notícias de sua vida
pessoal e dos acontecimentos políticos que presencia. “Visto que
freqüentemente seu relato é fragmentado e lacunoso, corrigio-o ou
completeio-o mediante recurso a outras fontes”, esclarece Décio na
introdução.
A Miserável Revolução das Classes Infamesconta
detalhadamente a fantástica história de Manuel e Antônio Vinagre,
Felix Malcher, Eduardo Angelim e outros líderes da Revolução dos
Cabanos. Décio descreve com maestria a atmosfera da revolução e a
luta revolucionária. O leitor sente o calor da Amazônia, a podridão
dos costumes, a barbárie, a fúria dos combatentes, a tristeza das
almas e o constante cheiro de morte. Um livro que dá voz aos
vencidos e corrige a noção de um Brasil construído sem sangue. Aqui,
o autor mostra porque foi um dos raros historiadores cuja obra
provocou transformações tanto reais quanto intelectuais.
Décio Freitas nasceu no Rio de Janeiro, em 1922, mas se mudou
para Porto Alegre ainda criança. Formou-se em Direito pela
Universidade do Rio Grande do Sul, onde iniciou intensa militância
política no Partido Comunista Brasileiro e o trabalho na imprensa.
Faleceu em Porto Alegre em 9 de março de 2004.
A Miserável Revolução das Classes
Infames Décio Freitas Editora Record
240 páginas + encarte R$ 29,90
|