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Asunto: | NoticiasdelCeHu 1354/05 - Organizar a revolução ecológica (John B ellamy Foster) | Fecha: | Viernes, 14 de Octubre, 2005 21:21:13 (-0300) | Autor: | Centro Humboldt <humboldt @...........ar>
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NCeHu
1354/05
Organizar a revolução
ecológica
O meu tema — organizar a revolução ecológica
— tem como premissa inicial o facto de que estamos em meio a uma crise
ambiental global de tal enormidade que a teia da vida de todo o planeta
está ameaçada e com isto o futuro da civilização.
Isto já não é
uma proposição muito controversa. Há certamente diferentes percepções
acerca da extensão do desafio que isto implica. Num extremo há aqueles que
acreditam que uma vez que este problemas humanos decorrem de causas
humanas eles são facilmente resolúveis. Tudo o que precisamos é engenho e
a vontade de actuar. No outro extremo há aqueles que acreditam que a
ecologia mundial está a deteriorar-se numa escala e com uma rapidez para
além dos nossos meios de controle, dando origem às mais sombrias
previsões.
Embora muitas vezes sejam vistas como oposições
polares, estas visões no entanto partilham uma base comum. Como observou
Paul Sweezy, cada uma delas reflecte "a crença de que se as tendências
actuais continuarem a operar, é só uma questão de tempo as espécies
humanas arruinarem irremediavelmente o seu próprio ninho" ( Monthly
Review, Junho/1989).
Quanto mais aprendemos acerca das actuais
tendências ambientais, mais nos convencemos da insustentabilidade do nosso
presente percurso. Dentre os sinais de advertência verifica-se:
- Há agora uma certeza virtual de que o patamar crítico
de um aumento de 2º C (3,6º F) na temperatura média mundial acima do
nível pré-industrial será ultrapassado em breve devido à acumulação de
gases com efeito estufa na atmosfera. Cientistas acreditam que a mudança
climática a este nível terá implicações descomunais para os ecosistemas
do mundo. A questão já não é se ocorrerão mudanças climáticas
significativas mas sim quão grandes serão elas (International Climate
Change Task Force, Meeting the Climate Challenge, Janeiro/2005,
http://www.americanprogress.org ).
- Há crescentes preocupações na comunidade científica de
que as estimativas da taxa de aquecimento global fornecidas pelo United
Nations Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), as quais no
cenário do pior caso projectam aumentos na temperatura média global de
mais de 5,8º C (10,4º F) em 2100, podem demonstrar-se demasiado baixas.
Exemplo: resultados do maior experimento de modelação do clima mundial
com base na Universidade de Oxford, Grã-Bretanha, indicam que o
aquecimento global poderia aumentar quase duas vezes mais rapidamente do
que havia estimado o IPCC ( London Times, 27/Janeiro/2005).
- Experimentos no International Rice Institute e alhures
levaram cientistas a concluir que cada 1º C (1,8 F) de aumento na
temperatura, o rendimento do arroz, do trigo e do milho poderia cair 10
por cento ( Proceedings of the National Academy of Sciences,
06/Julho/2004; Lester Brown, Outgrowing the Earth ).
- Já é claro agora que o mundo atingirá dentro de poucos
anos o seu pico de produção de petróleo (conhecido como Pico de
Hubbert). A economia mundial está portanto a confrontar-se com
abastecimentos de petróleo em diminuição e cada vez mais difíceis de
obter, apesar de uma procura em crescimento rápido (Ken Deffeyes,
Hubbert's Peak; David Goodstein, Out of Gas ). Tudo isto
aponta para o desenvolvimento de uma crise energética mundial e para um
crescendo de guerras por recursos.
- O planeta está a enfrentar escassez de água global
devido à extracção de aquíferos insubstituíveis, os quais constituem a
maior parte do abastecimento de água fresca do mundo. Isto coloca uma
ameaça à agricultura global, a qual tornou-se uma economia bolha baseada
na exploração insustentável das águas subterrâneas. Uma em cada quatro
pessoas no mundo de hoje não têm acesso a água potável (Bill McKibben,
New York Review of Books, 25/Setembro/2003).
- Dois terços dos bancos pesqueiros do mundo estão
actualmente a ser capturados à sua capacidade máxima ou acima dela.
Durante o último meio século de pesca predatória nos oceanos do mundo,
90 por cento foram eliminados (Worldwatch, Vital Signs 2005).
- A extinção de espécies é a mais elevada em 65 milhões
de anos, com a perspectiva de extinções progressivas à medida que forem
removidos os últimos remanescentes dos ecosistemas intactos . A taxa de
extinção já está a aproximar-se 1000 vezes da "referência"
("benchmark") ou taxa natural ( Scientific American,
Setembro/2005). Cientistas localizaram 25 pontos quentes sobre a
terra que representam 44 por cento de todas as espécies de plantas
vasculares e 35 por cento de todas as espécies em quatro grupos
vertebrados, embora ocupem apenas 1,4 por cento da superfície da terra
mundial. Todos este pontos quentes estão agora ameaçados de aniquilação
rápida devido a causas humans ( Nature, 24/Fevereiro/2000).
- De acordo com um estudo publicado em 2002 pela National
Academy of Sciences, a economia mundial excedeu a capacidade
regenerativa da terra em 1980 e em 1999 ultrapassou-a em 20 por cento.
Isto significa, segundo os autores do estudo, que "seriam precisas 1,2
terras, ou uma terra por cada 1,2 anos, para regenerar o que a
humanidade utilizou em 1999" (Matthis Wackernagel, et. al, "Tracking the
Ecological Overshoot of the Human Economy," Proceedings of the
National Academy of Sciences, 09/Julho/2002).
- A questão do colapso ecológico de passadas civilizações
desde a Ilha da Páscoa até o Maias agora é cada vez mais vista como
estendendo-se ao sistema capitalista mundial de hoje. Esta visão,
consagrada pelos ambientalistas, foi recentemente popularizada por Jared
Diamond no seu livro Collapse.
Estas e outras campainhas de advertência
indicam que o presente relacionamento humano com o ambiente já não é
suportável. Os principais os países capitalistas desenvolvidos têm a maior
parte das responsabilidades ecológicas per capita, demonstrando que todo o
rumo de desenvolvimento do mundo capitalista no presente representa um
beco sem saída.
A TOCAR VIOLINO
A principal
resposta da classe dirigente capitalista, quando confrontada com o
crescente desafio ambiental, é "tocar violino enquanto Roma arde". Na
medida em que ela tem uma estratégia, esta é confiar no revolucionamento
das forças de produção, isto é, na mudança técnica, enquanto mantem
intacto o sistema existente de relações sociais. Foi Karl Marx que pela
primeira vez apontou, no Manifesto Comunista ,
para "o constante revolucionamento da produção" como uma característica
distintiva da sociedade capitalista. Os interesses estabelecidos de hoje
estão a contar com este processo interno de mudança tecnológica
revolucionária emparelhado com a proverbial magia do mercado a fim de
resolver o problema ambiental quando e onde isto for necessário.
Em agudo contraste, muitos ambientalistas acreditam agora que a
revolução tecnológica por si só será insuficiente para resolver o problema
e que é necessária uma revolução social de alcance mais longo destinada a
transformar o actual modo de produção.
Apresentar historicamente
esta questão da transformação ecológica da sociedade significa que
precisamos determinar: (1) para onde o sistema capitalista mundial está a
dirigir-se no presente; (2) a extensão em que ele pode alterar a sua rota
por meios tecnológicos ou outros em resposta às crises ecológica e social
de hoje; e (3) as alternativas históricas ao problema existente. A mais
ambiciosa tentativa feita até agora para efectuar uma tão vasta avaliação
foi a do Global Scenario Group ( http://www.gsg.org ), um
projecto lançado em 1995 pelo Stockholm Environmental Institute a fim de
examinar a transição para a sustentabilidade global. O Global Scenario
Group emitiu três relatórios: Branch Points (1997), Bending the
Curve (1998), e o seu estudo culminante, Great Transition
(2002). Naquilo que se segue vou concentrar-me no último destes
relatórios, a Great Transition. [1]
Como sugere o nome, o
Global Scenario Group emprega cenários alternativos a fim de explorar
possíveis caminhos que a sociedade capturada numa crise de
sustentabilidade ecológica pode adoptar. O seu relatório culminante
apresenta três classes de cenários. Mundos Convencionais, Barbárie e
Grandes Transições. Cada um deles contem duas variantes. Mundos
Convencionais consiste de Forças de Mercado e Reforma Política. A
barbarização manifesta-se nas formas de Colapso (Breakdown) e Mundo
Fortaleza. Grandes Transições é decomposto em Eco-comunalismo e Novo
Paradigma de Sustentabilidade. Cada cenário é associado a diferentes
pensadores: Forças de Mercado com Adam Smith, Reforma Política a John
Maynard Keynes e os autores do relatório de 1987 da Comissão Brundtland;
Colapso a Thomas Malthus; Mundo Fortaleza a Thomas Hobbes; Eco-comunalismo
a William Morris, Mahatma Gandhi e E. F. Schumacher; e o Novo Paradigma da
Sustentabilidade a John Stuart Mill.
Dentro dos Mundos
Convencionais o cenário Forças de Mercado representa o capitalismo nu, ou
neoliberalismo. Ele representa, nas palavras do relatório Great
Transition, "a explosão da expansão capitalista". Forças de Mercado é
uma ordem mundial capitalista sem restrições voltada para a acumulação de
capital e o crescimento económico rápido sem consideração com os custos
sociais ou ecológicos. O principal problema levantado por este cenário é a
sua relação predatória para a humanidade e a terra.
O impulso para
acumular capital, que é central num regime Forças de Mercado, é bem
capturado pela fórmula geral do capital de Marx (embora não mencionado no
próprio relatório Grande Transição). Numa sociedade de produção de
mercadorias simples (uma noção abstracta que se refere às formações
económicas pré-capitalistas nas quais o dinheiro e o mercado desempenham
um papel subsidiário), o circuito de mercadorias e dinheiro existe numa
forma, M-D-M , em que diferentes mercadorias ou valores de uso
constituem os pontos finais do processo económico. Uma mercadoria M
corporificando um valor de uso definido é vendida pelo dinheiro D
, o qual é utilizado para comprar uma diferente mercadoria M .
Cada circuito é completado com o consumo de um valor de uso.
No
caso do capitalismo, ou da produção generalizada de mercadorias, o
circuito do dinheiro e das mercadorias começa e acaba com dinheiro, o
D-M-D . Além disso, uma vez que o dinheiro é simplesmente um
relacionamento quantitativo, tal intercâmbio não teria significado se no
fim do processo fosse adquirida a mesma quantia de dinheiro do princípio.
Assim, a fórmula geral para o capital na realidade toma a forma de
D-M-D' , onde D' equivale a D + d ou valor excedente.
[2] O que se destaca, quando
contrastado com a produção de mercadorias simples, é que não há um fim
real do processo, uma que o objectivo não é o uso final e sim a acumulação
de valor excedente ou capital. Portanto, D-M-D' em um ano resulta
em d a ser reinvestido, conduzindo a D-M-D'' no ano seguinte
e D-M-D''' no ano a seguir, ad infinitum. Por outras
palavras, o capital pela sua própria natureza é valor em auto-expansão.
A força motora por trás do impulso para a acumulação é a
competição. A luta competitiva assegura que cada capital, ou firma, deve
crescer e portanto deve reinvestir os seus "rendimentos" a fim de
sobreviver.
Tal sistema tende para a acumulação exponencial
interrompida por crises ou interrupções temporárias no processo de
acúmulo. As pressões colocadas sobre o ambiente natural são enormes e
diminuirão apenas com o enfraquecimento e cessação do próprio capitalismo.
Durante o último meio século a economia mundial cresceu mais de sete
vezes, ao passo que a capacidade da biosfera para suportar tal expansão no
mínimo diminuiu devido às depredações ecológicas humanas (Lester Brown,
Outgrowing the Earth ).
A principal suposição daqueles que
advogam as Forças de Mercado como solução para o problema ambiental é que
elas conduzirão à eficiência crescente no consumo de inputs ambientais
através da revolução tecnológica e de ajustamentos contínuos do mercado. A
utilização de energia, água e outros recursos naturais diminuirá por
unidade de output económico. Isto é muitas vezes mencionado como
"desmaterialização". Contudo, a implicação central deste argumento é
falsa. A desmaterialização, na medida em que se possa dizer que existe,
tem-se mostrado uma tendência muito mais fraca do que o D-M-D' .
Tal como o relatório Global Transition coloca, "O 'efeito
crescimento' ultrapassa o 'efeito eficiência' ".
O PARADOXO DE
JEVONS
Isto pode ser compreendido concretamente nos termos
daquilo que tem sido chamado o Paradoxo de Jevons, assim chamado depois de
William Stanley Jevons ter publicado, em 1865, A questão do carvão (The
Coal Question). Jevons, um dos fundadores da economia neoclássica,
explicou que a melhoria nos motores a vapor que diminuíam a utilização de
carvão por unidade de output também serviram para aumentar a escala de
produção pois mais e maiores fábricas foram construídas. Portanto, o
aumento da eficiência na utilização do carvão teve o efeito paradoxal de
expandir o consumo total de carvão.
Os perigos do modelo Forças de
Mercado são claramente visíveis nas depredações ambientais ao longo dos
dois séculos decorridos desde o advento do capitalismo industrial, e
especialmente no último meio século. "Ao invés de diminuir", declara o
relatório Great Transition, sob um regime de Forças de Mercado "o
processo insustentável de degradação ambiental que observamos no mundo de
hoje iria [continuar a] intensificar-se. O perigo de transpor patamares
críticos em sistemas globais aumentaria, disparando eventos que
transformariam radicalmente o clima e os ecosistemas do planeta". Embora
esta seja a "a ideologia tácita" da maior parte das instituições
internacionais, o cenário Forças de Mercado conduz inexoravelmente ao
desastre ecológico e social e mesmo ao colapso. A continuação dos
"negócios como sempre (business-as-usal) é uma fantasia utópica".
Uma base muito mais racional para a esperança, assevera o
relatório, encontra-se no cenário de Reforma Política. "A essência do
cenário é a emergência da vontade política para gradualmente inclinar a
curva do desenvolvimento rumo a um conjunto abrangente de objectivos de
sustentabilidade", incluindo paz, direitos humanos, desenvolvimento
económico e qualidade ambiental. Esta é essencialmente a estratégia global
keynesiana advogada pelo Relatório da Comissão Brundtland no fim da década
de 1980 — uma expansão do estado previdência (welfare state), agora
concebida como um estado previdência ambiental (environmental welfare
state), para todo o mundo. Ela representa a promessa daquilo que os
sociólogos ambientais chamam a "modernização ecológica".
A
abordagem Reforma Política está representada em vários acordos
internacionais como o Protocolo de Quioto sobre aquecimento global e as
medidas de reforma ambiental avançadas nas cimeiras da terra no Rio em
1992 e em Jonesburgo em 2002. A Política de Reforma procuraria diminuir a
desigualdade e a pobreza mundial através de programas de ajuda externa
provenientes de países ricos e de instituições internacionais. Ela
promoveria as melhores práticas ambientais através de incentivos ao
mercado induzidos pelo estado. Mas, apesar do potencial para a
modernização ecológica limitada, afirma o relatório Great Transition, as
realidades do capitalismo colidiriam com a Reforma Política". Esta é a
razão porque a Reforma Política permanece um cenário dos Mundos
Convencionais — um cenário em que os valores subjacentes, os estilos de
vida e as estruturas do sistema capitalista perduram. "A lógica da
sustentabilidade e a lógica do mercado global estão em tensão. A
correlação entre a acumulação de riqueza e a concentração de poder
desgasta a base política para uma transição". Sob estas circunstâncias, o
"fascínio do Deus da Riqueza (God of Mammon) e o dólar Poderoso"
prevalecerão.
O fracasso de ambos os cenários dos Mundos
Convencionais para aliviar o problema do declínio ecológico significa a
ameaça da Barbárie: tanto no cenário Colapso como no do Mundo
Fortaleza. O colapso é auto-explicativo e a ser evitado a todo custo. O
Mundo Fortaleza emerge quando "poderosos actores regionais e
internacionais compreenderem as forças perigosas que conduzem ao Colapso"
e forem capazes de defenderem suficientemente os seus próprios interesses
para criar "enclaves de protecção". O Mundo Fortaleza é um sistema de
apartheid planetário, atrás de portões e mantido pela força, no qual o
fosso entre os ricos globais e os pobre globais aprofunda-se
constantemente e o diferencial de acesso a recursos ambientais e confortos
aumenta agudamente. Ele consiste de "bolhas de privilégios em meio a
oceanos de miséria... A[s] elite[s] travaram a barbárie às suas portas e
aplicaram uma espécie de administração ambiental e estabilidade ansiosa".
O estado geral do ambiente planetário, contudo, continuaria a
deteriorar-se neste cenário que poderia conduzir tanto a um Colapso
ecológico completo como à realização, através da luta revolucionária, de
uma sociedade mais igualitária, tal como o Eco-comunalismo.
RELATÓRIO DO PENTÁGONO
Esta descrição do Mundo
Fortaleza é notavelmente semelhante ao cenário divulgado em 2003 pelo
relatório do Pentágono Abrupt Climate Change and its Implications for
United States National Security (ver " The Pentagon and Climate Change ,"
Monthly Review, Maio/2004). O relatório do Pentágono encarava um
possível bloqueio devido ao aquecimento global do aquecimento da
circulação termoalina do Atlântico Norte, lançando a Europa e a América do
Norte para condições semelhantes às da Sibéria. Sob tais improváveis mas
plausíveis circunstâncias, populações relativamente abastadas, incluindo
aquelas nos Estados Unidos, são descritas como que a construir "fortalezas
defensivas" em torno de si próprias para manter do lado de fora massas de
candidatos a imigrantes. As confrontações militares sobre recursos
escassos intensificar-se-iam.
Pode-se argumentar que o capitalismo
nu e as guerras por recursos já estão a impelir o mundo nesta direcção no
presente momento, embora sem uma causa tão imediatamente abaladora da
terra como a mudança climática abrupta. Com o advento da Guerra de Terror,
desencadeada pelos Estados Unidos contra um país depois do outro desde 11
de Setembro de 2001, um " Empire of Barbarism " está a fazer sentir a
sua presença ( Monthly Review, Dezembro/2004). [ver em
português: Barbárie ou socialismo? ].
Calma, do ponto de
vista do Global Scenario Group, os cenários de barbárie estão ali
simplesmente para advertir-nos dos piores perigos possíveis do declínio
ecológico e social. Uma Grande Transição, argumenta-se, é necessária se
quisermos evitar a Barbárie.
Teoricamente, há dois cenários de
Grandes Transições encaradas pelo Global Scenario Group: Eco-comunalismo e
o Novo Paradigma da Sustentabilidade. Mas o Eco-comunalismo nunca é
discutido em pormenor, com o argumento de que para vir esta espécie de
transformação seria necessário antes que a sociedade mundial passasse
através da Barbárie. A revolução social do Eco-comunalismo é vista, pelos
autores do Global Scenario Group, como estando do outro lado do Tacão
de Ferro (Iron Heel) de Jack London. A discussão da Grande Transição é
então confinada ao Novo Paradigma da Sustentabilidade.
A essência
do Novo Paradigma da Sustentabilidade é a de uma transformação ecológica
radical que vá contra a "hegemonia capitalista" desordenada mas que se
detenha a curta distância de uma plena revolução social. Ela deve ser
executada primariamente através de mudanças em valores e estilos de vida
ao invés de transformação de estruturas sociais. Avanços na tecnologia
ambiental e políticas que comecem com o cenário Reforma Política, mas que
sejam incapazes de impulsionar suficiente mudança ambiental devido ao
predomínio de normas aquisitivas, são aqui suplementadas pela "cunha
estilo de vida".
No cenário explicitamente utópico do Novo
Paradigma da Sustentabilidade as Nações Unidas são transformadas na "União
Mundial", uma verdadeira "federação global". A globalização torna-se
"civilizada". O mercado mundial é plenamente integrado e disposto para a
igualdade e a sustentabilidade, não apenas a produção de riqueza. A Guerra
ao Terrorismo resultou na derrota dos terroristas. A sociedade civil,
representada por organizações não governamentais (NGOs), desempenha um
papel condutor na sociedade, tanto ao nível nacional como global. A
votação é electrónica. A pobreza é erradicada. A desigualdade típica
diminuiu para um fosso de 2 a 3 para 1 entre os 20 por cento do topo da
sociedade os 20 por cento da base. A desmaterialização é real, assim como
o princípio do poluidor pagador. A publicidade não é vista em parte
alguma. Houve uma transição para a economia solar. As longas viagens de
onde as pessoas vivem para onde elas trabalham são uma coisa do passado;
ao invés disso há "assentamentos integrados" que colocam casa, trabalho,
lojas as retalho e equipamentos de lazer em estreita proximidade uns dos
outros. As corporações gigantes tornaram-se organizações societais
progressistas ao invés de simples entidades privadas. Elas já não estão
preocupadas exclusivamente com o resultado económico mas reviram-no "para
incluir equidade social e sustentabilidade ambiental, não só como um meio
para o lucro mas como um fim".
Dizem que quatro agentes de
mudanças combinaram-se para trazer tudo isto cá para fora: (1) corporações
transnacionais gigantes; (2) organizações intergovernamentais tais como as
Nações Unidas, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização
Mundial de Comércio; (3) a sociedade civil actuando através da ONGs; e (4)
uma população mundial globalmente consciente e democraticamente
organizada.
Economicamente subjacente a isto está a noção de um
estado estacionário, tal como descrito por Mill nos seus Principles of
Political Economy (1848) e hoje promovido pelo economista ecológico
Herman Daly. A maior parte dos economistas clássicos — incluindo Adam
Smith, David Ricardo, Thomas Malthus e Karl Marx — viam o espectro de um
estado estacionário como o presságio da morte da economia política
burguesa. Em contraste, Mill, a quem Marx (no posfácio da segunda edição
alemã do Capital ) acusou-o de "sincretismo superficial", via o
estado estacionário como de algum modo compatível com as relações de
produção existentes, exigindo apenas mudanças na distribuição. No cenário
do Novo Paradigma da Sustentabilidade, que toma a visão de Mill do estado
estacionário como inspiração, as instituições básicas do capitalismo
permanecem intactas, assim como as relações fundamentais de poder, mas uma
alteração no estilo de vida e na orientação do consumidor significa que a
economia já não está voltada para o crescimento económico e o aumento de
lucros e sim para a eficiência, equidade e melhorias qualitativas na vida.
Uma sociedade capitalista anteriormente conduzida para a reprodução
ampliada através do investimento do produto excedente (ou valor excedente)
foi substituída por um sistema de reprodução simples (o estado
estacionário de Mill), no qual o excedente é consumido ao invés de ser
investido. A visão é de uma revolução cultural a complementar a revolução
tecnológica, mudando radicalmente a paisagem ecológica e social da
sociedade capitalista, sem alterar fundamentalmente as relações de
produção, de propriedade e de poder que definem o sistema.
Do meu
ponto de vista, há problemas tanto lógicos como históricos nesta
projecção. Ela combina os elementos mais fracos do pensamento utópico
(tecer um futuro a partir de meras esperanças e desejos — ver Bertell
Ollman, " The Utopian Vision of the Future ," Monthly Review, Julho-Agosto/2005) com um desejo
"prático" de evitar uma ruptura drástica com o sistema existente. O
fracasso do Global Scenario Group em esboçar o seu próprio cenário de
Eco-comunalismo é parte e parcela desta perspectiva, a qual procura iludir
a questão da mais profunda transformação social que uma genuína Grande
Transição exigiria.
O resultado é uma visão do futuro que é
contraditória ao extremo. Corporações privadas são instituições com uma e
apenas uma finalidade: a busca do lucro. A ideia de vira-las para
finalidades sociais inteiramente diferentes é uma reminiscência das noções
há muito abandonadas da "corporação cheia de bons sentimentos" que emergiu
durante um curto período na década de 1950 e logo se desvaneceu à luz
implacável da realidade. Muitas mudanças associadas ao Novo Paradigma da
Sustentabilidade exigiriam que fosse provocada por uma revolução de
classe. Contudo, isto etá excluído do próprio cenário. Ao invés disso, os
autores do Global Scenario Group empenham-se numa espécie de pensamento
mágico — negar que mudanças fundamentais nas relações de produção devem
acompanhar (e por vezes anteceder) mudanças em valores. No caso do cenário
da Reforma Política — como apontado no próprio relatório The Great
Transition — o "Deus da Riqueza" inevitavelmente esmagará uma Grande
Transição baseada no valor que procurar escapar ao desafio da
transformação revolucionária de toda a sociedade.
POR UMA
REVOLUÇÃO ECOLÓGICA E SOCIAL
Dito simplesmente, meu argumento
é que uma revolução ecológica global que valha este nome só pode ocorrer
como parte de uma revolução social — e eu insistiria, socialista — mais
ampla. Tal revolução, para gerar as condições de igualdade,
sustentabilidade e liberdade humana digna de uma genuína Grande Transição,
extrairia necessariamente o seu maior impulso das lutas das populações e
comunidades mundiais na base da hierarquia capitalista global. Ela
exigiria, como insistiu Marx, que os produtores associados regulassem
racionalmente a relação metabólica humana com a natureza. Isto
significaria riqueza e desenvolvimento humano em termos radicalmente
diferentes dos da sociedade capitalista.
Ao conceber tal revolução
social e ecológica, podemos retirar inspiração, tal como Marx o fez, do
antigo conceito epicureano de "riqueza natural". [3] Como observou Epicuro no seu
Principal Doctrines, "A riqueza natural é simultaneamente limitada
e facilmente obtenível; as riquezas de fantasias ociosas continuam para
sempre". É o caracter não natural e ilimitado de tal riqueza alienado que
constitui o problema. Analogamente, no texto que se tornou conhecido como
Vatican Sayings, Epicuro declarava: "Quando medido pelo propósito
natural da vida, a pobreza é grande riqueza, riqueza ilimitada é grande
pobreza". O livre desenvolvimento humano, surgindo num clima de limitação
e sustentabilidade naturais é a verdadeira base da riqueza, de uma riqueza
para a existência multilateral; a busca sem limites de riqueza é a fonte
primária do empobrecimento e sofrimento humanos. É desnecessário dizer que
tal preocupação com o bem estar natural, em oposição a necessidades e
estímulos artificiais, é a antítese da sociedade capitalista e a
pre-condição de uma comunidade humana sustentável.
Uma Grande
Transição, portanto, deve ter as características implícitas do cenário
abandonado pelo Global Scenario Group: Eco-comunalismo. Ela deve tomar
inspiração em William Morris, um dos mais originais e ecológicos
seguidores de Karl Marx, em Gandhi, e em outras figuras radicais,
revolucionárias e materialistas, incluindo o próprio Marx, podendo
remontar tão longe quanto Epicuro. O objectivo deve ser a criação de
comunidades sustentáveis adequadas ao desenvolvimento das necessidades e
poderes humanos, sem o impulso de tudo consumir e acumular riqueza
(capital).
Como escreveu Marx, o novo sistema "começa com o
auto-governo das comunidades" (Marx and Engels, Collected Works,
vol. 24, p. 519; Paul Burkett, "Marx's Vision of Sustainable Human
Development" neste número da Monthly Review ). A criação de uma
civilização ecológica exige uma revolução social; a qual, como explica Roy
Morrison, precisa ser organizada democraticamente a partir de baixo:
"comunidade por comunidade ... região por região" (Ecological
Democracy). Deve prover as necessidades humanas básicas — ar limpo,
água não poluída, alimentos sãos, saneamento adequado, transporte social e
cuidados de saúde e de educação universais. Tudo isto exige uma relação
sustentável com a terra — à frente de todas as outras necessidades e
desejos. Tal viragem revolucionária nos negócios humanos pode parecer
improvável. Mas a continuação do actual sistema capitalista por qualquer
período de tempo demonstrará ser impossível que a civilização humana e a
teia da vida como a conhecemos possam ser sustentadas.
Notas
[1] Os autores do
relatório Great Transition do Global Scenario Group são Paul
Raskin, Tariq Banuri, Gilberto Gallopín, Pablo Gutman, Al Hammond, Robert
Kates, e Rob Swart. [2] Grande parte da análise de
Marx no Capital preocupa-se com de onde vem m' ou valor excedente.
Para responder a esta questão, ele argumenta, é necessário ir mais abaixo
do processo de intercâmbio e explorar os recessos escondidos da produção
capitalista — onde se revela que a fonte de valor excedente é encontrada
no processo de exploração classista. [3] Sobre a
relação de Marx com Epicuro ver John Bellamy Foster, Marx's Ecology
(New York: Monthly Review Press, 2000).
[*]
Editor da Monthly Review.
Versão revista das notas de uma palestra realizada na secção Critical
Management Studies da Academy of Management, em Honolulu, Hawai, a
08/Agosto/2005.
O original encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/1005jbf.htm . Tradução de JF.
Fuente: www.resistir.info ,
4 de octubre de 2005.
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