O
livro “O Brasil e a economia internacional:
recuperação e defesa da autonomia nacional” (Rio de Janeiro, Campus/Elsevier, 2005) é mais
do que uma ampla sistematização das idéias desenvolvidas pelo economista
Paulo Nogueira, notório crítico das opções liberais de política econômica
encaminhadas pelos governos brasileiros desde o plano Real. Sua crítica à
ideologia da globalização e às teorias econômicas (e políticas) que
passaram a tendencialmente suprimir a validade do Estado e da Moeda abre
caminho para restabelecer a correlação entre soberania e desenvolvimento
nacional. A partir desse parâmetro desenvolve uma análise que combina a
discussão das políticas de superação das recorrentes crises cambiais no
Brasil com a construção de novos espaços internacionais para o país
adquiridos com o bloqueio do processo da Alca e uma nova postura nas
relações com a América do Sul e grandes países dependentes. A unidade
entre esses dois temas – política econômica e negociações econômicas
internacionais – é dada pela relação entre desenvolvimento e soberania.
Estado e
moeda A primeira parte do livro, sob o título
“Finanças internacionais e Economia brasileira”, desenvolve um amplo
quadro analítico para examinar as políticas de estabilização baseadas numa
forte alienação de comando nacional sobre a moeda. O caso mais
emblemático, o da Argentina, foi saudado durante um período como modelo de
estabilização monetária “globalizada”. Caiu em desgraça na seqüência de
crises cambiais mundiais que varreram boa parte das economias periféricas
– mas não todas; essas crises atingiram duramente aquelas que mais se
abriram às finanças internacionais.
No Brasil, com o plano Real, estabeleceu-se uma situação intermediária.
Ainda que não tenha renunciado à moeda nacional, desenvolveu-se uma
relação rígida e sobrevalorizada com o dólar e deu início a um processo de
crescente dependência de entrada de recursos externos. Ao mesmo tempo,
deprimiu sua capacidade de competição internacional, de crescimento e de
formulação mais autônoma de sua política econômica. Como se sabe esse
ciclo foi de curta duração e foi encerrado com uma crise cambial. Mas
projetou para um período mais prolongado a marca da vulnerabilidade
externa que avançou até o governo Lula.
A análise das opções de política econômica do governo Lula realça a
crítica quanto ao diagnóstico “ortodoxo” da crise cambial herdada do
governo anterior e a conseqüente ênfase no controle da dívida pública como
um fator central para o enfrentamento do risco externo. O autor propõe uma
inversão do enfoque, localizando o problema nas próprias contas externas,
na sua fragilidade. E procura demonstrar que estas exercem pressão sobre o
endividamento público e sobre a capacidade de pagamento do Estado, via
taxa de juros.
Se já no início do governo Lula, diagnóstico e política econômica
adotada já seriam questionáveis, com mais razão agora. Ainda que as
explicações para o crescimento verificado em 2004 e em curso em 2005
pareçam insuficientes, há a constatação de que o país reúne hoje condições
muito superiores em termos externos quando comparadas com as do início de
2003.
As análises feitas por Paulo Nogueira desses processos sempre foram das
mais lúcidas e foram escritas em “tempo real”. Isso pôde ser acompanhado
pelos seus leitores nas suas colunas semanais, nos seus ensaios e no seu
livro anterior (“A Economia como ela é...”, pela editora Boitempo).
Além da sistematização dessas análises, destaca-se a elaboração sobre a
“moeda” como uma categoria central e seu impacto nas políticas de
desenvolvimento. Aqui a moeda joga um papel semelhante ao atribuído ao
Estado desenvolvimentista pelos teóricos estruturalistas ou “cepalinos”. A
autonomia na gestão da moeda nacional é vista como um elemento chave
dentro de uma estratégia de desenvolvimento – a perda ou renúncia desse
requisito implica em aprofundamento da dependência. Essa abordagem é uma
contribuição muito importante para a compreensão dos impasses atuais do
desenvolvimento e das estratégias para a sua superação. Guarda uma
evidente relação com as preocupações centrais das teorias
desenvolvimentistas, mas, e isso aumenta a relevância da contribuição de
Paulo Nogueira, essas teorias, sabidamente, tinham como ponto frágil
justamente o tratamento da questão monetária, em especial da inflação.
Soberania e
desenvolvimento A segunda parte do livro trata das
Negociações Comerciais do Brasil. O núcleo da exposição é a guinada na
política exterior do Brasil com o governo Lula, especialmente nas
negociações com os EUA. Ao mesmo tempo, a demonstração de que essa nova
postura não levou ao isolamento comercial, ameaça sempre brandida pelos
defensores da subalternidade do país. É importante frisar que o processo
de negociação da Alca não está concluído e que deve ser mantido o alerta
para os riscos que a permanência nessa negociação implica. O autor é
especialmente didático na descrição dos objetivos do EUA com a Alca,
constituindo-se, talvez, na melhor exposição já feita sobre o tema.
As negociações entre o Mercosul e União Européia são analisadas sob o
mesmo ponto de vista com que questiona a Alca: a assimetria de poder
político e econômico entre as partes não permite um resultado justo e
favorável ao desenvolvimento dos países da América do Sul, em particular o
Brasil. Essas negociações, no entanto, não vem sendo acompanhadas no
Brasil com o mesmo sentido crítico que se tem em relação à Alca e essa é,
sem dúvida, uma advertência importante que o livro traz.
Mais espaço para alianças e para a defesa de posições, no entanto, o
autor vê na OMC. Ainda que nesse espaço se expressem conflitos de
interesses entre os países dominantes e possibilidades de ação conjunta
dos países dependentes, está longe de constituir-se em terreno favorável
ou promissor para os temas do desenvolvimento na periferia. E nesse ponto
o autor reduz a sua apreciação crítica.
O terceiro aspecto das negociações externas do Brasil – as que se
desenrolam na América do Sul e no eixo Sul (Índia, China, África do Sul) –
é o contraponto positivo a este quadro. O crescimento dos fluxos
comerciais e do peso relativo no conjunto das relações do Brasil mostra
que a importância dessas relações não é apenas de caráter político, embora
esse aspecto por si só já justificasse essa prioridade na nova política
exterior do Brasil. Uma questão não abordada é a postura do nosso país, no
interior dessas negociações, face aos países menores e mais pobres, que em
algumas situações reproduz práticas e mecanismos de imposição. Pela sua
complexidade e novidade, as negociações no âmbito da América do Sul e
entre países dependentes mereceriam mais atenção e análise.
A conclusão geral é a de que com a política exterior adotada pelo
Governo Lula vem sendo ampliada a soberania do país.
Bases para uma nova política
econômica De volta à política econômica brasileira:
com os avanços de soberania nas negociações internacionais e com o
processo de recuperação das contas externas, a atual política econômica
não é apenas uma opção incorreta a partir de um diagnóstico liberal das
crises cambiais. Ela é cada vez mais desajustada face as condições já
criadas pela economia brasileira e pela evolução das relações exteriores.
É, portanto, uma barreira ao processo de soberania e desenvolvimento. Uma
nova política econômica não seria apenas objeto de desejo político.
Carlos Henrique Árabe, economista e doutorando na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP, é membro da Comissão Executiva do
PT-SP.
Fuente: Agencia Carta Maior.
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