NCeHu 1316/05
Otra faceta de los alcances de la "libre
circulación"
O algodão e a
implementação da vitória do Brasil na OMC Sob pressão interna, EUA não
cumpriram prazos de redução dos
subsídios
Pedro de
Camargo Neto
Jornal Valor
Economico
Brasil
A viória obtida na disputa entre Brasil e EUA na questão dos
subsídios à produção de algodão, no âmbito da Organização Mundial de Comércio
(OMC), encontra-se em fase de implementação. Ganhamos. Agora cabe aos EUA
respeitar o veredicto.
A arbitragem do sistema de solução de
controvérsias da OMC, em duas instâncias, deu ampla vitória ao Brasil. Decidiu a
favor em quase a totalidade dos pleitos apresentados. A decisão da OMC dividiu
em duas etapas a obrigação dos EUA de alterar sua política de subsídio ao
algodão.
Na primeira etapa, com data fixada em 1º de julho de 2005, foi
determinado que a política de subsídios ao programa de exportação, conhecido
como Step 2 e considerado um subsídio ilegal, fosse eliminada. O painel de
arbitragem, já em sua primeira decisão, em 2004, fixou esta data considerando a
gravidade da ilegalidade apresentada. Na apelação, os árbitros definiram a
rápida eliminação deste programa, bem como a do componente de subsídio existente
nos créditos à exportação.
Na segunda etapa, que dentro das normas da OMC
deveria ocorrer seis meses após sua determinação - o que aconteceu no dia 21 de
setembro de 2005 -, determinou que quase toda a política de apoio à produção de
algodão fosse alterada, de maneira a cessarem os danos que vêm sendo causados ao
Brasil, conforme ficou amplamente caracterizado no processo.
Esta etapa,
mais complexa que a primeira, implica que os EUA reduzam os montantes
despendidos em subsídios em diversas políticas de apoio à produção de algodão. A
arbitragem, porém, não fixou valores ou percentuais de redução, ficando a ser
acordada entre as partes a interpretação do que representaria cessarem os danos
ao Brasil.
E agora, Brasil? Ganhamos, porém é preciso que as mudanças
realmente ocorram, para que a vitória seja mais do que só política, contribuindo
para o desenvolvimento nacional.
Primeiro de julho chegou sem que o
Brasil pressionasse com determinação para que as mudanças determinadas pela OMC
ocorressem na data definida há mais de um ano antes. O Brasil se reuniu com os
EUA e acabou aceitando um acordo, onde o Poder Executivo americano enviaria ao
Congresso proposta de emenda à legislação agrícola retirando o programa Step 2,
com a promessa de obter sua aprovação até o final do ano. A aprovação da emenda
continua tramitando em Washington e é objeto de pressão do organizado interesse
do setor algodoeiro local.
No Brasil, o setor produtivo sofre seríssima
crise, com reflexos diretos na redução da área plantada para a próxima safra. A
implementação da vitória em 1º de julho certamente teria minorado os prejuízos
dos produtores brasileiros, pois se estima que a eliminação somente do Step 2
deve aumentar os preços em cerca de 10 a 15% no mercado internacional.
É
preciso destacar que o governo brasileiro se posicionou corretamente na OMC
nesta época, garantindo o direito de vir a utilizar o instrumento da retaliação
comercial caso os EUA não cumpram o determinado pela arbitragem. Avocou
inclusive o direito de retaliar em questões protegidas pelo acordo de
propriedade intelectual e de serviços de maneira corajosa e
pioneira.
Agora, a data de 21 de setembro chegou sem que a primeira etapa
do determinado tenha sido cumprida pelos EUA. Embora tramite no Congresso, a
legislação que elimina o Step 2 não foi ainda aprovada.
Se EUA tivessem
honrado a primeira etapa definida pela OMC, os preços no mercado internacional
teriam subido em até 15%
Cumprir a segunda etapa é algo
extremamente mais complexo. A arbitragem não explicitou o que seria eliminar os
danos causados ao Brasil. Poderão os EUA continuar a subsidiar seus produtores
com instrumentos de política agrícola que distorcem o comércio? Poderão os EUA
continuar a exportar algodão, embora seus produtores recebam subsídios que
comprovadamente distorcem o comércio? Terá o produtor brasileiro que continuar
concorrendo no mercado internacional com algodão americano, onde parte do custo
de produção foi arcado pelo Tesouro de Washington?
O que é causar dano à
economia nacional? Que nível de subsídios causa prejuízo à cotonicultura
brasileira? Quantos empregos podem ser suprimidos porque os EUA continuam a
subsidiar seus produtores? Qual o nível de preço que o produtor brasileiro é
obrigado a suportar, fruto de distorções por subsídios? Que parcela do mercado
internacional de algodão é reservada ao Congresso de Washington, não ao
produtor, com a aprovação de recursos orçamentários ilimitados para
subsídios?
Essas questões também estão sendo discutidas na Rodada Doha de
negociações da OMC, que tem a pretensão de ser chamada de rodada para o
desenvolvimento. Qualquer acordo realizado agora pelo Brasil tem implicações
diretas na negociação em andamento.
O contencioso do algodão representa
um marco no comércio mundial. Um país em desenvolvimento, utilizando o sistema
multilateral, venceu um país desenvolvido em uma questão agrícola de profundo
alcance. A implementação da vitória terá reflexos diretos na nova legislação
agrícola americana que entra em discussão no ano que vem.
É preciso
reconhecer a complexidade da questão e agir com cautela, porém com determinação,
fruto da compreensão da importância para os países em desenvolvimento da sua
correta implementação.
A negociação da redução dos subsídios de apoio
interno da Rodada Doha é confusa e complexa. A atual negociação está estruturada
de maneira a definir limites e regras para os diversos tipos de subsídios, onde
uns são considerados piores do que outros. Os subsídios classificados como da
caixa verdes, que em princípio deveriam se limitar ao apoio à pesquisa
agronômica e extensão rural, não terão limites de recursos. Existe uma ampla
tentativa de enquadrar como verdes inúmeras políticas claramente não deste
tipo.
O contencioso do algodão contestou e venceu a posição de que a
política chamada de pagamentos diretos seria verde. A União Européia preocupa-se
hoje em não ter regras que torne sua política de pagamentos anuais como
não-verdes.
A tentativa dos EUA de enquadrar sua política chamada de
pagamentos contra-cíclicos dentro de novas regras da caixa azul ficou
evidenciada pelo resultado do contencioso. A política conhecida como pagamento
de deficiências de preço ficou caracterizada como altamente distorciva ao
comércio e com reflexos claros na exportação.
Qualquer acordo no
contencioso do algodão tem reflexos claros na Rodada Doha. O correto seria
vermos os EUA cumprir seu veredicto, avaliado pela OMC dentro das regras do
acordo da Rodada Uruguai, para na seqüência negociarmos os novos avanços da
Rodada Doha.
Cumpre ao governo brasileiro manter a determinação que levou
os produtores a iniciarem a ação.
(*) Pedro de Camargo Neto é ex-secretário de Produção e
Comercialização do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento.
Gentileza de Marie Christine Lacoste, "Rumbos"
(Fr).
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