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Asunto: | NoticiasdelCeHu 1113/05 - Examinando o fiasco de Gaza (Jennifer Loewenstein) | Fecha: | Sabado, 20 de Agosto, 2005 02:22:20 (-0300) | Autor: | Centro Humboldt <humboldt @...........ar>
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NCeHu
1113/05
Examinando o Fiasco de Gaza A
vergonha de tudo isto
Uma grande pantomina está a ter lugar na Faixa de Gaza em frente ao media
mundiais. É a evacuação encenada de 8000 colonos judeus dos seus colonatos
ilegais. Ela foi cuidadosamente concebida a fim de criar imagens destinadas a
apoiar a tomada da Margem Ocidental (West Bank, o lado ocidental do Rio Jordão),
respaldada pelos EUA, e a cantonização dos palestinianos.
Nunca houve o
mais leve motivo para Israel enviar o exército a fim de remover aqueles colonos.
Toda a operação poderia ter sido administrada, sem o melodrama necessária para
os media frenéticos, através da determinação de uma data fixa a partir da qual
as forças armadas de Israel retirariam de dentro da Faixa de Gaza. Uma semana
antes, todos os colonos teriam abandonado sem câmaras de TV, meninas lacrimosas,
soldados angustiados, nem comentadores a perguntarem questões enjoativas sobre
como judeus podiam remover outros judeus dos seus lares, e sem mais traumas
acerca do seu terrível sofrimento, as vítimas do mundo, as quais portanto têm de
ser ajudadas a chutar os palestinianos para fora da Margem Ocidental.
Os
colonos relocalizar-se-ão em outras partes de Israel e, em alguns casos, em
outros colonatos ilegais na Margem Ocidental, graciosamente compensados pelos
seus aborrecimentos. Na verdade, cada família judia que deixa a Faixa de Gaza
receberá entre US$ 140 mil e US$ 400 mil apenas pelo custo da casa que deixam
para trás. Mas estes pormenores raramente são mencionados na tempestade de
reportagens sobre a "grande confrontação" e o "momento histórico" que nos é
servido por Sharon e a cultura de roubo e assassínio colonizador que ele ajudou
a criar.
No programa Nightline da ABC, segunda-feira à noite, um
repórter entrevistou uma jovem e simpática mulher israelense do maior colonato
de Gaza, o Neve Dekalim — uma garota com sinceridade na sua voz, contendo as
lágrimas. Ela não via os soldados como seu inimigo, dizia, e não queria
violência. Ela abandonará apesar de considerar que isso lhe provoca grande dor.
Falou acerca da árvore que plantara em frente ao seu lar, juntamente com o seu
irmão, quando tinha três anos, acerca da sua vivência na casa que estava agora a
deixar, das memórias, e sabendo que nunca mais poderia retornar, que mesmo se o
fizesse, tudo o que ela conhecia teria saído de cena. A câmara então moveu-se
para os seus parentes idosos sentados sombriamente em meio a bens encaixotados,
a observarem a cena, a olharem com ar abandonado e resignado. Sua mãe era
professora num infantário, disse-nos. Ela conhecia todas as crianças que se
criaram aqui próximo ao mar.
Nos cinco anos da brutal supressão de
Israel do levantamento palestiniano contra a ocupação, nunca vi ou ouvi um
trecho tão longo e com tanto pormenor sentimental e humano como aqui, nunca
alguma vez um repórter permitiu que uma simpática jovem palestiniana, cujo lar
fora arrasado com bulldozer e que perdera todas as coisas que possuía, contar do
seu sofrimento e aflição, das suas memórias e das memórias da sua família; nunca
consegui ouvir acerca das suas reflexões sobre para onde iria agora e como
viveria. E ainda assim, desde Setembro de 2000, só em Gaza mais de 23 mil
pessoas perderam os seus lares diante dos bulldozers e das bombas israelenses —
muitas vezes avisados no mesmo instante com o argumento de que "ameaçavam a
seguranças de Israel". A vasta maioria dos lares destruídos estavam localizados
demasiado próximos a um posto avançado das forças armadas de Israel ou de
colonatos ilegais de modo que não lhes era permitido continuar de pé. As vítimas
não recebiam compensação pelas suas perdas e não tinham lugares à espera para
serem relocalizadas. A maior parte acabou em cidades-tendas temporárias da UNRWA
até que pudessem encontrar abrigo alhures na Faixa densamente superlotada, em
que um quarto das melhores terras era habitada pelos 1% da população que era
judia e ocupava a terra a seu talante.
Onde estavam os cameramen em Maio
de 2004 em Rafah, quando refugiados perderam os seus lares por duas vezes num
único raid nocturno, incapazes reencontrar nada do que possuíam? Onde estavam
eles quando bulldozers e tanques rasgaram ruas pavimentadas com lâminas de aço,
destruíram as condutas de esgotos e as tubagens de águas, cortarem linhas
eléctricas, e demoliram um parque e um zoológico; quando atiradores de elite
abateram duas crianças, um irmão e a irmã, que alimentavam os seus pombos no
tecto da sua casa? Quando um tanque do exército ocupante disparou um projéctil
sobre um grupo de manifestantes pacíficos matando 14 deles inclusive duas
crianças? Onde estavam eles nos últimos cinco anos quando o verão quente de
Rafah tornou a vida tão insuportável e tudo que podiam fazer era sentar-se
silenciosamente na sombra de um telhado de zinco ondulado — porque lhes era
proibido ir para o mar, à distância de dez minutos a pé do centro da cidade? Ou
porque, se se aventurassem em espaços mais abertos, tornavam-se alvos humanos em
movimento? E quando os seus cidadãos resistiam, onde estavam as aclamações e a
admiração dos media a comentarem sobre o "coragem", a "vontade" e a "audácia"
destes "jovens"?
Na terça-feira 16 de Agosto o diário israelense
Haaretz relatou que mais de 900 jornalistas de Israel e todo o mundo
estão a cobrir os acontecimentos em Gaza, e que centenas de outros estão em
cidades de Israel para cobrir reacções locais. Mas desde quando houve muitos
jornalistas nos locais durante os últimos cinco anos para cobrir a Intifada
palestiniana?
Onde estavam os 900 jornalistas internacionais, em Abril
de 2002, depois de o campo de refugiados de Jenin ser arrasado numa questão de
uma semana, numa exibição de pura arrogância e sadismo israelense? Onde estavam
os 900 jornalistas internacionais quando o campo de refugiados de Jabalya, em
Gaza, caiu sob um sítio israelense e mais de 100 civis foram mortos? Onde
estavam eles durante cinco anos enquanto toda a infraestrutura física da Faixa
de Gaza estava a ser destruída? Quais deles relataram que todos os crime da
ocupação israelense — desde demolições de lares, assassínios dirigidos e
encerramentos totais para o assassínio de civis e a destruição injustificável de
propriedade comercial e pública — aumentaram significativamente em Gaza depois
de o Plano de "Retirada" ("Disengagement") de Sharon ter sido anunciado?
Onde estão as centenas de jornalistas que deveriam estar a cobrir os
muitos protestos não violentos de palestinianos e israelenses contra o Muro do
Apartheid? Protestários não violentos defrontam-se com a violência e a
humilhação por parte das forças armadas israelenses. Onde estão as centenas de
jornalistas que deveriam estar a relatar o cerco económico e geográfico da
Jerusalém Leste palestiniana e o biseccionamento da Margem Ocidental e a
subdivisão de cada região em dúzias de mini-prisões isoladas? Por que não
estamos a ser bombardeados com relatos ultrajados acerca das estradas destinadas
só a judeus? Acerca das centenas de checkpoints internos sem propósito? Acerca
das incontáveis execuções extra-judiciais e mutilações? Acerca da tortura e
abuso de palestinianos em prisões israelenses?
Onde estavam estas
centenas de jornalistas quando cada uma das 680 crianças palestinianas abatidas
pelos soldados israelenses ao longo dos últimos cinco anos era enterrada pelos
entristecidos membros das suas famílias? A vergonha de tudo isto desafia as
palavras.
Agora, ao invés disso, reportagem após reportagem anuncia o
"fim dos 38 anos de ocupação" da Faixa de Gaza, um "ponto de viragem para a paz"
e as notícias de que "agora é ilegal para israelenses viverem em Gaza". Será
alguma espécie de brincadeira?
Sim, é "ilegal para israelenses viverem
na Faixa de Gaza" como colonizadores de um outro país. Isto tem sido ilegal
desde há 38 anos. (Se quiserem mudar-se para ali e viverem como iguais com os
palestinianos e não como cidadãos israelenses podem faze-lo).
O plano de
"Retirada" unilateral de Sharon não está a finalizar a ocupação de Gaza. Os
israelenses não estão a abandonar o controle sobre a Faixa. Eles estão a reter o
controle de toda a terra, ar e fronteiras marítimas, incluindo o corredor
Philadelphi ao longo da fronteira Gaza/Egipto onde é permitido aos egípcios sob
o olho observador de Israel e de acordo com os mais estritos termos de Israel.
Os 1,4 milhão de habitantes de Gaza permanecem prisioneiros numa colónia penal
gigante, apesar do que os seus líderes partidários tentam apregoar. As forças
armadas de Israel estão simplesmente a reinstalar-se fora da Faixa de Gaza, a
qual está cercada por grades eléctricas e de betão, arame farpado, torres de
vigilância, guardas armados e censores de movimento, e elas reterão a autoridade
para invadirem a Faixa sob qualquer pretexto. Oito mil trabalhadores
palestinianos a trabalharem em Israel por salários de escravo em breve serão
impedidos de retornarem ao trabalho. Outros 3200 palestinianos que trabalhavam
nos colonatos por um salário sub-mínimo foram sumariamente demitidos sem direito
a pagamento de indemnização ou outras formas de compensação. Outros ainda
perderão seus meios de vida quando os israelenses mudarem a Zona Industrial de
Gaza de Erez para algum lugar no deserto de Negev.
Em Dezembro de 2004 o
Banco Mundial relatou que tanto a pobreza como o desemprego aumentarão a seguir
à "Retirada", mesmo sob a melhor das circunstâncias, porque Israel reterá o
pleno controle sobre o movimento de bens para dentro e para fora de Gaza,
manterá uma separação forçada da Margem Ocidental e de Gaza, impedindo os
residentes de cada lado de visitarem-se entre si, e redigirá acordos
alfandegários separados com cada zona, decepando as suas economias já
estilhaçadas — e nós ainda somos forçados a ouvir dia após dia notícias sobre
esta histórica iniciativa de paz, este grande ponto de viragem na carreira de
Ariel Sharon, esta estória do trauma nacional para os irmãos e irmãs que tiveram
de executar as penosas ordens do seu sábio e acossado líder.
O que será
preciso para levar a verdade ao povo? À jovem de Neve Dekalim que é capaz de
falar aquelas palavras sem piscar de embaraço ou de vergonha? Quando as câmaras
fazem zoom sobre colonos coléricos a chocarem-se com os seus "irmãos e irmãs" no
exército israelense, quem estará preocupado acerca dos seus outros irmãos e
irmãs em Gaza? Quando será que a história palestiniana de 1948 e 1967, e de cada
diz passado sob a violência do despojamento e da desumanização, obterão uma
manchete nos nossos jornais?
Recordo-me de uma entrevista que tive este
verão em Beirute com Hussein Nabulsi do Hizbullah, uma organização que nada
tinha a ver com o movimento para libertação nacional da Palestina, mas que se
tornou aliada àqueles que encara como as vítimas reais das políticas americana e
israelense e das suas mentiras. Recordo que fechou os olhos com força e apertou
os punhos quando perguntou por quanto tempo árabes e muçulmanos era supostos
aceitar as acusações que são eles os vitimizadores e os terroristas. "Isto
fere", disse ele num murmúrio ardoroso. "Fere demasiado observar esta injustiça
todos os dias". E ele prosseguiu explicando-me porque os americanos e os
israelenses, com os seus monstruosos arsenais militares, nunca serão vitoriosos.
17/Agosto/2005
[*] A autora será visitante Fellow no Centro de Estudos
de Refugiados da Universidade de Oxford a partir deste ano. Pode ser contactada
pelo email amadea311@earthlink.net .
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