Com
a decadência da mineração de ouro, a partir da segunda metade do século
18, o Brasil chegou a amargar – por cerca de sete décadas – uma longa fase
de regressão econômica. Somente no início do segundo quartel do século 19,
com a expansão cafeeira no sudeste do país, foi possível por fim ao
período político de administração da crise econômica.
Na Depressão de 1929, o insucesso cafeeiro foi sucedido pela opção do
governo Vargas de desencadear um projeto nacional de industrialização no
país agrário-exportador. Mesmo que não desprezíveis, as reações
provenientes da herança cafeeira, como a insurreição paulista de 1932,
foram sendo acomodadas pelo forte crescimento econômico durante meio
século de industrialização.
Logo no início da década de 1980, com a crise da dívida externa, o país
perdeu o eixo do desenvolvimento nacional. De lá para cá, o Brasil tem-se
caracterizado pela estagnação da renda por habitante. Em síntese: já se
trata de ¼ de século ocupado por governos comprometidos com a
administração da mais grave crise econômica desde 1840 no Brasil.
Quando o presidente Lula assumiu em 2003 havia a possibilidade de
escalar uma equipe econômica progressista, comprometida com a ousadia
necessária aos dias de hoje para por o país na rota de um grande projeto
nacional de desenvolvimento. Prevaleceu, no entanto, a decisão
presidencial voltada à escolha do caminho de menor resistência política,
atrelada lamentavelmente à administração possível da crise do capitalismo
brasileiro.
A atual equipe econômica – por saber que nesse cenário não há espaço
para crescimento econômico sustentável diante da estreita possibilidade de
expansão dos investimentos – tem procurado construir um ciclo político da
economia nacional.
Em outras palavras, trata-se de puxar o freio de mão da economia em
2005, na expectativa de que no ano que vem possa promover alguma
aceleração no ritmo de atividades capaz de embalar positivamente o cenário
político das eleições presidenciais. Como não há fluxo interno de
investimentos para elevar a capacidade de produção, nem tampouco
ociosidade de equipamentos para sustentar dois anos seguidos de
recuperação econômica, assiste-se a adoção - desde o final de 2004 - de
medidas direcionadas ao esfriamento da economia nacional (elevação dos
juros reais e da contenção dos gastos operacionais para ser alcançado
maior superávit primário, compatível com a carga ampliada do endividamento
público).
Construir um ciclo político da economia nacional no médio prazo não se
constitui algo simples. O governo FHC, por exemplo, falhou em duas
oportunidades. A primeira tentativa frustrada ocorreu em 1998, quando foi
atropelada pela crise asiática, enquanto a segunda transcorreu antes das
eleições de 2002, interrompida pelo o agravamento da crise energética.
O ingrediente necessário para que o ciclo político da economia dê certo
é, por incrível que possa parecer, a sorte. Mesmo que a equipe econômica
fosse uma maravilha e o conjunto do governo excepcional, não estaria
afastado o imponderável, uma vez que grande parte das variáveis não é de
governabilidade direta do presidente de plantão.
Diante das incertezas que representam as tentativas de administração da
crise econômica via a construção de mais um ciclo político-eleitoral, o
risco de mais um fracasso da equipe econômica poder custar muito caro não
apenas ao governo Lula. Mas, sobretudo, ao país, que já se encaminha para completar a terceira
década perdida.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de
Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Foi secretário do
Trabalho na gestão de Marta Suplicy (PT) na Prefeitura de São Paulo
(2001-2004).
Fuente: Agencia Carta Maior, 8 de junio de
2005. |