AS ÁRVORES E AS
REDES DE ENERGIA E COMUNICAÇÃO NAS CALÇADAS –
UMA PESQUISA NO
CENTRO EXPANDIDO DO RECIFE - PERNAMBUCO/BRASIL
Edvânia Tôrres Aguiar
Gomes
1
Heleniza Ávila
Campos
2
Mariana Zerbone A
Albuquerque
3
Introdução
A visibilidade das espessuras ambientais do espaço
públicos urbanos é inversamente proporcional à complexidade das co-existências
entre seus objetos, especialmente das redes e dinâmicas sociais que o
configuram. Há refinamento tecnológico das redes num tempo cada vez mais
acelerado. As redes naturais subjazem ao mundo dos artefatos. Nas calçadas há
confrontos entre elementos naturais (cursos d’águas, vegetação, por exemplo), e
os equipamentos artificiais (linhas de transmissão de energia elétrica e
equipamentos de comunicação), afetando os transeuntes e desafiando os gestores e
planejadores da cidade. O aprimoramento da técnica cada vez mais indispensável
sacrifica elementos naturais. Essa pesquisa avança no sentido de expor e
recuperar esses dilemas, tendo como foco a análise da arborização e das redes de
iluminação e abastecimento de energia elétrica e linhas de comunicação numa
cidade colonial como o Recife. O planejamento é desafiado a compreender e gerar
propostas para uma convivência entre essas redes. Podas sucessivas e mal
executadas, ausência de estudos específicos acerca das espécies adequadas, têm
contribuído para deseconomias urbanas com impacto no padrão da qualidade de vida
e do ambiente urbano, além de encarecimento na prestação de serviços. O
comprometimento do estado vegetativo, ampliação de desligamentos das redes,
tombamentos, mutilações e surgimento de brotações epicórnicas, além do impacto
visual e perda da amenidade climática, foram aspectos que moveram esta pesquisa,
parte da qual subsidiou projeto em desenvolvimento junto à ANEEL (Agencia
Nacional de Energia Elétrica), através da concessionária local, denominada
Celpe/Iberdrola na busca de alternativas e sugestões propositivas que animem uma
compatibilização entre as redes.
O Espaço das Calçadas
A calçada é um espaço de grande importância para o
meio urbano, entretanto não tem uma atenção correspondente ao seu valor, tanto
por quem administra, como por que a utiliza. Esta pode passar desapercebida, ou apenas como um coadjuvante no
cenário da cidade. Contudo, as calçadas devem ser tratadas como um patrimônio,
não no sentido cultural, mas como um patrimônio da população, de uso intenso e
indispensável. Segundo YÁZIGI (2000: 20) não se pode perder de vista que o sistema de
circulação no qual se insere a calçada foi, em algum momento, repassado ao
patrimônio comunitário. Esta passagem se dá por herança da fundação, quando era
uma necessidade reconhecida pela administração; por doações espontâneas; por
desapropriações com uso do erário ou ainda por obrigações do parcelamento do
solo: as áreas verdes, de interesse social e de
circulação.
Porém, a calçada não é apenas uma área de
circulação de pedestres, e sim um palco de coexistências, as quais estruturam a
configuração territorial deste espaço. O espaço das calçadas aqui trabalhado,
baseia-se no conceito de espaço de Milton Santos, quando ele afirma que
considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo
arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro,
a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento (SANTOS,
1988: 20.). A calçada é palco do cotidiano da população, onde é possível
identificar as mais diferentes relações sociais. Yázigi afirma que,
um exame mais atento nos
revela diversificados usos, muito além da elementar característica de
circulação. Suas funções mudam no tempo, no espaço; divertem e sustentam milhões
de pessoas. São tantas que não podem ficar à mercê de cada um
(YÁZIGI, 2000: 20.)
Mas com isso surge uma pergunta, a calçada é ou
não um espaço público? Segundo CAMPOS (1995), entende-se por espaço público todo
tipo de espaço intermediário entre edifícios em áreas urbanas, onde o acesso é
em geral permitido ao público, podendo estar agrupados como abertos ou fechados.
Os espaços públicos abertos comporiam a própria trama viária e os sistemas de
áreas abertas, verdes ou não, enquanto que os espaços fechados seriam os
edifícios institucionais de uso predominantemente público e comunitário. Os
espaços públicos abertos seriam caracterizados por áreas situadas dentro de uma
concentração urbana, não cobertas por edifícios ou estruturas permanentes,
permitindo assim o livre acesso e movimento de pessoas sem restrições ou
obstruções físicas, cujas atividades se realizam fora da intimidade de
habitação.
Por outro lado, verifica-se que RIBEIRO &
MESQUITA (2000) consideram o espaço urbano, sob o aspecto físico, como um
complexo de espaços edificados e espaços livres, ambos resultantes de atuações
humanas institucionalizadas ou não e que, em alguns casos, estão articulados
entre si, de acordo com a lógica interna. As autoras definem os espaços
edificados como áreas ocupadas de forma significativamente densa pelas
construções que atendem às atividades do meio urbano, enquanto que os espaços
livres, no contexto da estrutura urbana, definem-se como áreas parcialmente
edificadas ou com nula ou mínima proporção de elementos construídos e/ou de vegetação (avenidas, ruas,
passeios, vielas, pátios, largos), ou com a presença efetiva de vegetação
(parques, praças, jardins).
Com isso, pode-se afirmar que as calçadas fazem
parte deste conjunto de espaços livres existentes na cidade. Entretanto, a
calçada é um espaço que é de utilização pública, porém, segundo a legislação,
sua construção e manutenção são de responsabilidade do proprietário ou ocupante
do imóvel, sendo apenas em alguns casos do Poder Público Municipal. Grande parte
da população não tem conhecimento de quem pertence este espaço, muitas vezes
apossando-se do território pertencentes ao poder público e também a
particulares. Além disso, mesmo sendo a calçada de responsabilidade do
proprietário do imóvel, este não pode mexer neste espaço sem seguir algumas
normas pré-estabelecidas pela administração municipal.
A calçada e as redes e as redes das calçadas
O espaço da calçada pode ser considerado uma malha
reticulada composta por um sistema articulado de redes, que, como afirma
RAFFESTIN (1980: 148-167, apud Santos 1997), surge da construção deliberada do espaço como
quadro de vida, pronto para responder aos estímulos da produção em todas as suas
formas materiais e imateriais. Todavia, vale ressaltar a heterogeneidade dessas redes, da mesma forma
que não existe homogeneidade no espaço. Elas se superpõem, coexistem, havendo
desigualdades no uso, sendo desta forma diversificado o papel dos agentes no
processo de controle e de regulamentação de seu funcionamento. (Santos 1997:
213-214).
A calçada é um espaço complexo formado por redes e
circuitos, animados pelas relações sociais. Milton Santos admite que as redes se
enquadram em duas grandes matrizes: a que apenas considera o seu aspecto, a sua
realidade material, e uma outra, onde é também levado em conta o dado social.
Para definir as redes materiais ele se utiliza do pensamento de N. CURIEN (1888,
p.212) que diz que: Toda
infra estrutura, permitindo o transporte da matéria, de energia ou de
informação, e que se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela
topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de
transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação. (Santos 1997:209). Santos continua afirmando que
"a rede também pode ser social e política, pelas pessoas, mensagens, valores que
a freqüentam. Sem isso, a disputa da materialidade como se impõe aos nossos
sentidos, a rede é uma mera abstração".
Olivier DOLLFUSS (1971: 59, apud Santos 1997:209)
propõe que o termo rede
seja limitado aos sistemas artificiais criados pelo homem, deixando aos sistemas
naturais o nome de circuitos. Santos complementa dizendo que a verdade é que uns e outros apenas são
valorizados pela ação humana. Com isso, trabalhar-se-á aqui a relação entre as
redes e circuitos que coexistem nas calçadas presentes no espaço urbano, local
este, marcado por relações,
coexistência e conflitos entre as redes materiais, os circuitos naturais e a
sociedade.
Quando DIAS (in CASTRO, 2000) trabalha o conceito
de redes, ela detalha as redes técnicas como resposta a uma demanda social,
podendo ser caracterizadas como Ferrovia, Rodovia, Telegrafia, Telefonia e
Teleinformática.
A autora afirma que as inovações, são fundamentais na história do
capitalismo mundial, se inscrevem e modificam os espaços nacionais, doravante
sulcados por linhas e redes técnicas que permitiram maior velocidade na
circulação de bens, de pessoas e de informações. Essas redes estão cada vez mais presentes no meio,
modificando a paisagem e coexistindo com os outros elementos já existentes,
datas anteriores. Essas redes ,chamadas por Dias como técnicas, causam um impacto na organização do território.
A Rede é um conceito-chave para Saint-Simon, pois
este defendia a criação de um Estado organizado racionalmente por cientistas e
industriais, objetivava um sistema geral de comunicação e a integração
territorial. Saint-Simon traz a idéia de rede a partir da metáfora da sociedade
como um organismo vivo. A Sociedade é concebida como sistema orgânico,
justaposição ou tecer de redes, mas também como ``sistema industrial'', gerado
por e como indústria. Em estreita filiação ao pensamento de engenheiros e obras
públicas de então, ele concede um lugar estratégico à administração do sistema
das vias de comunicação e ao estabelecimento de um sistema de crédito
(MATTELART, 1999, apud: Souza).
Esse entendimento de Sait-Simon pode ser
transferido também para as calçadas, que fazem parte desta sociedade tecida de
redes, pois este recorte espacial também funciona como um sistema orgânico, ou
mesmo um sistema industrial, necessitando de um equilíbrio entre as redes
coexistentes a fim de que haja um bom funcionamento do sistema.
Coexistências na Cidade do Recife , as camadas
culturalmente herdadas e as praticas enraizadas
Ao analisar mais atentamente o espaço da calçada,
pode-se perceber a coexistências de diversos elementos que compõem esta malha
reticulada. É importante salientar que o este espaço abrange três níveis de
análise: o subterrâneo, o terrestre e o aéreo (Figura 1). No nível subterrâneo
(nível 1) encontra-se desde as raízes das árvores, como também fibra ótica,
redes de água ,esgoto, gás, entre outros. O nível terrestre (nível 2) é o que
possui um maior número de equipamentos, redes e circuitos, por exemplo:
telefones públicos, lixeiras, caixas de correio, abrigos de ônibus, placas de
sinalização, postes, arborização urbana, camelôs, bancas de revistas,
estacionamentos etc. No nível aéreo (nível 3), pode-se encontrar os cabos
referentes às redes de energia elétrica de alta e baixa tensões, à rede de
telefonia, entre outros serviços que vão tomando este espaço a medida
que a tecnologia é aprimorada,
além das copas das árvores, que por muitas vezes compõem este espaço.
Entretanto, se estas redes e estes equipamentos não estiverem bem organizados no
espaço, eles irão certamente entrar em conflito, prejudicando ambas as partes.
Figura 1: Níveis de análise da calçada
Figura: Mariana Zerbone
Uma conseqüência visível dos conflitos existentes
nas calçadas se reflete na precária condição de acessibilidade, o que atinge
diretamente a população que utiliza o espaço das calçadas. YÁZIGI (2000) afirma
que o mobiliário urbano ou os equipamentos fixos existentes nas calçadas, (…)
existem em tal profusão e, sendo de colocação freqüentemente desconexa do ponto
de vista da coordenação, conduzem a conflitos de uso ou de grande desperdício do
orçamento público.
É muito comum em cidades como o Recife encontrar
elementos do mobiliário urbano, tanto instalados pelo poder público, como por
particulares, que dificultam a circulação dos transeuntes. São as placas de
sinalização colocadas em lugares inadequados, telefones públicos dificultando a
passagem dos pedestres, árvores plantadas em locais indevidos, ou espécies não
compatíveis com a capacidade do local, que por conseqüência do crescimento das
raízes obstruem as calçadas, ou até mesmo em função de podas mal-feitas, as
copas das árvores ficam na frente de semáforos e placas de trânsito, e na pior
das situações, os galhos caem podendo atingir os pedestres, ou até mesmos os
veículos que circulam nas vias. Nas calçadas da cidade do Recife é freqüente
encontrar algumas arbitrariedades que dificultam a acessibilidade da população.
(Fotos 1 a 8)
Foto 1: Calçada intransitável emfunção de uma
construção Foto 2:Construção inadequada de rampa na calçada
Foto: Mariana Zerbone, 2004 Foto: Mariana Zerbone,
2004
Foto 3: Resíduos orgânicosdepositados na calçada
Foto: Mariana Zerbone, 2004
Foto: Mariana Zerbone, 2004 Foto 4: Raízes das
árvores rompendo a calçada
Foto: Mariana Zerbone, 2004 Foto: Mariana Zerbone,
2004
Foto 6: Acúmulo de água
em função do entupimento da galeria Foto 5: Árvore dificultando avisibilidade da
placa de trânsito
Foto: Mariana Zerbone, 2004 Foto: Mariana Zerbone,
2004
Foto 8: Poste e placa
dificultando a circulação de pedestres na calçada Foto 7: Calçada com
pavimentodanificado, dificultando a circulação
Ações normativas disciplinadoras do espaço urbano
A existência desse conflito não corresponde à
ausência de legislação que regulamente a acessibilidade, visto que desde o
Código de Posturas do século XIX essa matéria já era disciplinada de forma
normativa. As praticas urbanas revelam a necessidade de processos pedagógicos
urbanos que aproximem as necessidades coletivas no espaço publico. Há uma gama
de legislações em âmbito municipal, estadual e federal que determinam o direito
de acessibilidade à população. Estas leis abrangem questões que variam desde a
implantação do mobiliário urbano, como também a mobilidade de um deficiente
físico no espaço público da cidade.
As calçadas são definidas, segundo a Ementa Nº
16.890/2003 na Lei de Edificações e Instalações na Cidade do Recife (Nº
16.292/1997), como:
"Art. 220 – Os passeios públicos ou calçadas
integram o sistema viário ao longo das vias de rolamento, devendo ser reservados
prioritariamente aos pedestres, sendo obrigatória a sua construção em toda(s) a
(s) testada(s) do(s) terreno(s), edificado ou não, localizado(s) em
logradouro(s) provido(s) de meio-fio e pavimentação, garantindo acessibilidade e
segurança, atribuída essa responsabilidade ao proprietário ou ocupante do imóvel
e em alguns casos, ao Poder Público Municipal."
Com a regulamentação da Lei Federal 10.098/00 foi definida a
obrigatoriedade de criação de Plano Estadual e Municipal de Acessibilidade. O
objetivo do Plano de Acessibilidade em nível Estadual e Regional é de adequar os
planos de planejamentos metropolitanos, aglomerações urbanas, microrregiões,
planos estaduais e regionais de ordenação do território, concessionárias
prestadoras de serviços, código sanitário, entre outros. Já o Plano Municipal de
Acessibilidade tem como objetivo garantir a acessibilidade nas edificações, no
meio urbanos, nos transportes, além de fazer uma adequação da
legislação urbanística. Em função disto foram criadas
Comissões Permanente de Acessibilidade (CPA). Na cidade do Recife, a Comissão
Permanente de Acessibilidade foi instituída em 21 de novembro de 2003, Decreto
nº 20.153. No artigo 1º está decretado que:
"Art. 1º - fIca instituída a Comissão Permanente
de Acessibilidade do Recife – CPA – Recife; vinculada a Secretaria de
Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente para propor a elaboração de normas e
controle de ações da municipalidade quanto à acessibilidade de pessoas com
deficiência ou com mobilidade reduzida às edificações, vias públicas, espaços
públicos, meios de transporte, mobiliário e equipamentos urbanos, inclusive os
de comunicação."
A CPA do Recife é composta por 15 membros, sendo 2
representantes do Conselho Municipal de Assistência Social, e o restante por
representantes de órgãos vinculados, designados pelo prefeito (Gabinete do
Prefeito, CREA
4, IAP/PE5, SEPLAM6, DIRBAM7, DIRCOM8, Secretaria de Serviços Públicos, URB9, EMLURB10, CSURB11, CTTU,12 Secretaria
de Saneamento, Secretaria de Política e Assistência Social.).
Mesmo com a criação da Comissão Permanente de
Acessibilidade do Recife, os conflitos ainda são bastante evidentes. Um dos
principais problemas diz respeitos às competências. Quem são os responsáveis por
determinados tipos de gestão nas calçadas da cidade do Recife? Um caso que
explicita muito bem este conflito de competências é a coexistência da
arborização urbana e as redes de transmissão de energia elétrica e as redes de
telecomunicações.
As redes de arborização e as redes de circulação e
de comunicação
A arborização é um elemento que deve ser muito bem
discutido, visto que as árvores estão presentes nos três níveis do espaço das
calçadas. Para Castro (2000, in Velasco, 2003), "vegetação em cidades é um
serviço essencial, assim como a distribuição de energia elétrica, abastecimento
de água, telefonia, limpeza urbana, iluminação púbica, entre outros". Entretanto
essas redes de serviços urbanos coexistem nas calçadas, e na maioria das vezes,
encontram-se em conflito. Isso é conseqüência da falta de planejamento urbano,
onde os equipamentos são implantados de forma aleatória, pensando-se nas redes
de forma isolada, e não como componentes de uma malha urbana.
Para que haja uma organização harmônica da
urbanização na cidade é necessário um planejamento respeitando-se as árvores, o
ambiente e a sociedade. O conhecimento das características do ambiente urbano é
uma pré-condição para o sucesso das relações. É preciso considerar fatores
básicos para implementação da arborização como: condições locais, espaço físico
disponível e características das espécies (idade da árvore, porte, período de
floração), entre outras.
Existem diversas possibilidades e sugestões sobre
como harmonizar, ou amenizar os conflitos existentes sob e sobre as calçadas.
Entretanto as alternativas para esses problemas podem e devem variar de acordo
com o espaço urbano trabalhado. A arborização em uma cidade com um sistema de
infra-estrutura consolidado, como por exemplo, a cidade do Recife, se faz
diferente de uma cidade de porte pequeno ou médio.
Não se pode estabelecer regras rígidas,
principalmente no que se diz respeito à arborização urbana. Há autores que
trabalham estratégias diferentes, uns defendem planos de arborização, onde são
determinados os pontos, o lado da calçada que as árvores devem ser plantadas, o
porte da árvore em áreas com fiação elétrica e sem, a substituição de árvores,
entre outras regras. Enquanto que outros alegam a necessidade da revisão de
alguns conceitos e regras, como por exemplo, o plantio de árvores de médio e
pequeno porte sob os fio de distribuição de energia elétrica (VELASCO, 2003).
Esse é um assunto polêmico, deve haver uma cautela, pois se corre o risco de
monotonizar a paisagem em função do benefício artificial.
O sítio da Cidade do Recife no início da
colonização portuguesa, no século XVI, compreendia o domínio da Mata Atlântica e
dos seus sistemas associados da praia, da restinga e dos manguezais. Estas
formações vegetais foram aos poucos devastadas a partir da zona do litoral,
desnudando-se a restinga – que sofreu pequenos, mas, sucessivos aterros ao longo
do tempo, a fim de se prestar o processo desencadeado a partir da fundação do
Recife em 1637. O processo de desmatamento para a urbanização foi intensificado
no período holandês. Entretanto bem antes do período nassoviano, os coqueirais
tinham sido introduzidos no Recife, substituindo a vegetação nativa nas áreas de
solo salino como as praias, restingas e áreas ribeirinhas do Capibaribe e
Beberibe.
No final do século XVII e nas primeiras décadas do
século seguinte foi a vez do bairro da Boa Vista ser urbanizado tal como o
ocorreu na ilha de Antônio Vaz (Sto. Antônio), produzindo-se solo mediante a
drenagem e aterro de pântanos e braços de rios, de manguezais, enfim, associados
à substituição dos verdes nativos pela vegetação introduzida nos sítios e
quintais ou, simplesmente, desmatando para construir e implantar ruas e serviços
públicos. Um processo que se persegue há mais de quatrocentos anos (Vasconcelos,
et all, 2000).
A cobertura vegetal da cidade do Recife na
atualidade é constituída pela vegetação nativa remanescente da mata úmida e dos
manguezais, bem como pela cultivada, pública ou privada, melhor dizendo, a
arborização urbana. A vegetação introduzida ao longo do processo de substituição
dos verdes nativos do Recife constitui uma parcela bastante significativa,
implantada por empreendedores particulares e pelo poder público.
Como foi exposto, a arborização da cidade do
Recife é proveniente de um processo que remonta alguns séculos, encontrando-se,
atualmente, consolidada no espaço urbano, o que torna mais complexa a relação
deste circuito natural com as redes materiais. Os conflitos entre a rede de
abastecimento de energia elétrica e arborização são evidentes nas calçadas do
Recife, porém não são tão fáceis de serem resolvidos devido a questão das
competências, planejamento e o nível de urbanização em que se encontra a cidade.
Existem, atualmente, diversos tipos de redes de
distribuição de energia elétrica, aérea convencional, aéreas compactas,
subterrâneas, entre outras (Velasco, 2003), porém umas mais viáveis
ecologicamente, outras economicamente. Contudo a implantação e substituição
dessas redes leva em consideração vários aspectos: infra-estrutura existente,
arborização, estrutura morfológica e climática da cidade, condições econômicas,
etc.
Ao fazer a análise desses conflitos é importante
ressaltar que as redes de transmissão elétricas e de arborização são vitais para
o funcionamento da cidade, não devendo haver uma visão unilateral, e sim uma
análise dialética, pois elas coexistem no espaço, o qual, segundo Milton Santos,
é um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. Com
isso, a intervenção nestes objetos através das ações (manutenções, reparos,
etc), irá interferir na organização e na dinâmica espacial. O desafio é
conseguir um equilíbrio entre a natureza e as possibilidades que a tecnologia
impõem.
Mas voltando à discussão elucidada é necessário
repetir a questão: A quem compete o que? Quem são os responsáveis por
determinadas atividades? Tratando-se de rede de abastecimento de energia
elétrica e arborização urbana surge uma pergunta, quem é o responsável pela
manutenção das árvores? A prefeitura por ser responsável pela arborização urbana
ou a concessionária de energia elétrica, por ter de fazer a manutenção das
fiações? De certa forma as gestões dessas redes e pontos estão a cargo das
entidades públicas e privadas. No caso da cidade do Recife, a prefeitura é a
responsável pela manutenção da arborização da cidade, entretanto a
concessionária de energia elétrica tem a necessidade de livrar e proteger seus
fios para que não haja problema na distribuição da energia e seus diversos
riscos de quedas ameaçadas. Com isso a prefeitura entra em acordo com a
concessionária, repassando a responsabilidade.
Isso ocasiona sérias conseqüências, pois a
manutenção passa a ser dos fios e não da arborização, sendo enfocado apenas um
lado do problema. Com isso as árvores são
danificadas em função do artificial. Uma
cooperação entre o privado e o público é a saída para a busca de alternativas ao
problema, visto que as redes artificiais e naturais são imprescindíveis no
espaço urbano. Por outro lado, cada especificidade do urbano requer a construção
de propostas próprias. Não há modelo universal. Um simples exemplo na Região
Metropolitana do Recife analisa a questão em um projeto da ANEEL, viabilizado
através da CELPE – Companhia Energética do estado de Pernambuco, em
desenvolvimento sob a coordenação de professores de Geografia urbana e de
Engenharia ambiental da UFPE.
Considerações Finais
A visibilidade das espessuras ambientais do espaço
urbano é proporcional anos espaços públicos a partir da forma de apreensão do
arranjo dos componentes naturais e artificiais animados pelos processo sociais
nele remetem a esforços de decomposição e análise dos seus componentes naturais
e artificiais e das dinâmicas sociais que lhes conferem ânimo. O recurso à
escala espacial e temporal para apreciação desses componentes torna-se uma
ferramenta indispensável. O arranjo desses componentes num mundo marcado pela
técnica e tecnologia caracteriza uma teia progressivamente imbricada. O
enredamento de teias e linhas suportadas por nós transforma a imagem satélite de
um aglomerado urbano numa tela impressionista.
Essa teia, vista de baixo para cima, torna-se
inapreensível em toda a sua completude pelas articulações que promovem. Por
outro lado, a seleção de um recorte desse espaço e a definição de alguns desses
componentes, ainda na perspectiva de baixo para cima, pode evidenciar
possibilidades de aproximações que, minimamente colaborem para uma melhor gestão
na co-existência de alguns desses componentes. É o caso da análise da
arborização frente à operacionalização dos meios de distribuição de energia
elétrica e iluminação.
A ausência de um micro-planejamento adequado tem
provocado problemas de interferência da arborização com a infra-estrutura urbana
e redes de serviço localizadas nas vias públicas e calçadas, ressaltando-se,
entre outros, as redes aéreas de distribuição de energia elétrica, telefonia e
telecomunicação. Podas sucessivas e mal executadas, além da ausência de estudos
mais específicos acerca das espécies adequadas, têm contribuído para
deseconomias ambientais e urbanas com grave impacto no padrão da qualidade de
vida e no meio ambiente urbano, além de encarecimento na prestação de serviços.
Há um comprometimento do estado vegetativo dos elementos arbóreos, aumento do
número de desligamentos da redes, levando ao tombamento e mutilações e
provocando o surgimento de brotações epicórnicas, que por conta da fragilidade
desses trechos de galhos, podem provocar acidentes para os técnicos de poda. Ao
lado disso, há que se destacar o impacto visual e a perda da amenidade climática
que essas inadequações promovem. Desde as funções de amenização do clima, de
barreira aos materiais particulados causados pela
liberação de gases poluentes provenientes de
veículos, indústrias e construções, bem como elemento de vida biológica e de
valor paisagístico assumem importante significado.
Na maioria das grandes metrópoles, principalmente
aquelas em que o uso de arborização em vias públicas é secular, o ciclo de vida
do vegetal é desconsiderado ou negligentemente assimilado como um dado
petrificado, compondo pano de fundo e/ou, no máximo servindo de suporte como
hastes verticais, sem o necessário trato e manutenção. Os indicadores evidenciam
a necessidade de reflexão na forma de gestão das redes urbanas em suas
interfaces com os elementos da vegetação.
O índice de desligamento da rede provocado por
queda de árvores ou pela necessidade de poda é, neste caso, um bom indicador
para iniciar uma reflexão sobre o assunto. Quando se trabalha no tempo o ciclo
produtivo, deve-se ficar atento ao fato que existe um circuito produtivo, cujas
redes extrapolam geralmente o território de um projeto; essas redes, que às
vezes são globais, definem possibilidades, mas também fragilidades à medida que
desenham dependências ou interdependências que precisam ser previstas e
negociadas.
A calçada que aqui trabalhada como uma malha
reticulada é também uma expressão de cidadania, sendo possível, a partir dela,
perceber o grau de bem-estar e de qualidade de vida da população. Como afirma
YÁZIGI (2000: 23)
sem ir
longe demais, a calçada, enquanto contraponto do sistema automobilístico, é o
que dá vida à Cidade. Com
isso, o meio urbano necessita de calçadas livres de obstáculos, ou melhor
dizendo, espaços livres acessíveis, refletindo diretamente na vida do cidadão.
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pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro-São Paulo, Record,
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Humanitas, 2000. 548p.
1 Geógrafa e Professora da Universidade Federal de Pernambuco; Universidade
Federal de Pernambuco. Avenida Acadêmico Hélio Ramos, s/n, Cidade Universitária,
Recife-PE, CEP: 50670-900.
torres@ufpe.br
2
Arquiteta e Doutora em Geografia – Universidade Santa Cruz (UNISC) .
hacampos@terra.com.br
3
Geógrafa e Mestranda em Geografia da UFPE;
marianazerbone@yahoo.com.br
4 Conselho Regional de
Engenharia e Arquitetura de Pernambuco.
5
Instituto dos Arquitetos do Brasil – Pernambuco.
6
Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente.
7
Diretoria Geral de Urbanismo.
8
Diretoria Geral de Coordenação e Controle Urbano Ambiental.
9
Empresa de Urbanização do Recife.
10
Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana.
11
Companhia de Serviços Urbanos do Recife.
12
Companhia
de Trânsito e Transportes Urbanos
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 –
Universidade de São Paulo