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Asunto: | NoticiasdelCeHu 697/05 - Brasil - "Falta coragem ao governo" (Entrev ista de Joa Pedro Stédile) | Fecha: | Viernes, 27 de Mayo, 2005 20:24:33 (-0300) | Autor: | Centro Humboldt <humboldt @...........ar>
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NCeHu
697/05
Brasil
"Falta coragem ao
governo"
O líder do MST afirma que a marcha deu resultados e critica o
governo por não dar prioridade ao social
Entrevista de João Pedro Stedile a André Carravilla, do Correio Braziliense
João Pedro
Stedile marchou em silêncio. Mochila nas costas, chinelo de
dedos e boné na cabeça, o economista pós-graduado no México misturou-se aos 12
mil sem-terra na caminhada até Brasília, que terminou na quarta-feira da semana
passada. Alegando que cada um tinha sua função – e a dele não era falar –
recusou-se a dar entrevistas à imprensa. Quando quebrou o silêncio, o gaúcho de
Lagoa Vermelha foi polêmico: "Vamos dar um pau no Palocci", disse, sobre a
atuação dos economistas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em
um possível encontro com o ministro da Fazenda. Dois dias depois do fim da
marcha, Stedile concedeu, por email, esta entrevista ao Correio. Aqui, ele diz
que as ocupações a propriedades são a forma mais eficaz de acelerar a reforma
agrária e cobra mais investimentos do governo. "O Ministério da Fazenda corta
apenas os gastos sociais, mas não corta os juros", reclama. Também afirma que a
imprensa brasileira é preconceituosa com os sem-terra e critica o ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues: "Ele se comporta muito mais como presidente do
sindicato do agronegócio do que como um ministro de Estado". A seguir, os
principais trechos da entrevista.
CORREIO
BRAZILIENSE — A marcha mostrou resultados? JOÃO PEDRO STEDILE — A marcha tinha como objetivos fazer com que a reforma agrária
voltasse a ser debatida pela opinião pública, debater com a sociedade a natureza
dos problemas brasileiros e a necessidade de se mudar a política econômica.
Também buscávamos resolver os problemas imediatos do atraso da reforma agrária
nos estados e levar o governo federal a implementar medidas estruturantes. Na
nossa avaliação, todos esses objetivos foram alcançados. Portanto, apesar do
sacrifício das pessoas que participaram, foi um sucesso absoluto. Demonstrou que
existem energias na sociedade brasileira que podem ser usadas para construirmos
um projeto de desenvolvimento para o país.
CORREIO — Qual a sua avaliação sobre a violência registrada no último
dia da marcha? STEDILE —
O MST sempre teve um bom relacionamento com a Polícia
Militar do Distrito Federal. Já disputamos com eles até partidas de futebol. Mas
temos consciência que há setores dentro da polícia do GDF que são manipulados
pela direita e pelos conservadores. Esses setores, que envergonham a polícia,
ficaram todo tempo provocando um clima de tensão, para gerar algum conflito que
pudesse tirar o sucesso da chegada da marcha, pelo menos na imprensa. E,
infelizmente, conseguiram. Nós nos iludimos com as boas relações que fizemos com
o comando e subestimamos a capacidade desses setores nos aprontarem alguma. E
aprontaram. O episódio foi claramente provocado. No ato, viu-se que um carro da
polícia civil tentou passar pelo meio da multidão, embora não tivesse nada que
fazer lá. Dai, alguns punks e sectários agrediram o carro. Imediatamente, a
polícia reagiu contra toda multidão. Impressionante a rapidez com que a
cavalaria estava a postos. Deu a impressão de que estavam esperando para agredir
a todos. Em seguida, o helicóptero fez vôos rasantes e aumentou o clima de
tensão.
CORREIO — O caminhão de som não
estimulou os manifestantes a vaiar a polícia montada? STEDILE —
Não somos idiotas. Nunca pregamos o confronto com
a polícia como forma de resolver problemas. O objetivo das manifestações do MST
é pressionar para resolver os problemas do país. Os jornalistas são testemunhas
que os carros de som orientaram para evitar as provocações dos policiais e dos
punks. O episódio revela que setores da polícia deveriam voltar à escola e terem
um pouco mais de dignidade com o tratamento do povo.
CORREIO — O acordo com o governo não falha ao apresentar uma lista de
promessas sem indicar a fonte de recursos? STEDILE — Dinheiro não falta, o que
falta é dar prioridade à área social. De onde virão os recursos, isso é uma
questão técnica, menor. Isso é com os burocratas do governo. Mas posso garantir
que o governo recolhe muitos recursos públicos de impostos. No entanto,
infelizmente, a prioridade é apenas pagar juros e atender os compromissos com as
elites. Esperamos que o governo honre com os compromissos assumidos e assinados
publicamente. Nós fizemos um acordo político com o governo, que reconheceu estar
em dívida com os sem-terra e com o povo brasileiro. O governo não vinha
cumprindo a meta de assentamento. Também não cumpria suas obrigações nos
acampamentos e assentamentos.
CORREIO — O
governo não deveria ter dito qual será o valor do projeto de suplementação
orçamentária que enviará ao Congresso até o dia 31 de maio ? STEDILE —
Não. O que queremos é que o governo recomponha o
Orçamento da União já aprovado pelo Congresso, que previa os R$ 3,7 mil milhões
para reforma agrária. O que precisa apenas é descontigenciar todos os recursos
que são para área social.
CORREIO — Qual
sua avaliação da cobertura da imprensa sobre o acordo? STEDILE — O
Ministério da Fazenda corta apenas os gastos sociais, mas não corta os juros. No
mesmo dia do final da marcha, o Banco Central aumentou os juros de 19,5% para
19,75%. Isso vai aumentar os custos do governo até o final do ano em R$ 900
milhões só em juros. Mas nenhum jornal perguntou se o governo iria enviar medida
para suplementação orçamentária para os bancos. Os jornais e seus proprietários
sempre são críticos do governo quando quer fazer gastos sociais, mas ficam
calados quando aumentam os gastos com bancos e a transferência de lucros.
CORREIO — E a posição do ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues, em relação aos critérios de produtividade?
STEDILE —
Temos ouvido dentro do governo de que o ministro
da Agricultura se comporta muito mais como presidente do sindicato do
agronegócio do que como um ministro de Estado. Sua prioridade deveria ser o
desenvolvimento de todo país e de todo povo. Ele precisa de umas aulinhas sobre
o que diz a Constituição a respeito do papel de um ministro. Estão fazendo um
cavalo de batalha com os índices de produtividade como se fosse uma agressão ao
latifúndio. Ora, convenhamos, não é o agronegócio que se orgulha de ter mudado a
agricultura brasileira. Dizem ter modernizado e sustentado o país. Pois bem, os
índices utilizados pelo Incra são de 1975. A intenção é atualizar os
indicadores. Usar os dados levantados pelo IBGE [1] em 1995.
Isso representa dez anos de atraso. Mesmo assim, reclamam. Reclamam, porque
querem manter o latifúndio intocável. Mas a Constituição é clara: toda a grande
propriedade, acima de 1.500 hectares, que não produzir e não cumprir sua função
social, deve ser desapropriada pelo Estado, em nome da sociedade. O que está
faltando é um pouco mais de coragem ao governo para fazer as mudanças
necessárias. Na teoria, todo o governo é a favor de combater a pobreza e a
desigualdade, mas cada vez que alguém apresenta propostas concretas que afetam a
concentração de terra e riqueza, não deixam.
CORREIO — O senhor afirmou aos militantes que "aumentem a consciência
e intensifiquem as invasões". Isso não gera mais violência? STEDILE — Ao
contrário. Quis dizer no discurso justamente que nossa militância precisa
estudar mais, compreender a conjuntura política, a luta de classes. Isso
significa conhecimento, consciência da realidade, para não cair nas provocações
baratas de policiais ou de setores conservadores. E, portanto, evitar a
violência, evitar confrontos. Em geral, as pessoas de menor consciência é que
caem mais fácil nas provocações. Nosso remédio contra a violência é o estudo, o
conhecimento.
CORREIO — As invasões são
mesmo necessárias ? STEDILE —
Veja como vocês são preconceituosos. Sempre falamos
ocupações, porque é bem diferente de invasão. Invasão é um ato de apropriação
indébita de um bem para aproveitamento privado, particular. É o que fazem os
fazendeiros quando invadem terra pública e terra de índios, para seu uso e
enriquecimento pessoal. Ocupação é uma mobilização de massa, que entra numa
área, para pressionar o governo a aplicar a lei, a desapropriá-la. Esses
conceitos estão na sociologia política e estão num acordo do próprio STJ
(Superior Tribunal de Justiça). Mas vocês, jornalistas, insistem em usar mal as
palavras, o que leva a preconceitos. Sempre defendemos, desde o inicio, há 21
anos, as ocupações massivas realizadas pelos pobres do campo. Infelizmente é a
única forma eficaz de pressionar o governo para aplicar a lei. Foi a forma usada
por todas as famílias que hoje estão assentadas. Nenhuma recebeu por benesse de
algum político ou iniciativa do governo. Todas elas tiveram que se organizar,
lutar e ocupar a terra para então o Estado agir.
CORREIO — O senhor tinha a expectativa de que, no governo Lula, as
invasões diminuíssem? STEDILE
— Claro. Nós organizamos ocupações, não porque gostamos,
porque seja um passeio, um piquenique, nós só organizamos ocupações porque o
Estado não funciona. O Estado brasileiro está organizado apenas para manter os
privilégios dos ricos. Sempre chega tarde para atender os pobres. Nenhum pobre
gosta de ficar na fila do INSS
[2] de madrugada. Lula tinha como prioridade a reforma agrária, nós
acreditávamos que as ocupações diminuiriam. Certa ocasião, em reunião com os
ministros, o presidente Lula disse que suas duas prioridades máximas eram o
combate à fome e a reforma agrária. Se ele de fato conseguisse que o Ministério
da Fazenda pensasse assim também, certamente as ocupações, os conflitos sociais
no campo diminuiriam.
[1] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
[2] Instituto Nacional de Segurança Social
O
original encontra-se no Correio
Braziliense , edição de 23/Maio/2005.
Esta entrevista
encontra-se em http://resistir.info/ .
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