Os
críticos da política econômica brasileira podem ser divididos em dois
grupos: os defensores de uma “ruptura” e os “reformistas”. Os primeiros
entendem que o Brasil vive um impasse econômico-financeiro cuja superação
exige medidas drásticas, tais como a reestruturação forçada da dívida
pública, moratória externa e uma confrontação com os credores e o FMI.
Para o segundo grupo, no qual me incluo, a situação brasileira é difícil,
mas não tem caráter emergencial, podendo ser enfrentada com mudanças mais
sutis das políticas macroeconômica e financeira.
Essa distinção parece óbvia, mas não é fácil de sustentar na prática.
No Brasil, o conservadorismo macroeconômico é de tal ordem que qualquer
voz discordante corre o risco de ser estigmatizada como “radical” ou
“irrealista”. O reformista mais prudente logo adquire ares de sonhador
romântico. Cria-se, assim, uma falsa polarização entre os partidários
“sensatos” do status quo e os que pretendem lançar o país numa
“aventura” de política econômica. A polarização, needless to say, é
altamente conveniente para o status quo. O Presidente da República
passa, às vezes, a impressão de já ter sido um pouco catequizado por esse
tipo de pregação. Em entrevista recente, disse que “em economia não há
aventura – um salto fora de propósito e o governo quebra a cara”.
Um dos pontos que distinguem os defensores de medidas mais drásticas
dos “reformistas” é que estes últimos reconhecem aspectos a ser
preservados na atual política econômica. Por exemplo: nas circunstâncias
em que se encontra o Brasil, é recomendável manter um superávit primário
nas contas públicas – uma das maneiras de tornar o Estado brasileiro
gradualmente menos dependente dos mercados financeiros e seus vetos. Outro
exemplo: a flutuação cambial é o regime que mais convém ao Brasil, não
cabendo retroceder na direção de regimes de ancoragem da taxa de câmbio,
ainda que flexíveis. Também não há discordância quanto à necessidade de
insistir no combate à inflação, condição indispensável para o bom
funcionamento da economia e a consolidação da moeda nacional.
Evidentemente, esse tipo de generalização esconde muitas controvérsias.
Menciono uma: o sistema de metas para a inflação deve ser mantido? Os que
preferem o seu abandono apontam, com razão, para o fato de que esse
sistema costuma ter um viés anti-crescimento e um viés pró-apreciação
cambial, especialmente quando aplicado de maneira rígida e com metas
ambiciosas de redução das taxas de inflação.
Não é o caso de adicionar metas de crescimento econômico às metas de
inflação, como sugerem ingenuamente alguns defensores de um maior
equilíbrio da política econômica. A grande dificuldade reside no seguinte:
o nosso conhecimento da estrutura da economia, do seu funcionamento e da
sua dinâmica, não é suficiente para subordinar a política monetária e
outros instrumentos de política econômica a objetivos quantitativos e
regras rígidas. Isso vale para qualquer país, mas a fortiori para
países em desenvolvimento e com larga tradição de instabilidade, como o
Brasil.
A experiência internacional vem mostrando que o ideal é preservar a
flexibilidade associada a regimes discricionários. O Federal Reserve dos
EUA, por exemplo, não adota metas para a inflação ou qualquer outro tipo
de regra e está obrigado, por estatuto, a maximizar o nível de emprego,
estabilizar o nível de preços e assegurar taxas de juro de longo prazo
moderadas.
Para chegar a um regime discricionário, o Banco Central do Brasil ainda
precisa consolidar a confiança na moeda brasileira. Um abandono abrupto do
sistema de metas para a inflação não seria, portanto, recomendável. Mas é
perfeitamente possível flexibilizar gradualmente a sua aplicação e fazer
uma transição ordenada para um regime discricionário. As maneiras de
fazê-lo são conhecidas em linhas gerais. Trata-se, basicamente, de reduzir
a inflação de modo mais gradual, fixar objetivos menos ambiciosos,
aumentar o intervalo de tolerância em torno do centro da meta, ampliar o
prazo para seu cumprimento e trabalhar com o “núcleo” do índice de preços
ao consumidor no lugar do índice cheio. Mudanças desse tipo podem ser
feitas com o devido cuidado, sem perturbar as expectativas de inflação ou
abalar a confiança na moeda brasileira.
A flexibilização do sistema de metas para a inflação permitiria
praticar juros menos selvagens com efeitos benéficos sobre o crescimento
econômico e a posição da taxa de câmbio real. A combinação de crescimento
mais rápido e taxas de juro mais baixas reduziria o superávit primário
fiscal requerido para estabilizar ou diminuir a relação dívida
pública/PIB. Em conseqüência, aumentaria a margem de manobra para aliviar
a pesada carga tributária, vitaminar os programas sociais ou recuperar os
investimentos públicos em infra-estrutura. O quadro macroeconômico
brasileiro deixaria de ser tão hostil ao desenvolvimento da produção e à
distribuição da renda e da riqueza.
Romantismo? Utopia? Pode ser. Mas só se for um romantismo de um tipo
bem realista e uma utopia bastante pedestre. Esse é o caminho para o qual
o governo brasileiro caminhará, cedo ou tarde, na medida em que for
ganhando autoconfiança e perdendo o temor reverencial pelos mitos, dogmas
e exageros dos mercados financeiros e seus porta-vozes econômicos.
|