As últimas semanas foram carregadas de péssimas notícias
para os trabalhadores provenientes da Europa. No território de origem do Estado
de Bem-Estar Social (
Welfare State), a burguesia acelerou sua ofensiva
contra históricas conquistas da civilização. O pretexto usado pelo capital é de
que a “globalização” exige maior competitividade das empresas e que os direitos
existentes engessam a disputa por mercados. Outro argumento é de que a inovação
tecnológica, na era da revolução informacional, requer uma mão-de-obra mais
flexível e torna obsoleta toda a regulamentação erguida nas últimas décadas.
Puros engodos!
Em última instância, essas notícias confirmam que o sistema capitalista não
tem mais nada a oferecer à humanidade e que ele inevitavelmente conduz os povos,
inclusive do coração do sistema, à pura barbárie. O prometido paraíso das novas
tecnologias salta aos olhos como triste falácia. Apropriadas pela minoria
burguesa, essas inovações servem apenas para reduzir custos e aumentar a
produtividade, desempregando milhões e elevando a lucratividade do capital. Já a
badalada globalização, sob hegemonia neoliberal, gera recessão, concorrência
entre os explorados e transferência de renda do trabalho para a ditadura
financeira.
Do ponto de vista imediato, tais notícias reforçam a necessidade de se
intensificar a resistência ativa dos trabalhadores. No caso brasileiro, essa
onda regressiva e destrutiva serve de alerta no momento em que se inicia o
arriscado debate sobre a reforma trabalhista. A burguesia evidentemente usará o
exemplo europeu para se opor a qualquer avanço legal no país. Além de satanizar
a proposta da redução da jornada, pregará descaradamente a flexibilização dos
direitos já existentes. Ela alegará que a legislação atual fere a lógica do
“deus mercado” e inviabiliza a capacidade competitiva do país; e, inclusive,
poderá apelar para o falso discurso da união nacional, acima dos interesses de
classes, em defesa do Brasil! A batalha será titânica!
MENOS SALÁRIO, MAIS TRABALHO
Feito o alerta, vamos aos fatos deprimentes! Em agosto, o Fundo Monetário
Internacional divulgou o seu relatório anual sobre a Europa. Após projetar um
crescimento de 2% no PIB em 2004, este organismo do capital fez questão de
registrar que a economia ainda estaria deprimida “por culpa da inflexibilidade
do seu mercado laboral”. Num desrespeito à soberania das nações, o informe
orientou a União Européia “a ajudar na maior liberalização dos mercados de
trabalho e a estimular o aumento do total anual de horas trabalhadas nos 12
países que aplicam o Euro”. Segundo as estatísticas do FMI, os europeus
trabalhariam menos que os assalariados dos EUA, nação tida como a principal
referência na flexibilização do trabalho.
Após reconhecer que a legislação trabalhista é de competência de cada um dos
Estados membros da UE, o FMI ainda teve a caradura de sugerir a imediata
aplicação dos torniquetes financeiros fixados no Tratado de Maastricht para
forçar os países a alterarem as suas leis. “O principal objetivo estrutural na
eurozona”, afirma o órgão, “é elevar o crescimento de largo prazo, em primeiro
lugar reforçando os incentivos para o trabalho”. Como denuncia Juan Vigueras,
ativista do Attac da Espanha, em outras palavras o FMI propõe “cortar o seguro
desemprego, as aposentadorias e pensões públicas, e aumentar a jornada de
trabalho” [1].
O relatório do FMI, porém, não é um raio em céu azul. Como instância máxima
do capital financeiro, esse organismo reflete os movimentos concretos da
burguesia européia para golpear históricos direitos. Vários governos da UE já
encaminharam propostas regressivas de reforma trabalhista; onde isto não
ocorreu, as próprias corporações empresariais forçaram negociações que
desrespeitam a legislação e anulam acordos coletivos. Para Alicia Fraerman, “os
europeus terão que trabalhar mais horas por dia e ganhar menos para que seus
países sejam mais competitivos e se adaptem à globalização, segundo as medidas
impulsionadas por grandes empresas, aprovadas por alguns governos e negociadas
em certos casos por sindicatos” [2].
Para impor esse cruel retrocesso, a burguesia “civilizada” da Europa ameaça
com o abrupto deslocamento das empresas para os países com custos operacionais
(salários e condições de trabalho) mais baixos. Essa foi a tática recente da
Siemens, que ameaçou transferir a sua unidade de telefones celulares da Alemanha
para a Hungria e, com isso, conseguiu forçar um acordo ampliando a jornada
semanal de 35 para 40 horas, sem aumento de salário. Com essa chantagem, a
poderosa multinacional cortou em 29% a sua folha de pagamento. Nesse diapasão,
várias entidades patronais alemãs ousaram propor a introdução da jornada de 50
horas semanais “para evitar a transferência de empregos ao exterior” e o
dirigente da Confederação do Comércio, Gerhard Handke, defendeu a redução das
férias anuais, de 29 dias para uma semana.
Esse é o mesmo estratagema usado por empresas francesas, como a Bosch, para
sabotar a lei das 35 horas semanais sancionada pelo governo socialista de Lionel
Jospin. Mesmo na Áustria, antes idílico paraíso do Welfare State, os
empresários introduziram nas negociações coletivas desse ano a proposta da
ampliação da jornada, sem elevação dos rendimentos. O mesmo ocorreu na Holanda,
Dinamarca e Bélgica, “onde a discussão alemã causa perplexidade”. Na maioria dos
países europeus já ocorreu o aumento da jornada de trabalho, invertendo sua
tendência histórica de queda. Na Alemanha, por exemplo, a média do trabalhador
com carteira assinada é de 42 horas semanais – três vezes mais do que o fixado
nos acordos coletivos [3].
Além de ampliar o tempo de trabalho, um contra-senso na era da revolução
informacional, a elite européia despede servidores públicos, reduz o
seguro-desemprego, corta os adicionais de insalubridade, penosidade e
periculosidade e as bonificações de turno e introduz o salário variável, entre
outras medidas regressivas. No mês passado, o ministro da Economia da
Grã-Bretanha, Gordon Brown, demitiu 104 mil funcionários do Estado. Na Alemanha,
o primeiro-ministro Gerhard Schröder encaminhou o projeto de lei Hartz IV,
reduzindo valor e prazo do seguro-desemprego. Antes, o desempregado recebia até
67% do último salário por um período de 32 meses; a partir de janeiro próximo, o
subsídio só valerá por 12 meses e depois terá 30% do seu valor. “Estima-se que
3,2 milhões de pessoas sofreram drástica redução do rendimento” [4].
NOTAS
1- Juan Vigueras. “El FMI dice que la Eurozona tiene que trabajar más
horas”. Rebelión, 23/08/04.
2- Alicia Fraerman. “Trabajar más y ganar menos”. Rebelión,
18/07/04.
3- “Alemães trabalham 42 horas por semana”. Jornal Deutsche Welle,
21/07/04.
4- “Alemanha: uma reforma odiada”. Jornal Avante, agosto de 2004.
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista
Debate Sindical e organizador do livro “A reforma
sindical e trabalhista no governo Lula” (Editora Anita Garibaldi).