O México está menos longe de Deus - depois de várias décadas,
o governo restabeleceu relações com a Igreja, rompidas na revolução mexicana -
mas continua muito perto dos Estados Unidos. Trata-se da única fronteira entre o
Primeiro e o Terceiro mundos. Quando alguém consegue cruzá-la, sai do Terceiro e
chega ao mais rico país do Primeiro Mundo.
Um mexicano que faz todo esse
esforço, correndo tantos riscos diante do muro quilométrico que separa os dois
países, chega a Estados que foram mexicanos - Califórnia, Texas ou Flórida -,
até que os EUA os anexasse. Foi uma perda tão grande e traumática que, na
Primeira Guerra Mundial, quando a Alemanha quis obter o apoio do México contra
os EUA, lhe prometeu a devolução desses territórios. Os mexicanos pensaram bem e
chegaram à conclusão de que era melhor não voltar a mexer no problema: se os
alemães perdiam a guerra, os EUA poderiam anexar o resto do território mexicano.
Hoje o México vive outro fracasso que também tem a ver com seu poderoso
vizinho do Norte. O fracasso do governo de Vicente Fox, ex-gerente geral da
Coca-Cola. Tendo ainda quase a metade do mandato pela frente, o governo está
completamente paralisado. Primeiro foi uma das vítimas dos atentados de setembro
de 2001 nos EUA, porque Fox havia alegado suas boas relações com o xerife texano
recém-eleito presidente, George Bush, para normalizar a situação dos milhões de
mexicanos que trabalham ilegalmente do outro lado da fronteira. O endurecimento
no controle da entrada de pessoas bloqueou totalmente as pretensões de Fox.
Segue assim o drama da fronteira: há 2 mil detenções diárias de mexicanos
tentando cruzar clandestinamente para os EUA e a policia norte-americana
considera que para cada mexicano detido há outro que tem sucesso na tentativa.
Acumula-se a quantidade de mortos, alvejados pela policia ou na dura travessia
do deserto.
Fox disse que resolveria a questão de Chiapas em poucas horas.
Depois de fracassar rotundamente, tem que assistir aos zapatistas consolidarem
seus governos locais.
Tendo sido eleito presidente sem maioria no Congresso,
Fox teve de negociar com o PRI, Partido Revolucionário Institucional, deslocado
por ele do governo, depois de mais de 70 anos, e com o esquerdista PRD, Partido
da Revolução Democrática. Não pôde avançar nas reformas neoliberais prometidas e
foi derrotado nas eleições parlamentares de julho do ano passado, que decretaram
praticamente o esgotamento do governo.
Com isso, os EUA perderam aquele que
era sua principal aposta como liderança continental vinculada a Washington. O
clima eleitoral se instalou definitivamente no país, tanto no PRI, que sonha com
a possibilidade de voltar ao governo, como no próprio partido governamental, o
PAN, e no PRD, que conta com o prestígio do governador do Distrito Federal,
Andrés Manuel Lopez Obrador, favorito nas pesquisas até aqui.
A estagnação
da economia mexicana, que havia crescido ao compasso da expansão norte-americana
e a acompanha na recessão, teve ainda de sofrer a fuga das empresas instaladas
no Norte do país para explorar mão-de-obra barata (foram para a China, onde os
salários são ainda mais baixos). O balanço do neoliberalismo na América Latina,
feito pela Unctad para sua reunião de São Paulo, entre os dias 13 e 20 próximos,
toma o México como melhor exemplo do fracasso neoliberal. Nos 10 anos de
vigência do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o salário
real da maioria dos trabalhadores diminuiu, aumentou a desigualdade e os
trabalhadores do campo viram recair sobre suas costas o preço mais duro dos
ajustes fiscais.
O que fracassa também com a crise mexicana é a política
norte-americana de integração. O que é a Nafta para os mexicanos, seria a Alca
para nós. Razão a mais para avançar na proposta de integração sul-americana do
novo Mercosul, única via para fugirmos dos males que o México sofre e
desenvolvermos um projeto de desenvolvimento regional que promova
simultaneamente a soberania nacional, a da região e a justiça social de que
tanto necessitamos.
Fuente: ListaGeografía/Brasil,
6 de junio de 2004.