A
EPISTEMOLOGIA DA GEOMORFOLOGIA GEOGRÁFICA
Danilo
Cardoso Ferreira
Antônio
Carlos Vitte
Resumo
O
objetivo deste trabalho é construir uma an¡lise crítica do desenvolvimento e
processos da geomorfologia geogr¡fica a fim de apontarmos para uma epistemologia
da Geomorfologia. O percurso do trabalho é bibliogr¡fico. A perda dos grandes
referenciais para as pesquisas em geomorfologia tem proporcionado diversos
empasses neste campo do conhecimento geogr¡fico o que leva a estudos de sobrevôo e sem integração da pesquisa
com as unidades propostas pelas primeiras an¡lises feitas por naturalistas e
geógrafos.
Palavras-chave: Geografia,
Geomorfologia, Epistemologia.
Introdução
A
geomorfologia enquanto campo do conhecimento geogr¡fico deve ser entendida
dentro de todo o contexto político, cultural da época, porque isto permitir¡
responder o que era conhecido naquele contexto sobre a compreensão e
interpretação de natureza. Também, permitir ainda dizer como era produzido o
conhecimento e principalmente o elemento central para refletirmos que é a
utilidade do conhecimento produzido, que seria e para que servisse o
conhecimento sobre o relevo?
Não
faz sentido ser crítico da ciência às cegas neste momento, o interesse das
provocações acima se faz por que o objetivo desta pesquisa é entender os
fundamentos epistemológicos da geomorfologia geogr¡fica, haja vista isso ser
tão negado dentro deste campo do conhecimento geogr¡fico. Também se faz
necess¡rio a princípio dizer que não estamos aqui buscando reconstruir racionalmente
a geomorfologia como uma forma de justificar um determinado projeto
epistemológico que tenha uma base filosófica simplesmente para justificar um
determinado projeto. O objetivo vai, além disto, até porque é importante
ressaltar que o car¡ter normativo de constituição do conhecimento científico
extrapola as fronteiras dos métodos científicos e acadêmicos do passado,
presente e do nosso futuro, portanto o conhecimento é dinâmico.
Geomorfologia geogr¡fica
A
princípio pensar os fundamentos epistemológicos da geomorfologia pode parecer
algo desafiador, mas ao mesmo tempo para a geomorfologia aplicada de hoje pode
ser desnecess¡rio até porque as abordagens deste campo do conhecimento estão
bem distantes de uma interface com o debate epistêmico, quanto mais filosófico.
Não somente a geomorfologia, mas a geografia física tem deixado de lado o
debate quanto às reflexões teóricas, posicionamentos que possibilitem
compreender a natureza e os métodos da ciência geogr¡fica. Portanto isso é um
desafio a ser enfrentado por esta ciência. Entender o método, sua razão de ser
e acima de tudo o que pretendesse com est¡ tese o lugar da geomorfologia dentro
do rol das ciências pressupõe conhece-la a fundo, portanto a sua natureza, suas
interconexões e intercruzamentos, neste sentido entenderam a geomorfologia como
produto de intensos debates filosóficos e científicos sobre a superfície da
terra e natureza.
O
contexto que a princípio ressaltamos como elemento central para a discussão é o
idealismo alemão, na qual apontaremos os nomes de Immanuel Kant (1724 – 1804) e
Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) como membros e representantes desta
tradição filosófica e idealista alemã, que representava uma forma de
experimentar, pensar e conceber o homem e o mundo (ARANTES, 2015).
[...]
Destarte, ao reconhecer a sua verdadeira riqueza na diversidade dentro da sua
unidade, em primeiro lugar, e, por fim, nos embates e contradições que esta
diversidade de formas idealistas de pensamento proporcionam ao se chocarem,
passo a aceitar uma concepção de Idealismo Alemão a mais ampla possível, não
apenas restrita ao campo da reflexão filosófica pura, oriunda do questionamento
em torno da coisa em si, mas também toda aquela reflexão que se desdobrou a
partir da terceira crítica kantiana no âmbito da estética e suas reverberações
na esfera da ética (ARANTES, 2015, p. 27).
O
idealismo alemão, portanto, não pode ser levado em consideração somente pela
sua tradição filosófica, mas principalmente pela diversidade de pensamentos
dentro da unidade (idealista), que tem uma forma própria de experimentar, pensar e conceber o homem e o
mundo, ir¡ consequentemente produzir visões distintas e é isso que é o
caldo intelectual produzido neste contexto. Dividida a partir de duas visões,
uma delas de uma visão de mundo iluminista e extremamente racional e outra de
uma visão mundo romântica de seus críticos (ARANTES, 2015). Por isso importante
ao se propor e pensar o debate epistemológico da geomorfologia, elencar o
idealismo alemão que é essa forma de pensar e estar no/com mundo é determinante
para a fundamentação epistemológica fundida por intensos debates e visões que
através da experimentação produziu este campo do conhecimento.
É
necess¡rio, então, rever a história da geomorfologia moderna (ABREU, 1982) para
se pensar as influências de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) para os
primeiros passos e leituras feitas da natureza, que segundo ele a posteriori serão sinônimas de
geomorfologia. Silveira (2012, p. 251) afirma que Goethe “é, um dos personagens
mais ativos nos diferentes segmentos teóricos e artísticos que marcaram a
passagem do século XVIII e início do século XIX”. A morfologia em Goethe pode ser resumida em pensar a forma, a
formação e a transformação dos seres vivos, entendida não somente pela ciência,
mas pela arte, pelo saber, pela ideia de totalidade de mundo.
Goethe
foi um poeta influenciado pelo modelo grego de fazer poesia, também era
autodidata em ciências naturais e, sempre em sua vida esteve rodeado de
especialistas para apoi¡-lo a investigar os seus estudos. Esse intelectual
percebia que o mundo passava por diversas mudanças e que se não as acompanhasse
de perto, poderia levar suas pesquisas e atividades em filosofia natural ao
fracasso (BAUMANN et., al 2010). Quanto às suas habilidades e momentos de
dedicação à arte, Goethe (1971) dizia que o olho para ele era “um órgão
principal com o qual abarcava o mundo”, por isso o desenvolvimento de uma
filosofia do olhar, que o levou à ressignificação da paisagem geogr¡fica
(SILVEIRA, 2012).
Assim, a literatura geomorfológica geogr¡fica
contemporânea apresenta preocupações de bases epistemológicas e metodológicas
dos estudos e an¡lises sobre a gênese do relevo. Problemas esses que para Vitte
(2011) são de ordens epistêmicas. Diante das influências da big Science, do capital Cultural
(BOURDIEU, 1992) e da política que tanto têm influenciado a Geomorfologia,
levando-à perda de suas bases filosóficas por estudos especializados que
carecem de “contextualização do fenômeno geogr¡fico” (AB’ Saber, 1969), demonstrando
o enfraquecimento e as fragilidades de um campo do conhecimento tão importante
para a Geografia.
Diante desses desafios,
urge a necessidade de novos posicionamentos dos geógrafos quanto às aplicações,
an¡lises e estudos sobre as pesquisas geomorfológicas e, principalmente, às que
descontroem a necessidade de se pensar a gênese ou os estudos voltados para a
genética do relevo para se observar as forças
plasmadoras da natureza e também as interferências da sociedade sobre a
superfície terrestre.
Considerações Finais
Uma
perspectiva interessante para se pensar nos processos e na contribuição de uma
epistemologia e também de uma filosofia da geomorfologia é a unificação da
deste campo do conhecimento geogr¡fico, possibilitando a identificação das bases
para um terreno comum entre um grupo diversificado de cientistas (Geógrafos,
Geólogos, Naturalistas, etc.) no qual todos se consideram geomorfológos (RHOADS
e THORN, 1996). Neste sentido, este terreno comum a partir da centralidade do
conceito de “landform”, e de um cimento epistêmico potencializar¡ os estudos
das diferentes formas de relevo buscando a explicação não somente a partir de
estudos aplicados a compreensão do relevo, mas também a explicação através das
leis causais, da classificação dos tipos de relevos, que a partir de suas
magnitudes são usados como chaves de interpretação diante das teorias e modelos
na Geomorfologia.
Para
alguns a provocação quanto a necessidade de refletir sobre a epistemologia da
Geomorfologia ou até indo mais longe, uma filosofia da Geomorfologia pode até
ser algo subjetivo, pois, na verdade o interessante mesmo é a construção de um
mapa geomorfológico ou a ida a campo, mais do que o debate epistêmico e
filosófico da ciência. No entanto, não estamos propondo aqui que os geomorfológos
se tornem filósofos, nada disto. Estamos inferindo que a an¡lise filosófica
pode sim contribuir para que o geomorfológos tenha possibilidade de explorar
plenamente a “natureza científica da geomorfologia” geogr¡fica (RHOADS e THORN,
1996).
Referências
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Adilson Avansin de. A teoria
Geomorfológica e sua Edificação: An¡lise e Crítica. Revista Brasileira de
Geomorfologia, Ano 4, Nº 2 (2003) 51-67.
AB’SÁBER,
Aziz Nacib. Um conceito de Geomorfologia a serviço das pesquisas sobre o
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ARANTES,
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Baumann, C. Guerlin, F. Brennecke, and T. Esslinger, Nature (London) 464, 1301
(2010). Nature (London), v. 464, p. 1301, 2010.
BOURDIEU, Pierre. O
Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1992.
GOETHE,
J. W. von. Memórias: poesia e verdade. Porto Alegre: Editora Globo S.A.,
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Bruce L.; THORN, Colin E. Toward a
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SILVEIRA,
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VITTE,
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VITTE,
Antônio Carlos. Da Metafísica da Natureza
à Gênese da Geografia Física Moderna. GEOgrafia – ano VIII – Nº15 – 2006.
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Ciência da Morfologia à Geomorfologia Geogr¡fica: uma contribuição à história
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