A OCUPAÇÃO DA AMÉRICA E A DOMESTICAÇÃO DE
PLANTAS

João Batista Villas Boas
Simoncini
Andreia Adamis de Carvalho
Heleno Turrini Lima Brandão
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora - CES/JF - Minas Gerais -
Brasil
1.
Introdução
Este artigo trata de pesquisas e discussões
estabelecidas na disciplina Formação do Continente e Americano do curso
Pós-Graduação Gastronomia das Américas do Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora - CES/JF. Primeiramente, buscamos compreender as teorias oficiais de
ocupação da América e as consideradas não oficiais, mas que tem seus fundamentos
e contribuem para a compreensão do tema.
Entendemos que a ocupação da América é
determinante para compreensão da domesticação de plantas e animais, da(s)
técnica(s) aplicada(s) à transformação de alguns alimentos e principalmente para
compreendermos e situarmos a cultura alimentar na atualidade.
Para atingirmos os objetivos propostos,
utilizamos como método o estudo das teorias referente a ocupação da América, com
enfoque nas pesquisas e teorias da arqueóloga Niède Guidon e do
biólogo evolutivo Walter Alves Neves, além de outros teóricos. Buscamos assim,
compreender não somente o processo de ocupação, mas entender como o homem
primitivo domesticou e manipulou as plantas com as poucas técnicas de que
dispunha, possivelmente por tentativa e erro.
2.
A
ocupação da América
Inicialmente, ressaltamos o fato de que existem apenas hipóteses
sobre a chegada do ser humano no continente americano. É possível que este tenha
se originado no continente africano, uma vez que o hominídeo mais antigo
conhecido foi encontrado na África e é denominado Australopithecus afarensis,
mais conhecido como “Lucy”. Deste modo, o ser humano foi se dispersando para
outros continentes, chegando finalmente à América. Na figura 1, estão
representadas as cinco hipóteses sobre a chegada do homem na
América.
Figura 1

1 - De acordo com a primeira hipótese representada na figura 1, o
ser humano chegou ao continente americano vindo da Ásia através do Estreito de
Bering. Acredita-se também que a glaciação propiciou o deslocamento do ser
humano até a América através de tal estreito, já que o nível das águas do oceano
passa a diminuir, fazendo com que se formassem ilhas e que houvesse conjuntos de
água que se solidificaram. Este acontecimento facilitou a passagem por este
local. Atualmente, essas ilhas estão submersas, pois o nível das águas tornou a
subir.
2 - A segunda hipótese afirma que o ser humano chegou à América
atravessando o Oceano Pacífico.
3 - A terceira hipótese debate o autoctonismo, onde o pesquisador
Florentino Ameghino sugere que o homem americano seja autóctone, ou seja,
tenha surgido na própria América.
4 - A quarta hipótese afirma que o ser humano chegou a América
atravessando o Oceano Atlântico. O crânio de Luzia, encontrado em 1975 em Lagoa Santa - MG - é um importante
vestígio de como teria ocorrido o povoamento do continente Americano.
5 - A quinta teoria indica que o homem chegou ao Piauí há cerca de
100 mil anos, teria vindo da África por via oceânica, atravessando o Atlântico.
Essa migração ocorreu devido a uma grande seca na África, direcionando o homem
para o mar para procurar comida. Tempestades o empurraram mar adentro. O mar
estava então 140 metros abaixo do nível que se encontra na atualidade, assim
como a distância entre a África e a América era muito menor e havia muito mais
ilhas.
Argumenta Guidon que o homem, em um determinado momento, começa a inventar as
mesmas tecnologias, seja no Brasil, na Europa, na Ásia ou na África. Acrescenta
a arqueóloga que o Homo
sapiens apareceu na África por volta de 130 mil anos, período em que
esse continente passou por uma seca muito grande, que quase dizimou
integralmente a espécie humana. Foi aí que eles começaram a migrar e se
espalharam pelo globo.
Entendemos que as teorias aceitas e não aceitas sobre a ocupação
da América estão vinculadas não somente a comprovações, como também às decisões
de alguns centros de pesquisas dos países que determinam o que é “verdadeiro” /
“comprovado” e o que é “falso” / “hipotético” / “especulativo”.
Entendemos que as teorias de pesquisadores – Niède Guidon, Walter
Alves Neves e outros pesquisadores –, que trabalham em centros de pesquisas que
não estão localizados ou vinculados a países centrais, como os Estados Unidos da
América, têm limitações teórico-metodológicas de comprovar suas teorias. Podemos
encerrar essa assertiva com uma menção de Neves; Piló (2008):
[...] Não se demole um dogma científico com pouco
dinheiro, pouca competência e falta de vocação para a briga. Se o dogma tiver
sido construído por uma comunidade acadêmica financeiramente poderosa e
arrogante, como a norte-americana, essa máxima pode chegar a requintes de
crueldade. Não há meio termo! (NEVES; PILÓ, 2008, p. 72).
3.
A
domesticação de plantas: teorias e contradições
De acordo com Felippe (2012) os pesquisadores concordam que a
domesticação de plantas teve início de forma independente em cinco áreas no
mundo, e discordam sobre outras quatro em que esse mesmo processo pode ter
ocorrido. Nessas cinco áreas, foram domesticadas plantas silvestres, que depois,
foram levadas para outras regiões do globo.
Segundo Felippe (2012) essas cinco áreas
são:
1ª Crescente Fértil – termo criado em 1906 pelo arqueólogo James
Henry Breasted (1865-1935) para denominar uma área no sudoeste da Ásia que, na
Antiguidade, tinha solos férteis e rios importantes, como o rio Nilo, Eufrates e
Tigre. Atualmente, compõem essa área Iraque, Síria, Líbano, Israel e Jordânia,
abarcando ainda, uma pequena franja do sudeste da Turquia e outra do oeste do
Irã. Entre as primeiras plantas
domesticadas pela humanidade, estão o trigo, a ervilha, o grão-de-bico, a cevada
e a oliveira, cuja domesticação iniciou em 8.500
a.C.
2ª China - foram domesticados a soja, o arroz, o painço, o
feijão-azuki e o feijão-mungo. A primeira data comprovada de domesticação na
China foi aproximadamente 7.500 a.C.
3ª Mesoamérica - área que engloba o sul e o centro do México mais
a América Central (Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras, Nicarágua e o
noroeste da Costa Rica). Essa área, habitada por maias e astecas, foram
domesticados o milho, o feijão, o feijão-trepador-escarlate e a abóbora. A domesticação na
Mesoamérica ocorreu aproximadamente 3.500 a.C.
Explica Trueba (2009),
Mesoamérica es considerado uno de los sitios de
domesticación de plantas de mayor relevancia, sobre todo por el
maíz, alrededor del cual crecieron las diferentes sociedades que han
ocupado esta zona a lo largo de la historia. El acervo cultural de los primeros
agricultores de esta región proviene de aquellos grupos de
cazadores-recolectores que pisaron esta parte del planeta tal vez hace 35 mil
años, fecha que establecen algunos estudios, o bien entre 20 y 15 mil años, como
lo indican otros; la discusión es tal, que in cluso se cuestiona que la primera
migración haya sido por el norte, como siempre se ha planteado, debido a que los
indicios humanos más antiguos provienen de Sudamérica, lo que, a mi parecer, es
la hipótesis más sólida (CARRILLO TRUEBA, 2009. p.
5).
[...]
[...] Aunque no se tienen datos que evidencien la
existencia de dicho manejo de la vegetación, hay suficientes indícios de que
éste habría sido el más factible en sitios secos, como Tehuacán, el valle de
Oaxaca y la sierra de Ta maulipas, em donde se han encontrado los restos más
antiguos de domesticación de plantas en Mesoamérica, que datan de
aproximadamente 8000 a.C. — ciertamente, los debates en torno a las fechas son
interminables. Las primeras especies que presentan cambios debido a manipulación
humana son el guaje y la calabaza, seguidos del chile y el aguacate [...]
(CARRILLO TRUEBA, 2009. p. 6).
[...] El maíz hace su aparición en los tres sitios
alrededor de dos mil años después, bajo la forma de una pequeña mazorca con
minúsculos granos, comparados con los actuales que se piensa, deben su tamaño a
una mutación súbita resultado de la estructura genética de esta planta — aunque
hay polémica al respecto. Del frijol silvestre se tiene evidencia muy antigua,
alrededor de 8000 a.C., pero las especies domesticadas datan de cerca de 4000
a.C. Tal como se ha señalado, esta combinación es muy nutritiva debido a que el
frijol suple la carencia del maíz en lisina, un aminoácido esencial para los
humanos (CARRILLO TRUEBA, 2009. p. 6-7).
4ª Área engloba os Andes, na América do Sul, e a adjacente bacia
amazônica, com Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela e Chile – o Império dos
Incas, onde a domesticação teve início em 3.500 a.C. Foram domesticadas a
batata, a mandioca, a batata-doce, a quinoa, o tomate, o feijão e o
feijão-de-lima.
5ª Esta última região abrange a parte leste dos Estados Unidos,
onde a domesticação começou aproximadamente 2.500 a.C., com o girassol, a
ançarinha-branca, a abóbora e a
alcachofra-de-jerusalém.
Acrescenta Felippe (2012) que a domesticação ocorreu em outras
áreas além das cinco mencionadas, entre essas estão a zona do Sahel, na África;
na região tropical da África ocidental; na região onde hoje fica a Etiópia e na
ilha de Nova Guiné, na Oceania.
4.
Considerações finais
Consideramos e
entendemos que as teorias sobre a ocupação da América contribuem para
compreensão da história da ocupação humana, da domesticação de plantas e da
cultura alimentar no continente americano. Como Niède Guidon, Walter Alves Neves
e tantos outros pesquisadores, acreditamos que não há somente uma única migração
e que ocorreu interação entre os grupos humanos que se estabeleceram na América.
Percebemos que algumas
teorias elaboradas e defendidas na América do Sul são contestadas ou mesmo
renegadas por centros de pesquisas dos países centrais e, principalmente pela
comunidade acadêmica estadunidense. Certeza, não há! O que prevalece é
desconfiança em relação às teorias universais que se autodenominam
“verdadeiras”.
Quanto a teoria “verdadeira” sobre a ocupação da América,
concordamos com a assertiva de Florentino Ameghino que diz:
[...] Cambiaré de opinión tantas veces y tan a menudo
como adquiera conocimientos nuevos; el día que me aperciba que mi cerebro ha
dejado de apto para esos cambios, dejaré de trabajar. Compadezco de todo corazón
a todos los que después de haver adquirido y expresado una opinión, no pueden
abandonarla nunca más (INGENIEROS, 2000. p.
189-190).
Referências Bibliográficas
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Mesoamérica. Ciencias, Núm. 92 - 93, octubre-marzo, 2008-2009. Universidad
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FELIPPE, Gil. Gaia: o lado oculto das plantas: tubérculos,
rizomas, raízes e bulbos. Ilustrações: Maria Cecília Tomasi. São Paulo: Edições
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GUIDON, Niède. Peintures rupestres de Várzea Grande, Piauí,
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______. L’art rupestre du Piauí dans le contexte
sud-américain. Une première proposition concernant méthodes et
terminologie. Thèse de Doctorat d‟État. Paris, Université de Paris I,
1984, 187p.
______. A seqüência cultural da área arqueológica de São Raimundo
Nonato, Piauí. CLIO - Série Arqueológica 3, nº 8, Recife, UFPE,
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______. As ocupações pré-históricas do Brasil (excetuando a
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37-52.
INGENIEROS, José. Las doctrinas de Ameghino. Buenos Aires - AR: El
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Beethoven. O Povo de Luzia:
em busca dos primeiros americanos. São Paulo, Editora Globo,
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Francisco M. Salzano. Rio de Janeiro: Vieira & Lent,
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Meridiano. Número 3. Año 2014. Ciudad Autónoma de Buenos Aires - Argentina.
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SP PESQUISA - A origem do Homem Americano - 1º bloco - 2º bloco.
Disponível:
<http://www.bv.fapesp.br/pt/pesquisador/460/walter-alves-neves> - Acesso:
24 jul. 2018.
TV CULTURA. Vida de Cientista - Niède Guidon - PGM 15.
Disponível:
<http://tvcultura.com.br/videos/34694_vida-de-cientista-niede-guidon-pgm-15.html>
- Acesso: 24 jul. 2018.
Os
estudos de Guidon basearam-se em escavações. Nestas foram encontraram vestígios
ainda mais antigos do que a tese de que os primeiros seres humanos a habitarem o
continente teriam vindo da Rússia aos Estados Unidos pelo estreito de Bering, 13
mil anos antes do presente, ou AP (forma de datar descobertas arqueológicas pela
qual o dia 1º de janeiro de 1950 marca, arbitrariamente, o “presente”). São
fósseis, urnas funerárias, ferramentas e pinturas rupestres com datações que vão
de 59.000 AP a 5.000 AP. Apesar de terem as idades estimadas pelos melhores
laboratórios de arqueologia da Europa e dos Estados Unidos, os artefatos carecem
de aceitação plena pela comunidade acadêmica americana, que ainda banca a teoria
formulada em 1950.
[...] el cultivo de maíz en milpa, esto es, junto com frijol,
calabaza, chile y otras plantas más, fue adoptado por pueblos de distinto origen
y lengua — pertenecientes a 16 familias linguísticas — que ingresaron a este
territorio en diferentes épocas y ocuparon las muy diversas regiones
mesoamericanas —semiáridas, templadas, cálidas y húmedas, etcétera. Allí
moldearon su hábitat, creando paisajes tan diversos como el territorio mismo, en
donde el maíz ocupó un sitio privilegiado y tramó relaciones con los cultivos
propios de cada región y otras plantas silvestres. La conjunción de estos
vegetales y las presas de caza, el pescado y otros recursos propios de cada
zona, conformó dietas muy variadas y estilos culinarios distintos. El resultado
de este proceso fue la formación de aproximadamente 250 pueblos de diferente
lengua, habitando um territorio de gran diversidad natural y unidos por una
forma de vida tejida alrededor del cultivo del maíz [...] (CARRILLO TRUEBA,
2009. p. 7-8).