NCeHu 3/19
A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO ORGÂNICA NAS FEIRAS LIVRES: UM
ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DO RIO GRANDE/RS –
BRASIL
Camila Oliveira Baptista

Jussara
Mantelli
Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
1.
Introdução
Este artigo refere-se à comercialização da produção orgânica nas
feiras livres do Município do Rio Grande / RS, considerando as possibilidades e
restrições. As
feiras livres proporcionam aos agricultores um caminho de autonomia e fortalecem
as relações de desenvolvimento local, territorializando os alimentos. Dessa
forma, esse circuito curto de comercialização, especificamente representado
pelas feiras livres, proporcionam uma interação através da venda direta dos
produtos ao consumidor. São muitas as vantagens desse circuito entre elas, a
proximidade entre o produtor e o consumidor; a promoção de uma maior segurança
alimentar, através do consumo de alimentos de qualidade; o conhecimento sobre a
origem do alimento e o fortalecimento da economia
local.
No caso do município do Rio Grande, como é comum nos sítios
urbanos, apresentam-se diferentes formas de comercialização da produção, bem
como as lógicas de mercado conduzidas pelo sistema capitalista, onde nesses
meios escoam diferentes tipos de alimentos tais como, alimentos
industrializados, alimentos pré-prontos e in natura. Porém, é de suma
importância destacar as feiras livres públicas, nas quais se dá destaque aos
alimentos in natura ou minimamente processados, e à atuação de alguns
agricultores de produtos orgânicos que encontram nas feiras uma forma de
comercializar a sua produção de forma mais justa. Dessa forma, as feiras passam
a ser um espaço de interação, onde o produtor interage com o consumidor,
promovendo também troca de saberes, possibilitando ao consumidor saber de onde
veio o alimento a ser consumido e como o mesmo foi produzido.
Esta pesquisa tem como enfoque a análise e compreensão da
comercialização da produção orgânica nas feiras livres no município do Rio
Grande/RS, Brasil.
Localizado no extremo sul do Brasil, o município apresenta aspecto
climatológico de clima temperado com chuvas bem distribuídas ao longo do ano,
com precipitação de aproximadamente 1006 mm. A população total do município é de
197.228 habitantes, sendo a população rural de 7.799 habitantes e 189.429 de
pessoas residentes na área urbana. A densidade demográfica é de 73,8 hab/km², de acordo com a Fundação de Economia e Estatística
(FEE, 2013). A taxa de urbanização encontra-se em torno de 96,04%, um número
expressivo de pessoas vivendo na cidade, caracterizando o município como predominantemente
urbano.
Segundo dados do IBGE (2006) 74,57% da área do município está
concentrada em 84 estabelecimentos e os minifúndios que correspondem a mais de
700 estabelecimentos ocupam uma área de pouco mais de 2% da área agricultável em
Rio Grande. A partir dessa análise, fica explicita a visão de duas vertentes do
campo: a agricultura capitalista, mais de 50% da área do município está nas mãos
de uma minoria, e a agricultura familiar que está fragmentada em pequenos lotes
de terras, onde está a ênfase desta pesquisa, pois é nesta modalidade que estão
inseridos os produtores orgânicos do município.
2.
Metodologia
Esta pesquisa tem como método o estudo de caso, com intuito de
compreender os fenômenos sociais locais, referentes à comercialização de
produtos orgânicos no município do Rio Grande. O método do estudo de caso
permite que os pesquisadores entendam as características holísticas e
significativas dos eventos da realidade, como o comportamento dos pequenos
grupos (YIN, 2010). O espaço amostral da pesquisa, é o município do Rio Grande –
Rio Grande do Sul, Brasil, e o recorte temporal utilizado é o período de
2017-2018. Utilizamos como metodologia uma pesquisa quali-quantitativa com
enfoque empírico-analítico, buscando compreender as relações de produção com as
características da localidade estudada, refletir sobre as questões ambientais e
mapear as feiras livres que comercializam produtos orgânicos no município.
Em um primeiro momento, realizou-se a pesquisa bibliográfica
seguido da pesquisa qualitativa, que teve como objetivo minimizar a distância
entre a teoria e os dados empíricos obtidos em campo, para melhor compreender os
fenômenos através da descrição e interpretação das informações coletadas sobre a
organização e comercialização da produção orgânica no município. Já a pesquisa
quantitativa foi realizada através da descrição dos dados coletados em campo,
essa fase se deu por meio de indicações onde os próprios feirantes e/ou
agricultores indicaram outros feirantes e/ou agricultores que trabalham com a
produção orgânica. Dessa forma, a pesquisa de campo nos proporcionou um contato
direto com a realidade do ambiente e dos produtores do município. A atividade de
campo foi composta de aplicação de entrevistas semiestruturadas com os
feirantes. Com isso, através do acompanhamento nas feiras do munícipio,
verificou-se o processo de comercialização e a assiduidade dos produtores nas
feiras. Pretendeu-se identificar as limitações, pois a produção orgânica exige,
muitas vezes, um ciclo produtivo mais longo, o que restringe a comercialização.
3.
Resultados e Discussões
É importante ressaltar que na atualidade vem ocorrendo uma demanda
crescente de alimentos saudáveis por parte dos consumidores. O acesso destes alimentos, pela população, tem sido uma preocupação
constante frente ao modelo atual de produção que atua de forma a priorizar os
melhoramentos genéticos e uso de agroquímicos. Esse sistema constitui-se como
padrão utilizado pelo sistema capitalista desde a Revolução Verde, atuando como
argumento de aumento da produtividade. Este modelo convencional de agricultura vem sendo questionado, devido à
grande quantidade de insumos usados para produzir, seja pela adição de
agrotóxicos, fertilizantes químicos, adubos e pesticidas, sementes geneticamente
modificadas, entre outros, constituindo a lógica do
agronegócio, considerada antagônica aos princípios da produção
orgânica.
A partir dessa premissa, partiu-se para a identificação dos
agricultores/feirantes (figura 01), onde foi adotado o método da indicação pelos
próprios agricultores/feirantes para analisar o processo de comercialização da
produção orgânica através das feiras livres. As feiras são uma das formas mais
antigas de comércio, sendo que no passado os produtores trocavam seus excedentes
de produção nos centros comercias. Mas estas vão além de uma forma de comércio,
pois nelas se estabelecem também relações sociais, espaços de trocas de saberes,
pontos de encontro das vizinhanças e uma forma de vincular o agricultor camponês
com o consumidor da cidade, além de inserir pequenos agricultores.
As feiras livres constituem-se de uma intrincada teia
de relações que configuram um diversificado conjunto de ocupações, fluxos,
mercadorias e relações sociais, caracterizando-se primordialmente como uma
atividade de trabalho informal essencialmente familiar, onde os envolvidos na
operacionalização são geralmente membros da família, gerando por sua vez uma
grande demanda de serviços diretos e indiretos como transporte, insumos,
embalagens e atendentes. (GODOY; ANJOS, 2007, p.
365)
Em 2014 a prefeitura municipal do Rio Grande desenvolveu um
projeto intitulado Feiras Livres – Feira Cidadã, assumindo diversos objetivos,
tais como: qualificar as feiras livres; dinamizar os espaços internos; reordenar
a ocupação espacial; oportunizar a percepção pela população de que as feiras são
locais de produção sustentável e farta de alimentos e que possuem um papel
importante na relação de consumo e venda direta; promover o desenvolvimento
rural do município; estimular a conversão agroecológica das propriedades rurais
e aperfeiçoar os sistemas produtivos, qualificando a relação entre a agricultura
e o meio ambiente; contribuir para o desenvolvimento de incitativas de economia
solidária e para o acesso das populações envolvidas nas políticas públicas
relacionadas; propiciar a qualificação dos feirantes nas áreas de gestão,
higiene e concepção de grupo; desenvolver técnicas agroecológicas para a
produção de alimentos em Rio Grande; firmar parcerias institucionais com o
Governo do Estado do Rio Grande do Sul no fomento à comercialização direta e no
desenvolvimento rural. Além disso, as feiras livres possibilitam o
fortalecimento da economia local e uma maior autonomia ao agricultor onde o
mesmo não fica sujeito ao sistema mercadológico.
No município, segundo
os dados da prefeitura municipal juntamente com a secretaria de desenvolvimento
primário existem 35 feiras livres distribuídas nos bairros e centro da cidade,
com a presença de 233 feirantes no cadastro atual. Entre eles se fazem presente
produtores, comerciantes, artesãos e pescadores, e segundo o cadastro da
Secretaria do município de Rio Grande, as feiras contam com 94 bancas de
hortigranjeiros, 81 bancas de miudezas, 20 bancas de produtos coloniais, 25
pequenos produtores de hortigranjeiros, incluindo dois floricultores e 13
feirantes pescadores.
Figura 01: Distribuição espacial
das feiras livres com produtores orgânicos no município do Rio
Grande

Fonte: Malha digital IBGE. Adaptado por Camila Baptista
(2018).
Dessa forma, as entrevistas foram
realizadas em cinco feiras do município onde foram realizadas seis entrevistas.
Importante destacar que entre os entrevistados um feirante não tem a produção
realizada no município, o mesmo se apropria da localidade para comercialização
pela insuficiente disponibilidade de produtos por parte dos agricultores do Rio
Grande. Sobre as questões que despertaram essa pesquisa
surge a articulação dos produtores orgânicos, que atuam no mesmo espaço das
feiras de produtos convencionais, não possuindo um local próprio de
comercialização da produção orgânica, deixando-o no mesmo patamar de importância
de um produtor convencional, aos olhos do consumidor, inclusive no que tange ao
preço dos produtos. Nesse sentido,
muitas vezes o consumidor não percebe a conjuntura e os processos envolvidos na
qualidade do alimento, que é mais saudável, bem como a relação mais justa entre
sociedade e natureza. Além disso, pelo fato de essas feiras dividirem o mesmo
espaço com aquelas de produtos convencionais, são colocadas num contexto quase
que desigual no que tange o processo de comercialização, já que o produto
orgânico tende a ter um custo maior que o convencional, dadas as suas formas de
produção e do trabalho envolvido.
Segundo
dados levantados no campo, no que diz respeito ao questionamento referente a
busca por produtos orgânicos, 66% dos produtores entrevistados apontam como
regular a procura de produtos orgânicos pelos consumidores, apontando que ainda
é pouco a procura. 17% deles apontaram como boa, e outros 17% como
ótima.
A pesquisa buscou identificar como essas questões
aparecem contextualizadas na visão dos agricultores, sobre como os mesmos
percebem a inserção do consumo de orgânicos no município e quais as perspectivas
e os desafios enfrentados pelos mesmos. Tais questões somam-se a importância de
identificar onde estão inseridos esses produtores, a partir das localidades e as
singularidades que se encontram. Bem como indagar a influência do poder público
no que diz respeito as feiras livres nos quesitos de organização e
infraestrutura. Dessa forma, foi constatado pelos entrevistados que a
infraestrutura das feiras é de má qualidade, onde não existe um modelo para as
bancas, em períodos de chuva e os espaços não são adequados, inibindo o acesso
da clientela e prejudicando os próprios feirantes.
Já foi apontado que as feiras se constituem como importantes
canais de comercialização. Assim mostra-se relevante a partir dessas
prerrogativas, um levantamento através das entrevistas realizadas, sobre
informações pontuais e complementares dos produtores orgânicos. Dessa forma,
além dos esclarecimentos, as informações dadas pelos agricultores e/ou
feirantes, forneceram uma ideia sobre a organização dos mesmos.
4.
Considerações Finais
Buscou-se compreender as dinâmicas estruturais referentes a
comercialização de produtos orgânicos nas feiras livres no recorte espacial
adotado. A pesquisa revelou uma carência na organização dos agricultores e a
importância de criar feiras específicas para os produtos orgânicos, pois como
indicado pela maioria agregaria um valor econômico maior, além da certeza sobre
a utilização de alimentos saudáveis ao consumidor, dentre outras
particularidades. No município não existem associações ou outras formas de
cooperativismo voltadas para a produção orgânica. E o projeto em vigor na
prefeitura se concretizou em apenas uma feira no município, a feira do produtor
no Balneário Cassino, e as outras 34 com carência de infraestrutura.
Ainda é pouco significativo o número de agricultores que desenvolvem
a produção dentro dos princípios orgânicos no município do Rio Grande/ RS.
Dessa forma, referencia-se
como pré-identificação sobre o problema, a importância sobre a necessidade do
envolvimento e atuação de políticas públicas influentes e apoio ao controle das
atividades exercidas referente à utilização e comercialização dos alimentos,
incentivando uma priorização e mediação a partir desses produtos em referência a
saúde, bem como qualidade e sustentabilidade sobre as vias de recursos naturais
e ambientais.
Dessa forma, o incentivo e a disseminação de informações sobre a
importância e a viabilidade de inserir novas dinâmicas produtivas, poderá
aumentar o número de pessoas a se inserir nesta modalidade produtiva. Também é
importante alertar a sociedade sobre os malefícios que o atual modelo
convencional de agricultura vem trazendo para a saúde humana e ambiental, no
intuito de buscar uma alimentação mais saudável. Assim os produtores irão se
enquadrar nas necessidades da demanda da população, podendo haver uma diminuição
da produção baseada no atual modelo convencional de agricultura, tão nocivo à
saúde humana e a natureza em prol de uma expansão da
produção orgânica.
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