III Congreso de Geografía
Económica
Mar del Plata - 13 al 15 de junio de
2018
O
SETOR ELÉTRICO EM SANTA CATARINA E SEU
PAPEL NA FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA
CATARINENSE
Mateus Engel Voigt
Graduando em
Geografia
Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis/SC,
Brasil
Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais –
LABEUR
Durante milhares de anos a força motriz da humanidade
era o próprio homem, apenas no século XVIII vemos a força braçal ser substituída
por uma nova fonte de energia, baseada na máquina a vapor. Cem anos depois, a
máquina de corrente contínua, utilizando energia elétrica entusiasmou não
somente a burguesia, como também Karl Marx (1818-1883), que inflamado declarou a
seu amigo Wilhelm Liebknecht em julho de
1850:
“Sua
majestade, o vapor, que durante o seu século passado tinha revolucionado o
mundo, havia terminado o seu reinado e entregava o cetro à outra força
incomparavelmente mais revolucionária: a corrente elétrica. O problema já está
resolvido e as consequências são incalculáveis”. (BRANCO, Catulo, 1975, p.
51)
Como previra Marx (1850), as consequências foram
realmente incalculáveis. A energia elétrica provocou e vem provocando imensas
transformações na formação social, econômica e ambiental do nosso planeta.
Permitiu um desenvolvimento ainda maior da indústria, da expansão dos centros
urbanos, do aperfeiçoamento e surgimento de novos meios de transporte, além de
todas as comodidades da sociedade moderna. No Brasil, os primeiros usos da
energia elétrica iniciam em fins do século XIX e estavam relacionadas com a
iluminação pública, o uso da energia elétrica para fins industriais era parco ou
inexistente, vindo a se desenvolver apenas nas primeiras décadas do século
XX.
O trabalho tem por objetivo traçar um panorama do
desenvolvimento da energia elétrica em Santa Catarina. Para tanto foi analisado
a trajetória histórica da eletricidade, sua importância econômica, sua inserção
na conjuntura estadual, regional e nacional e bem como sua participação na
formação sócio econômica catarinense. Tal análise foi realizada por meio de
consultas bibliográficas e levantamento de dados. Os principais resultados
apontam que as primeiras iniciativas na geração de energia elétrica datam de
1897, com maior ênfase no Vale do Itajaí e Norte do estado, em áreas de
predominância de pequena produção mercantil de origem germânica. Até a década de
1950 se concentrava nos vales litorâneos os complexos regionais de eletricidade,
com destaque para as cidades de Blumenau e Joinville que já na época detinham um
setor industrial expressivo e para demais cidades de médio porte que já contavam
com iluminação pública. A metade do século XX é marcada por crises de
abastecimento que culminam na criação da CELESC para coordenar a indústria
elétrica em Santa Catarina, motivando a construção da usina termelétrica Jorge
Lacerda, que passa a alavancar a expansão industrial do sul catarinense além de
integra-lo aos complexos regionais dos vales litorâneos. Com a exploração dos
recursos hídricos da bacia do rio Uruguai, a partir dos anos 1980, o Oeste,
antes isolado com pequenas usinas esparsas pelo território e serra catarinense
passam a interagir com os demais complexos do estado e do complexo energético do
Sul do Brasil.
As primeiras iniciativas para a geração de energia no
estado de Santa Catarina datam de 1897, com maior ênfase no Vale do Itajaí e
Norte do estado, em áreas de predominância de pequena produção mercantil de
origem germânica com forte expansão fabril (Mamigonian, 1986); tendo como
exemplo Joinville, onde em 1905 foi dada a primeira concessão para a construção
de sistemas de produção e distribuição de energia a Etiene Douat. Foi nesta
cidade que no ano de 1908, entra em funcionamento a Usina Hidrelétrica Piraí,
sendo a primeira do Estado. Em 1909, foi a vez de Blumenau receber energia
elétrica de uma pequena usina instalada no rio Gaspar Alto pelo empresário
Frederico Guilherme Busch Sênior. No ano de 1907 iniciou a construção da Usina
Hidrelétrica Maruim, em São José (litoral catarinense), inaugurada três anos
depois em 1910. Neste ano, a capital do estado, Florianópolis, recebeu
iluminação pública.
A maioria das Companhias de Eletricidade eram criadas
pela iniciativa privada, principalmente por empresários do ramo industrial, que
visavam obter energia para abastecer suas indústrias. As localidades de maior
expressão urbana e econômica foram recebendo paulatinamente a instalação de
empreendimentos geradores de energia elétrica. Jaraguá do Sul, São Bento do Sul,
Mafra, Tijucas e em 1929 os serviços de Joinville. Pequenas iniciativas locais,
sobretudo de comerciantes, espalharem-se pelo estado, destacando-se a força da
iniciativa local nas áreas de origem germânica e italiana e sua fraqueza nas
áreas luso-brasileiras.
A abundância de eletricidade no início da década de
1930 permitiu o desenvolvimento de polos industriais, especialmente no Vale do
Itajaí e Norte do Estado. Porém, esse acelerado processo de crescimento
industrial e de consumo doméstico, não foi acompanhado pelo aumento da
capacidade geradora, implicando num racionamento da energia para usos
industriais, comercial e residencial no estado durante a década de 1940. Em
1945, a CSN, instalou na cidade de Tubarão no sul do estado um lavador de
carvão, que exigiu a montagem de uma pequena usina termoelétrica que permitiu a
construção de linhas de transmissão para toda região sul, atendendo as
necessidades da economia carbonífera e da população regional, que até então eram
servidas por pequenas usinas hidrelétricas
locais.
Nas demais regiões de Santa Catarina não se
organizaram grandes sistemas regionais. No Vale do Rio do Peixe e no Oeste, é
notável a ocorrência de vários serviços locais de eletricidade, que não formam
um grande complexo regional integrado. Nota-se que os serviços elétricos
surgiram, em alguns casos, das companhias de colonização, mas foram,
principalmente, as iniciativas industrias, que obrigadas a produzir sua própria
eletricidade, se tornaram as maiores proliferadoras da energia elétrica. Tal
fenômeno repete-se na área de Lages e do Planalto Norte, onde juntamente com a
presença de usinas locais geradoras de eletricidade para as cidades,
instalaram-se nas áreas rurais diversas pequenas indústrias autoprodutoras de
eletricidade.
Santa Catarina viu seu consumo crescer a uma média
cumulativa de 11,8% na década de 1950-60, crescimento superior à média
brasileira. O que provocou uma série de crises no fornecimento de eletricidade,
sendo necessário solucionar o problema dos três grandes complexos regionais
(Norte Catarinense, Vale do Itajaí e Sul Catarinense) para um nível estadual e
mesmo de toda região Sul do Brasil. Na tentativa de solucionar o problema de
fornecimento surge a Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. (CELESC) na
esfera estadual, coordenando a indústria de energia elétrica em Santa Catarina e
a Sociedade Termelétrica de Capivari S.A (SOTELCA) de caráter
federal.
Outra preocupação – talvez a principal do Governo –
se referia aos interesses da burguesia industrial, que vinha apresentando
índices crescentes de consumo de energia e via na insuficiência de energia um
ponto de estrangulamento que poderia prejudicar os seus planos futuros de
expansão. (RAULINO, 1997, p.27)
A CELESC passou a atuar como holding, captando os
recursos que o Governo Federal destinava à estatização do setor elétrico e
investindo nas subsidiárias, com o fim de incorporar as empresas privadas,
paulatinamente tornou-se a maior empresa distribuidora de energia elétrica em
Santa Catarina.
Apesar das condições naturais extremamente favoráveis
à produção de energia hidrelétrica não foram explorados efetivamente,
apresentando uma queda na predominância desse tipo de produção em relação a
termelétrica, em 1950, 87% da energia elétrica era gerada por hidrelétricas, em
1960 passou a 61% e para 47% em 1970. Já as fontes termelétricas passaram de 25
a 33% até 1958, para 46% em 1960 e 63,8% em 1970. Mesmo assim, as hidrelétricas,
mantém sua importância, principalmente pela estrutura de numerosas pequenas
usinas espalhadas por todo território catarinense, caracterizada pela própria
dispersão geográfica da vida econômica, apesar do nítido destaque do Vale do
Itajaí e de Joinville. O setor termoelétrico e diesel foi muito mais
concentrado, onde três usinas representavam 95% da produção, além de se
localizarem predominantemente no sul carbonífero. A inauguração da usina da
SOTELCA em 1965 tornou ociosa os geradores a diesel da CELESC e daqueles
instalados em situação de emergência de falta de energia na década de 1950-60
nas indústrias catarinenses, bem como interrompeu a construção de novas
hidrelétricas na faixa litorânea
catarinense.
A localização geográfica e a grande capacidade
geradora da Usina SOTELCA constituiu o elo da interligação dos sistemas
elétricos da região Sul, sendo ligada por linhas de transmissão de Porto Alegre
a Curitiba, com subestações em Florianópolis, Ilhota, Joinville e Xanxerê, de
onde partem linhas para Lages, Joaçaba e Porto União. Integrando e
complementando as necessidades energéticas de Santa Catarina. Foi na década de
1960-70, apoiada na construção do complexo Termoelétrico Jorge Lacerda, que os
pequenos sistemas regionais e locais de Santa Catarina foram
interligados.
Para manter o ritmo de crescimento da produção
industrial de 11,7% entre 1957-62, o Governo Federal passou a considerar
necessário privatizar o setor de energia elétrica, no qual o serviço continuaria
sendo de utilidade pública, porém o setor seria gerido pelo modelo de empresa
privada. Foram também definidos parâmetros quanto a forma de geração, que
destacava a construção de usinas hidrelétricas. Porém, essas políticas foram
institucionalizadas com certa dificuldade por desarranjos ideológicos entre os
grupos políticos dominantes na época. Com a centralização do poder na ditadura
militar agilizou-se a aplicação dessas políticas consolidadas em 1965 por meio
da reorganização do Ministério das Minas e Energia e da Eletrobrás que assumiram
papéis de formulador e executor de políticas (A Energia, 1977). Como reflexo da
política militar e autoritária surgiram os primeiros grandes projetos de usinas
hidrelétricas na região Sul, como a Usina de Itaipu no Paraná e as UHE de Itá e
Machadinho em Santa Catarina. Os primeiros estudos do potencial hidroelétrico da
bacia do rio Uruguai ocorreram entre os anos de
1966-69.
Na década de 1980 a economia
brasileira sofreu impacto da crise da dívida externa que decretou a falência do
Estado que o imobilizou das ações indutoras do desenvolvimento obstruindo o
avanço do Setor Elétrico Brasileiro. Para enfrentar a situação foram
tomadas medidas como a implantação do horário de verão em todo o território
nacional, a suspensão do fornecimento de energia elétrica para fins ornamentais,
esportivos e propaganda, a redução da carga de iluminação pública e o
estabelecimento de metas setoriais para reduzir o consumo de
energia.
A virada da década de 1990 é marcada pela adoção do
modelo econômico neoliberal e um momento de racionamento energético. O
neoliberalismo – enquanto tendência global – aconteceu de forma exemplar no
Brasil, que teve o maior pacote de privatização do mundo compreendido entre os
anos de 1990 e 2002, chegando a 48,3% de transferência de capital estatal para a
esfera privada, dos quais, a maior parte coube ao setor de energia elétrica, que
correspondeu a 31% do capital transferido (GONÇALVES JR., 2007, p.25).
No âmbito das privatizações em Santa Catarina, a
ELETROSUL foi dividida em duas partes: a ELETROSUL (estatal), responsável pela
transmissão de energia, e a GERASUL (iniciativa privada), responsável pela
geração de energia, assumindo todas as usinas hidrelétricas da ELETROSUL, em
operação ou projeto. O que se mostrou um grande negócio para as empresas
privadas, como mostram as negociações das grandes usinas hidrelétricas da bacia
do rio Uruguai: Passo Fundo (RS), Machadinho, Barra Grande, Campos Novos,
Monjolinho (RS) e Foz do Chapecó geram 5.182 mW de energia elétrica e rendem
lucros de R$ 3,2 bilhões por ano, sendo que todas foram construídas com recursos
do BNDES e passaram para iniciativa privada por meio de concessões de 30 anos de
duração, ou seja, as empresas privadas no período de concessão lucrarão R$ 95
bilhões. O interesse de construção das hidrelétricas na bacia do rio Uruguai
causou impactos ambientais e sociais, tendo o Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) como agente principal na reinvindicação dos direitos e
contestação dos atos das empresas construtoras, geradoras ou distribuidoras,
tanto públicas como privadas.
Hoje em dia, Santa Catarina aposta nas PCHs para
garantir sua autossuficiência energética e descentralizar as usinas geradoras.
Todavia as UHE da bacia do rio Uruguai e a usina termelétrica Jorge Lacerda
representam as maiores forças geradoras de eletricidade para o estado. Espera-se
um maior incentivo e uma melhor utilização das fontes renováveis como eólica e
solar como meio de propiciar a diversificação da matriz energética e não
depender dos regimes de chuvas tão importantes para a geração hidrelétrica, que
em tempos de estiagem é afetada.
Referências Bibliográficas
BOAMAR, Paulo Fernando de Azambuja. A Bacia do Rio Uruguai e o Setor Elétrico
Brasileiro: As obras, os Conflitos e as Estratégias. Florianópolis: Editora
Insular, 2002.
BRANCO, Catullo. Energia
Elétrica e Capital Estrangeiro no Brasil. São Paulo: Editora Alfa Omega,
1975.
BRASIL. Exército Brasileiro. Energia Elétrica no Brasil: da primeira
lâmpada à Eletrobrás. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora,
1977.
MAMIGONIAN, Armen. Notas
sobre a indústria de eletricidade em Santa Catarina. Boletim do Departamento
de Geografia, Presidente Prudente, v. 4, p.7-15,
1972-1974.
ROCHA, Humberto da; PASE, Hemerson; LOCATELLI, Carlos. Políticas públicas e hidrelétricas no Sul
do Brasil. Pelotas: Editora Ufpel, 2014.
SCHAPPO, Mateus. A
retomada do crescimento do setor energético através da concessão de serviços e
das parcerias público-privadas (PPP). 2008. 142 f. Dissertação (Mestrado) -
Curso de Geografia, Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.