|
|
Asunto: | NoticiasdelCeHu 12/18 - BRASIL - "O Rio não precisa de intervenção . O Rio precisa de uma Revolução" (Mauro Luis I asi) | Fecha: | Sabado, 24 de Febrero, 2018 21:34:41 (-0300) | Autor: | Noticias del CeHu <noticias @..............org>
|
NCeHu
12/18
BRASIL
"O Rio não precisa de intervenção. O Rio precisa de uma
Revolução"
Resistir
24/2/18
|
"Temos de começar a pensar numa intervenção mais
política no ambiente social, acabar com esse fetiche militarizado de
segurança pública para resolver problemas que têm que ser resolvidos na
esfera política" (Orlando Zaccone, delegado de polícia e doutor em
Ciência política pela UFF)
|
Não é necessário muito esforço para
verificar o que a atual intervenção do exército no Rio de Janeiro esconde. Como
em outros campos, o segredo está à mostra de todos: o rei está nu… e ele
não é o rei.
Existem duas chaves de compreensão importantes no
raciocínio de meu amigo e colega Orlando Zaccone que nos serve de epígrafe.
Primeiro, que o tema da segurança pública é um tema que só pode ser resolvido na
"esfera da política", e segundo que a forma militarizada de enfrentamento da
questão assume a forma de um fetiche. Os dois aspectos estão associados em uma
dimensão que, talvez, não esteja tão visível e óbvia. Senão, vejamos.
Afirmar que o problema da segurança pública é um problema político é
retomar a premissa de que as formas sociais se articulam com uma configuração
social do crime e que há relações de determinação entre uma e outra. Não há
nenhuma novidade nessa premissa. Ela está na base do pensamento funcionalista de
Durkheim e de toda uma consolidada reflexão sociológica sobre o tema. No campo
da criminologia crítica, principalmente de corte marxista, o que se agrega é que
não se trata da relação entre formas sociais e criminalidade no abstrato, mas de
uma determinada forma social fundada na propriedade privada, na extração de
mais-valor e de acumulação privada de capitais, isto é, uma sociedade
capitalista em seu ponto mais desenvolvido do monopólio e do imperialismo.
Ocorre que essa premissa, que ao que parece conta com a corroboração e a
seriedade de estudos desenvolvidos ao longo de um grande período, foi primeiro
desacreditada academicamente, depois ridicularizada como "reducionista" e
desconsiderada pelo poder público. Dito isso, o que devemos perguntar é o
seguinte: o que se colocou no lugar desta constatação?
A
criminalidade e a questão da segurança que dela deriva parecem ter sido
reduzidas a uma questão de anomia. Isolando o conceito durkheimiano de alguns de
seus argumentos incômodos, purgando de qualquer resquício de análise científica,
mesmo nos moldes positivistas, a anomia é vista como uma espécie de anacronia,
um quisto em uma sociedade que se "moderniza" e se "democratiza". Se a sociedade
é compreendida como dotada de oportunidades, caminhos e condições para o pleno
desenvolvimento dos indivíduos, aqueles que escolhem o caminho da criminalidade
o fazem, segundo esta visão, por um desvio pessoal, uma deformidade moral ou um
impulso instintivo. O controle de tal fenômeno só poderia ser, então, a
repressão policial e o encarceramento.
Anos de aplicação de políticas de
segurança fundadas nesta premissa mostram seu total fracasso em diminuir os
índices de criminalidade, aqui ou em qualquer parte do mundo. Aqui começa a se
apresentar o fetiche da militarização. Seria um problema de intensidade das
medidas e não um equívoco em sua natureza. A resposta aparece portanto na forma
de mais polícia, mais repressão, mais encarceramento… e
tudo continua dando errado, até que se chama o exército.
Mas o fetiche
não é só isso. A mercadoria precisa oferecer seu valor de uso somente por meio
da realização de seu valor de troca. No auge do fetichismo o valor de troca pode
ser realizado subsumindo o valor de uso. Você paga e toma a Coca-Cola, mas não
mata sua sede, pelo contrário ela aumenta a sede o que te leva a pedir outra
Coca-Cola. A política de segurança realiza seu valor de troca produzindo o que
apresenta como seu valor de uso fetichizado. Vejamos.
Vamos colocar a
questão por pontos:
- Os especialistas sérios concordam que qualquer
enfrentamento deveria começar pela legalização e controle da venda de drogas,
descriminalizando o consumo e retirando do tráfico seu protagonismo.
- O tráfico só é o operador de um negócio
lucrativo. Em época de capital monopolista, nenhum mercado desse porte pode
existir sem duas pré-condições: financiamento e estrutura. O volume de
recursos necessários só pode ser encontrado fora da área que a política de
segurança definiu como seu teatro de operações. Está no volumoso caixa dois,
seja da corrupção, seja da acumulação de capital. Está nas mãos de quem tem
dinheiro e precisa fazer mais dinheiro e vê no tráfico taxas de lucro
assombrosas. Pistas publicadas em nossos jornais diários indicam o caminho:
o Congresso Nacional, os bancos, os fazendeiros e as máfias organizadas
que controlam grandes somas de recursos que poderiam financiar o tráfico.
- Para tudo isso funcionar, como comprova a
história de todas as máfias, é necessária uma certa estrutura e um conjunto de
garantias – daí a compra de pessoas em postos chaves nos governos, no
judiciário e no aparato policial capazes de acobertar e dar garantias ao
enorme esforço logístico que envolve portos, estradas fronteiras, transporte,
esquemas de lavagem de dinheiro, juízes dispostos a dar habeas corpus,
relações internacionais etc. Nada disso está na área em que a política de
segurança concentra seu foco.
- Chegamos à distribuição. Para isso é necessário
controlar territórios, rotas, pontos, bocas [1] . Para isso é preciso
armamento pesado. A estrutura corporativa e monopolista do tráfico dá conta
dos recursos humanos necessários, mas o armamento, munições e outros recursos
não são fabricados e comercializados no território. Duas outras instituições
entram em simbiose: as polícias e o exército.
- Uma vez que a máquina estiver em funcionamento,
o lucro deve ser repartido entre seus sócios e deve-se garantir que os custos
sejam cobertos. O volume de dinheiro que, sabemos, não é pequeno, volta a
alimentar o enorme caixa dois do capital e os honrados e legais dividendos de
gente da nossa "melhor sociedade". Tudo isso não pode ser feito somente às
sombras, na ilegalidade: ele se mostra despudoradamente à luz do dia e
a vista de todos.
Pergunto: o trabalho de
investigação percorre qual destes pontos descritos? Helicópteros repletos de
cocaína e pistas de pouso em fazendas são ignorados, contas volumosas e malas de
dinheiro não são suficientes como prova, enriquecimentos sem nenhuma relação com
receitas declaradas não são investigados, a contabilidade do grande capital não
é verificada por ninguém. No entanto, as favelas são atacadas todos os dias,
jovens pobres e pretos serão mortos, lógico, sem que atrapalhe os negócios que
continuarão.
É ridículo. Nenhuma operação no Rio de Janeiro que termine
sem prender o governador do estado e o presidente da Assembleia Legislativa pode
ser levada a sério. Muito menos uma intervenção decretada pelo vampiro chefe da
maior quadrilha deste país, o PMDB, que governa o Rio a cinco mandatos e que é
responsável (junto com seus aliados e cúmplices) por roubar e falir o estado e a
cidade do Rio, com operações criminosas nas quais se destacam a Copa e as
Olimpíadas.
Não estamos falando de décadas de um problema que não
encontra solução, estamos falando de décadas de imposição de soluções como UPPs
[2] , Pronasci
[3] , ocupações da
força nacional e outras pirotecnias que acabam como sempre com os pobres mortos
e os ladrões mais ricos que antes.
As políticas de segurança não
enfrentam o problema, elas são um outro meio de ganhar dinheiro com o problema.
Vistas pelo lado da violência urbana, elas são um fracasso. No entanto,
empreiteiras ganharam dinheiro, fábricas de armas ganharam dinheiro, o Viva Rio
[4] e outros piratas
sociais ganharam dinheiro, monopólios midiáticos ganharam dinheiro, deputados,
senadores, secretários, juízes, policiais e militares corruptos ganharam
dinheiro… Policiais com salários baixos morrem, pobres pretos defendem com a
vida a quebrada que garante as fortunas de playboys e banqueiros com
narizes dilatados de tanto cheirar pó e tomar uísque importado e envelhecido
doze anos, mais que alguns meninos mortos por balas perdidas ou direcionadas.
Tudo isso gera insegurança… que precisa de mais "segurança". Estamos
prontos para mais um ciclo da vida do valor de troca de um valor de uso
fetichizado. Não será mais chamada de UPP, ou tolerância zero, ou Operações de
garantia da Lei e da Ordem, mas terá um nome chamativo, um especialista que a
justifique, um especial na Globo News sobre a solução encontrada, um
político que a represente e empresários dispostos a vender o que for preciso
para "salvar o Rio" e governantes dispostos a sangrar os recursos públicos
mediante uma módica contribuição para seu caixa dois.
Uma relação social
entre seres humanos assume a fantasmagórica forma de uma relação entre coisas.
Drogas, armas, políticas sociais, políticas de segurança, corrupção, lucro…
coisas por trás das quais há pessoas. De um lado as que ganham muito dinheiro,
de outro as que fazem isso tudo funcionar e morrem. No meio, uma porção de gente
coisificada capturada pela TV e torcendo contra eles mesmos.
Ao longe
ecoa um samba na avenida embalando nossa alma enquanto nossos corpos padecem. Um
rio de sangue e lágrimas corre para o mar levando o lixo de séculos. O Rio não
precisa de intervenção. O Rio precisa de uma Revolução.
21/Fevereiro/2018
NR [1] bocas: locais onde se vendem drogas (gíria). [2]
UPP :
Unidade de Polícia Pacificadora, um nome orwelliano. [3] Pronasci : Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania [4]
Viva Rio : uma ONG inspirada
na actuação da tropa brasileira enviada ao Haiti pelo governo Lula a pedido do
governo dos EUA
[*] Professor adjunto da
Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB.
O original encontra-se em pcb.org.br/portal2/18809/rio-violencia-e-fetiche e em blogdaboitempo.com.br/2018/02/20/rio-violencia-e-fetiche/
Este artigo
encontra-se em http://resistir.info/ .
|
|
|