XIX Encuentro Internacional Humboldt
“América Latina: balance de una “década”
Rio Grande/ Pelotas – RS - Brasil
11 al 15 de setiembre de 2017
POSSIBILIDADES E RESTRIÇÕES À PERMANÊNCIA NO CAMPO:
UM ESTUDO COM JOVENS RURAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
NO MUNICÍPIO DE CANGUÇU-RS
Henrique Müller Priebbernow
Universidade Federal de Pelotas (UFPel) – Pelotas/RS –
Brasil
- INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina trazer, para o campo da reflexão teórica,
alguns aspectos empíricos sobre as perspectivas da juventude rural em processo
básico de escolarização, tangentes ao dilema entre permanecer ou sair do espaço
rural depois de concluído o Ensino Fundamental. O objetivo do presente texto é
identificar as possibilidades de permanência ou abandono do campo por parte dos
jovens rurais, estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Heitor
Soares Ribeiro, localizada na Florida, 2º Distrito do município de Canguçu, após
o término do Ensino Fundamental.
A partir disto, cabe dizer que o espaço rural brasileiro abarca, em
sua totalidade, diferentes modos e expressões de vida, construídos por pessoas
que nele habitam e o constituem as suas múltiplas vivências. Ou seja, o rural
brasileiro, analisado a partir da perspectiva da pluralidade social, acaba
levando à compreensão de que os sujeitos históricos que lá moram e trabalham
estabelecem distintos projetos pessoais. Desta maneira, reportando-se,
especificamente, à juventude, categoria social aqui em questão, é preciso
delimitar quem são, de fato, estes sujeitos. Para tanto, dentro das diversas
maneiras de situar a condição de juventude, entende-se que, ‘’atualmente, o
recorte utilizado pelo poder público e por organismos internacionais é o de 15 a
29 anos [...].’’ (CASTRO, 2012, p. 438).
A delimitação, ainda que etária, da expressão “juventude”, não pode
deixar de considerar que tal definição não é homogênea e padronizada, objetiva e
subjetivamente, pois “[...] ela unifica simbolicamente um grupo que é composto
diversamente, que encobre realidades socialmente diversificadas” (STROPASOLAS,
2006, p. 180). Portanto, o mundo jovem é demasiadamente complexo e requer
bastante cautela ao ser analisado.
O fato de os jovens rurais crescerem acompanhando o trabalho com a
terra, realizados pela sua família e, tendo em vista as decisões, muitas delas
de caráter extremamente complexos, pois dizem respeito ao futuro da propriedade
rural, por exemplo, que precisam ser tomadas, acaba levando os mesmos a se
questionarem sobre aquilo que querem para o futuro. Assim, mais cedo ou mais
tarde, entra em cena o dilema relacionado ao permanecer ou sair do espaço
rural.
Neste cenário, é possível, inicialmente, corroborar as implicações
inerentes à permanência ou não da juventude no meio rural, com a visão
distorcida e projetada pela dinâmica capitalista no espaço, a qual insiste em
afirmar que o campo é atrasado e os costumes das pessoas que lá vivem, são
arcaicos e, logo, convencê-las de que a cidade é o melhor lugar para viver. As
decisões que acabam, muitas vezes, sendo tomadas, se materializam com a
emigração desta parcela da população rural aos centros
urbanos.
No aspecto decisório, que leva em conta a continuidade de reprodução
dos modos de vida do campo, sobre a saída, parcial ou total, desse espaço,
estão, de um lado, as atratividades propiciadas pelo meio rural e, de outro, os
problemas relacionados ao trabalho agrícola e à vivência camponesa (CARVALHO, et
al., 2009).
Ainda, nessa mesma linha de pensamento, torna-se necessário levantar
outra questão intimamente ligada ao “sair” ou “permanecer” no meio rural, que
gira em torno da chamada sucessão familiar. Desse modo, no processo sucessório
da propriedade da terra, as decisões tomadas pelo pai acabam, geralmente,
incidindo na desvinculação de parte dos filhos com a atividade da agricultura e
com o meio rural.
Uma vez que nem todos os filhos têm direito à posse da terra, o
caminho a ser tomado por aqueles que não foram beneficiados, será, sem dúvidas,
a ida para a cidade, de forma a conseguir outra ocupação, seja a partir do
investimento na escolarização ou, até mesmo, na inserção no mercado de trabalho,
todavia, nem sempre com renumeração adequada às necessidades básicas
(alimentação, saúde, educação, moradia, etc). Destarte,
A sucessão e a transferência da propriedade da terra, herança
patrimonial da família, segue padrões como o minorato ou a primogenitude (o
filho mais novo ou o mais velho é o herdeiro preferencial), dentre outras
formas, como estratégias para manter a pequena propriedade indivisível e evitar
que se pulverize. Nesse processo, seria comum que “jovens” filhos de camponeses
migrassem para a cidade, contando, em alguns casos, com pequenas compensações
(bens ou capital) por abdicarem da parte da propriedade que lhes caberia como
herança. (CASTRO, 2012, p. 439).
Acaba sendo entendido, desta maneira, tudo aquilo que o jovem,
vivendo no meio rural, tenderá a se preocupar ou enfrentar em um determinado
momento de sua vida. O que a literatura aponta, em vários estudos envolvendo a
complexidade da juventude e a vida no campo, é que esta categoria vem, com o
passar do tempo, encontrando diferentes obstáculos que não dão mais a
sustentação necessária para a continuidade da vida e do trabalho no meio
rural.
2.
METODOLOGIA
A metodologia empregada para a construção deste trabalho baseou-se,
inicialmente, em uma revisão bibliográfica, tendo como foco o paradigma da
juventude no contexto rural. E, posteriormente, a realização de uma pesquisa
empírica, com a aplicação de um questionário, respondido por 11 jovens em
processo de conclusão do Ensino Fundamental.
3.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise do conteúdo trazido pelo questionário foi organizada de
modo a extrair os elementos mais pontuais e precisos do mesmo, estando os
resultados apresentados em consonância com aquilo que eles apontavam quando da
suscitação de determinadas inquietações. E, além disso, a fim de melhor
apresentar as informações obtidas, optou-se pela estruturação das questões por
meio de categorias retiradas do próprio roteiro de questionamento. Por
conseguinte, quando questionados os alunos, jovens rurais, sobre as suas
aspirações e desejos após a conclusão do Ensino Fundamental, obteve-se as
seguintes respostas, conforme mostra o Quadro 01.
Quadro 1 – Perspectivas dos Jovens Rurais Após Concluir o Ensino
Fundamental
ALUNO A: |
Eu pretendia estudar mas pensei, e vou ficar no campo com meus
pais, porque no campo eu tenho muito mais liberdade. |
ALUNO B: |
Eu pretendo seguir morando aqui na Florida, e ajudar meus
pais. |
ALUNO C: |
Ingressar no ensino médio, mas continuar morando aqui, pois o
transporte passa em minha localidade, mas após o concluir o ensino médio
ainda estou em dúvida pois devido as dificuldades no campo, ele ainda é
uma das minhas melhores opções mas vou ver ainda... |
ALUNO D: |
Pretendo seguir estudando aqui no campo fazendo o médio
aqui. |
ALUNO E: |
Pretendo seguir estudando, mas também, seguir morando aqui no
interior, por exemplo. |
ALUNO F: |
Trabalhar no campo. |
ALUNO G: |
Eu pretendo conclui o estudo aqui e fica no campo para ajudar a
minha família. |
ALUNO H: |
Depois do Ensino Fundamental pretendo continuar aqui fora
morando com minha família mas fazer o Ensino Médio na
cidade. |
ALUNO I: |
Terminar o ensino fundamental e seguir na agricultura junto com
os pais. |
ALUNO J |
Morar no interior e continuar estudando. |
ALUNO K: |
Pretendo continuar morando aqui, além de que essa não seja a
minha vontade, e fazer o ensino médio. |
Fonte: Pesquisa de campo, 2015.
Através dos relatos dados pelos alunos, observa-se que, em nenhum
momento, é mencionada a pretensão de sair do campo e morar na cidade depois da
conclusão do Ensino Fundamental. Isso pode ser justificado, em tese, pela
incipiente maturidade que os mesmos possuem no tocante à decisão sobre o futuro
de suas vidas, visto que esta é uma fase onde se encontram sob a
responsabilidade dos pais ou de outra pessoa mais velha e, por isso, a palavra
que acaba prevalecendo tende a ser dada por aqueles a quem os jovens ainda se
vêem como dependentes.
Contudo, mesmo sendo unânime a vontade de continuar vivendo no campo,
nota-se que as perspectivas dos alunos acabam divergindo para dois caminhos. De
um lado, estão os alunos A, B, F, G e I afirmando que, posteriormente à
conclusão do Ensino Fundamental, pretendem seguir no campo, auxiliando as
famílias no trabalho agrícola em geral. E, de outro, os alunos C, D, E, H, J e K
que, mesmo permanecendo no meio rural, trabalhando com os pais na propriedade,
darão continuidade aos estudos, a fim de concluir o Ensino Médio, seja na cidade
ou, mesmo, no próprio campo.
Assim, ainda que os jovens dissintam-se quanto ao fato de alguns
seguirem estudando e, outro, não, é possível presumir que, dada a permanência
deles no espaço rural, os futuros sucessores das propriedades em que estão,
hoje, vinculados, terão, ao menos, o Ensino Fundamental completo. Realidade esta
que, possivelmente, entre os pais dos jovens alunos, torna-se menos presente,
pois, em tempos passados, as condições de acesso e continuidade na escola
acabavam sendo restringidas, ou pelo distanciamento das instituições de ensino
dos locais de moradia ou, até mesmo, por precisarem predispor de maior tempo
para com o trabalho na propriedade rural.
4.
CONCLUSÕES
A fim de manter a fidedignidade para com os dados levantados e
problematizados e o compromisso com a função social da pesquisa foram fatores
essenciais que possibilitaram o alcance do propósito aqui delineado, procurando
responder ao problema maior do estudo.
Logo, as perspectivas dos jovens rurais acabam por revelar que todos
eles, depois da conclusão do Ensino Fundamental, desejam permanecer vivendo no
campo. Ainda que se possa observar, mais detalhadamente, que as perspectivas
desses jovens caminham em duas direções opostas, a saber: em um grupo estão
aqueles que pretendem concluir o Ensino Fundamental e seguir auxiliando as suas
famílias no trabalho agrícola e, no outro, os jovens que, mesmo continuando no
campo, querem dar prosseguimento aos estudos, seja no meio rural, seja no meio
urbano.
5.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, E. G. de. Juventude do Campo. In: CALDART, R.; PEREIRA, I.;
ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo.
Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Expressão Popular, 2012. p. 437-444.
CARVALHO, D. M.; FERRER, M. T.; JÚNIOR J. P. S.; SANTOS, A.
B. Perspectivas dos jovens rurais: campo versus cidade. Anais do 47º
Congresso Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural,
Porto Alegre, p. 1-14, 2009.
STROPASOLAS, L. V. O rural na perspectiva dos jovens. In:
______. O mundo rural no horizonte dos jovens. Florianópolis: Ed. da
UFSC, 2006. p. 171- 242.