XIX Encuentro Internacional Humboldt
“América Latina: balance de una “década”
Rio Grande/ Pelotas – RS - Brasil
11 al 15 de setiembre de 2017
A ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO URBANO DO
EXTREMO OESTE BAIANO
A PARTIR DA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO E A
MORFOLOGIA URBANA DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO
Nathan Belcavello de
Oliveira
Ministério das Cidades / SEEDF / CeHu
Brasília, Distrito Federal – Brasil
Introdução
A Mesorregião do Extremo Oeste Baiano – porção mais ocidental do
atual Estado da Bahia (vide Figura 1) –, bem como toda a parcela do território
baiano a partir da margem esquerda do rio São Francisco (dos limites a nordeste
com Pernambuco, passando pelos com o Piauí a norte e com Tocantins e Goiás a
oeste, até aqueles com Minas Gerais a sul), possui uma dinâmica espacial
peculiar ao restante da Bahia, sobremodo quanto a sua gênese enquanto território
e constituição espacial pretérita.

Figura 1. A região baiana da margem esquerda do rio São
Francisco, com destaque para a mesorregião do Extremo Oeste Baiano
Fonte: Oliveira (2013).
Diferentemente da maior parcela do referido Estado, que teve sua
lógica de ocupação estabelecida a partir de Salvador, a referida região teve
vinculada à lógica da ocupação do território concebida a partir de Olinda e
Recife até quase o fim do primeiro quartel do século XIX. Esta lógica se valeu
em muito do acesso que o rio São Francisco ofereceu ao interior para o
desenvolvimento da pecuária, vital ao abastecimento de alimento à zona de
produção açucareira do litoral. Como consequência, o espaço urbano vinculado a
este período de ocupação do território apresentará uma morfologia similar e
vinculada ao modal hidroviário e à economia que o viabilizaram. Por sua vez,
após a mudança na “lógica” da ocupação e tendo a perspectiva as novas
tecnologias de transporte para efetivá-la, percebe-se a variação na morfologia
urbana. Tais fatos podem servir para o estabelecimento de uma periodização no
processo de constituição do espaço urbano do Extremo Oeste Baiano e na análise
do mesmo.
Desse modo, o presente trabalho visa analisar a constituição do
espaço urbano desta parcela do território baiano a partir da relação entre a
ocupação de seu território e a morfologia urbana das áreas urbanas de seus
Municípios, por meio da revisão bibliográfica e a observação empírica em
trabalho de campo realizado em julho de 2013 (OLIVEIRA; ARAÚJO,
2013).
1. A ocupação do território
Mesmo com o primeiro contato oficial de Pedro Álvares Cabral com as
terras brasileiras em 1500, somente mais de trinta anos depois surge o interesse
efetivo em ocupar as terras que cabiam a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas,
motivado pelo risco eminente de concretização da posse por parte da França, que
já há muito saqueava a costa brasileira. Com isso o rei Dom João III passa a
conceder capitanias a nobres a partir de 1534 como alternativa de ocupação sem
custos iniciais à Coroa. A primeira foi doada a Duarte Coelho, com 60 léguas de
terras no litoral, do rio de Santa Cruz, ao norte, à foz do rio São Francisco,
ao sul (BIBLIOTECA NACIONAL, 1929, p. 69), nomeada por seu donatário de Nova
Lusitânia, mas conhecida popularmente como Pernambuco.

Figura 2. As primeiras capitanias do Brasil segundo o que
é difundido e a partir da leitura e interpretação das cartas de
doação
Fonte: Oliveira (2013).
Contudo, distintamente do que se convencionou dispor nos mapas
históricos ou naqueles presentes nos livros didáticos, peculiaridades presentes
já nas cartas de doação das capitanias apontavam para diferenças e possíveis
conflitos na ocupação do território, conforme pode ser visto em mapa elaborado
por Oliveira (2013) apresentado na Figura 2.
Considerando o fracasso quase completo do projeto de ocupação do
território por meio das capitanias hereditárias, salvo alguns êxitos como o de
Duarte Coelho, o conflito generalizado que poderia surgir da sobreposição das
doações, oriunda do desconhecimento do território, acabou não criando maiores
vultos inicialmente. A nosso ver, o próprio sucesso relativo da ação de Duarte
Coelho, aliado ao desconhecimento proposital da localização do meridiano de
Tordesilhas [...], acabou por sedimentar o rio São Francisco como limite
meridional da capitania de Pernambuco (OLIVEIRA, 2013, p. 4).
Desse modo, seguindo a deliberação que a carta de doação concedia a
Duarte Coelho e a seus herdeiros e contando com a situação favorável dos
afluentes da margem esquerda do rio São Francisco, Pernambuco procede a ocupação
do território que lhe cabia. Estabelece a exploração, primeiramente, da extração
do pau brasil e, consecutivamente, da cultura da cana-de-açúcar no litoral.
Concomitantemente se interioriza com as trilhas do gado, atividade acessória à
produção açucareira como aponta Prado Júnior (2012), mas vital, juntamente com
as bandeiras, oriundas de São Paulo, para ocupação do sertão.
[...] O gado avança aos limites ocidentais do sertão nordestino rumo
ao Piauí e Ceará, na direção oeste, e aos limites do planalto central, através
da calha do rio São Francisco, na direção sul. [...] Tal como no caminho dos
bandeirantes, uma diversidade de pontos de parada vai dando origem a manchas de
cultivos e de vilas de onde irão brotando os centros de referência da ocupação
do território (MOREIRA, 2012, p. 11 – grifo nosso).
Moreira (2012) e Andrade (2011) apontam para a importância de
Pernambuco na tarefa de ocupação do vasto território da região em análise e de
outras parcelas dos chamados sertões. Contudo, como sublinha Andrade (2011, p.
185), devido à ameaça constante de invasão francesa à jovem colônia portuguesa e
à possibilidade de pastagens para o gado em pleno litoral, o esforço
pernambucano relacionado à expansão do gado é desviado ao norte, seguindo a
linha litorânea. Assim, a importância de Olinda e, posteriormente, Recife na
ocupação territorial dessa região, mesmo se mantendo, vai declinando no decurso
da história. Entretanto, não se perde por completo devido, principalmente, às
restrições ambientais presentes na parcela do território que vai da margem
direita do rio São Francisco ao litoral da Bahia, sobremodo ligadas à
distribuição hídrica e às características da vegetação da caatinga. “Tais
aspectos ambientais são descritos por vários viajantes que se aventuraram pelas
terras ressentidas de água que configuram a caatinga e o semiárido brasileiro”
(OLIVEIRA, 2013, p. 7), desde o padre capuchinho francês Martin de Nantes, no
século XVII, relatado por Lima Sobrinho (1986, p. 305-306), até, séculos mais
tarde, por Spix e Martius (1938). “Dessa maneira, [...] podemos considerar o
sertanejo, criador de gado, transportador de cargas no São Francisco, tanto de
Pernambuco quanto da Bahia, como pioneiro deste vasto e, muitas vezes, hostil
espaço” (OLIVEIRA, 2013, p. 6). A região vai ganhando melhor atenção das
autoridades com as criações das Comarcas, primeiramente, do Sertão de
Pernambuco, em 1810, e um decênio depois, do Rio São Francisco, abrangendo,
respectivamente, a partir de Cimbres e Flores, no atual Sertão Pernambucano, e
de Barra até Carinhanha, conformando esta última comarca praticamente a região
analisada. A partir da independência surge um movimento que procurava dar mais
protagonismo à região, buscando sua pequena elite, inclusive, a possibilidade,
via Assembleia Constituinte, de elevá-la à condição de província do Império
recém-criado.
[Contudo,] [...] com a dissolução da Assembleia Constituinte, a
imposição da Constituição Imperial e seus desdobramentos sobre as relações
políticas entre o governo central e as elites locais, que culminaram com a
proclamação da Confederação do Equador em 1824, a então Comarca do Rio de São
Francisco é anexada primeiramente à Província de Minas Gerais, permanecendo
desta maneira até 1827, quando passa a ser território da Província da Bahia,
situação que se sedimenta até os dias de hoje (OLIVEIRA, 2013, p.
9).
Uma vez formalmente ligada politicamente à lógica de ocupação do
território de Salvador e a partir do desenvolvimento de novas tecnologias de
transporte – do ferroviário ao rodoviário – a integração da região à Bahia ganha
contornos vultosos com o avanço do agronegócio e a produção em larga escala de
muitas commodities, tornando, sobremodo o Extremo Oeste Baiano, crucial para a
economia do Estado.
Toda essa evolução da ocupação do território da região deixou marcas
claras no desenho de seus núcleos urbanos. Conforme veremos a
seguir.
2. As morfologias urbanas das áreas urbanas dos Municípios
da região
Por meio de trabalho de campo realizado em junho de 2013 (OLIVEIRA;
ARAÚJO, 2015), ficou patente que o desenvolvimento da ocupação do território da
região analisada, principalmente considerando os distintos modais de transporte
utilizados em cada período, refletiu de maneira substancial na organização
interna de seus núcleos urbanos.

Figura 3. Esquemas de morfologia urbana da
região
Fonte: elaboração própria.
Um primeiro conjunto de núcleos urbanos do povoamento mais antigo se
caracteriza por seu vínculo aos rios, como via de comunicação com o exterior, e
à pecuária, enquanto atividade econômica predominante, encontrando-se em um
atual período de declínio relativo ou total – caso da antiga cidade de Campo
Largo, núcleo urbano pioneiro da região, hoje denominado Taguá e figurando como
vila do Município de Cotegipe. Acerca disso nos asseveram Oliveira e Araújo
(2015, p. 107) quando descrevem a área central da cidade de
Correntina:
Era possível perceber que o rio até um passado próximo foi a
principal via de comunicação do núcleo urbano, mesmo sendo relativamente raso.
Um prédio – provavelmente de um mercado municipal construído bem ao lado do rio
– apresentava rampas de acesso, conforme se pode ver na figura 12. Além disso, a
praça central e a igreja estavam dispostas de frente para o rio, fato que se
aferiu em todos os núcleos urbanos de ocupação mais antiga na região,
demonstrando a importância que a rede fluvial representou para a ocupação deste
território (grifo nosso).
Um segundo conjunto é de transição, agrupando núcleos urbanos
surgidos ainda na primeira grande fase da ocupação do território a partir dos
rios, mas que acabaram se apoiando no posterior desenvolvimento rodoviário para
ganhar protagonismo econômico regional, bem como os surgidos a partir do próprio
desenvolvimento rodoviário na região. É o caso de Barreiras:
Sua ocupação antiga fica patente próximo à área central, com um
prédio que aparenta ter sido o Mercado municipal, a praça com a igreja voltada
para o rio e uma área ampla de acesso ao rio Grande.
Contudo, a cidade é cortada pela BR 242, que passa por trás da igreja
em plena área central. Há uma série de empresas de prestação de serviços
automotivos – oficinas, lojas de autopeças, borracharias, entre outras – ao
longo da rodovia convertida em avenida principal da cidade (OLIVEIRA; ARAÚJO,
2015, p. 117).
Por fim, um conjunto caracterizado por núcleos urbanos surgidos, ou
que estão em formação, a partir do agronegócio e a consolidação das rodovias
como solução de transporte da região. Entre os consolidados temos Luís Eduardo
Magalhães, onde Oliveira e Araújo (2015, p. 118) observaram que:
É marcante a presença do agronegócio, com várias empresas de
comercialização de insumos, ferramentas e maquinários agrícolas. Também ficou
patente a presença da desigualdade social, com um grande assentamento com casas
de alvenaria sem revestimento e infraestrutura aparentemente
precária.
Já considerando aqueles núcleos urbanos que começam a se constituir,
Rosário, vila do distrito homônimo do Município de Correntina, expressa muito
bem as características desse conjunto. Além da presença marcante de empresas de
venda de insumos e maquinário agrícolas e comercialização da produção e
prestação de serviços automotivos, também um grande loteamento já com
infraestrutura implantada – inclusive parquinhos infantis – em lotes com nenhuma
ocupação e muita propaganda, em “uma clara exemplificação da intencionalidade
proposta àquela fração do espaço, numa clara tentativa de materializar um futuro
ainda concebido e explícito nos anúncios estrategicamente colocados no
loteamento, de maneira a induzir sua dinâmica espacial” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2015,
p. 105).
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste:
contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 8. ed. São Paulo: Cortez,
2011.
BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos. Volume 13. Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, 1929.
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8, p. 215-219, 1881.
DIAS, Demosthenes de Oliveira. Formação territorial do Brasil: origem
e evolução. Rio de Janeiro: Luiz Franco, 1956.
LIMA SOBRINHO, Barbosa. Assuntos pernambucanos. Recife: FUNDARPE; Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1986.
MOREIRA, Ruy. Formação espacial brasileira: uma contribuição crítica
à geografia do Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2012.
OLIVEIRA, Nathan Belcavello de. O rio, o gado e o sertão: a gênese
pernambucana do Extremo Oeste Baiano. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA, 10., 2013, Campinas. Anais
do... Campinas: ANPEGE, 2013.
OLIVEIRA, Nathan Belcavello de; ARAÚJO, Gilvan Charles Cerqueira de.
(Re)Conhecendo o Extremo Oeste Baiano e parte do Além São Francisco: relatório
de viagem prospectiva. Revista Discente Expressões Geográficas, Florianópolis:
UFSC, n. 10, p. 99-119, dez. 2015. Disponível em:
<http://www.geograficas.cfh.ufsc.br/arquivo/ed10/ed10_rel06.pdf>. Acesso
em: 10 abr. 2017.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 43. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.
SPIX,
Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Através da
Bahia: excertos da obra Reise in Brasilien. Tradução de Pirajá da Silva e
Paulo Wolf. 3. ed. Rio de Janeiro: Nacional,
1938.