O Chefe de Estado Maior do Exército dos EUA,
Gen. Milley, ameaçou num discurso oficial: «quero ser muito claro com aqueles
que se tentam opor aos Estados Unidos […] vamos travar-vos e vamos esmagar-vos
de forma mais dura do que alguma vez vos tenham esmagado» (no YouTube, e
citado em www.military.com, 5.10.16). A ameaça é dirigida à segunda maior
potência nuclear do planeta, a Rússia. Outra ameaça veio do porta-voz do
Ministério dos Negócios Estrangeiros dos EUA: «grupos extremistas irão expandir
as suas operações, incluindo – sem qualquer dúvida – ataques a interesses
russos, talvez mesmo contra cidades russas» (NYT, 29.9.16). Um editorial
do New York Times (29.9.16) tem o título «O Estado fora-da-lei de
Vladimir Putin». Porquê tamanha histeria contra a Rússia capitalista?
O acordo de cessar-fogo na Síria, assinado por
Kerry e Lavrov, foi enterrado em poucas horas pelo ataque dos EUA que matou
quase 100 soldados sírios que defendiam a cidade de Deir-ez-Zor, cercada pelo
ISIL. Ataque que Kerry afirmou ter sido um «erro», mas sobre o qual o Chefe de
Estado Maior General dos EUA, Gen. Dunford, tem outra opinião: «pode ser que,
após concluída a investigação […] digamos que voltaríamos a fazer o que fizemos»
(Reuters, 19.9.16). A aparente insubordinação militar vinha de trás: o New York
Times (13.9.16) deu (timidamente) conta duma conferência de imprensa no
Pentágono em que os militares dos EUA se recusavam a prometer cumprir a sua
parte do acordo assinado por Kerry. Já aquando da sua nomeação, o Gen. Dunford
afirmara que «a Rússia era a principal ameaça aos EUA», referindo «como as mais
importantes ameaças seguintes à segurança dos EUA, e por essa ordem, a China, a
Coreia do Norte e o Estado Islâmico» (Washington Post, 9.7.15). O ministro da
Defesa de Obama concorda: «Ashton Carter listou a hierarquia de ameaças aos
Estados Unidos, que incluía a China, a Coreia do Norte, o Irão e, por fim, a
luta contra o terrorismo. Mas o seu alvo prioritário foi a Rússia» (editorial do
NYT, 3.2.16). Num artigo na USA Today (11.2.16), com o título «Wesley Clark: Na
Síria, a Rússia é a verdadeira ameaça», o ex-chefe da NATO na guerra contra a
Jugoslávia afirma «temos de reconhecer que […] a ameaça maior é a Rússia».
Afirmando que «Bashar al-Assad e a Rússia estão a ganhar no terreno», Clark
acrescenta: «não podemos deixar que […] os jihadistas “bons” financiados pelos
nossos aliados sejam marginalizados». A ficção da «luta contra o terrorismo»
deixa cair a máscara.
Há anos que os EUA impõem pela força a sua
vontade. Quem se recusa a cumprir ordens é vítima de sanções económicas,
«revoluções coloridas», exércitos terroristas a seu soldo, invasões e guerras.
Poucos são hoje os governos que se atrevem a votar contra as potências
imperialistas na ONU. A Rússia, para lá do seu sistema social ou das questões de
classe, é objecto dum cerco cada vez mais evidente. A NATO foi alargada até às
suas portas. Os vassalos dos EUA provocam-na para a guerra (Geórgia em 2008,
Ucrânia em 2014, Polónia em 2016). Quem se pode surpreender se depois de ver o
destino da Jugoslávia, Iraque ou Líbia, os dirigentes russos chegarem à
conclusão que enfrentar os EUA é uma questão de vida ou de morte para o seu
país? Salvar o (legítimo, reconhecido pelos próprios EUA!) governo sírio e
travar o monstro da guerra imperialista na Síria é tentar impedir que ele chegue
ao seu próprio país. Para os EUA, uma derrota da sua guerra interposta contra a
Síria seria um golpe profundo no seu poderio hegemónico. É por isso que o Gen.
Milley invectiva contra «aqueles que se tentam opor aos Estados Unidos» e ameaça
«esmagá-los».
Mas a Rússia, ao contrário de anteriores alvos, tem
armas nucleares. A parada é enorme, e os perigos são assustadores. Não há
guerras inevitáveis. Mas há um partido da guerra, que ganhou força com a crise
do capitalismo. Só quem ignora a História e a natureza do imperialismo pode
estar descansado. Nunca a luta pela paz e contra a loucura belicista foi tão
urgente.
Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2237,
13.10.2016