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Asunto: | NoticiasdelCeHu 260/16 - O capitalismo Drácula ( Jorge Beinstein ) | Fecha: | Miercoles, 21 de Septiembre, 2016 20:38:32 (-0300) | Autor: | Noticias del CeHu <noticias @..............org>
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NCeHu
260/16
O capitalismo Drácula
– "Os pólos financeiros disciplinam os estados que por sua vez disciplinam
os trabalhadores"
por Jorge
Beinstein [*]
entrevistado por Red
Roja
RR: Após quase uma década de
crise, como vê a saúde do capitalismo e da sua tentativa de reverter a queda da
taxa de lucro?
JB: Na realidade a crise do sistema começou muito
antes de 2008 – teríamos que retroceder até os anos 1970 ou, como assinalava
Mandel, para fins dos anos 1960. A partir desse período começou a descer
tendencialmente a taxa de crescimento real do Produto Global Bruto, processo
motorizado pela desaceleração das grandes economias centrais como as dos Estados
Unidos, Japão, Inglaterra ou Alemanha (neste momento Alemanha Federal) e também
a expandir-se a chamada financiarização do capitalismo.
O ano de 2008
foi um ponto de inflexão que assinalou o esgotamento da financiarização que fora
a droga dinamizadora do capitalismo, seu euforizante e ao mesmo tempo seu
parasita. Se tomarmos o caso dos "produtos financeiros derivados", a espinha
dorsal do sistema financeiro (em consequentemente do capitalismo mundial),
constatamos que pelo ano 2000 chegavam aproximadamente aos 100 milhões de
milhões de dólares, equivalentes a umas três vezes o Produto Global Bruto; em
2008 atingiam os 685 milhões de milhões, quase umas 11 vezes do PGB. Mas nesse
ano verificou-se a grande crise financeira e a massa nominal de derivados deixou
de crescer, manteve-se numa espécie de estagnação instável. Em Dezembro de 2013
chegavam aos 710 milhões de milhões (umas 9 vezes o PGB) e em 2014 começou o
desinchar: por alturas de Dezembro de 2015 haviam caído para uns 490 milhões de
milhões de dólares (seis vezes o PGB). Em apenas dois anos evaporaram-se 230
milhões de milhões de dólares, que representaram algo menos de três vezes o PGB
de 2015 [NR] . O desinchar dessa
hiperbolha, na realidade a mãe de todas as bolhas, golpeou duramente os preços e
os investimentos. As economias centrais estancaram-se, tiveram crescimentos
baixos ou entraram em recessão.
Como sabemos, em 2014 verificou-se a
queda dos preços das matérias-primas e a generalização do que costuma ser
qualificado como crise deflacionária global. O motor financeiro deixou de
cumprir o papel euforizante e passou a ser um factor depressivo que empurra para
baixo o conjunto do capitalismo. Neste ano de 2016 a situação piorou e
certamente vai-se agravar proximamente, numerosos sinais assim o indicam.
Quando se olha com mais profundidade percebe-se que por baixo do
fenómeno, desde os anos 1970 até hoje, surge o acentuar da tendência para o
declínio da taxa de lucro que de maneira irregular, com algumas melhoras
efémeras seguidas por fortes quedas, vai encurralando um sistema enfermo. As
melhoras passageiras dessa taxa foram obtidas principalmente graças à maior
exploração dos trabalhadores e/ou à depredação dos recursos naturais da
periferia. Exemplo: a entrada no mercado capitalista mundial de milhões de
operários industriais chineses e de outras zonas da periferia permitiu às
grandes empresas deslocalizar suas instalações e assim produzir com salários
reduzidos. Graças à aplicação de tecnologias mineiras e agrícolas altamente
destrutivas do meio ambiente as economias imperialistas obtiveram
matérias-primas baratas (e super lucros). Vemos então como a curva
representativa da taxa de lucro deixava de cair e até subia durante alguns
períodos entre os anos 1980 e 2000. Mas esses remédios não conseguiram superar o
problema e no século actual a trajectória em baixa é irresistível.
Agora
encontramo-nos diante da tentativa sinistra de travar essa descida acentuando ao
extremo o saqueio de recursos naturais e submetendo centenas de milhões de
trabalhadores à super-exploração. Para conseguir esses objectivos é empregue uma
variedade de instrumentos que vão desde as intervenções militares directas e os
chamados golpes suaves até a imposição autoritária por parte de governos pseudo
democráticos de planos económicos que produzem desemprego e quedas dos salários
reais. Mas ao por em andamento esses remédios agravam a crise do sistema,
estendem o caos, expandem os espaços sociais ingovernáveis, deterioram as
instituições burguesas. Pretendem afastar o desastre mas na realidade
ampliam-no.
RR: Que papel desempenha a dívida como elemento
disciplinador? Por que devemos reclamar seu não pagamento?
JB: O
endividamento estatal e privado foi um grande dinamizador do capitalismo a
partir das últimas décadas do século passado. Em países como os Estados Unidos o
grosso dos salários crescia muito pouco, estagnavam e em alguns caíam – mas o
crédito permitia manter o consumo. O Estado podia continuar a gastar em guerra
ou obras públicas, aumentando sua dívida. E as dívidas cresceram cada vez mais
até que atingiram o tecto. Em 2008 verificou-se o descalabro financeiro porque
uma massa significativa de devedores privados não podia continuar a pagar e
explodiu a bolha imobiliária. O ciclo de crescimentos com base em dívidas
esgotou-se e iniciou-se um ciclo oposto de estancamentos, recessões e
crescimentos anémicos. Antes o endividamento era um mecanismo que permitir
crescer desacelerando salários. Agora surge como um factor que impõe restrições
de gastos sociais do estado, reduções salariais reais e aumento do desemprego.
Os pólos financeiros disciplinam os estados que por sua vez disciplinam os
trabalhadores.
Mas quanto tempo pode durar essa degradação? Não muito
mais. A referida deterioração a médio prazo torna as sociedades ingovernáveis. A
decadência do sistema generaliza-se, já não afecta apenas as suas estruturas
económicas mas também as suas reproduções institucionais, ideológicas,
políticas, etc. As super dívidas, dados os seus volumes, são impagáveis, só
podem ser atendidas com mais dívidas que por sua vez provoca mais estancamento
económico e desintegração social. Não existe a fórmula mágica capaz de resolver
o problema preservando o funcionamento do sistema. E isto por uma razão muito
simples: a super-dívida não é senão a expressão da decadência do sistema, não é
a sua causa e sim o seu resultado, é um dos seus efeitos visíveis.
Como
demonstrou o caso grego, onde o governo "progressista" propunha continuar a
pagar "de outra maneira" e melhorar a situação económica geral, o sistema não
oferece essa possibilidade. E não pagar a dívida significa romper com o sistema,
com o centro financeiro de um capitalismo global completamente financiarizado.
Para os progressistas fazer isso seria "irracional", seria apartarem-se do
"mundo", pelo que aceitam a irracionalidade profunda do sistema que nos está a
levar ao desastre. Também identificam o "mundo" com as elites dominantes. Em
suma, pagar e pagar empobrecendo-se cada vez mais quando é perfeitamente
possível melhorar as condições de vida da maioria da população dados os recursos
técnicos disponíveis – desde que saquemos de cima o parasitismo, ou seja o
sistema, ou seja o capitalismo tal qual existe na realidade. O que existe na
realidade nada tem a ver com os capitalismos imaginários que nos propõem
progressistas e conservadores simpáticos.
RR: O que opina da
acentuação das contradições inter-imperialistas entre EUA, Alemanha, Rússia,
China, ...?
JB: Como assinalei antes, o capitalismo central –
basicamente as economias dirigentes da União Europeia mais os EUA e o Japão –
precisa saquear a periferia para travar, ainda que seja durante algum tempo, sua
decadência económica. Trata-se de uma mega estratégia imperialista global, agora
em curso. Quando falo de periferia estendo o conceito tradicional não só à
Rússia e à China como também às economias submetidas da Europa centro-oriental e
do sul.
Mas essa grande ofensiva imperialista desencadeada com o derrube
da URSS terminou por se atolar na Ásia. Pior ainda: o próprio mecanismo de
reprodução global do sistema, ao fomentar o desenvolvimento capitalista
subordinado da China, contribuiu de maneira decisiva para a criação das
condições que possibilitarão a ascensão e consolidação de uma classe dirigente
que é uma combinação de burgueses e altos burocratas civis e militares, a qual
foi ganhando uma crescente autonomia política, económica e tecnológica. Um
capitalismo de Estado com traços estruturais e culturais muito surpreendentes
que conforma a segunda potência económica do planeta e agora também
científico-tecnológica. Segundo a National Science Foundation, em 2016 os
Estados Unidos gastaram em Investigação e Desenvolvimento 27% do total global,
seguidos pela China com 20%. E entre 2009 e 2013, enquanto os EUA incrementaram
7% suas despesas de I+D, a China o fez em 78%. Extrapolando esses ritmos, por
volta de meados da próxima década a China passaria a ser a primeira potência
científico-tecnológica do planeta. Em termos reais talvez o seja antes, uma vez
que os gastos estado-unidenses são realizados sobre um aparelho científico
velho, praguejado de zonas cinzentas, burocracias, etc ao passo que os gastos
chineses aplicam-se a um aparelho jovem, muito dinâmico, em rápida expansão.
No caso russo, aqueles que nos anos 1990 prognosticavam a desintegração
da Rússia conforme o que havia acontecido com a URSS equivocaram-se
completamente. O Estado e em especial seu componente
industrial-científico-militar recompôs-se, o núcleo duro das elites dirigentes
aproveitou o auge das exportações energéticas, recuperou tradições nacionalistas
que haviam atravessado (e deformado) a URSS e que remontam às próprias origens
da identidade russa que não podem ser assumidas sem integrar às glórias do
século XX. Exemplo: a vitória soviética sobre o nazismo que custou ao país 27
milhões de mortos, o maior sacrifício militar de um povo ao longo de toda a
história humana. Isso não se apaga facilmente. Também ali forjou-se um
capitalismo de Estado que se foi autonomizando.
Em ambos os casos o que
não devemos fazer é cair no reducionismo económico. É necessário ampliar a visão
ao conjunto da história das referidas nações. Desse modo podemos chegar a
entender tanto as suas resistências à hegemonia ocidental como suas numerosas
contradições e debilidades.
Ambos os capitalismos dependem das suas
exportações às grandes potências tradicionais. Existem complexos laços
financeiros globais a que estão atados, mas existe também a ameaça dos Estados
Unidos, suas agressões, pretendendo colonizá-los. Alguns analistas
simplificadores previam há alguns anos que jamais ocorreriam confrontações
militares dos Estados Unidos com a Rússia ou a China. Diziam isso assinalando
que a globalização económica havia engendrado uma espécie de trama burguesa
transnacional que sobre determinava o comportamento dos grandes estados cujas
rivalidades passavam então a um segundo plano. Certas pessoas pensavam algo
semelhante antes da Primeira Guerra Mundial quando vislumbravam a instalação de
uma super burguesia mundial acima dos estados. Mas a guerra chegou, desmentindo
essa fantasia.
Em síntese: integrações, interdependências de todo tipo
entre grandes potências, mas ao mesmo tempo rivalidades, guerras.
RR:
Que papel desempenha a guerra imperialista hoje? Está o capitalismo na sua etapa
senil?
JB: A guerra, o aparelho militar, seus prolongamentos
industriais e financeiros, suas articulações mafiosas, constitui actualmente o
núcleo central das elites dominantes dos Estados Unidos que formam um
conglomerado de redes muito concentradas voltadas maioritariamente para práticas
parasitárias. Parasitismo, imperialismo e militarismo são conceitos decisivos
quando se trata de descrever o comportamento do império. Estes traços do amo
explicam por sua vez a dinâmica dos seus sócios-vassalos (Alemanha, França,
Japão, etc).
Os capitalismos centrais tradicionais para sobreviver
necessitam – assim como Drácula precisava de sangue e mais sangue – de
super-explorar os recursos naturais e massas trabalhadoras da periferia, o que o
converte numa gigantesca força tanática de alcance
planetário.
Os Estados Unidos, apoiado em certos casos por outras
potências ocidentais, destruiu países como o Afeganistão, Iraque, Líbia ou
Síria, tenta cercar militarmente a Rússia, afundar a sua economia, está
começando a fustigar militarmente a China, encontra-se embarcado na
recolonização integral da América Latina à qual reserva um destino mexicano.
Trata-se da guerra dos Estados Unidos e seus sócios vassalos contra o
resto do mundo, "guerra de quarta geração" que combina uma ampla variedade de
formas (militar convencional, mediática, financeira, etc) cujo objectivo final é
a transformação desses "resto do mundo" numa vasta zona cinzenta, como
semi-estados falidos, sociedades desarticuladas, caóticas, indefesas perante o
saqueio desmesurado.
Mas querer não é poder, ainda mais quando as
retaguardas imperialistas, seus espaços nacionais, se encontram em franca
decadência. Suas economias crescem cada vez menos. Algumas delas já estão em
recessão e sem possibilidades de recuperação, armadilhadas por suas tramas
parasitárias. Nesse sentido o conceito de senilidade é sumamente útil para
entender o que está a acontecer, tanto do ponto de vista produtivo-tecnológico
como ideológico. A proximidade da morte, a perda de vitalidade, não promovem a
resignação serena do velho crápula e sim a sua irracionalidade, sua tentativa
desesperada de conservar o existente e inclusive aumentar seus privilégios. À
medida que avança a perda de vitalidade exacerbam-se seus delírios. A RAND
Corporation, a mais importante consultora norte-americana em temas militares,
acaba de publicar um estudo onde se desenvolvem cenários de uma hipotética
guerra entre os Estados Unidos e a China. Ali se medem possíveis "perdas" de
cada contendor, etc. Circulam documentos semelhantes quanto a uma eventual
guerra com a Rússia.
RR: Acredita que o capitalismo possa
"reformar-se", como sustenta a social-democracia?
JB: A reforma
produtivista e social do capitalismo, como apregoa a social-democracia, é na
melhor das hipóteses uma simples expressão de desejos. Na realidade trata-se de
um engano que oculta a natureza real do capitalismo tal como existe hoje. Para
alcançar esse suposto capitalismo com rosto humano seria necessário erradicar
seus centros financeiros hegemónicos. Dito de outra maneira, para salvar o
enfermo seria preciso extirpar seu coração e seu cérebro para a seguir melhorar
o que restasse. O capitalismo do século XXI está completamente financiarizado e
esse facto é o resultado de um longo processo histórico de carácter global, não
efeito indesejado de um desvio reversível. É o resultado do prolongado declínio
tendencial da taxa de lucro e em consequência da irrupção do seu salva-vidas
financeiro, do achatamento dos investimentos produtivos, dos modelos
tecnológicos centrados na depredação de recursos naturais e na poupança de
custos laborais.
O capitalismo só nos oferecer viver cada vez pior, não
tem outra possibilidade, não pode reproduzir-se como sistema global sem aumentar
seu parasitismo e, em consequência, a super-exploração das suas vítimas às quais
a marcha da história vai conduzindo a dois cenários contrapostos: o da
insurgência anti-capitalista e o da degradação prolongada.
17/Setembro/2016
[NR] A categoria marxista que designa o fenómeno assinalado é
"capital fictício". Ver Capital fictício .
[*] Doutorado de Estado em Ciências Económicas (França),
especialista em prognósticos económicos. Foi consultor de organismos
internacionais e de governos, dirigiu numerosos programas de investigação e foi
titular de cátedras de economía internacional e prospectiva tanto na Europa como
na América Latina. É professor titular das cátedras livres "Globalização e
Crise" nas Universidades de Buenos Aires e Córdoba (Argentina) e de La Habana
(Cuba), e Director do Centro de Prospectiva y Gestión de Sistemas (Cepros). Sua
página web é beinstein.lahaine.org/
O original encontra-se em beinstein.lahaine.org/?p=537
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