NCeHu 254/14
Sobre a necessidade de uma posição anti-Euro e
anti-UE
Panagiotis
Sotiris [*]
Resistir
12/4/13
O que tem acontecido na Grécia, desde o
início dos pacotes de austeridade em 2010, só pode ser descrito em termos
duma gigantesca experiência de engenharia social neoliberal. Em termos de
magnitude e âmbito, ultrapassa em muito os efeitos dos famosos 'programas
de ajustamento estrutural' do FMI, sobretudo se tomarmos em consideração
que todos eles ocorrem no contexto duma democracia europeia liberal e não
duma qualquer ditadura militar latino-americana dos anos 70. Pode dizer-se
que é a tentativa da União Europeia para provar que pode ser mais eficaz
do que o FMI em implementar violentos programas de austeridade.
A economia grega sofreu uma
contracção acumulada de quase 25 por cento, uma enorme recessão económica
que só pode ser comparada à Grande Depressão dos anos 30 ou às
consequências de uma grande guerra. A taxa oficial do desemprego anda
perto dos 28 por cento – na realidade é maior e há um grande número de
empregados que não estão a ser pagos com regularidade – e o desemprego
juvenil atinge 60 por cento, uma situação duma 'geração perdida', com uma
hemorragia de mais de 100 mil jovens universitários que migraram para o
estrangeiro à procura de trabalho. A redução média dos salários reais
excede bastante os 25 por cento e em muitos sectores ainda é maior. O
desmantelamento das infra-estruturas de saúde pública – em que a última
medida foi o encerramento temporário de todos os centros de saúde
primários públicos, com excepção dos hospitais – aliado aos efeitos na
saúde da crescente insegurança e stress socioeconómico, já criou uma
situação de crise humanitária.
Está em marcha uma pilhagem total
do património público, acompanhado por um desprezo total pelas
preocupações ambientais, exemplificado nos projectos desastrosos para a
exploração do ouro na região Chalkidiki, que têm enfrentado a luta heróica
dos habitantes locais. A 30 de Março, mais um conjunto de mudanças
radicais. Na nova arquitectura europeia, a Grécia está a ser empurrada
cada vez mais para sectores como o turismo e as energias renováveis em
lugar de sectores de valor acrescentado.
Erosão da soberania –
Entrada da Troika
A experiência grega também tem sido um
exercício na erosão da soberania popular. Sob todos os aspectos, a Grécia
é um país de soberania reduzida. São os representantes da chamada 'Troika'
(Comissão Europeia (CE), Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário
Internacional (FMI)) quem dita medidas em nome da 'liberalização do
mercado' e da 'competitividade' e o governo grego não pode iniciar nenhuma
iniciativa legislativa sem a aprovação explícita dos representantes da
Troika. A execução do orçamento grego e do processo de cobrança de
impostos é vigiada de perto pelos funcionários da Troika. Sem a aprovação
da Troika, a Grécia não pode receber a próxima parte dos empréstimos
acordados com os seus credores, e assim quem controla a vida financeira do
país é a Troika.
No entanto, isto não é um caso excepcional. A
Grécia representa a extrema violência social mas também a profunda crise
do Processo de Integração Europeia e, em especial, a crise da zona do euro . A austeridade, em todas as suas formas, é o principal item
no programa político da maior parte dos países europeus. Os milhões que
desfilaram em Espanha, “pela dignidade', estavam exactamente a lutar
contra as políticas de austeridade impostas e que fazem parte das
disposições dos tratados europeus, em troca do Mecanismo Europeu de
Estabilidade (MEE) e das operações de salvamento do Fundo Europeu de
Estabilização Financeira (FEEF). Portugal sofreu imenso com os programas
impostos pela UE e o custo da crise irlandesa também foi enorme. Em
Itália, desde o governo de Mario Monti (2011-2013), foram impostos pacotes
de austeridade na tentativa de se manterem dentro das normas da União
Europeia. Parte da irritação e descontentamento expresso nas eleições
autárquicas francesas é exactamente o resultado dos pacotes de austeridade
destinados a manter a França no núcleo central da zona do Euroe de uma
crescente desilusão com o 'Projecto Europeu'.
Além do mais, estas
medidas serão em breve a norma para toda a Europa. As actuais propostas de
uma 'governação económica europeia', o facto de que já estão em vigor
restrições (e mecanismos de penalização) relativas aos défices orçamentais
(de acordo com as condições do 'Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação
e Governação'), e os planos para uma União Bancária que eliminará todas as
formas de controlo nacional sobre o sistema bancário, tudo isso atesta o
carácter antidemocrático do projecto europeu. É, na realidade, uma coisa
híbrida entre a coordenação intergovernamental e o co-federalismo, que se
baseia num conceito antidemocrático de um 'constitucionalismo' sem
legitimidade democrática. Favorece as forças do capital em toda a Europa,
dado que oferece a promessa de o libertar das conquistas que o movimento
laboral ainda tem e, simultaneamente, de garantir as prerrogativas do
capital multinacional. Além disso, a complexa arquitectura institucional
da União Europeia significa que, para além das formas de 'deliberação' sem
grande peso, o processo de decisão está perfeitamente protegido contra
qualquer intervenção de movimentos sociais e exigências das classes
subalternas.
Actualmente, é impossível que alguém afirme que não
há justificação para a crítica do Euro e de toda a arquitectura
financeira, monetária e política da zona do euro. Pelo contrário, podemos
dizer que o Euro não representa nem prosperidade nem estabilidade. Por um
lado, a introdução do euro, enquanto divisa única, cria uma coisa
semelhante à 'gaiola de ferro' de Max Weber, da modernização capitalista. Os
governos, mesmo de economias nacionais menos competitivas, decidiram
abdicar da sua soberania monetária, a fim de tirar partido da constante
pressão competitiva para a reestruturação e reformas neoliberais. Por
outro lado, o Euro criou as condições para uma nova forma de hegemonia
imperialista no seio da Europa. A divisa única foi uma vantagem para as
principais economias da Europa, e em especial para a Alemanha, visto que
não só ofereceu a estabilidade da divisa e um amplo espaço para
exportações e investimento, mas também a vantagem adicional duma
desvalorização competitiva permanente contra economias periféricas menos
competitivas.
Neste sentido, podemos dizer que os desequilíbrios
do euro, enquanto divisa única, são estruturais e inerentes ao projecto
desde o seu início. Em períodos de relativa estabilidade, estes
desequilíbrios podem ser tolerados, sobretudo quando até as elites
periféricas podem beneficiar de um crédito mais barato e de importações
que alimentam o consumismo e as bolhas do imobiliário, que levam ao
endividamento. Mas, num período de crise e de recessão, estes
desequilíbrios podem tornar-se desestabilizadores, sobretudo quando as
economias menos competitivas não dispõem de instrumentos cruciais de
política económica, por causa das condições estritas que lhes são impostas
pelos tratados europeus. Neste sentido, a crise grega ou as crises noutros
países do sul europeu não são uma simples manifestação da crise económica
global, nem o produto de particularidades nacionais (exemplificadas nos
estereótipos quase racistas relativos aos gregos e espanhóis
'preguiçosos'); são também o resultado directo da crise da zona do euro.
UE: Autoritária, racista e imperialista
Apesar dos esforços continuados dos propagandistas da UE para apresentá-la
como um modelo de democracia e dos direitos humanos, a UE está a tornar-se
cada vez mais autoritária, racista e imperialista. Para além da permanente
erosão da soberania popular, já referida, temos o racismo
institucionalizado de políticas europeias anti-imigração. A política
oficial de 'desencorajar' imigrantes de chegarem à Europa é, na realidade,
uma política que, de forma consciente e planeada, leva à repetição de
tragédias como as de Lampedusa, de Farmakonisi, etc.
Simultaneamente, a 'política externa' da União Europeia também
representa o carácter abertamente imperialista do 'Projecto Europeu'.
Contra o pleno apoio à agressão contra a Jugoslávia, aos actuais planos
para intervenções militares na África central e o apoio aberto aos
elementos reaccionários e fascistas na Ucrânia, a União Europeia nunca se
ergueu pela paz ou pelos direitos dos povos.
À luz do que acima se
refere, é óbvio que precisamos de sair do círculo vicioso da austeridade,
da recessão e do desemprego. Precisamos de um programa de medidas radicais
– e ao mesmo tempo urgentes – para lutar contra a devastação social, um
programa que exija uma estratégia para a saída da zona do Euro e para a
rotura com a União Europeia.
- A necessária cessação imediata dos
pagamentos da dívida e a anulação da dívida implica um corte com a União
Europeia, que está actualmente entre os principais credores da Grécia e
o mesmo se passa em relação a libertarmo-nos de toda uma série de leis
neoliberais ditadas nos termos dos acordos de empréstimos.
- Não pode haver aumentos nas despesas
públicas nem protecção social contra a violência sistémica dos fluxos de
capital internacional sem uma saída imediata da zona do Euro e sem
reconquistar a soberania monetária.
- As medidas imediatas necessárias, como a
nacionalização e a colocação do sistema bancário e das empresas
estratégicas sob o controlo social democrático, implicam a desobediência
aos tratados e regulamentos europeus. Por consequência, é mais que óbvio
que não pode haver alternativa radical, progressista ou socialista, no
seio dos constrangimentos económicos e políticos e dos limites impostos
pela União Europeia.
Assim, a rotura com a
arquitectura monetária da zona do Euro e com a moldura institucional da
União Europeia em geral também é um passo democrático necessário, uma
tentativa para reclamar a soberania popular como um processo de
'autodeterminação social' colectiva através de uma ampla aliança de
trabalhadores e outros estratos populares.
Simultaneamente, este
processo pode abrir o caminho para pensar numa nova perspectiva
socialista, uma alternativa de 'paradigma social' em profundo contraste
com a lógica do mercado e do capital. Isso tem que ser concebido em termos
duma experimentação, com formas de controlo dos trabalhadores, autogestão,
redes de distribuição não-comerciais e planeamento democrático, com base
na experiência e no engenho colectivo do povo em luta.
No entanto,
há muita gente de esquerda que insiste que a 'Integração Europeia' é um
objectivo e um processo histórico irreversível que não oferece uma
estratégia possível para a esquerda que não seja tentar 'mudá-la por
dentro', através duma mudança do equilíbrio de forças a favor duma
política progressista.
Tem sido esta a principal linha política do
Partido da Esquerda Europeia e dos partidos nela associados ou de teóricos
como Toni Negri e Sandro Mezzandra que, numa recente intervenção pública,
insistiram no processo de a integração europeia estar 'muito para além do
limiar da irreversibilidade'. Somos tentados a comparar esta
posição com a de muitos socialistas no início do século XX, que insistiam
no carácter irreversível e mesmo progressista do imperialismo colonial. É
óbvio que o que falta aqui é uma análise séria da real configuração
económica, política e institucional da União Europeia e, em especial, da
arquitectura monetária e económica da zona do euro, e também do facto de
que estamos a lidar com estratégias de classe e não com tendências
'objectivas'.
Simultaneamente, tem havido um grande debate na
esquerda europeia relativo a esta estratégia duma saída da zona do Euro e,
possivelmente, da União Europeia. Há muita gente que acusa esta estratégia
de ser 'nacionalista', 'chauvinista' ou de 'visar uma competição económica
acrescida'. Nada está mais longe da verdade.
Para tomar o caso
grego como exemplo, essa estratégia não é uma estratégia para uma
competitividade acrescida da economia grega através da desvalorização e do
aumento das exportações. As medidas necessárias, como a correcção da taxa
de câmbio, pretendem proteger a sociedade grega da violência sistémica
inerente nos fluxos de capital internacional e mercadorias. Nada tem a ver
com um ciclo de desvalorizações competitivas contra outros países do sul
europeu. Sabemos, pela experiência do euro, mas também por outros sistemas
de taxas de câmbio fixas (como a indexação ao dólar) que uma divisa única
leva sempre à redução dos salários reais, a medidas de austeridade, a
privatizações e à constante pressão para reformas neoliberais sob o
pretexto de responder a pressões competitivas. Sair destas configurações
monetárias não é uma estratégia para o 'isolamento', mas uma defesa
necessária contra políticas capitalistas agressivas. Além do mais, seria
um erro aceitar, em nome do 'internacionalismo', a actual forma de
internacionalização capitalista de produção, em que um produto tem que dar
a volta ao mundo, passar por áreas de 'dumping' social e 'zonas económicas
especiais' que têm um impacto ambiental negativo, até chegar ao nosso
mercado. A localidade, a protecção ambiental, a auto-suficiência relativa
não são aspectos cruciais de qualquer possível alternativa
anti-capitalista?
A resposta habitual a estas perguntas, por parte
de muita gente da esquerda europeia, tanto 'reformistas' como
'anti-capitalistas' é que, a nível europeu, através de lutas coordenadas,
é mais fácil ter lutas com êxito e movimentos vitoriosos. No entanto, a
pergunta óbvia é esta: Porque é que é mais fácil, a nível europeu, com 28
países diferentes, com tradições diferentes de política de esquerda e
radical, e diferentes níveis de organização do movimento laboral, com
diferentes conjunturas nacionais, económicas e sociais, do que a nível
nacional, onde podemos imaginar determinados países que têm uma
condensação de contradições e uma dinâmica de contestação social, de
protesto e de mobilização que os podem tornar em possíveis 'elos fracos da
cadeia'?
Seria errado identificar hoje o internacionalismo com o
nosso consentimento a um projecto neoliberal agressivo e imperialista.
Além do mais, nunca podemos esquecer que a integração europeia é uma
estratégia de classe por parte das elites capitalistas e, portanto, não
servem de nada as referências fatalistas e deterministas ao seu carácter
irreversível. Especialmente, porque tal insistência quanto à
inevitabilidade da integração europeia pode levar a cisões cruciais na
direcção política. Pode levar facilmente à cisão de uma atitude inicial de
uma posição 'radical' a favor da 'dissolução da UE' através da luta
anti-capitalista pan-europeia para uma posição mais 'realista' a favor de
'outra Europa' e de 'outra UE' sem neoliberalismo e sem défice
democrático, com um BCE virado para a solidariedade, com redistribuição de
fundos, etc. Mas é impossível existir uma UE 'boa'. Devemos sempre
recordar a refutação do 'argumento ontológico' relativo à existência de
Deus: o facto de podermos pensar numa coisa ou de imaginá-la, não
significa que ela exista realmente.
Um dos problemas hoje da
esquerda na Europa é exactamente este europeísmo obsessivo, a recusa em
pensar sequer numa possível rotura com o processo de 'integração
europeia'. Podemos testemunhar este problema nos limites da estratégia do
SYRIZA na Grécia. Considerar como garantidos todos os constrangimentos
impostos pela zona do Euro e pela UE não deixa muito espaço para uma
política radical, a não ser o pedido duma renegociação das condições do
acordo de empréstimo, para uma qualquer forma de 'austeridade com um rosto
humano' ou o pedido de um 'Plano Marshall' para a Europa. Nos últimos
meses, temos visto o SYRIZA a resvalar constantemente para a direita,
declarando que, quando estiverem no governo, pagarão a maior parte da
dívida depois de uma renegociação e manter-se-ão no Euro custe o que
custar (abandonando a sua posição oficial de “nenhum sacrifício pelo
euro”), a tentar forjar elos com grandes bancos e grandes negócios. É mais
que óbvio que estas posições não levarão à 'renegociação' que os líderes
do SYRIZA desejam, mas a uma pressão ainda maior por parte da UE e da
Troika para mais medidas de austeridade. O problema com a direcção do
SYRIZA não é eles serem 'reformistas de esquerda', no sentido em que não
são suficientemente militantes, nem no sentido de que estão a optar por
uma abordagem gradual. O problema é que recusam a necessária rotura
política e social com a 'União Europeia' enquanto condensação da
estratégia burguesa.
Essa recusa em articular uma linha política
contra a União Europeia deixa em aberto um espaço crucial para a
extrema-direita projectar a sua versão reaccionária de 'eurocepticismo'.
Apesar do crescente ressentimento de grandes segmentos de sociedades
europeias contra o carácter neoliberal, antidemocrático e agressivo da
União Europeia, apesar da crescente hostilidade contra o Euro enquanto
divisa única, apesar da crescente descrença em relação à UE enquanto tal,
a maior parte dos partidos da esquerda europeia não faz um esforço
especial para transformar esses sentimentos num discurso anti-UE,
anti-capitalista e progressista. Por conseguinte, cria-se um vazio
político que a extrema-direita está agora a tentar preencher. Não aparece
o necessário 'eurocepticismo da esquerda' numa altura em que é preciso
mais do que nunca. Pelo contrário, a maior parte dos partidos do Partido
Europeu da Esquerda, mas também muitas tendências anti-capitalistas,
recusa-se a tomar posição numa questão tão crucial. O caso francês
exemplifica este problema: a recusa da esquerda, principalmente por parte
do Partido Comunista Francês, em pensar em termos duma rotura com o Euro e
com a UE, fez com que a Frente Nacional, de extrema-direita, reaccionária
(e pró-negócios) parecesse ser a única força política eurocéptica.
É pois urgente abrir o debate no seio da esquerda europeia e da
elaboração colectiva duma possível alternativa radical, anti-Euro e
anti-UE. Felizmente, há sinais de que segmentos da esquerda estão a
abandonar o seu europeísmo obsessivo. Em França, tanto no seio da Front de
Gauche (Frente de Esquerda) como do NPA (Novo Partido Anti-capitalista),
há vozes que reclamam uma estratégia de rotura com a União Europeia. Na
Grécia, não só a ANTARSYA, a Frente da Esquerda Anti-capitalista e outros
grupos radicais, mas também a 'Plataforma de Esquerda' no interior do
SYRIZA, têm insistido numa estratégia para a saída da Grécia da zona do
Euro e, possivelmente, da UE. Em Chipre, até o AKEL está a mudar
lentamente de posição, depois da experiência desastrosa de 2013. Na
Alemanha, há muitas vozes no interior do Die Linke que criticam a divisa
única. Na Grã-Bretanha, ainda há muitas vozes na esquerda que insistem
numa posição anti-UE.
No entanto, se é errado considerar a saída
da zona do Euro e, potencialmente, da UE como uma panaceia para todos os
problemas sociais, também é errado subestimar a importância destas
questões. O anti-capitalismo não pode ser abstracto. Deve ser sempre
expresso e concretizado em questões e desafios particulares.
A
questão do Euro e da UE
Actualmente, no seio da esquerda
europeia, a questão da posição em relação à zona do Euro e à União
Europeia traça a necessária linha de demarcação. Além disso, tal como
mostra a história do movimento laboral, as questões que têm a ver com a
articulação entre lutas a nível nacional e a configuração do sistema
internacional, agem sempre como pontos de condensação de contradições e
como provas-do-nove para a capacidade de a esquerda ser realmente
antagónica da estratégia capitalista.
Simultaneamente, tentar
encarar este tipo de alternativa, não só em termos de 'frases apelativas'
quanto ao 'poder dos trabalhadores' mas em termos da articulação duma
narrativa que pode ser antagónica do discurso neoliberal dominante, exige
uma confrontação com os problemas e paradoxos estratégicos da maior parte
das tendências da esquerda contemporânea. Exige:
- A articulação do programa (e das linhas
básicas de demarcação como a anulação da dívida, a saída do Euro e da
UE, as nacionalizações, a redistribuição dos rendimentos, a
implementação de formas de controlo social democrático, etc) em
propostas radicais concretas que tomem em consideração a experiência e o
saber dos movimentos.
- A insistência na escalada das lutas e uma
estratégia duma 'prolongada guerra popular', porque é impossível ter
qualquer mudança política sem um forte movimento de base, sem uma ampla
aliança social e política que esteja confiante quanto à sua
possibilidade de travar lutas vitoriosas. Em contraste, um sentimento de
derrota ou de impotência entre os trabalhadores e outros estratos
populares só pode levar à fragmentação e a uma luta individualizada pela
sobrevivência, uma tendência que dará cabo da política de esquerda!
- A confrontação com as questões em aberto
da estratégia revolucionária e a necessidade de elaborar uma estratégia
de esquerda que possa aliar a luta contra o governo, baseada no
necessário programa de transição, com formas de auto-organização,
autogestão, controlo dos trabalhadores e solidariedade da base, numa
versão contemporânea duma estratégia de 'poder dual'.
- A experimentação com novas formas de
organização política, para além tanto do modelo da seita
anti-capitalista como da frente eleitoral sem elaboração programática e
processo democrático, rumo a uma redefinição de partidos e frentes
políticas como laboratórios de massa crítica da intelectualidade
política, como processos e locais de aprendizagem capazes de realmente
produzir narrativas alternativas para as sociedades.
Porque, hoje em dia, pelo menos
nos 'elos mais fracos da cadeia', como a Grécia, o desafio não é a
resistência, mas a hegemonia. Confrontado com uma grave crise de
hegemonia, provocada pela crise do neoliberalismo e por um impressionante
ciclo de protesto e contestação de carácter quase insurreccional, uma
crise hegemónica que não é possível disfarçar com a actual táctica de
'fuga para a frente', cínica e ultraliberal, adoptada pelas burguesias
europeias, o desafio para a esquerda em cada país é tentar forjar um novo
bloco histórico: a combinação de uma ampla aliança das classes
subalternas, de um programa radical e de novas formas de organização
social e política. Recusar a 'Via Europeia' e o 'Projecto Europeu de
Integração', nomeadamente a principal escolha estratégica das burguesias
europeias desde o final da II Guerra Mundial, é um aspecto indispensável
de qualquer tentativa para uma nova perspectiva socialista para o século
XXI.
07/Abril/2014
[*] Ensina teoria social e filosofia social e política no
Departamento de Sociologia da Universidade do Egeu. Este texto baseia-se
numa apresentação na reunião ANTARSYA K (29/Março/2014) e foi publicada no
seu blog lastingfuture.blogspot.gr .
O original encontra-se
em www.globalresearch.ca/... . Tradução de Margarida Ferreira.
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