NCeHu
220/14
Violência e terror: A via ucraniana e colombiana para
a construção do Império
James
Petras
Resistir
26/3/14
As duas vias para a construção-do-império
do século XXI através-de-terceiros são ilustradas pela violenta tomada de poder
na Ucrânia por uma junta, apadrinhada pelos EUA, e pelos ganhos eleitorais de
Alvaro Uribe, o senhor da guerra colombiana, protegido pelos EUA. Vamos
descrever a 'mecânica' da intervenção dos EUA na política interna destes dois
países e os seus profundos efeitos externos – é assim que eles reforçam o poder
imperialista numa escala continental.
Intervenção política e
regimes alinhados: Ucrânia
A
transformação da Ucrânia num estado vassalo EUA-UE tem sido um longo processo
que envolveu, em grande escala e a longo prazo, o financiamento, a doutrinação e
o recrutamento de quadros, a organização e formação de políticos e de
arruaceiros e, sobretudo, a capacidade de aliar a acção directa com a política
eleitoral.
Conquistar o poder é um jogo de apostas altas para o império:
(1) a Ucrânia, na mão de clientes, fornece à NATO um trampolim militar no
coração da Federação Russa; (2) os recursos industriais e agrícolas da Ucrânia
fornecem uma fonte de enorme riqueza para os investidores ocidentais e (3) a
Ucrânia é uma região estratégica para a penetração no Cáucaso e para além dele.
Washington investiu mais de 5 mil milhões de dólares para arranjar
clientes, na sua maior parte na 'Ucrânia ocidental', em especial em Kiev e
arredores, concentrando-se em 'grupos da sociedade civil' e em partidos
políticos maleáveis e seus líderes. Em 2004, o 'investimento' político inicial
dos EUA na mudança de regime culminou na chamada 'Revolução laranja' que
instalou um regime de curta duração pró-EUA-UE. Este, porém, rapidamente
degenerou no meio de grandes escândalos de corrupção, gestão danosa e pilhagem
oligárquica do erário nacional e dos recursos públicos que levaram à condenação
do antigo vice-presidente e à queda do regime. Novas eleições resultaram num
novo regime, que tentou manter ligações com os EUA e com a Rússia através de
acordos económicos, embora continuasse com muitas das características odiosas
(grande corrupção endémica) do regime anterior. Os EUA e a UE, depois de terem
perdido em eleições democráticas, relançaram as suas 'organizações de acção
directa' com um novo programa radical. Os neofascistas tomaram o poder e
instituíram uma junta ditatorial através de manifestações violentas, vandalismo,
assaltos armados e acção da populaça. A composição da nova junta pós-golpe
reflectiu dois aspectos das organizações políticas apadrinhadas pelos EUA; (1)
políticos neoliberais para gerir a política económica e para forjar laços mais
estreitos com a NATO, (2) e nacionalistas neofascistas/violentos para impor a
ordem pela força e com mão-de-ferro, e esmagar os 'autonomistas' pró-russos da
Crimeia, os russos étnicos e outras minorias, em especial no sul e no leste
industrializados.
Seja o que for que vier a acontecer, o golpe e a
resultante junta estão totalmente subordinados e dependentes da vontade de
Washington: não obstante a reivindicação da 'independência' ucraniana. A junta
procedeu à purga dos funcionários governamentais eleitos e nomeados, filiados em
partidos políticos do anterior regime democrático e à perseguição dos seus
apoiantes. O seu objectivo é garantir que as subsequentes eleições manipuladas
proporcionem uma suposta legitimidade, e as eleições sejam limitadas a dois
conjuntos de clientes imperiais: os neoliberais (auto-intitulados 'moderados') e
os neofascistas, rotulados de 'nacionalistas'.
A via da Ucrânia para o
poder imperialista através de um regime colaboracionista ilustra os diversos
instrumentos da construção do império: (1) o uso de fundos estatais
imperialistas, canalizados através das ONG, para grupos políticos de fachada e a
montagem duma 'base de massas' na sociedade civil; (2) o financiamento da acção
directa de massas que leva a um golpe ('mudança de regime'); (3) a imposição de
políticas neoliberais pelo regime cliente; (4) o financiamento imperialista da
reorganização e reagrupamento de grupos de acção directa de massas depois da
queda do primeiro regime cliente; (5) a transição dos protestos para uma acção
directa violenta como o principal pano de fundo para os sectores extremistas
(neofascistas) organizarem a tomada do poder e a purga da oposição; (6) a
organização de uma 'campanha internacional nos meios de comunicação' para apoiar
a nova junta enquanto demoniza a oposição interna e internacional (Rússia); e
(7) um poder político centralizado nas mãos da junta, convocando 'eleições
manipuladas' limitadas à vitória de um dos dois candidatos pró-junta e
pró-imperialistas.
Em resumo, os construtores do império funcionam em
vários níveis: violento e eleitoral; social e político; e com operadores
seleccionados e rivais empenhados num único objectivo estratégico: a tomada do
poder estatal e a transformação da elite dominante em vassalos obedientes do
império.
Democracia dos Esquadrões de Morte da Colômbia: Peça central
do avanço imperialista na América Latina
Perante o
declínio da influência dos EUA em todo a América Latina, a Colômbia destaca-se
como um bastião permanente dos interesses imperialistas dos EUA: (1) a Colômbia
assinou um acordo de comércio livre com os EUA; (2) ofereceu sete bases
militares e convidou milhares de operacionais americanos da contra-insurreição;
e (3) colaborou na criação em grande escala de esquadrões de morte paramilitares
preparados para ataques transfronteiriços contra a Venezuela, arqui-inimiga de
Washington.
A oligarquia dirigente da Colômbia e as suas forças armadas
conseguiram resistir à vaga de levantamentos maciços democráticos, nacionais e
populares e de vitórias eleitorais que deram origem aos estados pós-neoliberais
no Brasil, na Argentina, na Venezuela, no Equador, na Bolívia, no Paraguai e no
Uruguai.
Enquanto a América latina avançou para 'organizações regionais'
excluindo os EUA, a Colômbia reforçou os laços com os EUA através de acordos
bilaterais. Enquanto a América latina reduziu a sua dependência nos mercados dos
EUA, a Colômbia alargou os seus elos comerciais. Enquanto a América latina
reduziu os seus laços militares com o Pentágono, a Colômbia reforçou-os.
Enquanto a América latina avançou para uma maior inclusão social aumentando os
impostos sobre as multinacionais estrangeiras, a Colômbia baixou os impostos a
essas empresas. Enquanto a América latina expandiu a colonização de terras para
as suas populações rurais sem terra, a Colômbia deslocou mais de 4 milhões de
camponeses, no âmbito da política contra-insurreição de 'terra queimada',
traçada pelos EUA.
A 'excepcional' submissão inabalável da Colômbia aos
interesses imperialistas dos EUA tem raízes em vários programas de grande escala
e a longo prazo traçados em Washington. Em 2000, o presidente Bill Clinton
comprometeu os EUA num programa contra-insurreição de 6 mil milhões de dólares
(Plano Colômbia) que aumentou enormemente a brutal capacidade repressiva da
elite colombiana para confrontar os movimentos populares de base de camponeses e
trabalhadores. Juntamente com armamento e treino, as Forças Especiais e as
ideologias americanas entraram na Colômbia para desenvolver operações
terroristas militares e paramilitares – destinadas principalmente para penetrar
e dizimar a oposição política e os movimentos sociais da sociedade civil e
assassinar activistas e líderes. Alvaro Uribe, apadrinhado pelos EUA, um
conhecido narcotraficante e a própria personificação de um vassalo imperialista
desumano, tornou-se o presidente duma 'Democracia de Esquadrões de Morte'.
O presidente Uribe militarizou ainda mais a sociedade colombiana,
trucidou os movimentos da sociedade civil e esmagou qualquer possibilidade de um
renascimento democrático popular, como os que estavam a ocorrer em todo o resto
da América latina. Foram assassinados, torturados e encarcerados milhares de
activistas, sindicalistas, defensores dos direitos humanos e camponeses.
O 'Sistema Colombiano' aliou o uso sistemático de paramilitares
(esquadrões da morte) para esmagar os sindicatos locais e regionais e a oposição
camponesa com a 'tecnificação' e a massificação das forças armadas (mais de 300
mil soldados) na luta contra a insurreição popular e para 'limpar o terreno' de
simpatizantes rebeldes. Muitos milhares de milhões de dólares do tráfico da
drogas e da lavagem de dinheiro formaram a 'cola financeira' para cimentar uma
forte relação entre oligarcas, políticos, banqueiros e conselheiros americanos
da contra-insurreição – criando um terrível estado policial com alta tecnologia
nas fronteiras da Venezuela, do Equador e do Brasil – países com substanciais
movimentos de massas populares.
A mesma máquina de estado terrorista,
que dizimou os movimentos sociais pró-democracia, protegeu, promoveu e
participou em 'eleições encenadas', a marca da Colômbia enquanto 'democracia de
esquadrões de morte'.
As eleições realizam-se ao abrigo de uma vasta
rede sobreposta de bases militares, em que os esquadrões da morte e os
traficantes de droga ocuparam cidades e aldeias intimidando, aterrorizando e
'corrompendo' o eleitorado. O único protesto 'seguro' nesta atmosfera repressiva
tem sido a abstenção. Os resultados eleitorais são pré-estabelecidos: os
oligarcas nunca perdem nas democracias de esquadrões de morte, são eles os
vassalos de maior confiança do império.
Os efeitos cumulativos da purga
sangrenta, que durou década e meia, da sociedade civil colombiana pelo
presidente Uribe e pelo seu sucessor, Santos, foram eliminar qualquer oposição
eleitoral consequente. Washington conseguiu o seu ideal: um estado vassalo
estável; umas forças armadas de grande escala e obedientes; uma oligarquia
ligada às elites empresariais dos EUA; e um sistema 'eleitoral' controlado
apertadamente que nunca permite a eleição de um opositor genuíno.
As
eleições colombianas de Março de 2014 ilustram brilhantemente o êxito da
intervenção estratégica dos EUA em colaboração com a oligarquia: a grande
maioria do eleitorado, mais de dois terços, absteve-se, demonstrando a ausência
de qualquer real legitimidade entre os votantes elegíveis. Entre os que
'votaram', dez por cento apresentaram boletins nulos ou em branco. A abstenção
dos votantes e os votos inutilizados foram especialmente elevados nas áreas da
classe trabalhadora que tinham sido sujeitas ao terrorismo do estado.
Dada a intensa repressão do estado, a massa dos votantes decidiu que
nenhum partido autêntico pró-democracia teria qualquer hipótese e por isso
recusaram-se a legitimar o processo. Os 30% que votaram foram principalmente
colombianos da classe urbana média e alta e os residentes nalgumas áreas rurais
totalmente controladas por narcotraficantes e militares onde a 'votação' pode
ter sido 'compulsiva'. De um total de 32 milhões de votantes elegíveis na
Colômbia, 18 milhões abstiveram-se e mais 2,3 milhões apresentaram boletins
inutilizados. As duas coligações oligárquicas dominantes chefiadas pelo
presidente Santos e pelo ex-presidente Uribe obtiveram apenas 2,2 milhões e 2,05
milhões de votos, respectivamente, uma fracção do número dos que se abstiveram.
Nesta farsa eleitoral, amplamente criticada, os partidos centro-esquerda e
esquerda deram um espectáculo miserável. O sistema eleitoral da Colômbia põe um
revestimento de propaganda num estado vassalo perigoso, altamente militarizado e
preparado para desempenhar um papel estratégico nos planos dos EU para
'reconquistar' a América latina.
Duas décadas de terror sistemático,
financiado por um programa de militarização de seis mil milhões de dólares,
garantiram que Washington não encontrará qualquer oposição substancial na
assembleia legislativa ou no palácio presidencial em Bogotá. Isto é o 'aroma
acre do êxito, com laivos de pólvora' para os políticos dos EUA: a violência é a
parteira do estado vassalo. A Colômbia foi transformada num trampolim para o
desenvolvimento de um bloco comercial centrado nos EUA e uma aliança militar
para sabotar as alianças regionais bolivarianas da Venezuela, como a ALBA e a
Petro Caribe, assim como a segurança nacional da Venezuela. Bogotá vai tentar
influenciar os regimes vizinhos de direita e centro-esquerda, pressionando-os
para aderirem ao império dos EUA contra a Venezuela.
Conclusão
A organização da subversão em grande escala e a longo prazo na
Ucrânia e na Colômbia, assim como o financiamento de organizações paramilitares
e da sociedade civil (ONG), têm possibilitado a Washington: (1) construir
alianças estratégicas; (2) montar ligações a oligarcas, políticos
maleáveis e assassinos paramilitares e (3) aplicar o terrorismo político
para a sua tomada de poder estatal. Os planeadores imperialistas criaram assim
'estados modelo' – desprovidos de opositores consequentes e 'abertos' a eleições
de farsa entre políticos vassalos rivais.
Golpes e juntas, orquestrados
por políticos mandatados de longa data, e estados fortemente militarizados
dirigidos por 'Executivos de Esquadrões da Morte' são legitimados por sistemas
eleitorais destinados a expandir e reforçar o poder imperialista.
Ao
tornar impossíveis os processos democráticos e as reformas populares pacíficas e
ao derrubar governos independentes, democraticamente eleitos, Washington está a
tornar inevitáveis guerras e levantamentos violentos. O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... . Tradução de Margarida Ferreira.
|