Rumbo al XVI EnHu (100)
América
Latina como geografía
Bariloche, 6 al 10 de octubre
Segunda Guerra Fria:
Rússia questiona consenso pós-União Soviética
A regra implícita que a Rússia violou na
Crimeia é que não se usa a força a não ser que isso seja autorizado pelos EUA e
seus aliados.
Marcelo Justo
Carta Maior, 4/4/14
A crise na Crimeia gerou
um aparente consenso sobre o novo momento histórico internacional que vivemos: a
segunda Guerra Fria. No Ocidente, diplomatas, políticos e jornalistas coincidem
em que a era de cooperação entre Rússia e Estados Unidos no marco de um “mundo
multipolar”, visível com os atentados das torres gêmeas e a “guerra contra o
terrorismo”, é coisa do passado. A pergunta é se este consenso reflete uma nova
realidade ou é a simples posição por “default” que o Ocidente adota em relação a
Rússia.
O mundo bipolar da Guerra Fria tinha como pano de fundo um
irredutível enfrentamento ideológico entre Estados Unidos e Rússia com
repercussões em distintas partes do planeta (América Latina, África, Oriente
Médio, Ásia) e a ameaça do holocausto nuclear, fatores ausentes hoje. A Carta
Maior analisou o tema o diretor em Moscou do estadunidense Fundo Carnegie para a
Paz Internacional (Carnegie Endowment for International Peace), o russo Dmitri
Trenin.
Fala-se da crise atual como algo nos marcos de uma segunda
guerra fria. É simples manchete de jornal ou uma realidade
concreta?
Depende de como se defina a guerra fria. Se você a define
como o que ocorreu entre os anos 40 e os 90 é altamente improvável que haja uma
repetição daquele esquema bipolar. Mas se você a pensa como uma expressão do
equilíbrio entre competição e cooperação que rege as relações internacionais,
sim, é possível falar de uma nova guerra fria. Neste momento, temos um claro
predomínio da competição e da rivalidade internacional sobre a
cooperação.
De que tipo de rivalidade estamos falando?
A
zona de conflito hoje é a Ucrânia, o leste europeu, o Cáucaso. Em termos mais
amplos, que estamos vendo é uma tentativa da Rússia de revisar o consenso
internacional que se seguiu ao fim da União Soviética com um claro desafio dos
Estados Unidos em nível global. A Ucrânia é muito importante para a Rússia e, na
visão do mundo de Vladimir Putin, faz parte da civilização russa, eslava e
cristã moderna. Putin repetiu isso em várias ocasiões: a Rússia e a Ucrânia são
um só povo. Isso se opõe por completo à visão que os Estados Unidos e a Europa
tem em relação às fronteiras.
Por que se considera que a Crimeia é a
ruptura da ordem mundial pós-queda do Muro de Berlim e, em troca, a invasão do
Iraque não?
A Rússia objetou a invasão do Iraque e a política
internacional para a Síria e conseguiu armar uma alternativa à política
estadunidense a respeito do regime de Assad, mas a grande regra implícita que a
Rússia violou na Crimeia é que não se usa a força a não ser que isso seja
autorizado pelos Estados Unidos e seus aliados. Em outras palavras, é possível
usar a força, e isso tem ocorrido na África e em outras partes do planeta, mas
para isso é preciso ter a benção dos Estados Unidos. Este é o consenso pós-União
Soviética que a Rússia está desafiando. A Ucrânia não é importante para os
Estados unidos. O que é importante é o papel estadunidense no
mundo.
Como vê a posição da União Europeia nesta crise?
A
crise endureceu a posição oficial e a dos meios de comunicação em relação a
Rússia. No leste europeu, a Rússia é outra vez o adversário histórico e, na
Europa em geral, é descrita como uma potência do século 19. Por outro lado, não
parece haver muito entusiasmo em se avançar no caminho das sanções econômicas
porque os europeus estão preocupados com o nível de dependência energética e não
querem comprometer suas exportações para a Rússia em meio à crise econômica da
União Europeia.
Mas a OTAN, a aliança militar entre Estados Unidos e
Europa, endureceu sua posição.
A OTAN parece ter redescoberto sua
velha missão histórica que era neutralizar a influência russa. O secretário
geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, que em 2009 empreendeu uma audaciosa
abertura em direção a Moscou, agora fala dos assuntos pendentes que a
organização tem em relação a sua ampliação para o leste, algo que incluiria a
Geórgia, Moldávia e Ucrânia. É possível que, na próxima cúpula da OTAN, se
decida um movimento militar mais ao leste, para a Polônia, Romênia e os países
bálticos.
Quanto vai durar este novo cenário
internacional?
Estamos muito no início deste novo tipo de guerra
fria. Minha impressão é que vai durar anos, mas não sei como, quando e onde vai
terminar. Tudo dependerá de como se resolva a questão da Ucrânia e de como se
redefina o posicionamento da Rússia em nível doméstico, regional e mundial, e o
papel protagônico internacional dos Estados Unidos.
Tradução:
Marco Aurélio Weissheimer