O impasse que se instalou
nas últimas semanas no Congresso e no Senado dos Estados Unidos em relação às
votações sobre o orçamento da União e ao teto da dívida pública demonstra a
vulnerabilidade do atual cenário de crise econômica mundial. Superficialmente, o
debate entre os partidos Democrata e Republicano ocorre em meio a disputas de
projetos políticos, mas é necessário compreender o contexto mais amplo que
revela o estágio atual da economia capitalista.
O governo de Barack Obama
tem demonstrado ambiguidade e, mais do que isso, tem abandonado muitas promessas
feitas durante a campanha eleitoral, o que gera fortes críticas por parte de
setores de esquerda. Ao mesmo tempo, a direita fundamentalista representada pela
ala do partido Republicano conhecida como “tea party” faz oposição raivosa a
qualquer tentativa de se avançar em uma pauta progressista.
O caso mais emblemático
ocorre em torno da nova lei que regula os seguros de saúde, conhecida como
“Obama Care”. A legislação não estabelece um sistema público de saúde, como era
defendido originalmente. Porém, esta nova política garante o subsídio
governamental para que pessoas de baixa renda tenham acesso a seguros de saúde
por um preço mais acessível. Apesar de limitada e de estar longe de garantir o
direito à saúde pública e universal, somente o fato de se instituir minimamente
a regulamentação da poderosa indústria das seguradoras privadas gerou a ira da
ala radical conservadora no Congresso Nacional.
Um grupo minoritário de
parlamentares fundamentalistas bloqueou a votação do orçamento da União e
paralisou o funcionamento de diversos órgãos do governo Federal, desde
assistência social até parques nacionais. O impacto econômico dessas duas
semanas de paralisação foi estimado em $24 bilhões de dólares. Mas a
ameaça principal estava marcada para 17 de outubro, quando terminaria o prazo
para o Congresso aprovar o aumento do teto da dívida pública do país.
Dados do Banco Central dos
Estados Unidos (Federal Reserve) revelam que a dívida ultrapassou o limite
imposto anteriormente de 16 trilhões de dólares. A maior parte desses papéis,
estimada em cerca de $10 trilhões de dólares, é controlada por empresas
multinacionais e por governos de outros países. A maior detentora individual da
dívida dos Estados Unidos é a China, que coleciona papéis no valor de $1,2
trilhão de dólares.
Este é o principal
elemento que justifica a atual conjuntura de controle “bilateral” que Estados
Unidos e China exercem em relação à economia global. Enquanto os produtos
manufaturados na China são exportados com tarifas preferenciais para o mercado
estadunidense, os chineses garantem a emissão de papel-moeda em dólar que move a
economia fictícia mundial.
Nas últimas décadas,
muitas empresas estadunidenses se instalaram na China em busca de maior extração
de mais-valia através da exploração do trabalho e de recursos naturais. Este
processo de desindustrialização nos Estados Unidos deixou a economia em um
estado permanente de vulnerabilidade, já que a impossibilidade de atingir taxas
aceitáveis de lucro através da exploração do trabalho significou o
aprofundamento da dependência em relação ao mercado financeiro.
A predominância do capital
financeiro que determina o funcionamento da economia mundial está baseada na
emissão de papéis que são negociados a partir da “crença” na estabilidade do
dólar como moeda internacional. Este é o sentido do chamado capital fictício,
que possui a “milagrosa” capacidade de se reproduzir sem passar pelo processo
produtivo. Na verdade, o mercado de dinheiro, nas diversas formas de derivativos
financeiros como mercados de futuro, de câmbio, de bônus e de ações está
intrinsecamente ligado aos setores considerados “produtivos”, pois no atual
estágio do capitalismo tanto empresas privadas quanto governos estimulam as
determinações do capital fictício.
Esta é a principal razão
para o pânico gerado nas elites financeiras e empresariais diante da
possibilidade de um “calote” por parte do Departamento do Tesouro dos Estados
Unidos, caso o Congresso não aprovasse novas emissões de dinheiro. E, por este
mesmo motivo, estava claro que nenhum partido político iria desagradar os
senhores de Wall Street. Este episódio recente é emblemático no sentido de
revelar a vulnerabilidade do modo de produção capitalista e suas ramificações
demonstradas em crises constantes e contínuas.