NCeHu
436/13
O objeto de desejo, a obsessão de Obama
Encalhado em Moscou, sem ter para onde ir, Edward Snowden
resolveu pedir asilo à Rússia. Será o primeiro passo para poder ir para um dos
três países – a Nicarágua, a Venezuela e a Bolívia – que ofereceram asilo ao ex
técnico terceirizado da CIA que desmontou uma das grandes farsas do governo de
Barack Obama.
Eric Nepomuceno
Carta
Maior
13/7/13
Mais enrolada que rocambole de avó ou
bolo de rolo de Pernambuco, a situação de Edward Snowden continua atraindo as
atenções de meio mundo. Encalhado em Moscou, sem ter para onde ir, ele resolveu
pedir asilo à Rússia. Será o primeiro passo para poder ir para um dos três
países – a Nicarágua, a Venezuela e a Bolívia – que ofereceram asilo ao ex
técnico terceirizado da CIA que desmontou uma das grandes farsas do governo de
Barack Obama.
Empenhando uma palavra cada vez mais carente de valor,
Obama havia assegurado que desmantelaria o gigantesco esquema de espionagem
global armado pelo seu antecessor, George W. Bush. Pois não só manteve como o
expandiu.
Escudado no argumento da necessidade de evitar atentados
terroristas, seu governo aproveitou para espionar a tudo e a todos. Até agora
tem gente se perguntando como é que informações criptografadas trocadas entre a
representação da União Européia em Washington e sua sede em Bruxelas poderiam
conter dados que atentassem contra a segurança dos Estados Unidos. Isso, para
não falar de espionagem contra empresas, bancos e cidadãos de todo o mundo.
Uma ação de tal envergadura, e feita com tal descaramento, oculta, na
verdade, uma atitude vil, impertinente, agressiva, típica da prepotência
imperial que Obama parecia disposto não a eliminar, pois seria impossível, mas
pelo menos suavizar.
O que vemos agora é o avesso. Snowden revelou parte
do que sabe, e essa parte foi suficiente para que ele se tornasse uma obsessão
para Omaba, que desandou a distribuir ordens e determinações com a tranqüilidade
de quem não só se crê, mas está convicto de ser o verdadeiro dono do
mundo.
Há, evidentemente, um preço político e diplomático altíssimo a ser
pago por essa obsessão. Mas Obama parece disposto a pagar o que for.
Para
começo de conversa, é preciso impedir que Snowden continue gotejando
informações. Além disso, é preciso impedir que outros jovens técnicos em
computação resolvam seguir seu exemplo e difundam métodos que invadem a
privacidade da cidadania e violam uma seqüência de garantias asseguradas pela
própria Constituição dos Estados Unidos, para não mencionar acordos e tratados e
convênios internacionais. Há, nos Estados Unidos, uma multidão – calcula-se que
cinco milhões de pessoas – fazendo trabalhos terceirizados para a Agência de
Segurança Nacional, com acesso a dados supostamente sigilosos. Quantos Snowdens
potenciais estão por aí?
Há outros aspectos: Obama precisa mostrar à
opinião pública interna que o poder de influência dos Estados Unidos continua
intacto apesar de seu governo errático.
Deve-se, a isso tudo, somar um
dado essencial: a ação de Edward Snowden deixou claro, e bem claro, que o
sistema de espionagem dos Estados Unidos é, além de invasivo, frágil.
Afinal, o jovem técnico era parte do sistema, e fez o que fez sem que
ninguém se desse conta até tudo vir à tona.
No horizonte mais próximo
paira a possibilidade de conflitos diplomáticos sérios entre Washington e a
América Latina, e também com a Rússia. Obama, que se dedica a advertir quem se
anime a dar asilo a Snowden das graves conseqüências que esse ato poderá
provocar, desconhece limites. O que Washington fez, com a servil cumplicidade
dos governos da França, Itália, Portugal e Espanha, ao forçar um pouso do avião
do presidente boliviano Evo Morales na Áustria, é só um vislumbre de até que
ponto Washington pode chegar.
Agora, foi a vez de Moscou receber a
advertência: que nem se atreva a servir de ‘plataforma de propaganda’ das
denúncias de Snowden. Para Obama, pouco importa que a Rússia seja peça chave da
segurança global.
Enfrentar problemas com a América Latina, onde a
influência norte-americana, apesar de ter diminuído, continua imensa, não
significa nenhum obstáculo. Afinal, as relações com a Nicarágua, a Venezuela e a
Bolívia já não são nada boas.
Os Estados Unidos compram 900 mil barris
de petróleo venezuelano por dia. Isso significa um terço do total das
exportações de petróleo do país que ofereceu asilo a Snowden. A Bolívia conta
com alguns benefícios comerciais que Washington concede aos países andinos. E a
Nicarágua, um dos países mais pobres da região, conta com algumas preferências
comerciais outorgadas pelos Estados Unidos.
Nenhum dos três países
parece disposto a priorizar esses eventuais benefícios sobre seu direito a
assumir uma decisão soberana e conceder asilo a um perseguido
político.
Enquanto continua nebuloso o panorama, resta uma pergunta entre
tantas: de onde tamanha sanha? Por que, afinal, Snowden se transformou na
obsessão, no verdadeiro objeto de desejo de Obama?
O enigma, talvez, nem
seja tão intrincado assim. Obama, tido como fraco e frouxo, precisa mostrar que
é forte e decidido. É uma questão interna. Os truculentos republicanos vivem
dizendo que ele não é de nada. E, talvez por não ser de nada, Obama resolveu
fazer uma exibição global de valentia. O custo, as conseqüências, nada disso
importa. O que importa é satisfazer a opinião pública e seu eleitorado. Que,
quando se trata de questões internas, até que é bem informado. Mas que não tem
noção do que acontece fora de seus condados, e justamente por causa dessa
ignorância olímpica acredita que o sentimento anti-norte americano é, no fundo,
uma tremenda injustiça da humanidade.
Há décadas o mundo não via caçada
tão implacável a um fugitivo. Para Obama, Snowden virou uma questão prioritária
para a auto-estima de alguém cada vez menos estimado.
Onde isso tudo vai
parar, ninguém sabe. Mas o que sim, se sabe, é que se alguma vez a imagem de
Barack Obama na América Latina teve algum peso, significou alguma esperança de
mudança, por mais tênue que fosse, agora se diluiu feito pó no oceano.
|