Asunto: | NoticiasdelCeHu 154/12 - Universidade Classe Mundial: paradoxos de um pensamento ao mesmo tempo neoliberal e neocolonialista (Rita Cruz) | Fecha: | Jueves, 29 de Marzo, 2012 02:19:46 (-0300) | Autor: | Noticias del CeHu <noticias @..............org>
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NCeHu
154/12
Ref.: 152

Publico aqui, com autorização da autora, carta
da professora Rita Cruz,
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Geografia
Humana da FFLCH/USP. É uma carta-reflexão sobre a
proposta de alteração regimental na pós-graduação da USP de que falávamos. De forma clara e brilhante, ela expõe os desencontros da política
universitária do Estado de São Paulo que, a pautar-se pela interpretação fria de
rankings e pelas comparações grosseiras entre as instituições, afeta diretamente
a maior universidade do país com consequências desastrosas. Mais que isso,
provoca uma reflexão sobre qual o papel da universidade na sociedade paulista e
brasileira atuais deixando a pergunta: qual a melhor forma de uma universidade
latino-americana portar-se para estar entre as melhores do mundo? Um simples
“copy-paste” resolve?
Universidade Classe Mundial: paradoxos de um pensamento ao mesmo
tempo neoliberal e neocolonialista
Como é do conhecimento de todos, estamos vivendo um processo de
reformulação do Regimento Geral da Pós-Graduação da USP. Conforme
declarações públicas da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, as mudanças propostas
fazem-se necessárias no sentido de transformar a USP em uma Universidade Classe Mundial.
Todavia, o que nos tem inquietado a muitos,
alunos e professores da USP, diz respeito à pertinência/necessidade de algumas
das mudanças anunciadas, entre as quais se pode destacar:
- exame de qualificação obrigatório para
todos os alunos da pós-graduação, a realizar-se em até 12 meses de seu
ingresso;
- exclusão da possibilidade de
re-apresentação do Relatório de Qualificação no caso de reprovação;
- necessidade de parecer prévio por
escrito, para teses de doutorado, podendo o candidato/aluno ser impedido de
defender publicamente seu trabalho no caso de a maioria dos pareceres escritos
indicar inaptidão à defesa;
- orientador sem direito a voto nas bancas
examinadoras finais.
A principal argumentação
utilizada pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação para justificar tais mudanças é a
referência a IES [instituições de ensino superior] estrangeiras, as quais têm
modus operandi similares ou iguais a este que se propõe
hoje para o Regimento da Pós-Graduação da USP, ressaltando-se o fato de que tais
Instituições são melhores ranqueadas internacionalmente que
nós. Naturalmente, não ignoramos o fato de que há muitas experiências
vividas em outros lugares no mundo, no campo científico e acadêmico, passíveis
de serem assimiladas por nós de forma positiva, ou seja, produzindo-se aqui, em
nosso contexto social, econômico, político e geográfico, as mesmas benesses que
produziram em seus lugares de origem.
Entretanto, entendemos,
também, que não há um modelo universal para se produzir uma Universidade Classe Mundial e, se considerarmos as
condições em que fizemos ciência no Brasil e na USP, particularmente, desde a
sua fundação, podemos afirmar, sem dúvida, que somos muito
mais Classe Mundial que diversas universidades melhores colocadas nos
diversos ranqueamentos internacionais. Por que podemos afirmar isso? Pensemos em
alguns dados/informações.
Ranking
das 10 melhores universidades do mundo segundo a TIMES HIGHER EDUCATION –
informações elementares
Universidade |
Ano |
Orçamento Anual* |
No. de
Alunos |
Orçamento/Aluno¶ |
Doc/Pesq por Aluno¶ |
USP |
1934 |
3 |
76.000 |
39.473,68 |
1/14,5 |
CalTech |
1921 |
6,3[1] |
22.000 |
286.363,60 |
1/1,13 |
Harvard |
1636 |
57.6[2] |
21.000 |
2.742.857,10 |
1/10 |
Stanford |
1891 |
37[3] |
18.500 |
2.000.000,00 |
1/1,73 |
Oxford |
1096 |
3[4] |
20.000 |
150.000,00 |
1/ 2,35 |
Princeton |
1746 |
17,2[5] |
12.000 |
|
|
Cambridge |
1209 |
3,4[6] |
10.000 |
340.000,00 |
1/3,3 |
MIT |
1861 |
4,8[7]** |
11.000 |
436.363,36 |
1/11 |
Imperial
College |
1891 |
2[8] |
14.000 |
142.857,14 |
1/12 |
Chicago |
1907 |
4,6[9] |
15000 |
306.666,66 |
|
Berkeley |
1868 |
3,5 |
36.000 |
97.222,22 |
1/15 |
Obs.: as
informações e dados acima expostos foram extraídos das páginas das respectivas
universidades, disponíveis na web.*Valores aproximados em bilhões de
Reais.**Excluindo-se orçamento destinado ao Laboratório do MIT que tem parceria
com a NASA.¶ Em Reais.
Como se pode ver na tabela
acima, a Universidade de Harvard, Estados Unidos, desenvolveu sua
reconhecida capacidade de produzir conhecimento ao longo de pouco mais de três
séculos e com orçamentos, muito provavelmente, bem superior aos nossos. Vale
lembrar que se hoje Harvard tem um orçamento anual quase vinte vezes superior ao da USP, com um número total de alunos 60% menor, há poucos anos atrás, o
orçamento total da USP – 2005, por exemplo – não chegava aos 2 bilhões de reais.
Entre outras coisas, pode-se notar que enquanto a USP investe menos de R$
40.000,00 por aluno, em Harvard esta conta chega ao estratosférico valor de
quase 3 milhões de reais!!! Dá para comparar?
Oxford, por sua vez, tem, aparentemente, um
orçamento igual ao da USP hoje, mas como a comunidade estudantil oxfordiana é
70% menor que a nossa, a universidade inglesa, com quase mil anos de
história, empenha cerca de 150.000 reais por aluno. Certamente, os seus quase
dez séculos de história foram importantes na definição de suas políticas
acadêmicas e, especialmente, de pesquisa. Estaremos nós querendo ser mais
oxfordianos que nossos colegas ingleses? Ou será que queremos mesmo é ser mais
realistas que o rei?
Entre as dez melhores do
mundo, ainda segundo o ranking “Times Higher Education”,
por exemplo, aquela que tem o menor investimento per
capita por aluno – Califórnia University at Berkeley – empenha duas vezes e
meia os valores investidos pela USP. Apesar de a USP ter, proporcionalmente
às melhores universidades do mundo, orçamentos bem mais modestos, parte da
sociedade brasileira, ao contrário do que ocorre nos países que abrigam as “top
10 do mundo”, estimulada por uma visão tupiniquim de uma imprensa irresponsável,
nos rotula de “burgueses gastões” .
Outro elemento importante neste debate e
que não pode ser negligenciado diz respeito à hegemonia lingüística mundial da
língua inglesa, ou seja, pesquisadores/cientistas anglófonos levam reconhecida
vantagem em termos da reverberação internacional de seus trabalhos em relação,
por exemplo, a pesquisadores/cientistas não-anglófonos.
Em sua competente
análise acerca de classificações internacionais de universidades e,
especialmente sobre a classificação “Xangai”[10], Hervé
Théry (2010: 192) diz a esse respeito:
Outro
fator de distorção é que o inglês tornou-se, na maior parte dos campos
científicos, a língua internacional e que os universitários do mundo anglófono
são muito mais integrados ao circuito internacional que os seus homólogos dos
outros blocos culturais. Consequentemente, essa classificação das
universidades favoreceu claramente os países para os quais o inglês é a língua
materna.
Outra distorção apontada por Hervé Théry
(2010: 191-2) quanto à classificação “Xangai”, diz respeito à subestimação clara
das ciências sociais e humanas. Conforme o autor:
O lugar
das ciências sociais e humanas é claramente subestimado nessa classificação,
os próprios autores o reconhecem, mas eles confessam não ter encontrado, para
esses campos científicos, critérios que correspondam às exigências que tinham
fixado: medidas universalmente reconhecidas como válidas e livremente
acessíveis na internet. Em especial, o fato de não poder dispor de uma
classificação dos livros, um dos principais meios de expressão dessas
ciências, prejudicou a sua inclusão correta na
classificação.
Se, entretanto, insistem
alguns em comparar o incomparável, uma das conclusões a que podemos chegar é a
de que a USP é muito mais Classe Mundial que as
dez melhores universidades do mundo, afinal de contas, conseguimos ser a melhor
universidade da América Latina e estar hoje entre as 70 melhores do mundo, com
pouco mais de 70 anos de história, utilizando muito menos recursos que a maioria
delas e abrigando 3, 4 ou 5 vezes mais alunos que a maior parte dessas
instituições.
ISTO POSTO, NÃO DEVERÍAMOS NÓS ENSINAR A
ELES OS NOSSOS MÉTODOS E NÃO O CONTRÁRIO?
Entre os rankings internacionais e as
avaliações nacionais
Na onda dos ranqueamentos internacionais,
outro processo em curso na USP é o de criação de um novo sistema de avaliação da
qualidade de sua pós-graduação.
Para que e a quem servem os sistemas de
avaliação seja de universidades “classe mundial” ou de programas de
pós-graduação?
1. No caso da avaliação da pós-graduação, o
sistema Capes tem servido, entre outras coisas, para fomentar a competição entre
Programas, em escala nacional. Como? Os Programas melhor classificados são
aqueles que recebem mais recursos. Assim, esse sistema trabalha para manter na
penumbra aqueles que apresentam maiores dificuldades; enquanto isso, os melhores
têm suas receitas fortalecidas.
2. Um sistema de avaliação pautado na
competição contribui, efetivamente, para “varrer” do universo da pós-graduação
os Programas que não conseguem melhorar suas notas, por razões diversas, entre
as quais a dificuldade em vencer os mecanismos vorazes da competição (fatores
temporais – programas jovens; fatores geográficos – dificuldade em fixar
professores/pesquisadores em lugares distantes dos centros econômicos mais
dinâmicos do país, fatores financeiros – escassez de recursos, por
exemplo).
3. Coincide, historicamente,
com a instalação do sistema de avaliação da Capes uma reconhecida perda de
qualidade na formação geral de pós-graduandos no Brasil. Naturalmente, não se
pode atribuir única e exclusivamente à avaliação Capes algo que decorre de um
sucateamento do ensino em todos os níveis no país, reinante durante décadas.
Todavia, alguém duvida de que existe relação direta entre avaliação Capes e
encurtamento de prazos na pós-graduação stricto sensu?
Alguém tem dúvida de que o sistema de avaliação Capes fomentou, de forma
incomensurável, o produtivismo no país? Alguém duvida de que prazos
menores e professores e alunos focados na produção-fim (ou seja, a produção por
ela mesma) contribuem significativamente para piorar a qualidade da
pós-graduação?
Tais inquietações me conduzem a perguntar:
como se fazia a avaliação da produção na USP, por exemplo, nos anos 50, 60 e
70?
O reconhecimento nacional e internacional da
USP, historicamente construído, subordinou-se, durante décadas, única e
exclusivamente à inserção social de seus formandos, graduados e
pós-graduados, bem como à sua produção científica, que revolucionou diversos
setores da vida social.
Todavia, na medida em que, pós anos 80,
começa a ampliar-se, substancialmente, o universo da pós-graduação brasileira,
“a fatia do bolo” para cada um tinha de diminuir!
É nesse contexto que
assumimos uma lógica empresarial de avaliação, fundada não somente na produção, mas sobretudo e principalmente na produtividade. Paradoxalmente, enquanto o setor produtivo
se flexibiliza, supera o paradigma fordista e incorpora princípios toyotistas, a
vida cotidiana na universidade volta-se para a produção em massa além de
tornar-se cada dia mais inflexível!
A melhor avaliação da USP foi e continua
sendo feita pela sociedade brasileira, de modo geral, e paulistana,
especificamente. A inserção de nossos egressos, tanto da graduação como da
pós-graduação em todos os setores do mercado de trabalho, incluindo-se postos de
liderança em escolas de ensino fundamental e médio, universidades, empresas de
todos os ramos e governos em todas as escalas expressa a verdadeira reverberação
do investimento público onde ele deve reverberar.
Por fim concluo acreditando
que temos empenhado muito tempo e energia na construção de parâmetros,
indicadores e relatórios de avaliação, os quais alimentam uma verdadeira esquizofrenia avaliativa nacional. Enquanto isso, nossos
alunos clamam, simplesmente, por uma boa aula, por um pouco de atenção, por uma
boa conversa, enfim, atividades elementares, cada vez mais difíceis de
serem desenvolvidas em um cotidiano acadêmico regido pela competição. Quanto ao
tempo para a pesquisa, passou a ser um sonho de todos nós. Algo me parece estar
errado.
Sem mais, despeço-me,
cordialmente,
Profa. Dra. Rita de Cássia
Ariza da Cruz
Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Geografia Humana da FFLCH/USP
[10] Instituição Escore (2008)
1 Harvard University 100
2 Stanford University 73,7
3 University of California – Berkeley
71,4
4 University of Cambridge 70,4
5 Massachusetts Institute of Technology
(MIT) 69,6
6 California Institute of Technology
65,4
7 Columbia University 62,5
8 Princeton University 58,9
9 University of Chicago 57,1
10 Oxford University 56,8
Fonte:
THÉRY, Hervé. Classificação de universidades mundiais: “Xangai” e outras. estudos avançados 24 (70), 2010. Disponível aqui.
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