Baby Siqueira Abrão
Correspondente no Oriente
Médio
Às duas da manhã de
quarta-feira, 29 de fevereiro, sob uma temperatura abaixo de zero, soldados do
exército israelense entraram na cidade de Ramala, onde fica a sede da Autoridade
Nacional Palestina, e invadiram duas estações de televisão, Al-Watan, canal
privado, e Al-Quds Educacional, operada pela Universidade de Al-Quds (nome árabe
de Jerusalém).
Além de prender quatro funcionários da Watan, incluindo
jornalistas – liberados mais tarde –, os soldados levaram computadores, arquivos
financeiros, todos os equipamentos de transmissão, arrasaram escritórios e
redação e finalmente fecharam as estações de TV. De acordo com a jornalista
palestina radicada em Viena Kawther Salam, a incursão foi aprovada pelos
ministros israelenses da Defesa, Ehud Barak, das Comunicações, Moshe Kahlon e
pelos generais Avi Mizrahi e Motti Almoz.
“Fomos surpreendidos pelos
soldados”, disse um dos funcionários da Watan à agência palestina de notícias
Ma’an. “Eles nos prenderam e promoveram uma enorme bagunça nos escritórios.
Ficaram particularmente furiosos quando viram a foto de Khader Adnan
(prisioneiro político que fez greve de fome durante 66 dias, até a Suprema Corte
de Israel decidir por sua libertação, em 20 de fevereiro) na parede da nossa
sala.”
Lideranças palestinas criticaram com veemência a ação israelense.
Mustafá Barghouti, secretário-geral do partido político Iniciativa Nacional
Palestina, emitiu uma declaração condenando o ato, que “não é apenas uma
violação de direitos humanos e da lei humanitária mas também uma quebra do
acordo que proíbe às forças militares israelenses a entrada ou a realização de
operações na área A”. A área A, segundo os acordos de Oslo, compreende as
cidades palestinas e está sob a responsabilidade administrativa e policial da
Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Abdel Nasser Al-Najjar, presidente do
Sindicato dos Jornalistas Palestinos em Ramala, denunciou a ação israelense como
“crime contra a mídia palestina, para impedir que a verdade chegue ao mundo”. O
primeiro ministro Salam Fayyad, além de condenar a incursão nas estações de TV,
esteve na Watan assim que soube do ataque. Mahmoud Abbas, presidente da ANP,
condenou a ação do exército israelense como “um assalto flagrante contra a
liberdade de expressão e da mídia”. Apesar do discurso, fontes palestinas
denunciaram à jornalista Kawther Salam que o exército de Israel avisou a ANP
sobre a ação antes que ela fosse realizada. “Segundo essas fontes, o comando
militar da ANP em Ramala ordenou a suas tropas que não ficassem no caminho do
exército israelense, para não interferir, de modo nenhum, no ataque às estações
de TV”, disse ela. “Isso mostra de que lado a lealdade da ANP está”,
completou.
O governo israelense alegou que a ação se deveu ao fato de a
frequência de ambos os canais interferir nas comunicações do aeroporto de Tel
Aviv e da rede sem fio do país, o que foi desmentido por Mashoor Abu Dakka,
ministro palestino das Telecomunicações e da Tecnologia da Informação. “As
frequências das emissões de TV não são as mesmas do aeroporto ou da rede sem fio
de Israel”, afirmou ele em entrevista coletiva na quinta-feira, 1º. de março. “O
Ministério das Comunicações israelense jamais se queixou desse tipo de
interferência por parte da Watan e da Al-Quds Educacional”, disse Dakka, o que,
de acordo com ele, levanta dúvidas sobre os verdadeiros objetivos do
ataque.
“O governo de Israel quer controlar as frequências UHF das TVs
palestinas para usá-las em telefones de quarta geração, que utilizam as ondas
[eletromagnéticas] das televisões e precisam delas para funcionar”, denunciou o
ministro. “Acreditamos que Israel quer construir um sistema digital baseado
nessas frequências”, acrescentou, e manifestou a preocupação de que a ação
israelense possa expandir-se para outras estações de TV e rádio
palestinas.
Ainda na quinta-feira (01), jornalistas, sociedade civil e o
primeiro-ministro Salam Fayyad participaram de uma manifestação em frente à
Watan, em protesto contra a invasão e o fechamento das duas emissoras.
Esse
não foi o primeiro ataque de Israel às duas estações de TV. Em 2002 o exército
invadiu ambas e confiscou seus transmissores. Em 2008, soldados do exército e da
polícia, bem como funcionários da Administração Civil e do Ministério das
Comunicações israelense, destruíram e vasculharam as rádios Wan FM, BBC e
Freedom Radio Al-Huryyah, e a TV Al-Majed, de Hebron.