Ainda nem os EUA nem a Alemanha, potências imperialistas
que se arrogam o direito de dar lições ao mundo, existiam como nação e como
país, e já a Pérsia era há milénios uma civilização avançada, com uma identidade
própria e notáveis realizações no campo da ciência, da arte e da cultura. O
mesmo sucedeu com o Iraque no quadro do mundo árabe ou com a China, por exemplo.
Trata-se de realidades que mostram como é irregular e acidentado o processo de
desenvolvimento de nações e civilizações. O próprio exemplo de Portugal ilustra
bem como aquilo que num momento histórico é avançado e progressista
(«Descobrimentos») se pode tornar factor de atraso e submissão.
Tudo isto
deveria aconselhar menos arrogância aos países mais desenvolvidos e proibir-lhes
quaisquer manifestações de superioridade de cariz racista. Esta não é porém uma
questão da esfera do pensamento racional mas da natureza do sistema
sócio-económico. Os EUA e a Alemanha são potências imperialistas que só podem
existir intensificando a exploração dos trabalhadores, sugando as riquezas e os
frutos do trabalho dos povos de todo o mundo, defendendo com unhas e dentes uma
supremacia que vêem escapar-lhe (os EUA, sobretudo) ou procurando colocar o seu
poder militar e influência geopolítica ao nível do seu poder económico (a
Alemanha de quem se diz que é um «gigante económico mas um anão político»). É
isto que essencialmente determina a perigosa escalada agressiva no Médio Oriente
e Ásia Central, com os EUA e a União Europeia rivalizando e coordenando a sua
acção para dominar os seus povos e recursos, e alterar o quadro geoestratégico
em direcção ao Extremo-Oriente.
Quanto ao Irão, ao mesmo tempo que
expressamos a nossa solidariedade com a luta do povo iraniano pelos seus
direitos e em defesa da soberania do seu país, sem esquecer o partido comunista,
o partido Tudhé, cuja legalização é um imperativo da própria resistência ao
imperialismo, devemos aproveitar para conhecer melhor a sua história. Ficaremos
a um tempo fascinados pela sua riqueza e revoltados perante a cortina de
silêncio e mentiras com que os escribas do sistema procuram justificar os crimes
do imperialismo. E não é preciso ir além de meados do século passado quando, no
contexto de grandes lutas populares Mossadegh nacionaliza em 1951 a
Anglo-Persian Oil Company, propriedade da Grã-Bretanha, que de imediato
se lança, em aliança com os EUA, numa escalada de conspiração para impor no Irão
um governo títere.
O que se se segue é digno de antologia. Golpe da CIA em
1953. Afastamento e prisão de Mossadegh. O Xá, Reza Pahlavi, impõe uma feroz
ditadura e torna-se um instrumento fundamental dos EUA na sua estratégia de
«contenção do comunismo» com a instalação de bases militares e estações de
espionagem electrónica contra a URSS ao longo de uma fronteira de 1500
quilómetros. Segue-se mais de vinte e cinco anos de um regime terrorista em que
a polícia secreta do Xá, a SAVAK, criada com a ajuda da Mossad, se torna célebre
pela sua crueldade. Milhares de opositores são assassinados. Completamente
isolada a ditadura acaba por ser derrubada em 1979 por uma impressionante
insurreição popular, em que estão os comunistas, mas estão também os ayatolahs
que, após um período de transformações democráticas, impõem o seu próprio regime
islâmico fundamentalista. A guerra (1980-1988) entre o Iraque e o Irão instigada
pelos EUA acabará por pôr fim a muito do que ainda restava dessa
revolução.
Mas a ingerência externa não acaba com as centenas de milhares de
mortos que esta guerra provocou. O imperialismo não suporta quem se lhe não
submeta inteiramente.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 1996, 1.03.2012