NCeHu 20/12
Reproducido de RGE 35/12
O cerco ao Irã
Todo o alarde por parte dos EUA e
Israel é insustentável e serve para camuflar aquilo que realmente é
motivo de preocupação: a crescente importância estratégica do Irã e sua
liderança na região do Grande Oriente Médio. Longe de ser o arauto do
apocalipse, o sonho do Irã, que sempre foi um "ator racional", é
alcançar a hegemonia regional. Por quais motivos o Irã poderia ser
convencido a suspender o enriquecimento nuclear sem que, da mesma forma
que Israel, suas preocupações com sua segurança sejam levadas em
consideração?
Reginaldo Nasser www.cartamaior.com.br
11/1/12
O
Departamento de Estado dos EUA declarou no final do mês de dezembro que
o Irã estava manifestando "comportamento irracional" ao ameaçar fechar
o estreito de Hormuz, ponto de passagem de 20% do petróleo mundial.
Algo improvável já que grande parte dos 2,2 milhões barris/dia (mais de
50% de sua receita) que o Irã exporta passa pelo Estreito e sua
obstrução viria causar sérios danos em sua economia que já sofre com as
sanções internacionais. Na verdade, a declaração do vice-presidente do
Irã, Mohammad Rahimi, foi que "não passaria uma só gota de petróleo
pelo Estreito SE o Ocidente impusesse sanções sobre as exportações de
petróleo de seu paisâ€.
Como já é de costume, quando se trata dos paÃses rotulados como rogue-states,
a questão hipotética de uma agressão dos EUA foi simplesmente suprimida
na grande imprensa internacional. O que fez com que a declaração do
iraniano aparecesse como uma ameaça e não como uma provável reação a um
ataque. Claro que não se trata de um simples problema gramatical, mas
de sim de linguagem tÃpica de um poder hegemônico.
O Irã
voltou a ser objeto de preocupação da chamada comunidade internacional
– isto é EUA, Inglaterra, França e Israel - após a divulgação do novo
relatório da AIEA (Agencia Internacional de Energia Atômica), no dia 8
novembro 2011, sobre a possÃvel construção de instalações nucleares
para fins bélicos, em um momento de eleições nos paises envolvidos. Em
março, o Irã realiza eleições parlamentares que se espera ser um
confronto entre radicais e moderados, enquanto nos EUA os candidatos do
Partido Republicano nos EUA já anunciam a necessidade de bombardear o
Irã ao mesmo tempo em que criticam a "fraqueza" do presidente Obama.
A grande imprensa norte-americana, como sempre, deu sua prestimosa colaboração para acionar os tambores da guerra. The Washington Post e The New York Times
estamparam em sua matéria de capa, um dia após a divulgação do
relatório, a informação de que os investigadores da AIEA acumularam uma
coleção de novas evidências de que o Irã manifestou objetivos bélicos
em seu programa nuclear. No entanto em matéria publicada na revista The New Yorker (November 18, 2011 Iran and the IAEA.)
Seymor Hersch, após entrevistar uma série de especialistas sobre o
tema, concluiu que as alegações básicas no relatório não continham nada
substancialmente novo.
Robert Kelley, ex-diretor da AIEA, Greg
Thielmann, ex-funcionário do Departamento de Estado e especialista no
tema, e a organização Arms Control Association, cuja missão é
incentivar o apoio público para o controle de armas de destruição em
massa, observaram que a AIEA apenas reforçou o que a comunidade
internacional já sabia desde 2003. Ou seja, que o relatório da AIEA
apenas aponta indÃcios preocupantes e não há nada que indique que o Irã
está realmente construindo uma bomba.
Portanto, “um Irã com
armas nucleares ainda não é iminente e nem é inevitável. Aqueles que
querem angariar apoio para um ataque ao Irã estão deturpando o
relatórioâ€.
Patrick Pexton, ombudsman do Washington Post, e Arthur Brisbane, editor do New York Times,
responderam às objeções dos leitores, dois meses depois, concordando
que, em nenhum momento a AIEA chegou a fazer uma declaração conclusiva
clara. Brisbane declarou ainda que a linguagem utilizada pelo NYT
estava equivocada e que o NYT deveria corrigir sua matéria porque
trata-se de um caso que uma frase não faz justiça a um conjunto de
nuances reveladas pelos fatos. Sendo que a distinção a ser feita é
importante porque “o programa iraniano tem aparecido como um possÃvel
casus belli (ver NYT Public Editor: IAEA ‘Stops Short Of Making A Clear Conclusive Statement’ On Iran Nuke Program http://thinkprogress.org/ By Ali Gharib on Jan 10, 2012).
Na
retórica de muitos polÃticos e comentadores americanos e judeus, a
República Islâmica do Irã é retratada como um regime que não pensa sua
polÃtica externa em termos de interesses nacionais. Invocam cenários
apocalÃpticos de um pais inclinado a usar armas nucleares contra alvos
israelenses ou europeus, sem se importar com as conseqüências sugerindo
que o Irã aspira, na verdade, à autodestruição. Pois é suficientemente
conhecida a capacidade militar de Israel. Aliás, como já observou o
analista do Air Force Research Institute, Adam Lowther, não
apenas os judeus, mas os palestinos teriam razão de sobra para
preocupação, porque um ataque nuclear contra Israel iria devastá-los
também.
Na verdade todo esse alarde por parte dos EUA e Israel é
insustentável e serve para camuflar aquilo que realmente é motivo de
preocupação: a crescente importância estratégica do Irã e sua liderança
na região do Grande Oriente Médio. Longe de ser o arauto do apocalipse,
o sonho do Irã, que sempre foi um "ator racional", é alcançar a
hegemonia regional. Nos últimos oitos anos, o Irã construiu uma enorme
rede de influência com xiitas e sunitas após os EUA derrubarem seus
dois principais inimigos: o Talebã no Afeganistão e Saddam no Iraque;
consolidou suas alianças com Hamas e Hezbollah, legitimados por seus
êxitos eleitorais, tornando-se peça decisiva na Palestina e no LÃbano.
No
mesmo mês em que o relatório da AIEA foi publicado, os EUA anunciaram a
assinatura de um acordo de venda de armas, munições, peças de
reposição, treinamento de pessoal militar com a Arábia Saudita no valor
de $30 bilhões. De acordo com oficial do Departamento de Estado, Andrew
Shapiro, "essa venda irá enviar uma forte mensagem aos paÃses da região
que os Estados Unidos estão comprometidos com a estabilidade no Golfo e
Médio Oriente." Cabe lembrar ainda a fala do prÃncipe Turki al-Faisal
(chefe de inteligência na Arábia Saudita ) em reunião ocorrida em uma
base militar da OTAN no Reino Unido (os documentos foram revelados pelo
Wall Street Journal 22/07/2011) que "o Irã é muito vulnerável no setor
de petróleo, e é nele que mais poderia ser feito para coagir o atual
governoâ€. Argumentou que “a Arábia Saudita tem plena capacidade de
produção [reposição] de quase 4 milhões de barris/dia - que poderÃamos
quase instantaneamente substituir toda a produção de petróleo do Irãâ€.
Qualquer
que seja o perfil de uma nova ordenação nuclear esta deverá ser o
resultado da interação dos motivos pelos quais um Estado persegue a
energia nuclear, a legitimidade das restrições e, principalmente, que o
paÃs possa ter sua segurança garantida. Assim, é compreensÃvel que
Israel não vai desistir de suas armas nucleares (elemento de dissuasão)
até que as suas preocupações mais amplas de segurança sejam resolvidas
(e talvez nem assim). Mas por quais motivos o Irã poderia ser
convencido a suspender o enriquecimento nuclear sem que, da mesma forma
que Israel, suas preocupações com sua segurança sejam levadas em
consideração? (Stephen Walt, A non-proliferation puzzle. S Foreign Policy , May 6, 2010).
Portanto,
a polêmica questão nuclear envolvendo o Irã só poderá ser realmente
discutida se a comunidade internacional vinculá-la ao processo de paz
na região. Por falar nisso, onde estão Brasil e Turquia que exerceram
papel fundamental de mediadores da crise com Irã, em 2010, impedindo
uma ação militar que parecia iminente?
(*) Professor de Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
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