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Asunto: | NoticiasdelCeHu 307/03 - Geografía Política y Geopolítica | Fecha: | Viernes, 11 de Abril, 2003 13:18:27 (-0300) | Autor: | Humboldt <humboldt @............ar>
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NCeHu
307/03
Fundamentos - Teorias Geopolíticas - Escolas
Geopolíticas
JOSÉ WILLIAM
VESENTINI
1 - Diferença entre GEOGRAFIA POLÍTICA
E GEOPOLÍTICA a) A geografia política moderna, pelo menos tal como a
entendemos hoje isto é, como um estudo geográfico da política, ou como o
estudo das relações entre espaço e poder -- nasceu com a obra Politische
Geographie [Geografia Política], de Friedrich RATZEL, publicada em 1897. Não que
esse geógrafo alemão tenha sido o primeiro autor a escrever sobre o assunto ou a
empregar esse rótulo. A bem da verdade, essa análise, ou melhor, essa
incorporação da dimensão geográfica ou espacial da política é bastante antiga.
Podemos encontrá-la em Aristóteles, em Maquiavel, em Montesquieu e em inúmeros
outros filósolos da antiguidade, da Idade Média ou da época moderna. Mas
normalmente essa preocupação com a dimensão espacial da política -- tal como,
por exemplo, a respeito do tamanho e da localização do território de uma
cidade-Estado, em Aristóteles; ou sobre a localização e a defesa da fortaleza do
príncipe, em Maquiavel; ou a ênfase na importância da geografia (física e
humana) para a compreensão do "espírito das Leis" de cada sociedade, em
Montesquieu -- era algo que surgia en passant, como um aspecto meio secundário
da realidade, pois o essencial era entender a natureza do Estado ou das Leis, os
tipos de governo ou as maneiras de alcançar e exercer eficazmente o poder.
Com Ratzel - inicia-se um estudo sistemático da dimensão geográfica da
política, no qual a espacialidade ou a territorialidade do Estado era o
principal objeto de preocupações. E com Ratzel a própria expressão "geografia
política", que era comumente empregada nos estudos enciclopédicos dos séculos
XVI, XVII e XVIII (as informações sobre tal ou qual Estado: sua população,
contornos territoriais, rios, montanhas, climas, cidades principais, etc.),
ganha um novo significado. Ela passa a ser entendida como o estudo geográfico ou
espacial da política e não mais como um estudo genérico (em "todas" as suas
características) dos Estados ou países. b) A geopolítica, por sua vez, foi
criada no início do século XX, mais precisamente em 1905, num artigo denominado
"As grandes potências", escrito pelo jurista sueco Rudolf KJELLÉN. (Mas atenção:
a palavra "geopolítica" é que foi criada por Kjellén, pois provavelmente essa
temática que passou a se chamar geopolítica seja mais antiga. Isto é, já havia
anteriormente uma preocupação com o poderio de cada Estado, com as grandes
potências mundiais ou regionais, com a instrumentalização do espaço geográfico
com vistas à guerra ou ao exercício do poder estatal). Normalmente se afirma
-- em quase todas as obras sobre "história da geopolítica" -- que os
geopolíticos clássicos, ou os "grandes nomes da geopolítica", foram H.J.
MacKinder, A.T. Mahan, R. Kjellén e K. Haushofer. Desses quatro nomes, dois
deles (o geógrafo inglês Mackinder e o almirante norte-americano Mahan) tiveram
as suas principais obras publicadas antes da criação dessa palavra geopolítica
por Kjellén e, dessa forma, nunca fizeram uso dela. O outro autor, o general
alemão Haushofer, foi na realidade quem popularizou a geopolítica, devido às
circunstâncias (ligações, embora problemáticas, com o nazismo e possível
contribuição indireta para a obra Mein Kampf, de Hitler), tornando-a
(tristemente) famosa nos anos 1930 e 40, em especial através da sua Revista de
Geopolítica [Zeitschrift für Geopolitik], editada em Munique de 1924 a 44 e com
uma tiragem mensal que começou com 3 mil e chegou a atingir a marca dos 30 mil
exemplares, algo bastante expressivo para a época. A geopolítica, enfim,
conheceu um período de grande expansão no pré-guerra, na primeira metade do
século XX, tendo se eclipsado -- ou melhor, ficado no ostracismo -- depois de
1945. Ela sempre se preocupou com a chamada escala macro ou
continental/planetária: a questão da disputa do poder mundial, que Estado (e por
quê) é uma grande potência, qual a melhor estratégia espacial para se atingir
esse status, etc. Existiram "escolas (nacionais) de geopolítica", em especial
dos anos 1920 até os anos 1970, em algumas partes do mundo, inclusive no Brasil.
Não escola no sentido físico (prédio e salas de aula), mas sim no sentido de
corrente de pensamento, de autores -- mesmo que um tenha vivido distante do
outro, no espaço ou às vezes até no tempo -- com uma certa identificação: no
caso da geopolítica, ela consistia principalmente no desenvolvimento de um
projeto ("Brasil, grande potência", no nosso caso) que se expressa como uma
estratégia (geo)política e militar com uma clara dimensão espacial. A natureza
pragmática, utilitarista (e para o Estado, único agente visto como legítimo) ou
de "saber aplicável" sempre foi uma tônica marcante na geopolítica. Ela nunca se
preocupou em firmar-se como um (mero?) "conhecimento" da realidade e sim como um
"instrumento de ação", um guia para a atuação de tal ou qual Estado. c) A
Geopolítica a partir dos anos 70. A partir de meados dos anos 1970 a
geopolítica sai do ostracismo. Ela volta a ser novamente estudada (a bem a
verdade, ela nunca deixou de ser, mas de 1945 até por volta de 1975 esteve
confinada em pequenos círculos, em especial militares). Só que agora, ao invés
de ser vista como "uma ciência" (como pretendia Kjellén) ou como "uma
técnica/arte a serviço do Estado" (como advogavam inúmeros geopolíticos,
inclusive Haushofer), ela é cada vez mais entendida como "um campo de estudos",
uma área interdisciplinar enfim (tal como, por exemplo, a questão ambiental). Em
várias parte do globo criaram-se -- ou estão sendo criados -- institutos de
estudos geopolíticos e/ou estratégicos, que via de regra congregam inúmeros
especialistas: cientistas políticos, geógrafos, historiadores, militares ou
teóricos estrategistas, sociólogos e, como não podia deixar de ser (na medida em
que a "guerra" tecnológica-comercial hoje é mais importante que a militar) até
mesmo economistas. A palavra geopolítica não é uma simples contração da
geografia política, como pensam alguns, mas sim algo que diz respeito às
disputas de poder no espaço mundial e que, como a noção de PODER já o diz (poder
implica em dominação, via Estado ou não, em relações de assimetria enfim, que
podem ser culturais, sexuais, econômicas, repressivas e/ou militares, etc.), não
é exclusivo da geografia. (Embora também seja algo por ela estudado). A
geografia política, dessa forma, também se ocupa da geopolítica, embora seja uma
ciência (ou melhor, uma modalidade da ciência geográfica) que estuda vários
outros temas ou problemas. Exemplificando, podemos lembrar que a geografia
também leva em conta a questão ambiental, embora esta não seja uma temática
exclusivamente geográfica (outras ciências -- tais como a biologia, a geologia,
a antropologia, a história, etc. -- também abordam essa questão). Mas a
geografia -- da mesma forma que as outras ciências mencionadas -- não se
identifica exclusivamente com essa questão, pois ela também procura explicar
outras temáticas que não são rigorosamente ambientais tais como, por exemplo, a
história do pensamento geográfico, a geografia eleitoral, os métodos
cartográficos, etc.
Esquematizando Podemos dizer que existiram
ou existem várias interpretações diferentes sobre o que é geopolítica e as suas
relações com a geografia política. Vamos resumir essas interpretações, que
variaram muito no espaço e no tempo, em quatro visões: 1. "A geopolítica
seria dinâmica (como um filme) e a geografia política estática (como uma
fotografia)". Esta foi a interpretação de inúmeros geopolíticos anteriores à
Segunda Guerra Mundial, dentre os quais, podemos mencionar Kjellén, Haushofer e
vários outros colaboradores da Revista de Geopolítica, além do general Golbery
do Couto e Silva e inúmeros outros militares no Brasil. Segundo eles, a
geopolítica seria uma "nova ciência" (ou técnica, ou arte) que se ocuparia da
política ao nível geográfico, mas com uma abordagem diferente da geografia, mais
"dinâmica" e voltada principalmente para a ação. Eles viam a geografia como uma
disciplina tradicional e descritiva e diziam que nela apenas colhiam algumas
informações (sobre relevo, distâncias, latitude e longitude, características
territoriais ou marítimas, populações e economias, etc.), mas que
fundamentalmente estavam construindo um outro saber, que na realidade seria mais
do que uma ciência ou um mero saber, seria um instrumento imprescindível para a
estratégia, a atuação político/espacial do Estado. Como se percebe, foi uma
visão adequada ao seu momento histórico -- não podemos esquecer que o mundo na
primeira metade do século XX, antes da Grande Guerra, vivia uma ordem multipolar
conflituosa, com uma situação de guerra latente entre as grandes potências
mundiais -- e à legitimação da prática de quem fazia geopolítica naquele
momento. Ela também foi coeva e tributária de todo um clima intelectual europeu
-- especialmente alemão -- da época, que fustigava o conhecimento científico ( a
"ciência real", que era contraposta a uma "ciência ideal" ou "novo saber", que
deveria contribuir para um "mundo melhor") pela sua pretensa "desconsideração
pela vida concreta, pelas emoções, pelos sentimentos". 2. "A geopolítica
seria ideológica (um instrumento do nazi-fascismo ou dos Estados totalitários) e
a geografia política seria uma ciência". Esta foi a interpretação de alguns
poucos geógrafos nos anos 1930 e 40 (por exemplo: A. Hettner e Leo Waibel) e da
quase totalidade deles (e também de inúmeros outros cientistas sociais) no
pós-guerra. Um nome bastante representativo desta visão foi Pierre George,
talvez o geógrafo francês mais conhecido dos anos 50 aos 70, que afirmava que a
geopolítica seria uma "pseudo-ciência", uma caricatura da geografia política.
Esta visão foi praticamente uma reação àquela anterior, que predominou ou foi
extremamente importante no pré-guerra. Como toda forte reação, ela caminhou para
o lado extremo do pêndulo, desclassificando completamente a geopolítica (da qual
"nada se aproveita", nos dizeres de inúmeros autores dos anos 50 e 60) e até
mesmo se recusando a explicá-la de forma mais rigorosa. 3. "A geopolítica
seria a verdadeira (ou fundamental) geografia". Esta foi a interpretação que
Yves Lacoste inaugurou com o seu famoso livro-panfleto A Geografia - isso serve,
em primeiro lugar, para fazer a guerra, de 1976, e que serviu como ideário para
a revista Hérodote - revue de géographie et de géopolitique. Nessa visão, a
geografia de verdade (a "essencial" ou fundamental) não teria surgido no século
XIX com Humboldt e Ritter, mas sim na antiguidade, junto com o advento dos
primeiro mapas. O que teria surgido no século XIX seria apenas a "geografia dos
professores", a geografia acadêmica e que basicamente estaria preocupada em
esconder ou encobrir, como uma "cortina de fumaça", a importância estratégica da
verdadeira geografia, da geopolítica enfim. A geopolítica -- ou geografia dos
Estados maiores, ou geografia fundamental -- existiria desde a antiguidade na
estratégia espacial das cidades-Estado, de Alexandre o Grande, por exemplo, de
Heródoto com os seus escritos (obra e autor que, nessa leitura enviesada, teria
sido um "representante do imperialismo ateniense"!). Esta interpretação teve um
certo fôlego -- ou melhor, foi reproduzida, normalmente por estudantes e de
forma acrítica -- no final dos anos 70 e início dos 80, mas acabou ficando
confinada a um pequeno grupo de geógrafos franceses que, inclusive, em grande
parte se afastaram do restante da comunidade geográfica (ou mesmo científica)
daquele país. Existe uma visível falta de evidências nessa tese -- de
comprovações, e mesmo de possibilidade de ser testada empiricamente (inclusive
via documentos históricos) -- e, na realidade, ela surgiu mais como uma forma de
revalorizar a geografia, tão questionada pelos revoltosos do maio de 1968,
tentando mostrar a sua importância estratégica e militar. 4. "A geopolítica
(hoje) seria uma área ou campo de estudos interdisciplinar". Esta interpretação
começa a predominar a partir do final dos anos 1980, sendo quase um consenso nos
dias atuais. Não se trata tanto do que foi a geopolítica e sim do que ela
representa atualmente. E mesmo se analisarmos quem fez geopolítica, os "grandes
nomes" que teriam contribuido para desenvolver esse saber, vamos concluir que
eles nunca provieram de uma única área do conhecimento: houve juristas (por
exemplo, Kjellén), geógrafos (Mackinder), militares (Mahan, Haushofer) e vários
outros especialistas. Não tem nenhum sentido advogar o monopólio desse tipo de
estudo -- seria o mesmo que pretender deter a exclusividade das pesquisas
ambientais! --, já que com isso estaríamos desconhecendo a realidade, o que já
se fez e o que vem sendo feito na prática. Existem trabalhos sobre geopolítica,
alguns ótimos, oriundos de geógrafos, de cientistas políticos, de historiadores
(H. Kissinger, P. Kennedy...), de militares, etc. E ninguém pode imaginar
seriamente que num instituto ou centro de estudos estratégicos e/ou geopolíticos
-- onde se pesquise os rumos do Brasil (ou de qualquer outro Estado-nação, ou
mesmo de um partido político) no século XXI, as possibilidades de confrontos ou
de crises político-diplomáticas ou econômicas, as estratégias para se tornar
hegemônico no (sub)continente, para ocupar racionalmente a Amazônia, etc. --
devam existir apenas geógrafos, ou apenas militares, ou apenas juristas. Mais
uma vez podemos fazer aqui uma ligação com o nosso tempo, com o clima
intelectual do final do século XX e inícios do XXI. A palavra de ordem hoje é
interdisciplinariedade (ou até transdisciplinariedade), pois o real nunca é
convenientemente explicado por apenas uma abordagem ou uma ciência específica. O
conhecimento da realidade, enfim, e mesmo a atuação nela com vistas a um mundo
mais justo, é algo muito mais importante do que as disputas corporativistas.
2 - TEXTO SOBRE ASPECTOS DA NOVA ORDEM MUNDIAL: Terrorismo e
Nova Ordem Mundial - alguns comentários(*) José William Vesentini, de 17 a
21 de outubro de 2001. 1. Colocando o problema O terrorismo é o grande
assunto do momento. Ele afetou as bolsas de valores e as perspectivas de
crescimento das economias, a começar pela norte-americana -- a mais poderosa do
globo -- e vem suscitanto uma série de discussões sobre como evitá-lo, com
algumas propostas que, se adotadas, vão certamente alterar algumas de nossas
rotinas do dia a dia. E também a ordenação geopolítica mundial começa a sofrer
significativas modificações em função do desenrolar dos acontecimentos, em
especial da luta contra o terrorismo. Tudo começou, como se sabe, com os
recentes atentados do dia 11 de setembro deste ano, que destruíram as duas
torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e parte das instalações do
Pentágono, em Washington. A reação norte-americana, ao contrário do que temiam
alguns -- e do que sugeriam as primeiras declarações atabalhoadas do Presidente
George W. Bush --, foi relativamente cautelosa na medida em que essa
superpotência militar procurou, antes de iniciar uma contra-ofensiva, cimentar
toda uma aliança internacional de apoio. Quase um mês após os atentados, as
forças armadas estadunidenses -- com o aval da ONU e com a colaboração ativa
(envio de tropas) ou passiva (apoio logístico) de inúmeros outros países --
iniciaram uma série de fortes bombardeios sobre o Afeganistão, país onde se
localizam o quartel general e vários campos de treinamento do grupo terrorista
El Quaeda [A base], liderado pelo milionário saudita Osama Bin Laden,
considerado pelas organizações de inteligência dos Estados Unidos, do Reino
Unido e de outros Estados como o responsável pelo planejamento daqueles atos
destrutivos. Bin Laden nega qualquer envolvimento naqueles atentados -- algo,
por sinal, coerente com o posicionamento do terrorismo atual ou pós-moderno, que
quase nunca assume a autoria de suas ações --, mas o seu envolvimento com o
terrorismo é patente (algo que ele próprio admite, inclusive as ameaças que fez
contra os Estados Unidos no início deste ano, prometendo uma onda de atentados
caso o novo governo desse país continuasse com a sua política de abandonar os
palestinos e deixar Israel à vontade) e ele já foi exaustivamente apontado como
o responsável por alguns outros violentos atentados ocorridos anteriormente.
O objetivo destes comentários é analisar o que é o terrorismo atual ou
pós-moderno e realizar algumas inferências a respeito do seu significado na nova
ordem mundial, que mais uma vez se redefine neste momento. Não pretendemos
analisar exaustivamente este episódio específico -- os atentados de 11 de
setembro e a reação norte-americana --, que por sinal ainda não chegou ao seu
término (nem mesmo no que diz respeito ao futuro do Afeganistão). Provavelmente
o governo deste país vai mudar, com a saída do Teleban e a entrada de uma
coalisão formada pela Liga do Norte e por representantes do antigo rei, do
Paquistão, do Irã (afinal 20% da população afegã é constituída por muçulmanos
xiitas, que foram fortemente reprimidos no governo do Teleban; e o apoio
iraniano é fundamental para amenizar os protestos islâmicos) e talvez até da
facção moderada do Teleban, que nestes últimos dias vem procurando se distanciar
do terrorismo e passou a denunciar o "exagerado poder" do El Quaeda no Estado
afegão. Mas isso não é o fundamental -- e nem mesmo o futuro de Bin Laden e do
seu grupo terrorista (que provavelmente vai continuar mesmo sem ele). O
essencial são as mudanças permanentes que todo esse episódio deverá ocasionar
nas relações (econômicas, político-diplomáticas e militares) internacionais. O
terrorismo -- que constitui verdadeiras redes (CASTELLS, 2001) e não se resume a
este grupo referido -- passou a ocupar o antigo papel do "comunismo", o de
"inimigo" ou ameaça maior à continuidade do sistema global. Qualquer que seja o
desfecho deste episódio específico, a luta do e contra o terrorismo,
infelizmente, deverá prosseguir por anos ou talvez até décadas. E, mais uma vez
(pois isso já ocorreu anteriormente, em outros momentos nos quais ocorreram
sucessivos atentados ou "ondas" terroristas), o movimento terrorista deverá
produzir um efeito contrário ao que almeja: ao invés de desestabilizar as
instituições dominantes (em especial o Estado), as fortalecerá; ao invés de
gerar mais pânico, insegurança e desestruturação social (algo que de fato
produz, a curto prazo), ele deverá a médio e a longo prazo fortalecer e até
legitimar novas e mais severas medidas de segurança e de vigilância sobre a vida
cotidiana das pessoas em geral. 2. O que é o terrorismo pós-moderno? O
terrorismo é uma forma violenta de protesto (e de tentativa de desestabilizar
algum regime) conhecida desde a antiguidade. Existem referências a atos
terroristas desde a Grécia antiga, passando pelo Império Romano e por inúmeros
outros momentos da história. Uma primeira e intensa "onda terrorista" ocorreu no
final do século XIX e inícios do XX. Naquele momento ninguém se sentia seguro e
a salvo do terrorismo, confome relata um estudioso do assunto, Walter LAQUEUR
(1996). Em 1894 um anarquista italiano assassinou o Presidente francês Sai
Carnot; em 1897 anarquistas mataram a punhaladas a imperatriz Elizabeth da
Áustria e assassinaram o Primeiro-Ministro espanhol Antonio Canovas; em 1900 o
rei Humberto I, da Itália, foi vítima de outro ataque terrorista e, no ano
seguinte, um anarquista matou o Presidente norte-americano William McKinley. E
não podemos nos esquecer que a Primeira Guerra Mundial foi deflagrada após o
assassinato, em 1914, de um arquiduque austríaco por um terrorista sérvio. O
terrorismo, assim, é uma ação desesperada e violenta, feita por grupos (ou
eventualmente por um indivíduo) que almejam mudar alguma coisa na vida política
e social -- derrubar um regime, lutar contra uma potência colonialista ou
imperialista, alterar radicalmente os valores de uma sociedade, alcançar uma
independência nacional -- e ele costuma ser diferenciado da guerra (choque entre
Estados) e da guerrilha (na qual um grupo almeja controlar um território). A
principal finalidade dos atos terroristas é semear o pânico, desestabilizar as
instituições e com isso suscitar mudanças radicais. Talvez estejamos vivendo uma
segunda "onda terrorista" neste momento, pois existem centenas de grupos
terroristas no mundo e os atentados, ao que parece, estão ficando mais
freqüêntes. Mas o terrorismo atual -- chamado de pós-moderno ou de global --
é diferente das formas anteriores. E os atentados terroristas do dia 11 de
setembro último, ao contrário do que escreveu CHALLIAND (2001), simbolizam muito
bem este "novo terrorismo", em especial pelo planejamento e pelos objetivos,
pela natureza globalizada e pelo uso inteligente da mídia. O "velho terrorismo",
em especial aquele do final do século XIX e inícios do XX, era formado por
organizações anarquistas ou nacionalistas que tinham propostas políticas bem
definidas e em geral assumiam os seus atos. Elas inclusive tinham orgulho de
suas ações -- normalmente assassinatos de autoridades do regime que combatiam --
e acreditavam que uma boa parcela da população os apoiava. Já o "novo
terrorismo", o pós-moderno ou global, não tem um objetivo político preciso e
normalmente as organizações que o praticam não fazem muita questão de assumir a
autoria de inúmeros atos terroristas (LESSER, 2001), embora ocasionalmente o
façam após uma premeditada demora. O "velho terrorismo" procurava eliminar
figuras estratégicas do regime que combatia, evitando atingir inocentes. Já para
o "novo terrorismo" não há inocentes, todos devem sofrer as consequências dos
atos do regime sob o qual vivem e eventualmente apoiam. (Nem mesmo as populações
que em tese seriam "libertadas" ou "esclarecidas" pelos terroristas são afinal
inocentes que devem ser poupados, pois na lógica de sua argumentação existe a
idéia de que "quem morre pela causa" deve se sentir realizado). Além disso, a
destruição de edifícios símbolos (como as torres do WTC ou o Pentágono, dentre
outros) e a matança de centenas ou milhares de pessoas é algo que chama a
atenção da mídia e justamente esta é uma das grandes preocupações do terrorismo
pós-moderno. Ele busca a cobertura por parte da mídia internacional, suas ações
só têm sentido no contexto de sociedades democráticas onde a mídia em geral e em
especial a televisão (que transmite imagens e sons e influencia uma parcela
maior da população) é mais ou menos livre e procura dar uma cobertura imediata
aos acontecimentos considerados "quentes" ou de grande importância. Podemos até
dizer que existe uma relação simbiótica entre o "novo terrorismo" e a "nova
mídia": ambos são globalizados e visam a opinião pública internacional (que
logicamente é mais intensa e influente nos países desenvolvidos), sem a qual não
existiriam; ambos preocupam-se com o sensacionalismo, com acontecimentos
trágicos que têm que ser (re)produzidos constantemente para prender a atenção do
público (como se sabe, "dá muito mais ibope" uma notícia sobre uma chacina do
que uma outra sobre o avanço da unificação européia ou sobre o perdão da dívida
externa de alguns países pobres). Basta atentar para o fato de que, nos dias e
semanas que se seguiram aos recentes atentados terroristas nos Estados Unidos,
algumas redes de televisão alcançaram altíssimos e atípicos índices de audiência
(algo que permite cobrar mais pelo minuto de propaganda e conseqüentemente
amplia os lucros), em visível contraste com os preços das ações das empresas em
geral (principalmente das companhias aéreas e de seguros), que cairam bastante
nesse período. O terrorismo de inspiração anarquista, intenso no final do
século XIX e no início do XX, praticamente não existe mais. Uma possível exceção
seria a figura isolada do Unabomber, terrorista que agiu durante cerca de 18
anos nos Estados Unidos e foi capturado em 1996. Mas mesmo ele pouco se
identifica com o anarquismo clássico (a não ser talvez com o individualismo de
inspiração stirneriana), pois este não é contra o progresso (a eletricidade, as
máquinas, a tecnologia moderna) e sim contra o Estado e as desigualdades
sociais. E os anarquistas atuais -- ou neoanarquistas --, por sua vez, preferem
as manifestações de massas, sejam pacíficas ou até violentas, as quais também se
apóiam na mídia internacional e fazem amplo uso da internet, tais como aquelas
rotuladas equivocadamente como antiglobalização: Seattle, Toronto, Genebra,
Praga, Davos, Porto Alegre, Gênova, etc. Mas eles não são cúmplices nem
simpatizantes do "novo terrorismo", pois este prejudica a sua causa ao confundir
protestos com matanças indiscriminadas e ao contribuir para a legitimação de
novas e mais severas medidas de segurança e de repressão por parte dos aparatos
estatais. Já o terrorismo de cunho nacionalista ainda sobrevive e é importante
em algumas regiões do mundo, em especial na Espanha -- o ETA -- e na Irlanda do
Norte (com reflexos na Inglaterra) -- o IRA. Mas a princípio ele não é global(1)
e sim circunscrito à região (ou nação) que pretende libertar e à(s) outra(s) que
a domina(m). E ele também não mata civis de forma indiscriminada, pois uma de
suas maiores preocupações é obter o apoio da opinião pública para a sua
causa(2). As principais modalidades do terrorismo pós-moderno são as seitas
ou organizações fundamentalistas, apocalípticas e tradicionalistas (LIFTON,
1999; FLYNN, 2000; LAQUEUR, 1996). Essa é mais uma diferença essencial entre ele
e o "velho terrorismo". Este último -- em especial o terrorismo anarquista --
era de "esquerda" (e se considerava como "progressista") no sentido de lutar por
uma maior igualdade social, de se opor violentamente não ao progresso em si, mas
sim ao seu usufruto por somente uma minoria da população. Já o terrorismo
pós-moderno é essencialmente conservador e, ao contrário do que muitos pensam, é
radicalmente contrário aos ideais de igualdade e liberdade para todos. A bem da
verdade, normalmente ele combate esses ideais democráticos, taxando-os de
"ocidentais" (num sentido pejorativo) ou então de"artificiais" e
"anti-naturais". Ele não está nem um pouco preocupado com as desigualdades
internacionais ou com a pobreza ou a exclusão de inúmeros povos e sim com a
ameaça a certos valores tradicionais (religiosos ou não) que considera
absolutos: por exemplo, a superioridade masculina e outros princípios do Islão,
a superioridade do homem branco anglo-saxônico e protestante (no caso de Timothy
MacVeigh, o terrorista de Oklahoma, que praticou o maior atentado terrorista já
visto nos EUA até o dia 11 de setembro último), a destruição da ordem atual das
coisas com vistas à construção de um mundo novo alicerçado em determinadas
crenças religiosas (no caso da seita apocalíptica japonesa Aum Shinrikyo, que há
alguns anos espalhou o gás sarim no metrô de Tóquio) etc. Sem dúvida que a
situação precária dos palestinos, que piorou muito com os novos governos de
Israel (Sharon) e dos Estados Unidos (Bush), serviu como motivo mais imediato
destes recentes atos terroristas nos EUA, que foram praticados por grupos (uma
verdadeira rede) extremistas islâmicos. Mas confundir isso com um protesto
furioso contra a globalização ou contra as exclusões e desigualdades em geral,
como fizeram muitos recentemente, é não entender nada sobre tais grupos
terroristas e as suas motivações. Uma outro traço característico do
terrorismo pós-moderno é que ele não se limita a assassinatos ou explosões
isoladas, que eram as tônicas no "velho terrorismo". Ele é global -- ele convive
com e se alimenta da globalização -- e dispõe de todo um sofisticado arsenal de
financiamento e de artefatos: novos meios de destruição (químicos, biológicos,
tecnológicos), contas bancárias numeradas na Suiça ou em "paraísos fiscais" e
membros recrutados em vários países (e treinados em outros), alguns inclusive
com um nível educacional elevado (pós-graduação ou até doutorado em
microbiologia, química, eletrônica, sistemas de redes etc.). Ele é financiado
tanto por contribuições dos membros e principalmente dos simpatizantes -- muitos
dos quais arquimilionários, pessoas muito bem inseridas no sistema global e que
reconditamente combatem a atual supremacia de determinados valores que detestam
-- como também em alguns casos pela associação com o tráfico de drogas. Ele
dispõe do indispensável apoio de alguns Estados que os escondem ou até que
permitem (ou financiam em parte) os seus campos de treinamento: como se sabe,
nos anos recentes esse papel foi desempenhado, em maior ou menor proporção, pelo
Sudão, pela Somália, pela Líbia, pela Síria, pelo Iraque e pelo Afeganistão. E o
terrorismo pós-moderno dispõe de novos e mais potentes instrumentos de ação: não
somente os assassinatos e as explosões, mas também gases nocivos (como o sarim),
agentes biológicos patogênicos (como o antraz) e talvez até, desde que exista a
ajuda de algum Estado com essa tecnologia, material radioativo e no limite
armamentos atômicos. Devido à grande sofisticação dos atuais meios de
destruição, que mais cedo ou mais tarde acabam ficando à disposição de grupos
que têm recursos para adquirí-los, o terrorismo torna-se, pelo menos
potencialmente, cada vez mais letal ou até catastrófico (CARTER, DEUTCH e
ZELIKOW, 1998). 3. As redefinições na ordenação geopolítica mundial Ao que
tudo indica, as conseqüências dos atos terroristas do dia 11 de setembro serão
variadas e permanentes. Os bombardeios sobre o Afeganistão e a provável troca de
seu regime político constituem apenas uma pequena amostra delas. Um novo sistema
de alianças deverá ser construído a partir desse episódio. É algo que já estava
latente desde o final da guerra fria, mas que precisava de uma iniciativa
deflagradora. A tradicional rivalidade entre Estados -- e principalmente entre
as grandes potências --, mesmo sem deixar de existir, deverá se enfraquecer e
dar lugar a um sistema de apoio interestatal e uma luta contra outras
alternativas (contra as redes terroristas, em primeiro lugar, e também contra as
máfias, o tráfico de drogas, determinadas organizações não governamentais que
desestabilizam o poder dos Estados etc.). A aceitação da Rússia como parceira
do Ocidente -- ou talvez até como parte deste num futuro próximo -- é o exemplo
mais significativo dessas mudanças. Isso foi favorecido pela perspicaz política
externa de Vladimir Putin, que ao invés de se opor aos bombardeios
norte-americanos sobre um país estrangeiro (posição tradicionalmente adotada por
Moscou), colaborou com a coalisão liderada pelos Estados Unidos oferecendo
assessoria (e até tropas) e pressionando as ex-Repúblicas soviéticas que fazem
fronteira com o Afeganistão -- o Turcomenistão, o Tajiquistão e a Quirguízia --
a aceitarem o uso de seus territórios como bases de apoio nessa guerra. Com isso
cessaram as críticas do Ocidente em relação aos massacres russos na Chechênia e
esta república rebelde passou a ser vista pelos norte-americanos e pelos
europeus não mais como uma vítima das atrocidades russas e sim como uma área
onde há muitos fundamentalistas e grupos terroristas. E também algo que até há
alguns meses parecia impossível de ocorrer, hoje tornou-se numa hipótese viável
para os próximos anos ou no máximo para a próxima década: uma futura inserção da
Rússia na OTAN (WINES, 2001). Somente depois de 10 anos do final do império
socialista soviético, o Ocidente capitalista começa a eliminar a sua antiga
desconfiança frente à Rússia e começa a ver esse Estado-nação como um membro de
fato do sistema global e inclusive da Europa. Nesse sentido, o terrorismo no
final das contas pode ter sido benéfico para os interesses econômicos e
estratégicos russos. Um outro provável ganhador dessas redefinições
geopolíticas é a China. Ela também adotou um posicionamento de realpolitik, isto
é, de perseguir os seus interesses específicos e esquecer o seu antigo discurso
anti-capitalista e de "simpatia para com os oprimidos". Nesse sentido, ela
procurou ganhar algo em troca de sua aceitação dos bombardeios sobre o
Afeganistão e do seu apoio no combate aos grupos terroristas. Ela até aproveitou
o momento para intensificar a repressão sobre os grupos islâmicos que existem na
parte oeste do seu território, na região de Xinjiang. E o governo Bush começou a
esquecer o seu discurso anterior, de considerar a China como o grande
"competidor estratégico", e passou a vê-la como um parceiro na luta contra o
terrorismo e os demais fatores de instabilidade do sistema global. Com isso fica
mais fácil a assimilação da China na OMC e tendem a diminuir as críticas da
mídia ocidental contra a brutal repressão promovida pelas tropas chinesas no
Tibete e em outras áreas onde há etnias que almejam uma libertação nacional. Mas
o grande sonho ou objetivo geoestratégico da China ainda está distante e, pelo
menos até o presente, não foi incluído na pauta das negociações entre Washington
e Pequim: a incorporação de Taiwan. A ONU, paradoxalmente (pois afinal ela
foi criada para evitar as guerras e não para lucrar com elas), deverá ser mais
uma ganhadora com o desenrolar da luta contra o terrorismo. Os Estados Unidos em
meados de setembro último de repente pagaram as suas dívidas para com essa
organização internacional e solicitaram a sua intermediação no sentido de
legitimar os bombardeiros contra o Afeganistão. Os estrategistas
norte-americanos perceberam afinal que não podem dominar o mundo sozinhos, nem
mesmo via OTAN, e que é necessário haver uma base legal de sustentação, um fórum
internacional que legitime determinadas medidas duras, que ferem a soberania de
inúmeros Estados, na luta contra o terrorismo. Além disso qualquer ação com o
aval da ONU sempre será mais palatável para os demais povos do que uma outra
decidida exclusivamente pelos Estados Unidos ou mesmo pela OTAN. E como todos os
cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU estão atualmente
alinhados nessa luta contra o terrorismo, fica mais fácil usar essa organização
internacional. Mas o preço ou a condição para isso é fortalecê-la, o que a longo
prazo poderá ser uma faca de dois gumes na medida em que algumas resoluções lá
aprovadas poderão não corresponder aos interesses norte-americanos. Também a
Europa deverá redefinir ao menos parcialmente a sua política de expansão e
construção de um continente unificado. Como observou muito bem ASH (2001),
existem na Europa cerca de 20 milhões de muçulmanos, portanto bem mais que nos
Estados Unidos, e, além disso, o continente está praticamente cercado pelo mundo
islâmico. Isso significa que a Europa deverá se empenhar muito mais no
apaziguamento do descontentamento islâmico, talvez até encararando com mais
seriedade as pretensões da Turquia de ingressar na União Européia e procurando
se envolver com mais afinco nos conflitos ainda pendentes na região dos Balcãs.
Mas o tema da segurança e do controle sobre as fronteiras, com vistas
principalmente a selecionar quem entra no continente, deverá ocupar um
privilegiado papel que não tinha antes deste episódio. Isso poderá retardar a
expansão da União Européia. É bastante provável que primeiro ocorra uma expansão
da OTAN para o leste e, só depois de muitos anos ou décadas, é que poderá
ocorrer a incorporação na União Européia daqueles países não ocidentais ou não
cristãos. Quando aos prováveis perdedores desse episódio, a curto prazo
evidentemente é o regime do Taleban no Afeganistão. Mas a longo prazo outros
participantes do cenário mundial poderão sofrer algumas conseqüências da ação
preventiva contra o terrorismo, em especial aqueles Estados que escondem
terroristas e/ou permitem a existência de campos de treinamento terroristas no
seu território. Eles deverão ser objeto de uma pressão muito maior -- e agora
não apenas decidida pelos Estados Unidos e sim pela ONU --, que pode chegar
desde a boicote econômico até a bombardeios localizados. E ao contrário do que
ocorria até há pouco, eles não deverão mais contar com o apoio -- mesmo que
indireto -- de países como a China ou a Rússia, cada vez mais afinados com o
Ocidente, e talvez nem mesmo com os recursos financeiros oriundos da Arábia
Saudita e de outras economias árabes exportadoras de petróleo, pois a pressão
sobre elas será imensa e também haverá um maior controle sobre as transações
bancárias internacionais. E provavelmente Israel deverá ser alvo de uma intensa
pressão norte-americana e européia no sentido de negociar seriamente com a OLP e
aceitar a existência de um Estado palestino autônomo. Isso inclusive já começou
a ocorrer com as recentes declarações de Colin Powell a respeito da "falta de
vontade" das autoridades israelenses em promover a paz na região. Mas o caso de
Israel é complicado devido ao poderoso lobby judaico nos Estados Unidos e também
em face de todo o seu poderio militar, inclusive a posse de armamentos
nucleares. Além disso, os grupos radicais de ambos os lados, em especial os
fundamentalistas islâmicos que fogem ao controle da OLP e promovem atentados nos
momentos de negociações ou de trégua, dificultam sobremaneira a resolução da
questão palestina. As pressões ocidentais para Israel ser mais transigente
certamente ocorrerão, mas ainda não se sabe a intensidade delas -- que será
maior no caso dessa guerra contra o terrorismo continuar gerando intabilidades
na região e no globo e menor se a situação se acalmar em poucas semanas -- e nem
se os radicais de ambos os lados deixarão que elas surtam algum efeito. Uma
outra possível mudança é um golpe de Estado com a troca do governo -- ou talvez
até o final da monarquia -- na Arábia Saudita. A família real saudita
encontra-se bastante enfraquecida e pressionada por dois lados fortes: pelos
fundamentalistas islâmicos, que a vêm como demasiadamente atrelada aos
interesses ocidentais; e pelas autoridades norte-americanas, que pensam que esse
governo saudita é ambíguo e pouco confiável, pois, como assinalou LUTTWAK
(2001), uma boa parte do financiamento do terrorismo islâmico sai de contas
bancárias localizadas nesse país árabe e as investigações sobre ataques
terroristas anteriores -- contra as Khobar Towers, no litoral saudita, em 1996,
e contra o US Cole, no Iêmem, em 2000 -- sempre apontaram para grupos radicados
ou com fortes conexões na Arábia Saudita, sendo que o governo deste país
recusou-se a colaborar com essas investigações. Finalmente, uma série de
medidas deverão ser adotadas com vistas a uma maior prevenção do terrorismo e,
infelizmente, muitas delas poderão restringir o direito de privacidade e as
liberdades individuais. Desde um maior controle sobre aeroportos e alfândegas
até uma maior vigilância sobre as transações financeiras internacionais,
passando por novas medidas de segurança nos aviões (portas blindadas que vedem o
acesso dos passageiros à cabina de comando, mecanismos que impossibilitem o
desligamento das comunicações com as torres de controle etc.), deverão ser
operacionalizadas nos próximos anos. Também a internet e as telecomunicações
internacionais deverão ser objeto de novas medidas de vigilância (novos sistemas
de escuta, novos softwares para detectar certas palavras chave, etc.), assim
como os laboratórios e centros de pesquisas em física nuclear e em
microbiologia. Isso sem contar as maiores pressões internacionais, agora com o
aval da ONU, sobre os Estados que escondem terroristas e/ou sediam os seus
campos de treinamento. Tudo isso, é lamentável dizer, deverá contar com o apoio
de grande parte da opinião pública, em especial aquela dos países desenvolvidos,
que sofreu uma espécie de paranóia com esta crise e apoia todo um clamor por
mais segurança. Mas no final das contas o terrorismo não vai cessar -- no máximo
poderá ser mais controlado e reduzido --, pois ele é indissociável deste novo
mundo globalizado com as permanências das inúmeras diversidades sócio-econômicas
e alteridades culturais (as quais, é bom ressaltar, são positivas e não
deploráveis) e com todo um avanço tecnológico que por um lado melhora a
qualidade de vida de muitos e, por outro lado, possibilita a outros tantos o
acesso a novos e mais sofisticados meios de destruição. 4. O episódio e as
suas leituras Os atentados de 11 de setembro e os bombardeios ao Afeganistão
deram origem a inúmeros artigos, reportagens e entrevistas veiculados pela
mídia. Alguns poucos são de excelente qualidade, porém, a maioria tão somente
reproduziu determinados estereótipos que via de regra pouco elucidam a questão e
tão somente refletem determinados valores de quem os profere. Uma boa parcela
deles é maniqueísta: ao invés de procurar analisar os diversos aspectos (ou pelo
menos algum deles) da problemática, eles imediatamente assumem um lado (visto
como o "correto" ou o "bem") e passam a desancar o outro lado (o "incorreto").
Muitos afirmaram reiteradamente que os atentados seriam uma decorrência das
desigualdades internacionais ou do capitalismo globalizado. Outros proclamaram
que o seu significado estaria numa "vingança dos excluídos" da globalização ou
do império norte-americano. Alguns ainda, uma minoria de evangélicos, os
exorcizaram como uma decorrência do "excesso de liberdade" e dos exageros das
conquistas feministas, homossexuais e de outras minorias. Também se enxergou
nesse episódio mais um capítulo do "choque de civilizações", com o islamismo
enfrentando à sua maneira o Ocidente. E um professor de estratégia e política
internacional chegou a proclamar, numa entrevista televisiva, que eles foram uma
consequência da "nova política isolacionista de Washington", na qual os Estados
Unidos teriam deixado de atuar como uma superpotência na resolução dos problemas
mundiais e inclusive teriam "diminuído os gastos militares". E, por fim, muitos
dos que comemoraram, discreta ou ruidosamente, os ataques kamikazes que
vitimaram milhares de pessoas e levaram à destruição de edifícios simbólicos,
argumentaram que eles foram suscitados pela "arrogância" da política externa
estadunidense, mencionando a falta de interesse dessa grande potência mundial em
"resolver" os problemas planetários do meio ambiente, das desigualdades, das
epidemias e da fome, das inúmeras guerras etc. Alguns desses posicionamentos
são tão absurdos que nem vale a pena refutá-los. Outros são equivocados pelo seu
exagero. Examinemos, em primeiro lugar, a idéia de que esta guerra seria, em
última instância, um "choque de civilizações". O próprio autor dessa polêmica
tese segundo a qual os principais conflitos da nova ordem mundial são culturais
-- idéia que já dissecamos num escrito anterior (VESENTINI, 2000) --, numa
entrevista sobre o assunto, afirmou que "Claramente, Osama Bin Laden deseja que
seja um choque de civilizações entre o Islã e o Ocidente. A principal prioridade
do nosso governo é tentar impedir que se transforme em um" (HUNTINGTON, 2001).
Ou seja, os acontecimentos não são "fechados", não estão completamente
determinados a priori, mas são "abertos" ou relativamente indeterminados no
sentido de se redefinirem constantemente, de adquirirem novas nuances dependendo
do entrecruzamento das ações de cada participante. Seria uma completa vitória de
Bin Laden e dos extremistas islâmicos se eles conseguissem transformar esses
atos terroristas numa "guerra santa" e, conseqüentemente, a reação
norte-americana numa "cruel retalização contra o Islã". Mas essa versão, ao que
tudo indica -- principalmente pelo repúdio de inúmeras autoridades políticas e
religiosas do mundo islâmico, que afirmaram que o terrorismo é algo inaceitável
pelo Alcorão --, não vai prevalecer. E toda a diplomacia dos EUA (depois que as
primeiras reações de Bush foram corrigidas pelos seus assessores, que inclusive
promoveram uma visita dele a uma mesquita em Washington), e também de seus
aliados (a começar por Tony Blair), foi planejada com vistas a isolar os
fundamentalistas e estreitar os laços com as lideranças islâmicas moderadas.
Assim, a idéia que começa a vingar, e que deverá prevalecer no final das contas,
é a que esta é uma "luta contra o terrorismo", promovida não apenas pelo
Ocidente mas pelos Estados em geral -- inclusive a maioria dos islâmicos --, em
especial por aqueles mais comprometidos ou mais ativos na construção de uma
ordem internacional menos instável e na qual os negócios possam prosseguir e até
se expandir. Vejamos agora determinadas opiniões simplistas, que foram
bastante divulgadas nos últimos dias, a respeito da "impossibilidade de se
vencer essa guerra no Afeganistão". Algumas delas foram propagadas por pessoas
que se intitulam "especialistas" em estratégia ou em geopolítica. Conforme já
demonstrou de forma pertinente RADU (2001), são improcedentes e até míticos os
argumentos do tipo "o terreno impossibilita o uso de tecnologia avançada" ou que
"tal como nos exemplos britânico (1838-42) e soviético (1979-89)", ou "tal como
na guerra do Vietnã", os norte-americanos "certamente sairão derrotados desse
país aguerrido e com uma natureza hostil". Sobre isso cabe apenas lembrar uma
lição elementar sobre a guerra, que foi reproduzida tanto por Sun Tzu quanto por
Clausewitz: ela é antes de tudo um choque entre vontades, entre sociedades
diferenciadas, o que significa que a coesão social normalmente é mais importante
para a vitória a longo prazo do que os combates no front. Não foram os terrenos
(as montanhas, num caso, e as florestas tropicais, no outro), e nem mesmo um
"maior conhecimento do terreno" pelos nativos, o que determinou as derrotas da
ex-União Soviética, no Afeganistão, e dos Estados Unidos, no Vietnã. Foi a
coesão social desses países na luta contra o invasor -- algo que não existe hoje
no Afeganistão, onde, pelo contrário, a imensa maioria da população gostaria de
se livrar do Taleban --, isto é, todo um extenso apoio e suporte popular aos
guerrilheiros. E também o auxílio militar -- armamentos, treinamento, assessoria
-- fornecido pela outra superpotência da época (pelos soviéticos aos vietnimitas
e pelos norte-americanos aos guerrilheiros afegãos, inclusive ao Taleban) foi
fundamental no desfecho dessas duas guerras. É por isso que a grande chance de
vitória do El Quaeda ou do Taleban nesta guerra não está no relevo montanhoso,
nem mesmo nos armamentos ou nas milhares de minas encravadas no solo afegão, mas
sim na propaganda via mídia. O principal front -- se é que podemos usar aqui
este conceito militar -- desta guerra, não se iludam, não está no território
afegão e sim na mídia internacional, em parte na opinião pública das nações
desenvolvidas internacional e de outra parte na consciência das populações
islâmicas. Só um temor generalizado de revoltas populares em países islâmicos,
algo tão forte que pudesse desestabilizar os regimes políticos atualmente
vigentes nesses Estados, especialmente naqueles produtores de petróleo ou
naquele que detêm armas nucleares (Paquistão), é que poderia levar os Estados
Unidos e seus aliados a transigir, a cessar os bombardeios sobre o Afeganistão e
inclusive realizar inúmeras outras concessões (maiores pressões sobre Israel com
vistas a criar um Estado palestino independente e talvez até o desmantelamento
da base militar norte-americana no território saudita). Provavelmente foi por
esse motivo que nos últimos dias Bin Laden concentrou os seus esforços na
tentativa de conceder várias entrevistas aos principais canais de televisão do
Oriente Médio e dos EUA e, segundo alguns jornais, ele chegou a veicular a
hipótese de se entregar desde que seja para um país "neutro" e onde ele possa
ter um julgamento "isento" (isto é, podendo falar à vontade e assim prosseguir
com o seu combate via mídia). E também é por esse motivo que a principal frente
desta "guerra contra o terrorismo" por parte dos Estados Unidos e de seus
aliados não se encontra no Afeganistão -- esta é apenas uma frente provisória --
e sim em primeiro lugar na consciência das populações muçulmanas, procurando
tornar vitoriosa a idéia de que "esta não é uma guerra contra a religião ou a
civilização islâmica", e, em segundo lugar na opinião pública e nas organizações
internacionais, procurando legitimar e operacionalizar novas medidas de proteção
(das fronteiras, dos aeroportos e aviões, dos edifícios símbolo etc.) e de
vigilância (sobre contas bancárias, sobre laboratórios que manipulam bactérias
ou virus, sobre determinadas instalações químicas ou laboratórios de física
nuclear, sobre "atividades suspeitas" de alguns indivíduos ou grupos etc.).
E, por fim, existem aqueles, que por algum dos motivos apontados acima,
festejaram os atos terroristas e torcem para uma derrota norte-americana e uma
vitória do Taleban no Afeganistão (além de exultarem com os protestos populares
contra seus governos e contra o Ocidente, promovidos por religiosos
fundamentalistas, no Paquistão e na Indonésia). Cabe apenas indagar se eles são
movidos pela razão ou por um ódio irracional e até mesmo fascista. Pois por mais
que o capitalismo globalizado e os Estados Unidos tenham promovido ou sido
coniventes com determinadas desigualdades e injustiças, a alternativa oferecida
por esses grupos extremistas é muito pior. É uma completa destruição da frágil
democracia -- que, apesar de incompleta, deve ser preservada e inclusive
expandida (e não combatida) -- e um predomínio da intransigência, de uma rígida
hierarquia que não admite contestações e de um caminho único que não aceita a
pluralidade ou sequer o diálogo com o(s) outros(s). Basta lembrar dos massacres
e das severas proibições promovidos pelo Taleban -- fuzilamento de pessoas sem
julgamento, interdição de qualquer música ou arte que não seja islâmica,
fechamento de todos os cinemas, canais de televisão e jornais independentes etc.
--, da destruição das estátuas gigantes de Buda (um rico patrimônio
histórico-cultural do Afeganistão) e da incapacidade desse regime em gerenciar
minimamente a economia e alimentar a população (a maior parte dos alimentos que
a população afegã consumiu nestes últimos anos veio da ajuda humanitária
promoviada pelas organizações internacionais). Basta lembrar ainda do ódio
intenso que todos esses militantes fudamentalistas -- e não apenas o Taleban ou
o El Quaeda -- alimentam contra as conquistas (mesmo que ainda incompletas)
feministas no Ocidente, contra alguns direitos mínimos concedidos aos
homossexuais, contra a liberdade de expressão, contra a idéia de um sistema
judiciário independente, contra as eleições e a rotatividade dos partidos no
poder, enfim contra toda uma filosofia de direitos dos homens e dos cidadãos,
que é a base da democracia. Esse tipo de posicionamento -- a identificação com
os terroristas porque eles atacaram o "centro do imperialismo" -- lembra muito
aquela imagem, sugerida por Hannah Arendt num escrito sobre a "crise da
educação", a de uma criança serrando o galho da árvore sobre o qual está
sentada. Ele se assemelha ainda ao equívoco cometido por alguns na Alemanha da
década de 1920 e inícios dos anos 30, que detestavam (com alguma razão) a
República de Weimar e manifestavam uma certa complacência ou até alegria frente
à baderna e aos atos violentos promovidos pelo partido nacional-socialista de
Hitler. O resultado é conhecido por todos. Convem aqui recordar a lição de que
nem sempre o inimigo do meu adversário é meu amigo. Muitas vezes ele é pior
ainda que o adversário, em especial quando não respeita as regras do jogo
democrático, quando semeia o pânico, o terror e a intolerância, quando nos
considera a todos infiéis que têm que ser convertidos pela força.
NOTAS:(*) Esta é uma versão inicial e provisória de um texto que
estamos escrevendo a pedido de uma revista especializada em relações
internacionais.1. Parece que isso começa a mudar, pelo menos no que diz respeito
do IRA, pois instrutores dessa organização foram encontrados neste ano (2001) na
Colômbia, onde estavam assessorando e treinando grupos terroristas locais. 2. No
que diz respeito ao ETA isso também parece estar mudando nos últimos anos: o
desespero ocasionado pela baixa popularidade tem levado essa organização a
praticar atos de matança indiscriminada. Tanto este exemplo como aquele da nota
anterior sugerem que talvez esta "velha" ou clássica forma de terrorismo esteja
mudando e se identificando cada vez mais com o terrorismo "novo", global ou
pós-moderno.
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