NCeHu
79/10
www.centrohumboldt.org
Abril en Vietnam
Vietnã celebra 35 anos da vitória contra os
EUA
A participação direta dos Estados Unidos
durou até 1973. Acabaram asfixiados e quebrados como os franceses. “A supremacia
deles era tecnológica”, recorda um veterano da guerra, o general Do Xuan Cong.
“Mas o armamento deles era para guerra à distância, com aviões, foguetes e
bombas. Nós reduzimos o espaço, forçamos o combate no quintal de suas tropas. As
armas modernas não tiveram serventia nem substituíram sua falta de moral para a
luta”. Washington se viu forçado às negociações de Paris, que levariam à
retirada de seus soldados em 1973. O artigo é de Breno Altman.
Breno Altman
www.cartamaior.com.br
Ainda amanhecia quando milhares de
vietnamitas, organizados em colunas, começaram a se aproximar do Parque 30 de
Abril, diante do antigo palácio presidencial, na cidade de Ho Chi Minh.
Sindicatos, universidades, fábricas e organizações camponesas enviaram suas
delegações, além das forças armadas. Respondiam à convocação para a manifestação
que celebraria o triunfo do Vietnã socialista contra o governo de Saigón (velho
nome da cidade) e seus aliados norte-americanos.
Não foi um comício de
tipo ocidental. O horário já era extravagante. Todos estavam avisados que as
atividades começariam pontualmente às 6h30 e estariam encerradas três horas
depois, antes que o calor alucinante de Ho Chi Minh vencesse o dia. Quem ocupava
as arquibancadas armadas no caminho central do parque eram as autoridades e os
convidados. Os cidadãos, com seus agrupamentos, foram os responsáveis pelo
espetáculo.
Poucos discursos, apenas quatro – e religiosamente
cronometrados. O primeiro secretário do Partido Comunista do município falou por
20 minutos. Depois vieram o presidente da Associação dos Veteranos de Guerra, o
secretário-geral da federação sindical local e o presidente da Juventude
Comunista de Ho Chi Minh – cada qual com direito a 10 minutos de discurso. O
presidente da República, Nguyen Minh Triet, 68, um sulista que teve participação
discreta na guerra e está no cargo desde 2006, apenas assistiu, junto com outros
dirigentes.
Aproximadamente 50 mil pessoas desfilaram diante das
tribunas. Grupos teatrais representaram momentos da guerra de 21 anos contra os
norte-americanos e o então Vietnã do Sul. Muita música, até com um pouco de
ritmo pop, além dos acordes previsíveis da Internacional (o histórico hino
socialista) e de canções revolucionárias. Depois, uma longa marcha, com
militares, trabalhadores, mulheres, intelectuais, estudantes, camponesesm com
suas faixas e bandeiras, além de modestas coreografias.
Mas a maior
emoção estava no rosto dos veteranos de guerra. Um deles era o coronel Nguyen
Van Bach, de 74 anos, cabelos inteiramente brancos. Nascido na província de Binh
Duong, no sul do país, integrou-se à luta armada em 1947, aos 11 anos. Ainda era
a época da guerra contra os franceses, que não aceitavam a independência
conquistada em 1945, sob a liderança do líder comunista Ho Chi Minh.
Van
Bach ainda combatia no final de abril de 1975. Fazia parte das tropas
guerrilheiras. Estava em um destacamento que já controlava a cidade de Tan An,
na província de Long An, localizada no delta do rio Mekong. Foi lá que soube da
queda de Saigon nas mãos de seus camaradas. “Tive uma alegria tão grande que
provocava lágrimas”, lembra-se. Ainda se emociona, como vários de seus amigos,
quando se recorda dessa data.
Afinal, no dia 30 de abril de 1975,
encerravam-se mais de 30 anos de guerra regular ininterrupta. Desde que fora
formado o primeiro pelotão da guerrilha comunista, em dezembro de 1944, sob o
comando de Vo Nguyen Giap, braço direito de Ho Chi Minh, os vietnamitas
enfrentaram sucessivamente invasores japoneses, franceses e norte-americanos.
Colonia francesa desde 1856, o Vietnã foi ocupado pelas tropas nipônicas
durante a Segunda Guerra Mundial. Os comunistas assumiram a linha de frente na
luta contra os soldados de Hiroito, aproveitando o colapso de Paris às voltas
com a ocupação nazista. Lideraram uma frente de várias correntes políticas,
denominada Vietminh, e declararam a independência do país depois da capitulação
japonesa, em agosto de 1945. No dia 2 de setembro do mesmo ano nascia a
República Democrática do Vietnã.
Guerra da Indochina
O
general De Gaulle, presidente da França, assim que viu derrotado o nazismo,
ordenou que suas tropas sufocassem os rebeldes vietnamitas. Foram oito anos de
sangrentos combates. Os homens de Ho Chi Minh e Giap organizaram uma poderosa
resistência guerrilheira, que progressivamente aterrorizou e desgastou os
franceses. Mais de 90 mil gauleses perderam a vida nos campos de batalha.
A estocada final contra os colonizadores foi em 1954. Ficou conhecida
como a batalha de Dien Bien Phu, uma região no noroeste do Vietnã, perto da
fronteira com o Laos. Os franceses imaginavam-se invulneráveis nessa posição
estratégica, da qual planejavam sua contra-ofensiva a partir de uma grande
concentração de recursos humanos e materiais. Mas o Vietminh, através de trilhas
na selva e túneis, foi cercando o local sem ser percebido.
Depois de
oito semanas, entre 13 de março e 7 de maio, as tropas do general Christian De
Castries estavam destruídas e desmoralizadas. Foi o derradeiro capítulo da
chamada Guerra da Indochina. Os franceses, derrotados, aceitaram as negociações
que levariam aos acordos de Genebra, em 1954. Pelos termos desse tratado, o
Vietnã ficaria provisoriamente dividido em dois, ao norte e ao sul do paralelo
17. Mas eleições gerais teriam lugar em 1956 para reunificar o país.
Quando se consolidaram as perspectivas de vitória eleitoral comunista,
os grupos conservadores chefiados pelo católico Ngo Dinh Diem deram um golpe de
Estado no sul e cancelaram as eleições. Os Estados Unidos, que já tinham sido os
principais financiadores das operações francesas, assumiram a defesa do regime
de Saigon. Forneceram, a princípio, recursos, armas e assessores militares.
Guerra do Vietnã
Os comunistas reagiram e lideraram, a partir
de 1960, um levante popular e guerrilheiro contra Diem, articulado pela Frente
de Libertação Nacional com o apoio do norte. Os norte-americanos, diante da
fragilidade de seus aliados, enviaram tropas para defendê-los. Era o início da
Guerra do Vietnã.
A participação direta dos Estados Unidos durou até
1973. Acabaram asfixiados e quebrados como os franceses. “A supremacia deles era
tecnológica”, recorda outro veterano, o general Do Xuan Cong, 72. “Mas o
armamento deles era para guerra à distância, com aviões, foguetes e bombas. Nós
reduzimos o espaço, forçamos o combate no quintal de suas tropas. As armas
modernas não tiveram serventia nem substituíram sua falta de moral para a luta”.
A casa começou a cair depois da chamada Ofensiva do Tet (o ano novo
vietnamita), em 1968, quando as forças guerrilheiras atacaram dezenas de
objetivos ao mesmo tempo, incluindo a própria embaixada norte-americana em
Saigon. A Casa Branca já tinha mais de 500 mil homens em combate. A sociedade
estrilava com as mortes, derrotas e mentiras.
Os EUA, durante os quatro
anos seguintes, despejaram uma quantidade de bombas superior a que foi empregada
em todas as batalhas da Segunda Guerra Mundial. No final de 1972 submeteram
Hanói a 12 dias e noites de terror. Utilizaram armas químicas para destruir a
capacidade alimentar dos vietnamitas e anular as forças guerrilheiras. Mas suas
tropas estavam cada vez mais tomadas pelo medo e incapazes de defender suas
posições territoriais.
Derrota norte-americana
Washington se
viu forçado às negociações de Paris, que levariam à retirada de seus soldados em
1973. O regime de Saigon ficou por sua própria conta. Não permaneceu de pé por
muito tempo. Em 1975, o Vietnã reconquistava sua unidade nacional e os
comunistas venciam a mais duradoura guerra do século 20.
Os mortos
vietnamitas, civis e militares, chegaram a três milhões, contra apenas 50 mil
“sobrinhos” do tio Sam. Dois milhões de cidadãos, incluindo filhos e netos da
geração do conflito, padecem de alguma deformação genética provocada pela
dioxina, subproduto cancerígeno presente no agente laranja, fartamente empregado
pelos norte-americanos. Além das perdas humanas, a economia do país foi quase
levada à idade de pedra, como preconizava o general norte-americano Curtis
LeMay.
Mas quem desfila a vitória, ainda assim, é o Vietnã. Os
norte-americanos foram ocupar o mesmo lugar na galeria de fotos que japoneses e
franceses, para não falar dos chineses: o de agressores colocados para correr.
“Nossa estratégia se baseou em uma ideia simples: a da guerra de todo o povo”,
enfatiza o general Cong. “Não havia um centímetro de nosso território no qual os
norte-americanos podiam ficar tranquilos. Eles perderam para o medo.”
Essas são águas passadas, porém. Das quais ficam lições, estímulos e
valores, é certo, além de grandes livros, fotos e filmes. Mas não resolvem os
desafios da paz. Os vietnamitas, nesses 35 anos, tiveram que cuidar de outro
problema, para o qual a guerrilha e seus inventos não eram solução. Como
alimentar e desenvolver uma nação tão pobre e destruída? Essa é a outra história
do Vietnã indomável.
Nos próximos dias (a partir de 30/4), Opera Mundi publica uma
série de reportagens especiais sobre como está o Vietnã e como vivem os
vietnamitas após 35 anos do fim da guerra.
(*) Breno Altman é
jornalista, diretor do site Opera Mundi (www.operamundi.com.br