NCeHu 81/10
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A política de desarmamento do
governo Obama
Ao contrário das aparências, em plena
crise econômica, o presidente Obama decidiu mudar o foco e dedicar-se à
consolidação do poder militar dos EUA em todo mundo, demonstrando plena
consciência de que este poder militar é indispensável à reconstrução da economia
norteamericana e da própria liderança mundial do dólar. Deste ponto de vista, o
que Obama está propondo, de fato, é uma espécie de congelamento da atual
hierarquia do poder militar mundial, com a manutenção do direito e da obrigação
americana de aumentar continuamente os seus próprios arsenais. O artigo é de
José Luis Fiori.
José Luis
Fiori
www.cartamaior.com.br
1/5/10
“America´s interests and role in the world
require armed forces with unmatched capabilities and a willingness on the part
of the nation to employ them in defense of our interests and the common good.
The United States remains the only nation able to protect and sustain
large-scale operations over extended distances. This unique position generates
an obligation to be responsible stewards of the power and the influence that
history, determination and circumstance have provided”
(Department of
Defense, USA, Quadrennial Defense Review Report, February
2010)
Depois de quinze meses de discursos e indecisões, o presidente
Barak Obama conseguiu transformar em fatos, o que deseja ser a marca de sua
política externa, voltada para o desarmamento e o controle nuclear. No inicio do
mês de abril, Obama redefiniu a estratégia nuclear dos Estados Unidos,
prometendo não utilizar mais armas atômicas contra países que não as possuam, e
que assinem e cumpram com o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Logo em
seguida, no dia 8 de abril, Barak Obama, assinou - em Praga - um acordo com o
presidente russo Dmitry Mevedev, com o objetivo de reduzir o arsenal nuclear
duas maiores potências atômicas do mundo. E quatro dias depois, Barak Obama
liderou a reunião da Cúpula de Segurança Nuclear, reunindo em Washington, 47
chefes de Estado, para discutir a sua própria proposta de controle da
proliferação nuclear, ao redor do mundo. Com vistas à reunião qüinqüenal de
reexame do Tratado de Não Proliferação Nuclear, que se realizará no próximo mês
de maio, na cidade de New York, com a participação dos 189 estados assinantes do
TNP.
Até aqui, a retórica e a encenação foram perfeitas, mas os limites
e contradições desta nova proposta de desarmamento do presidente Obama, são
muito visíveis. Em primeiro lugar, o que ele chamou de “nova estratégia nuclear
americana”, não passa de uma decisão e de um compromisso verbal que pode ser
revertido e abandonado em qualquer momento, dependendo das circunstâncias e de
uma decisão arbitrária dos próprios EUA. Em segundo lugar, o acordo entre os
presidentes Obama e Mevedev, envolve uma redução insignificante e quase só
simbólica, dos seus arsenais atômicos, permitindo ao mesmo tempo, a substituição
e modernização das cabeças nucleares dos vetores já existentes.
Além
disto, o novo acordo de desarmamento não incluiu nenhuma discussão a respeito do
aumento exponencial dos gastos militares norte-americanos nos últimos anos, nem
a respeito do aperfeiçoamento dos novos vetores X 51 da Boeing, com capacidade
nuclear e que entrarão em ação em 30 meses, sendo capazes de alcançar qualquer
pais do mundo, em menos de uma hora. Nem tampouco se falou dos novos submarinos
russos Yassen, que tem capacidade de transportar 24 mísseis a bordo, cada um com
seis bombas atômicas. Em terceiro lugar, em nenhum momento e em nenhuma destas
reuniões se mencionou o armamento atômico da OTAN, localizado secretamente, na
Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Turquia. Nem muito menos se incluiu na
discussão os arsenais atômicos de Israel e Paquistão, que estão hoje sob o
controle de governos com forte presença de forças fundamentalistas e belicistas,
e que atuam sob a batuta dos próprios norte-americanos.
Por fim, é
lógico que não aparece, em nenhum momento, nesta agenda pacifista de Barak
Obama, o aprofundamento recente da Guerra do Afeganistão, e os preparativos dos
Estados Unidos e de Israel, para um ataque arrasador contra o Irã, que é um país
que não possui armamento atômico, e que assinou o Tratado de Não Proliferação,
ao contrário de Israel.
Estas contradições não são novas nem
surpreendentes, fazem parte da política externa dos Estados Unidos, desde o fim
da Guerra Fria. O importante, neste caso, é que os demais países envolvidos
entendam e assimilem a lição, e saibam se posicionar em função dos seus próprios
interesses. Os Estados Unidos são um “poder global”, e os “interesses nacionais”
de um poder global envolvem posições a defender em todo mundo, o que diminuiu
muito sua capacidade de sustentar princípios e valores universais. Por isto,
depois do fracasso do fundamentalismo quase religioso do governo Bush, o
presidente Obama vem surpreendendo alguns analistas com o realismo pragmático e
relativista de sua política externa. Mas o seu objetivo central segue sendo o
mesmo, ou seja, a primazia mundial dos Estados Unidos. Além disto, ao contrário
das aparências, em plena crise econômica, Barak Obama decidiu mudar o foco e
dedicar-se à consolidação do poder militar americano em todo mundo, sem grandes
preocupações com diretos humanos ou com a difusão da democracia, e demonstrando
plena consciência de que este poder militar é indispensável à reconstrução da
economia americana e da própria liderança mundial do dólar. Deste ponto de
vista, o que o presidente Obama está propondo, de fato, é uma espécie de
congelamento da atual hierarquia do poder militar mundial, com a manutenção do
direito e da obrigação americana de aumentar continuamente os seus próprios
arsenais.
Os reveses econômicos e militares dos Estados Unidos, na
primeira década do século XXI, atingiram o projeto de poder global dos EUA, mas
ele não foi abandonado. Hoje, está em curso um realinhamento interno de forças
dentro do establishment americano - como ocorreu na década de 70 - e desta luta
interna poderá surgir uma nova estratégia internacional, como aconteceu nos anos
80, com o governo Reagan. Mas estes processos de realinhamento costumam ser
lentos e seus resultados dependerão da própria luta interna, e dos
desdobramentos dos conflitos externos em que os Estados Unidos estão
envolvidos.
De qualquer maneira, o que é importante compreender é que
seja qual for o resultado desta disputa interna, os EUA não abdicarão
voluntariamente do poder global que já conquistaram e não renunciarão à sua
expansão futura. A política externa das potências globais tem uma lógica
própria, e por isto mesmo, com ou sem política de desarmamento, os EUA deverão
seguir aumentando sua capacidade militar de forma contínua, e numa velocidade
que deverá crescer nos próximos anos, na medida em que se aproxime a hora da
ultrapassagem da economia americana, pela economia chinesa.