por Rafael Marques Gobbo (geógrafo)
Resumo
O
presente artigo tem como objetivo expor um panorama do histórico da urbanização
brasileira, juntamente com a formação de áreas periféricas sem infraestrutura
adequada, como as favelas, nos grandes centros urbanos do Brasil, enfocando
principalmente a política habitacional do governo Como consequência desse
processo expansivo e crescente nas últimas décadas, principalmente entre
1940
a 1960, muitas
políticas para o desenvolvimento de moradias para a classe de baixa renda foram
aplicadas no contexto brasileiro. Conclui-se, portanto, que a intervenção do
Estado faz-se necessária para a manutenção e propagação da pobreza
planejada nessa sociedade do consumo, incentivando assim, o mercado
imobiliário especulativo.
Abstract
The present article aims to expound a panorama the history of
Brazilian urbanization, along with the formation of peripherical areas with no
adequate infrastructure, such as slums, in the big urban centers of
Brazil. As a consequence of this
expansive and growing process on the last decades, specially between 1940 and
1960, many policies for the development of low-income class habitations were
applied in the Brazilian context. It is concluded, therefore, that State
intervention is necessary for the maintenance and propagation of planned
poverty in this consumer society, thus stimulating the speculative real
state market.
Introdução
A
urbanização, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, acontece
de forma desordenada, com muita rapidez e intensidade. Um dos fatores dessa
situação é o aumento populacional nos centros urbanos, ocasionado,
principalmente, pelo êxodo rural, ou seja, o deslocamento populacional do campo
para a cidade. A característica desse processo acaba por trazer grandes
complicações sociais na produção do espaço urbano.
No
Brasil o processo de adensamento urbano, ocorreu principalmente nas décadas de
1960 a
1980. As pessoas cada vez mais atraídas por empregos no setor industrial, de
comércio e serviços, e por equipamentos de infraestrutura básica existentes nos
centros urbanos, migram para as cidades, causando um aumento brusco na
concentração urbana.
A
questão da moradia relaciona-se a problemas econômicos, como geração e
distribuição de renda; no caso específico da oferta de trabalho, tem-se que esta
cresce mais que a demanda, não raras vezes negativa, ocasionando o aumento da
taxa de desemprego. Há também o problema de especulação imobiliária que torna a
terra urbana um bem pouco acessível para a população, notadamente de baixa
renda, uma vez que esses processos especulativos fazem com que o preço da terra
se eleve.
A
ausência de intervenção por parte do poder público em relação às questões
urbanas, entre elas a moradia, acaba acarretando a ocupação ilegal de áreas, e o
surgimento de favelas e dos loteamentos clandestinos no perímetro urbano. A
ocupação ilegal torna-se uma característica da periferia das cidades
brasileiras, que, quando se expande, significa maior degradação nas condições de
vida da população.
No
início do século XX, as cidades mais importantes da região Sudeste, Rio de
Janeiro (capital da República) e São Paulo sofriam o impacto da expansão da
economia cafeeira e da incipiente industrialização.
A urbanização é simultaneamente um resultado e
uma combinação do processo de difusão do capital. Este destrói autarquias
regionais ao penetrá-las e provoca uma especialização especulativa de acelerar
as operações monetárias, as quais crescem em consequência das necessidades do
capital (Santos, 2003 p. 23)
Para
Santos (2005), uma comparação entre os elementos díspares da nova ideologia
urbana e da nova ideologia rural aponta uma urbanização mais intensa e uma
pobreza mais aguda no Brasil no início do século XX.
Na
década de 1940 o Brasil apresentava-se com apenas 31,2% de população urbana. Nos
anos seguintes a taxa referente ao processo de urbanização aumentou
consideravelmente, principalmente a partir da década de 1970; no ano de 2000,
segundo o último censo, o grau de urbanização passava de 81%. (BRITO,
et al, 2001)
Segundo
Maricato (1999), as mudanças políticas havidas na década de 1930, com a
regulamentação do trabalho urbano (não extensiva ao campo), incentivo à
industrialização, construção da infraestrutura industrial, entre outras medidas,
reforçaram o movimento migratório campo-cidade, consequentemente o processo de
urbanização. Porém Sposito, apud, Reschilian (2004) ressalta a diferença
do contexto europeu no processo da urbanização brasileira, pois não se pode
associar a industrialização ao processo da urbanização brasileira, e sim
analisar a integração econômica capitalista como a dominação imperialista,
dominação colonial, etc.
Para
Brito, et al, (2001) foi a partir dos anos 1930 e 1940 que a urbanização
se incorporou às profundas transformações estruturais pelas quais passavam a
sociedade e a economia brasileira. Assume, de fato, uma dimensão estrutural: não
é só o território que acelera o seu processo de urbanização, mas a própria
sociedade brasileira se torna cada vez mais urbana. Este “grande ciclo de
expansão da urbanização”, que se iniciava, coincidia com o “grande ciclo de
expansão das migrações internas”. As migrações internas faziam o elo maior entre
as mudanças estruturais pelas quais passavam a sociedade e a economia brasileira
e a aceleração do processo de urbanização.
De
acordo com Santos (2005), no caso brasileiro, semelhante a alguns outros países
em desenvolvimento, foi a velocidade do processo de urbanização, muito superior
à dos países capitalistas mais avançados, que causou mudanças estruturais
socioeconômicas no país.
O
desenvolvimento da economia ampliou os desequilíbrios regionais, inclusive entre
o campo e a cidade, que não conseguia gerar o número de empregos que atendesse
ao crescimento da sua força de trabalho. As migrações internas redistribuíam a
população do campo para as cidades, principalmente, para as regiões
metropolitanas do Sudeste, São Paulo em particular. (SANTOS, 2005)
A sociedade brasileira em peso embriagou-se,
desde os tempos da abolição e da república velha, com as idealizações sobre
progresso e modernização. A salvação parecia estar nas cidades, onde o futuro já
havia chegado. Então era só vir para elas e desfrutar de fantasias como emprego
pleno, assistência social providenciada pelo Estado, lazer, novas oportunidades
para os filhos... Não aconteceu nada disso, é claro, e, aos poucos, os sonhos
viraram pesadelos. (Santos, 2005, p. 20)
A segregação socioespacial, a localização e a
concentração dos investimentos públicos sobre o espaço urbano contribuíram para
produzir a cara das cidades brasileiras. De acordo
com Scarlato (2003), a formação das cidades brasileiras foi suprimida pela
demanda constante dos espaços urbano, ativa pela especulação imobiliária. A
especulação tende a expandir as periferias horizontalmente e verticalizar áreas
centrais. Como acontece nas metrópoles do Terceiro Mundo, o gigantismo deteriora
as habitações, torna precário os serviços urbanos, desde os transportes até a
segurança, e gera outros problemas.
2.
Áreas periféricas
Segundo
Kowarick (1979, p. 31) áreas periféricas são “aglomerados urbanos distantes dos
centros, clandestinos ou não, carentes de infraestrutura, onde passa a residir
crescente quantidade de mão-de-obra necessária para girar a maquinaria
econômica”.
Para
Maricato (1999), o processo de urbanização atrelado ao processo de
industrialização, implica que as empresas, fábricas e indústrias que surjam
tenham a necessidade de outras que com elas interajam, no sentido de parceria
para compra/venda de matéria-prima e equipamentos, necessitando infraestrutura
urbana (esgoto, água encanada, rede elétrica), vias de transporte para
escoamento da produção e de comunicação. Todos esses fatores fazem com que a
terra ao redor das indústrias sejam valorizadas, isso faz com que a população de
baixa renda seja expulsa para áreas mais distantes, de preço baixo, onde há
precários ou nenhum serviço urbano.
As
literaturas sociológica e urbana dos anos 1970 caracterizaram as periferias
metropolitanas brasileiras pela completa ausência do Estado, exceto pelos
empreendimentos habitacionais massificados implantados a partir do final dos
anos 1960. Nossos espaços metropolitanos se caracterizariam por um gradiente
decrescente de condições de vida, inserção no mercado de trabalho e acesso à
renda do centro para as periferias. Os espaços periféricos seriam os mais
distantes e de menor renda diferencial, ocupados pela população de mais baixa
renda e inserida de forma mais precária no mercado de trabalho (KOWARICK,
1979)
Segundo
Ferreira (2000), a concentração da especulação imobiliária, juntamente com as
pressões políticas, levou à periferia um processo de ocupação caracterizado por
uma população de raízes e interesses rurais. As periferias têm sido uma das
causas do crescimento caótico das cidades, pois essas áreas estão cada vez mais
longíquas dos centros de emprego e, ao mesmo tempo, geram um padrão de
sedimentação habitacional rarefeito e descontínuo. (KOWARICK,
1979)
A
localização da população trabalhadora no espaço urbano determina sua exclusão
nos benefícios dos serviços urbanos, pois habitação, mais do que espaço físico
privado de moradia, é também o espaço público dos serviços básicos que deveriam
haver no entorno para garantir a inserção da população na sociedade
.
Para
Reschilian (2004), os padrões de consumo estabelecidos, ainda que inatingíveis
para a maioria da população, mobilizam a sociedade a um consumo predatório,
constroem uma imagem simbólica da cidade, que nega muitas vezes o espaço público
ou comunitário, induzindo ao processo de degradação de áreas de mananciais e
ocupações de áreas impróprias para moradia.
A
expansão urbana se apóia numa sociedade com uma distribuição de renda bastante
desigual, tendo como resultado a concentração de renda e população nas grandes
cidades, surgindo uma estrutura social urbana fragmentada e segregada
espacialmente, com a generalização das periferias urbanas, principalmente, mas
não só, nos grandes centros urbanos. (CAIADO, 1997)
Milton
Santos (2003) considera como pobres aqueles que vivem nas cidades mas que não
possuem condições de consumir. Esses, ao depararem-se com essa impossibilidade
de consumo, sentem-se excluídos, é quase que um sentimento psicossocial de
exclusão. O que fica claro é que os sentidos de exclusão podem ser múltiplos e a
população, pobre ou não, possui vários anseios, até porque estamos lidando com o
espaço urbano como aquele lugar de consumo, produção e construção.
(SANTOS, 2003)
No
espaço urbano nas últimas décadas o número de pobres vem aumentando
consideravelmente, apesar do grande número de políticas públicas no Brasil.
Segundo Matias (2004), o que diferencia o cidadão incluído, pode se dizer
privilegiado, de outro excluído e desprivilegiado, é o acesso à renda e a
serviços básicos de manutenção da vida urbana.
Para
Maricato (2003) a extensão das periferias urbanas tem sua expressão mais
concreta na segregação espacial ou ambiental configurando imensas regiões nas
quais a pobreza é homogeneamente disseminada.
De acordo com Castro (2001), este processo propiciou
consecutivamente a formação de estoques de vazios urbanos para valorização. Foi
através deste processo de construção massiva na periferia que se deram os
elevados ganhos imobiliários nas faixas de média e alta renda. Uma vez
construídos esses grandes conjuntos e implantados serviços de infra e
supraestrutura, os terrenos vazios se valorizavam e os ganhos para o mercado
imobiliário eram evidentes. Este processo periférico de construção foi altamente
estimulado pelos especuladores fundiários.
Penna (2002) descreve que as moradias
periféricas no Brasil espalham-se no tecido urbano, criando um ambiente
dissociado, produzindo a degradação ambiental, porque representam a ruptura e a
cissão entre o habitar e o habitante, que possuíam uma unidade e uma
simultaneidade que foi substituída por uma rede de malhas
desiguais.
De
acordo com Corrêa (2002), a área residencial de baixo status social, a zona
periférica, do centro, apresenta um amplo setor residencial caracterizado por
residências populares e de baixa classe média, muitas delas deterioradas, como
cortiços, onde reside parcela da população que trabalha na área, possui por isso
comércio varejista e serviços para esta população.
A periferia como fórmula de reproduzir nas
cidades a força de trabalho é consequência direta do tipo de desenvolvimento
econômico que se processou na sociedade brasileira (KOWARICK, 1979, p.
41)
Portanto,
Caiado (1997) descreve que as legislações urbanas, a política habitacional e a
oferta pública de infraestrutura e serviços urbanos revelam o quanto o Estado
assume o papel de promotor da segregação e da exclusão da população aos direitos
à cidade legal.
Segundo
Reschilian (2004), a favela constitui uma definição oficial com uma série de
condições que qualificam os espaços: regularidade judicial da propriedade,
condições de habitação e o fornecimento de serviços públicos básicos como
saneamento, transporte e educação.
O Censo
IBGE, 2000, define o termo favela como conceito de “aglomerado subnormal —
conjunto (favelas e assemelhados) constituído por unidades habitacionais
(barracos, casas, etc.), ocupando, ou tendo ocupado até período recente, terreno
de propriedade alheia (pública ou particular), disposta em geral, de forma
desordenada e densa, e carente, em sua maioria, de serviços públicos
essenciais”.
De
Acordo com estudos do IPEA (2006), a característica do espaço das favelas é o
loteamento anárquico e a frequente geminação das construções. Assim, muitas
favelas são formadas por vielas estreitas e desordenadas e, normalmente, as
habitações apresentam graves problemas de ventilação e iluminação.
[...] ausência de direitos é
que irá determinar em grande parte o estigma que acompanha as áreas ocupadas por
favelas. Ela implica em uma exclusão ambiental e urbana isto é, são áreas mal
servidas pela infraestrutura e serviços urbanos (água, esgoto, coleta de lixo,
drenagem, iluminação pública, varrição, transporte, telefonia, etc). Mas a
exclusão não se refere apenas ao território, seus moradores são objeto de
preconceito e rejeição [...]. (MARICATO, 1999)
Pelo
documento World Urban Forum, Cities Without Slums, de 2002, em
Nairóbi a ONU (Organizações das Nações Unidas) define como “slums” as áreas
alheias que, geralmente, localizam-se na periferia das grandes cidades. As
condições passam a ser precárias, caracterizadas por cômodos pequenos e número
elevado de pessoas por unidade habitacional. Esse tipo de caracterização
apresenta-se, principalmente, nas cidades de modelos
industriais.
Maricato
(1999) alega existirem favelas razoavelmente estruturadas do ponto de vista
residencial e providas de serviços públicos, mas favelas mesmo assim. Para ela,
o status de propriedade da terra — sendo a favela caracterizada como sendo uma
invasão coletiva de terra pública ou privada — é que definiria o
fenômeno.
[...] é preciso salientar que, tanto do ponto de
vista da conformação espacial quanto pela visibilidade no espaço urbano que as
identificam como tal, as favelas não podem ser entendidas como um universo
homogêneo, seja pela tipologia, seja como forma de constituição, seja como
desenvolvimento de estratégias de reprodução. Isto porque constitui-se na
história de determinados processos urbanos, e suas transformações podem indicar
aspectos de mobilidade no território e de permanência, já que o contexto
regional se altera e estas formas de assentamentos passam a ter diferentes
representações para seus moradores e para a sociedade da cidade em que as
favelas se inserem. (RESCHILIAN, p.65, 2004)
Segundo
Corrêa (2002), é na produção das favelas, em terrenos públicos ou privados
invadidos, que os grupos sociais excluídos tornam-se efetivamente agentes
modeladores, produzindo seu próprio espaço, na maioria dos casos
independentemente e a despeito de outros agentes.
A crescente pobreza da população e o custo dos
serviços de infraestrutura tornam as condições habitacionais precárias. Este
fenômeno reflete-se no aumento de favelas nas principais cidades brasileiras.
Conforme Silva (1997) as estatísticas oficiais não
conseguem quantificar com precisão as formas irregulares de provisão
habitacional, representadas pelos loteamentos clandestinos, favelas, construções
irregulares e cortiços no Brasil. Essa parte da cidade, invisível nos cadernos
imobiliários e apenas perceptível nos cadastros municipais, só pode ser
dimensionada pela combinação de vários tipos de
informações.
As questões referentes a qualidade e a quantidade de
moradia para a população de baixa renda no Brasil se agravaram pouco tempo
depois da abolição da escravatura e da proclamação da república, quando a cidade
passou a ser o principal centro da atividade econômica.
Conforme
Silva (1989), até 1937
a intervenção do Estado na questão habitacional foi de
cunho sanitarista, cuja preocupação se dava em torno das condições de higiene da
cidade, pois como os trabalhadores viviam próximos à classe dominante, esta
exigia o saneamento da cidade, já que os cortiços — onde residiam os
trabalhadores — eram focos de epidemias e representavam um perigo para a saúde
pública.
Para
Silva (1989), a partir de 1937, com o desenvolvimento econômico se dava o
agravamento das condições habitacionais no meio urbano devido à migração da
população rural para as cidades. Com a instituição da Lei do Inquilinato em 1942
por Getúlio Vargas, regulamentando normas e valores para a locação residencial,
houve um estimulo à construção de casas para venda, que não eram acessíveis aos
trabalhadores de menor poder aquisitivo e estes foram obrigados a recorrer à
autoconstrução e à favela.
Para Camargo (1992), o crescimento dos moradores que
são obrigados a forjar suas condições de vida também pode ser vislumbrado
através do crescimento vertiginoso dos cortiços, do início de crescimento dos
moradores de rua e moradores de baixo de pontes. Isso sem contar, é claro, os
moradores em loteamentos ilegais ou as novas modalidades que poderão
surgir.
Não
basta dizer sobre a existência ou a limitação das políticas públicas, cabe
delinear suas especificidades: organizar um censo sobre a demanda habitacional
local — municipal ou estadual, diretrizes de atuação para suprir as necessidades
habitacionais averiguadas, modos de regulação, fontes de recursos, política de
financiamento, formas de participação da sociedade, tipos de programas e a
política fundiária, entre outros. (CAMARAGO, 1992)
Com a
problematização do crescimento urbano, a partir da década de 1960, nota-se uma
maior preocupação para a área da habitação de interesse social no Brasil, pois
no período anterior havia uma certa permissividade gerando aumento de favelas em
regiões centrais de varias cidades.
De
acordo com Camargo (1992), em 1964 foi criado o BNH (Banco Nacional da
Habitação), tendo como objetivo ostensivo a construção de moradias para a
população de baixa renda. Este banco contou com recursos do FGTS (Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço), bem como recursos voluntários provenientes das
cadernetas de poupança. Contudo, os recursos foram, sobretudo, destinados às
classes mais elevadas da sociedade, e também as obras de infraestrutura e
saneamento. Durante o período de vigência do BNH e do SFH (Sistema Financeiro de
Habitação), promoveu-se o financiamento de aproximadamente 4,5 milhões de
moradias, de 1964
a 1985. Nos anos de 1960 o principal agente do SFH era o
BNH, cujas principais fontes de recursos para a habitação eram provenientes das
reservas do FGTS e das cadernetas de poupança.
Segundo
Santos (1999), a crise econômica dos anos 1980 acabou por implodir o sistema do
BNH. Em 1986, ele foi fechado e seus contratos e fundos foram transferidos para
a CEF (Caixa Econômica Federal). A recessão econômica praticamente paralisou o
setor, sendo fechadas, por resolução do Banco Central, todas as possibilidades
de novos financiamentos para setores populares.
Nos
anos de 1989
a 1991, governo Fernando Collor, foram investidos recursos
em diferentes programas para o desenvolvimento de moradias designadas a pessoas
de baixa renda, porém, utilizou-se os mesmos mecanismos de financiamento do
extinto BNH, o FGTS junto à CEF. Nessa época nas cidades brasileiras até 40% da
população utilizava-se dos recursos oficiais pra financiamento de moradias.
(SANTOS, 1999)
Segundo
Silva (1997), a baixa qualidade da construção popular verificada nas habitações
populares realizadas no período Collor revela claramente que a produção
habitacional para trabalhadores deixou de interessar às empresas emprenteiras, a
não ser como bem de consumo para seus empregados e, neste sentido, quanto mais
barato fosse, melhor.
A
posição oficial do governo brasileiro, Itamar Franco (1991 a 1994) e
em seguida
Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2001), acerca da questão
habitacional está explicitada nos documentos Política Nacional de Habitação
(1996) e Política de Habitação: Ações do Governo Federal de Jan./95 a Jun./98
(1998), da Secretaria de Política Urbana do Ministério do Planejamento e
Orçamento do Brasil que, desde 1995, é o órgão federal responsável pelo
tratamento da questão urbana. (SILVA, 1997)
Segundo
Santos (1999), os dois principais programas federais na área — Pró-Moradia e
Habitar-Brasil — investiram, em conjunto, cerca de dois bilhões de dólares no
período 1995-1998. Enquanto o Habitar-Brasil era financiado com recursos do
Orçamento Geral da União (OGU), o Pró-Moradia era financiado por um fundo gerado
a partir de contribuições mensais compulsórias dos trabalhadores empregados no
setor formal da economia, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS).
De
acordo com o IBAM (2005), pela Lei 11.124/2005, o governo Luis Inácio Lula da
Silva promulgou as novas diretrizes a serem dotadas para a moradia popular no
Brasil. Neste período criou-se o FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social) sobre a gerência do SNHIS (Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social) a fim de atender aos interesses das populações de baixa
renda
Nas
diretrizes da lei seguem as aplicações do recurso nas esferas federal, estaduais
e municipais.
Segundo
estudos do IBAM (2005), os municípios foram responsáveis pela maior aplicação
dos recursos destinados à habitação, apresentando taxas percentuais maiores do
que a União e o Estado. O poder público tem que atuar de forma decisiva nas
questões habitacionais, porém este tipo de ação ainda está tímida. Os municípios
aplicam em média 0,83% da receita orçamentária, enquanto na esfera federal esse
percentual é de 0,27%.
Portanto,
Santos (1999) descreve que, após o término do BNH, e com a transferência da
gestão do FGTS pela Caixa Econômica Federal, cuja arrecadação entrou em declínio
nos anos 1980 por conta da crise econômica, não apareceu no país nenhum novo
projeto consistente e duradouro de política habitacional, sejam eles no período
de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco ou Fernando Henrique Cardoso. Desde
então, o país ficou mergulhado num processo de desarticulação institucional para
reger a política habitacional.
Conclusão
Os diferentes atores que constroem o
espaço urbano em seu interior e o papel do Estado diante este cenário,
repercutem nas descontinuidades da cidade planejada. O processo de urbanização e
de modernização imposto pelo sistema capitalista conduz o espaço urbano a uma
nova forma de pobreza, a pobreza planejada, ou seja, o Estado investe em
infraestrutura mantendo as taxas de desigualdade e acumulação de renda,
mascarando a pobreza existente nas áreas periféricas.(SANTOS,
2005)
As políticas públicas urbanas refletem esse princípio de disfarce da
pobreza para sustentar todo o sistema da sociedade de consumo. O planejamento e
ordenamento territorial é uma forma de favorecimento do mercado imobiliário e
especulativo, atendendo somente a interesses da elite econômica
dominante.
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