DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO TURISMO: Uma Reflexão sobre essa
Possibilidade no Espaço Litorâneo
SUSTAINABLE DEVELOPMENT IN TOURISM: A
Reflection about this Possibility in the Coastal Space
Elias Júnior Câmara Gomes Sales
Resumo
Este trabalho, guiado por pressupostos do pensamento geográfico,
objetiva refletir sobre a possibilidade de se trabalhar o conceito de
desenvolvimento sustentável na ótica do turismo no espaço litorâneo. Discutirá o
processo de expansão do turismo no litoral e suas implicações, pois se trata de
atividade contemporânea, a qual é percebida como consumidora de espaços e
atrelada ao capital. Essa análise busca identificar alternativas para o
desenvolvimento da atividade turística, para que a mesma possa acarretar em mais
benefícios para os sujeitos sociais envolvidos em tal prática e como esse
processo deve ser compreendido.
Palavras-chave: Turismo, desenvolvimento sustentável, espaço e
sociedade.
Abstract
This work, guided by assumptions of the geographical thinking,
aims to reflect about the possibility of working the concept of sustainable
development in the perspective of tourism in the coastal space. It will discuss
the tourism expanding process in the coast and its implications, since this is a
contemporary activity, which is perceived as a consumer of space and it is tied
to the capital. This analysis tries to identify alternatives for the development
of the tourist activity so that it can lead to more benefits to the social
subjects involved in this practice and how this process should be
understood.
Key-words: Tourism, sustainable development, space and
society.
Introdução
O estudo da atividade turística é, na maioria das
vezes, analisado apenas do ponto de vista das concepções desenvolvimentistas, e,
atualmente, tem-se avaliado as diversas linhas do pensamento ecológico, que
determinam o turismo como um exemplo perspicaz para o crescimento de uma dada
localidade. Isso se deve ao fato de seus supostos limitados impactos sobre o
meio ambiente e à sua capacidade de preservação da natureza (OURIQUES,
2007).
Perante as desigualdades regionais observadas no
Brasil, “em muitas localidades brasileiras o turismo acaba se tornando o objeto
de desejo, disseminado socialmente por poderosos mecanismos ideológicos,
notadamente os meios de comunicação” (OURIQUES, 2007, p.1). Tal disseminação, a
princípio, é promovida tanto pelo meio político quanto pelo meio empresarial. Em
um estágio mais avançado, quando a ideologia do desenvolvimento turístico está
consumada, toda a população local começa a acreditar que o turismo é uma
atividade somente benéfica. O que se observa é a utilização do discurso em torno
do turismo para promover o desenvolvimento econômico e social de comunidades
locais, as quais começam investir suas esperanças no turismo, objetivando a
inserção do local num contexto de prosperidade onde todos ganham com tal
atividade.
No entanto, o turismo “é atividade produtiva moderna
que reproduz a organização desigual e combinada dos territórios, sendo absorvido
com maneiras diferenciadas pelas culturas e modos de produção locais”
(CORIOLANO, 2007, p.1). Diante da dinâmica capitalista dominante no mundo atual,
é notório que o turismo se enquadrou nessa nova ordem, e acabou se convertendo
em mais uma ferramenta para a acumulação do capital. Dessa forma é comum
encontrar vários exemplos, dentro da perspectiva turística, que visam atender as
necessidades dos grandes investidores internacionais, e até mesmo, de elites
locais, tornando menos acessível à população local os prováveis benefícios que a
atividade proporciona.
Tendo em vista que os litorais se destacam pelo
interesse que despertam às políticas de turismo (VASCONCELOS, 2003), fez-se um
estudo sobre comunidades costeiras frente à expansão da atividade turística. O
presente trabalho pretende abordar a problemática socioespacial envolvida no
processo de desenvolvimento do turismo no espaço litorâneo, porém não tem a
intenção de esgotar tal assunto. Utiliza-se o termo
problemática por acreditar que
se trata de
“uso destrutivo do território sendo
contraditória com o consumo de território que
é proposto pela atividade” (RODRIGUES, 1999,
p.55).
No entanto, uma possibilidade vem sendo discutida como
forma de amenizar os efeitos negativos do turismo e ao mesmo tempo, através do
planejamento, potencializar os positivos. Nessa perspectiva, o desenvolvimento
sustentável surge como uma alternativa para fortalecer o turismo, sendo que
pretende satisfazer as necessidades atuais sem comprometer as gerações futuras,
promovendo uma maior integração entre a atividade turística e sociedade
local.
Para a realização deste trabalho, foi utilizado como
metodologia uma análise de caráter qualitativo. Foram feitas revisões
bibliográficas e documentais para se estabelecer um arcabouço teórico e realizar
uma reflexão sobre o uso do conceito de desenvolvimento sustentável e como esse
pode ser aplicado ao turismo.
Para sistematizar o assunto abordado, primeiramente se
fará algumas considerações a respeito do sistema capitalista e sua interface com
o turismo e como esse é capaz de interferir na composição do espaço.
Posteriormente, será abordada a questão do turismo no espaço litorâneo,
revelando sua utilização por essa atividade, tendo em vista que esse processo
implica em mudanças na realidade de diversas comunidades costeiras. Para
encerrar o presente trabalho, se fará considerações a respeito do
desenvolvimento sustentável e como esse pode se aplicado ao
turismo.
Turismo Enquanto Atividade do Capitalismo
Contemporâneo
O modelo econômico adotado pela sociedade
contemporânea, o qual se define como capitalismo, foi, e ainda continua sendo
capaz de transformar a composição do espaço e as dinâmicas sociais. A atividade
capitalista modificou as estruturas do trabalho e da produção, principalmente
quando comparado à economia “semi-estática da idade média” (BURNS, 1974, p.661).
Essas modificações nas bases socioespaciais são percebidas principalmente após
algumas revoluções. Dessa forma, se destacam as Revoluções Comercial e
Industrial e suas implicações para o fortalecimento do capitalismo.
É recorrente que a sociedade não é estática e está
sujeita às alterações em sua composição socioespacial. Ao se defrontar com
revoluções, como a Comercial e Industrial, ela tem seus hábitos e bases
modificadas de acordo com o movimento em questão.
O capitalismo, concebido a partir dessas revoluções, é
responsável por mudanças estruturais nas sociedades e segundo Konder (1990,
p.29), “uma primeira causa dessa deformação monstruosa se encontra na divisão
social do trabalho, na apropriação privada das fontes de produção, no
aparecimento das classes sociais”.
Dentre as diversas facetas do capitalismo
destaca-se a facilidade de como o mesmo consegue se apropriar das fontes de
produção e dos espaços e a forma que seleciona esses para reprodução do
capital.
Harvey retrata em seus estudos um esboço das teorias de
Marx para a elaboração de uma argumentação sobre a acumulação em uma escala
geográfica. Segundo o autor, “o capital – Marx nunca cansa de enfatizar – não é
uma coisa ou um conjunto de instituições; o capital é um processo de circulação
entre produção e realização”. (HARVEY, 2005, p.73). Ainda de acordo com o mesmo
autor
Esse processo deve se expandir, acumular,
reformar constantemente o processo de trabalho e os relacionamentos sociais na
produção, assim como mudar constantemente as dimensões e as formas de
circulação. Marx ajuda a entender esses processos teoricamente. No entanto, no
fim, temos de fazer essa teoria se relacionar com situações existentes na
estrutura das relações sociais capitalistas desse momento da história (HARVEY,
2005, p.73).
Observando os aspetos sociais do capitalismo no
momento atual, é notável que o processo o qual esse sistema se insere impacta
nas relações sociais de produção e em suas formas de circulação. Essa circulação
do capital acaba por influenciar a composição do espaço e ainda os seleciona
para sua reprodução, modificando assim as estruturas espaciais de acordo com as
necessidades advindas da lógica capitalista.
Compreende-se dessa forma as tendências da expansão do
capitalismo o qual produz
um sistema de exploração geral das qualidades
naturais e humanas [...] Por isso, a grande influência civilizadora do capital;
sua produção de um estágio da sociedade em comparação ao qual todos os estágios
anteriores parecem como meros desenvolvimentos locais da humanidade e como mera
idolatria da natureza. Pela primeira vez, a natureza se tornou objeto para a
humanidade, simplesmente uma matéria de utilidade [...] De acordo com essa
tendência, o capital se impulsiona além das barreiras nacionais, e prejudica a
adoração da natureza, assim como todas satisfações tradicionais, limitadas,
incrustadas das necessidades ao alcance , e as reproduções dos antigos estilos
de vida. É destrutivo em relação a tudo isso, e, constantemente, revoluciona
tudo isso, derrubando todas as barreiras que cercam o desenvolvimento das forças
de produção, a expansão das necessidades, o desenvolvimento multifacetado da
produção, e a exploração e a troca da forças naturais e mentais [...] (Marx apud
Harvey, 2005, p.72).
Harvey, utilizando as palavras de Marx, faz uma
referência à questão da acumulação do capital e como essa é destrutiva em
relação ao apropriamento e reprodução dos antigos modos de vida. Como se pode
observar, a prática capitalista é capaz de modificar as estruturas já existentes
tornando-as ferramentas para seu funcionamento. Essa tendência de apropriação é
pertinente no campo do capitalismo, cujo tem a capacidade de transformar tudo em
mercadoria, criando valor para tudo o que se apropria. Uma sociedade voltada
para o consumo. O turismo, encarado aqui como prática capitalista, transforma o
tempo do lazer em tempo do consumo, ao mesmo tempo em que se apropria dos modos
de produção tradicionais e transforma as relações socioespaciais onde ele atua
(Ouriques, 2005). Portanto, ao corroborar com o autor pretende-se levantar
questões pertinentes sobre essa relação entre turismo e capitalismo.
A questão levantada é facilmente percebida quando se
analisa a forma que o capitalismo se inseriu na valorização dos espaços. Para
exemplificar essa valorização e a dinâmica que rege a seleção dos espaços pelo
capital, tomemos o caso das paisagens naturais. Segundo Luchiari (2001), essa
dinâmica afeta os ecossistemas naturais, pois sua proteção por meio de uma
lógica preservacionista fez com que a valorização da natureza, como paisagem
valorizada, acabasse sendo reincorporada à sociedade, reproduzindo a perversa
estratificação social. Segundo ela,
O mesmo espírito preservacionista que protegeu
ecossistemas naturais também selecionou paisagens naturais para serem
mercantilizadas e transformadas em novas territorialidades das elites urbanas –
agora, com estatuto de guardiãs da natureza – e restringiu ou excluiu antigas
práticas sociais de subsistência das populações tradicionais. (LUCHIARI, 2001,
p. 10)
O pensamento da autora é relevante à medida que essa
seleção e valorização desses espaços, como as paisagens naturais preservadas,
reproduz a distinção social. O acesso a esses lugares torna-se restrito
reforçando as desigualdades socioespaciais. Ainda nessa perspectiva Santos
(2000, p.172) afirma que, “na era da ecologia triunfante, é o homem quem fabrica
a natureza, ou lhe atribui valor e sentido, por meio de suas ações já
realizadas, em curso ou meramente imaginadas. Por isso, tudo o que existe
constitui uma perspectiva de valor”. Dentro dessa concepção, é recorrente que o
capital ao selecionar seus espaços determina uma valorização do meio e isso
reflete em conseqüências para toda a sociedade.
Foi utilizada no trabalho a paisagem natural preservada
como um exemplo para reforçar a idéia de apropriação e seleção dos espaços pelo
capital, por ela estar intimamente ligada à prática do turismo. Sua imagem é
usualmente utilizada para promover a venda do produto turístico, como aponta
Aoun (In: RODRIGUES, 2003), cuja imagem dos espaços naturais chega a ter a
conotação de “paraíso” para apelos
mercadológicos pertinentes ao turismo, porém essa condição do capitalismo se
estende por diversos campos socioeconômicos. Segundo Ouriques (2005) a atividade
turística é um ramo do capitalismo contemporâneo. Segundo o
autor:
O turismo, que a princípio vive da apropriação
do estético, isto é, do conhecimento sensível, fundamenta-se, como qualquer
atividade econômica capitalista, na exploração da força de trabalho por parte do
capital. Contudo, talvez mais do que qualquer outro setor, parece estar
totalmente desvinculado dessa relação social. [...] A mercadoria-paisagem é
socialmente produzida como a matéria-prima do turismo. O que o turismo faz,
portanto, é promover a “venda” da natureza, das construções históricas, das
manifestações folclóricas. (OURIQUES, 2005, p.49)
A afirmação da paisagem como mercadoria é percebida até
mesmo em lugares improváveis. Essa apropriação dos espaços pelo capitalismo,
através do turismo, se torna observável em localidades desprovidas, a princípio,
do apelo turístico, como é o caso da Rocinha no Rio de Janeiro. Nesta favela é
encontrado um sistema de visitas programadas para turistas, onde os mesmos se
adentram na comunidade para poderem ver como é a vida em uma favela brasileira
(OURIQUES, 2005). Nessa circunstância, reafirma-se que o capital é capaz de
apropriar não somente dos espaços, como também das relações sociais, ao ser
observado que até mesmo a população local se transforma em atrativo e sua
relação com o lugar se torna artificial, pois o que apresentam aos turistas que
ali chegam, não é, na maioria das vezes, a verdadeira condição vivida pela
comunidade, e sim um certo tipo de espetáculo fetichista do turismo, como
destaca Ouriques (2005).
Para continuar este estudo investigaremos como o
turismo se enquadra dentro das facetas do capital, e como essa atividade se
destaca no espaço litorâneo. Será realizada uma análise de como esse sistema
interfere nos espaços e também como o turismo está relacionado com a lógica
capitalista. Segue ainda com uma discussão a respeito do desenvolvimento
sustentável e como esse pode ser aplicado à atividade
turística.
Apropriação
e Utilização do Espaço Litorâneo pelo Turismo
Observada a dinâmica do sistema capitalista, onde a
apropriação dos espaços para sua reprodução se faz necessária para a acumulação
do capital, esta que é regra desse sistema, o litoral se destaca como uma fonte
geradora de divisas, ao se constatar que por através dele são obtidos ganhos
econômicos através do uso que a sociedade faz desse espaço. Dentre esses usos do
litoral se destaca o turismo, o qual possui características
particulares.
Segundo Cardoso (2006, p.246), o litoral é “a área de
contato entre a terra e o mar [...]” o que o caracteriza como um espaço que
realiza o elo entre o mar e o continente.
A atividade turística faz uso, cada vez mais crescente,
dos espaços litorâneos para promover sua expansão. Vasconcelos (2003, p.320)
afirma que nessa “tendência mundial do crescimento da demanda pelo turismo de
natureza, os litorais destacam-se pelo interesse que despertam às políticas de
turismo.” Segundo o mesmo autor:
A compreensão de que o turismo desenvolvido nos
litorais precisa respeitar o meio ambiente, ou seja, não degradar nem
descaracterizar as paisagens naturais, não modificar as atividades econômicas
tradicionais, como a pesca e a agricultura, não incomodar os residentes e servir
de base para uma diversificação da economia local é o pressuposto para a
implementação do turismo litorâneo (VASCONCELOS, 2003, p.320).
Essa preocupação em não degradar e não descaracterizar
o espaço litorâneo pode ser entendida porque a área costeira possui elementos
naturais e humanos necessários à manutenção da vida local. Não obstante, essa
preocupação em muitos casos não seja concretizada de fato.
A utilização do espaço litorâneo pela sociedade se
traduz em características particulares. Considerando que
alguns aspectos da natureza e da sociedade
somente se manifestam no litoral, é possível considerá-lo como portador de uma
problemática específica, sendo o turismo que se desenvolve no litoral também
portador de suas particularidades (CARDOSO, 2006, p.246).
Ao sinalizar que o turismo está inserido em
“problemática específica” quando é desenvolvido na área litorânea, o autor
levanta questões pertinentes aos impactos e conflitos gerados a partir de tal
prática em relação aos espaços ocupados pelo mesmo. Assim se faz necessário o
conhecimento das dinâmicas relacionadas à ocupação desse espaço
geográfico.
A utilização do espaço litorâneo pela sociedade também
reproduz características intrínsecas. “A pesca, a circulação de mercadorias, o
turismo, entre outros usos presentes no litoral dá a essa porção do espaço
geográfico características peculiares, construídas por sujeitos sociais que aí
encontram seu lugar” (CARDOSO, 2006, p.246).
Segundo Cardoso (2006), a forma como se deu a formação
do território brasileiro, sob influências de vários elementos de diversos povos
que aqui se instalaram, juntamente com a cultura e os conhecimentos indígenas,
deu-se origem a várias comunidades litorâneas. Como é notado na seguinte citação
que demonstra o avanço de algumas comunidades em detrimento de outras e segue
apontando que o turismo surge como agente modificador em muitas dessas, as quais
não tiveram suas bases fundadas na integração da urbanização e
industrialização:
Nesse processo podemos encontrar a origem de
inúmeras comunidades litorâneas atuais. Em áreas mais dinâmicas tais comunidades
se integraram aos processos de urbanização e industrialização do espaço
brasileiro, ao passo que algumas áreas, dinâmicas em outros períodos da história
brasileira, adentram o século XX relativamente isoladas dos processos de
urbanização e industrialização atuais. É em algumas destas áreas que o turismo
ao expandir-se promove alterações bastante fortes (CARDOSO, 2006,
p.251).
Segundo Breton e Estrada (apud CARDOSO, 2006, p.251)
“as comunidades costeiras mantiveram contatos com os processos de expansão
econômica, antes mesmo que a comunidades mais interiores.” E complementa
que
O fato de hoje algumas áreas costeiras estarem
relativamente distantes de centros econômicos mais dinâmicos não significa que
estejam isoladas de processos como a especulação imobiliária, o mercado de
terras e mesmo processos de difusão de informações e influências culturais
(BRETON, ESTRADA apud CARDOSO, 2006, p.251).
Essas características apontadas por Cardoso nos remetem
a questão do uso dos espaços litorâneos pelo turismo, sendo este responsável por
muitas dessas dinâmicas que interferem até mesmo em localidades um tanto quanto
isoladas. O desenvolvimento da atividade turística é acompanhado por
transformações sociais e econômicas e cria, muitas vezes, um elo entre o local e
o global à medida que novas formas de reprodução socioeconômicas são realizadas
em certas áreas destinadas ao lazer nos moldes contemporâneo.
Além do uso do litoral do Brasil pela atividade
turística destacam-se ainda, segundo Cardoso diversos usos desse espaço e como
se dá essa ocupação:
As estruturas portuárias se fixam no litoral e
representam elos fundamentais na circulação de mercadorias. A extração do
petróleo brasileiro concentra-se em águas profundas e tem no litoral toda uma
estrutura de armazenamento e transporte. Algumas áreas metropolitanas
brasileiras são litorâneas. A pesca é realizada de norte a sul do litoral
brasileiro em diferentes modalidades. (CARDOSO, 2006, p.252)
Pela utilização do litoral ser bastante acentuada, o
autor descreve que existem instrumentos normativos para a proteção e ordenamento
desse espaço. O turismo, que é um instrumento capaz de diversas mudanças, também
se encontra no contexto dessas normatizações, sendo elas de nível federal,
estadual e municipal e com a finalidade de assegurar a proteção dos bens
naturais e culturais de determinada região (CARDOSO, 2006). Porém a proteção do
litoral através de normatizações ou mesmo por uma política de planejamento – ou
a falta dela –, sejam elas aplicadas ao turismo ou não, muitas vezes não surtem
os efeitos esperados devido à falta de fiscalização e empenho do poder
público.
Tendo em vista a diversificada formação e utilização do
espaço litorâneo e suas implicações na dinâmica do mesmo, este estudo se
concentrará na presença do turismo e a forma como esse influencia na composição
do litoral.
Turismo e suas Interfaces com o
Espaço Litorâneo
A ocupação
da zona litorânea se dá desde as civilizações mais antigas, sendo que houve uma
maior utilização desse espaço a partir da Revolução Industrial em meados do
século XIX, na Europa (VASCONCELOS, 2003).
As atividades
como a pesca, agricultura e o transporte marítimo se destacam dentre as
possíveis práticas que podem ser desenvolvidas na área costeira e de certa forma
podem interferir na composição do litoral, ditando políticas voltadas para seu
uso e sua ocupação. Segundo Vasconcelos (2003, p.326), uma atividade tem se
destacado em especial: “Recentemente um novo fator econômico se integra a este
grupo, o turismo [...] Na maioria dos litorais a praia é o maior patrimônio
turístico do lugar”.
Ao se analisar a
fala destacada é notada a conotação de valor que é dado ao litoral. A praia
dentro da concepção de “paisagem natural” (LUCHIARI,
2001, p.10) cede lugar
para a mercantilização de seu espaço à medida que se torna como disse o próprio
autor, “patrimônio turístico do lugar”.
Associando
o turismo à lógica do capital, Fratucci
assinala:
Enquanto fenômeno típico da
sociedade capitalista e industrial moderna, o turismo apresenta imbricações
espaciais e territoriais diversificadas e passíveis de análises várias, conforme
a escala de observação proposta. Na sua essência ele produz e consome espaços.
Sendo fruto de atividades e práticas sociais diretamente ligadas ao movimento de
pessoas e de informações, produz por conseqüência, territorialidades e
territórios. Essencialmente socioespacial, nasce do movimento de pessoas e dos
seus momentos de parada nos lugares turísticos, produzindo aí um tipo de
ordenamento diferenciado, com uma lógica estruturada a partir de um complexo
sistema estrutural que o compõe (FRATUCCI, 2006, p.81,82).
A adoção do turismo como fenômeno
capitalista produtor e consumidor dos espaços faz sentido, sendo essa temática
já discutida anteriormente. Certamente a atividade turística é passível de
várias análises, no entanto o destaque para as questões sociais e espaciais e o
uso da área litorânea para tal atividade se faz relevante para o entendimento do
presente trabalho.
O turismo
litorâneo, enquanto atividade econômica surge como um agente capaz de
influenciar a composição e utilização dos espaços, pois ao apropriar-se do
litoral ele, na maioria das vezes, modifica a relação de trabalho ali existente,
substituindo atividades tradicionais por outras ligadas ao turismo e promovendo
mudanças no espaço, como criação de infra-estrutura visando atender aos
turistas, sendo tal atividade recente na história de nosso país.
O turismo se desenvolveu através da forte ocupação do litoral nos
países desenvolvidos, como é o caso da França, Itália e Espanha. Nos últimos 30
anos esse fenômeno tende a se repetir nos países em desenvolvimento, é o caso do
Brasil e do México, sendo nesse caso um dos motores do desenvolvimento econômico
local (VASCONCELOS, 2003, p.326).
O emprego do
turismo como atividade econômica é bastante utilizado, principalmente pelas
propagandas governistas, no intuito de promover o desenvolvimento local, porém
segundo Coriolano (2003, p.13) “o desenvolvimento com
inclusão só é possível quando a população é beneficiada, quando atinge a escala
humana e o turismo tanto pode se atrelar ao crescimento econômico, como ao
desenvolvimento social, o chamado desenvolvimento local.” Portanto, a fala de
Vasconcelos deveria ser definida como crescimento econômico e não
desenvolvimento econômico local.
Algumas
considerações relacionadas à atividade turística devem ser levadas em
consideração, pois esse fenômeno, como muitos autores o preferem denominar, é
segundo Vasconcelos invasor do território e ocupa cada vez mais o litoral,
gerando muitas vezes um aumento dos conflitos nessa área.
O turismo litorâneo é particularmente invasor do território, não
existe atualmente nenhum espaço que esteja fora do alcance da atividade
turística. [...] A verdade é que o turismo continua ocupando cada vez mais o
espaço litorâneo, em busca de novos atrativos que nem sempre são voltados ao
turista ecológico ou naturista. O turismo litorâneo vem explorando intensamente
as praias, falésias, lidos, corais, deltas, todas as paisagens costeiras
deslumbrantes e atrativas. Quanto maior a ocupação do litoral, maior a
implementação de equipamentos turísticos. A tendência tem sido de aumento dos
conflitos nessa ocupação à medida que se multiplicam os projetos turísticos,
sobretudo os mega projetos (VASCONCELOS, 2003, p.326).
Ao relatar
que o turismo é uma atividade que invade os territórios e que quanto maior o
aumento da ocupação do litoral por ele, maior é o grau das divergências
encontradas nas áreas onde atua, o autor reforça a idéia de apropriação do
espaço litorâneo pela prática turística.
Segundo Ouriques (2006), é necessário uma melhor
compreensão do desenvolvimento da atividade turística com base em um enfoque
mais crítico, sendo que a discussão levantada a respeito da área atualmente se
adequam ao pensamento dominante. O referido autor destaca que
em regiões periféricas, a introdução da
atividade turística tem, inicialmente, um efeito instabilizador, de
desestruturação da economia pré-existente. São inúmeros os relatos de processos
de decadência e mesmo de desaparecimento das atividades econômicas tradicionais
a partir do advento do turismo. Por exemplo, de comunidades litorâneas, que
sempre viveram da pesca, que acabam abandonando seu sustento tradicional
(OURIQUES, 2006, p.2).
Essa substituição da atividade tradicional por alguma
outra, ligada ao turismo ou não, não é por opção e sim uma imposição. Como
revela Ouriques, ao relatar que essa troca se efetiva
De um lado, pela concorrência promovida pela
pesca industrial (algo que já aconteceu em várias partes do litoral brasileiro,
aliás). De outro lado, pelo processo de aquisição dos terrenos e expulsão dos
pescadores e suas famílias da orla marítima, promovido pelas atividades
imobiliárias especulativas, ligadas direta ou indiretamente ao turismo
(OURIQUES, 2006, p.2).
A expulsão das populações costeiras e a substituição
das atividades tradicionais são alguns dos prováveis problemas advindos do
despertar de uma localidade litorânea para o turismo. Segundo Coriolano (2007,
p.1) “o turismo é atividade produtiva moderna que reproduz a organização
desigual e combinada dos territórios capitalistas, sendo absorvido com maneiras
diferenciadas pelas culturas e modos de produção locais.” Ou seja, o turismo se
adapta à dinâmica vigente, no caso das sociedades atuais ele se atrela ao
capitalismo. A autora em destaque continua seu pensamento citando que o Estado
atua em favor do mercado, possibilitando dessa forma os interesses das entidades
privadas em detrimento da população, o que resulta muitas vezes na exploração do
capital humano por parte da atividade turística. Essa exploração pode ser notada
na relação das atividades servis entre os trabalhadores da área turística e os
turistas. De acordo com Coriolano o turismo
Estendeu seu raio de ação aos lugares tidos como
subdesenvolvidos e às classes pobres, que passaram a não usufruir, mas a
produzir serviços turísticos, pois a injustiça social e a desigualdade não foram
eliminadas, são próprias do capitalismo (CORIOLANO, 2007,
p.1).
Entende-se dessa maneira que o turismo ao ser
introduzido em uma localidade, no caso em evidência o litoral, reproduz a lógica
capitalista, onde quem pode pagar pelo lazer é servido pelos trabalhadores do
turismo, que na maioria das vezes são mal remunerados de acordo com a pesquisa
realizada por Ouriques (2005) levando em consideração os dados obtidos através
da Organização Mundial do Turismo. Com isso o acesso ao litoral pelos moradores se dá no
intuito dos mesmos trabalharem no ramo turístico, bem diferente da posição que
tinham antes como possuidores desse espaço, agora voltado a atividade turística
e por conseqüência aos turistas.
Após relatar algumas dinâmicas relacionadas com a
ocupação do espaço pela atividade turística, tendo o litoral como destaque, é
interessante ressaltar que a exploração do turismo tem contribuído, segundo
Fontes, Lage (2003, p.92) “para o desequilíbrio ecológico, desagregação social e
perda de valores culturais da comunidade [...] De modo geral, estes espaços
turísticos evoluem pelo processo de ‘ondas’ de ocupação que são ditadas pela
moda ou produzidas pelo consumo do espaço”, o que acaba ocasionando o processo
de degradação, e em uma escala mais preocupante, à destruição dos recursos que
proporcionaram o surgimento da atividade turística.
Quando o assunto é a relação da área litorânea com o
turismo, o que se percebe é uma sobreposição da ocupação turística sobre as
atividades tradicionais e o apossamento desse território pela prática turística,
sendo valorizadas as paisagens tornando-as um tipo de “cenário” que é vendido
aos turistas (LUCHIARI, 1997). Segundo Fontes, Lage
O turismo, como fator de desenvolvimento
econômico, se apropria de determinados lugares, impondo-lhes transformações que
podem acabar com a singularidade e particularidades do lugar; essa é uma das
características das atividades produtivas do sistema capitalista, pois a sua
“lógica” é o lucro sobre a “exploração” de paisagens. Esta atividade, ao longo
dos tempos, tem sido um importante agente modificador da organização espacial,
principalmente em lugares turísticos [...] (FONTES, LAGE, 2003,
p.93).
Essa dinâmica acaba por desencadear um processo
de exclusão das populações locais, pois essa transformação do espaço, seja para
construções de meios de hospedagem ou até mesmo de infra-estrutura por parte do
governo, dentre outros, não leva em consideração os residentes locais, e quando
leva é de uma maneira superficial, sendo que o turismo como prática capitalista
procura obter lucros e não promover o desenvolvimento local. Assim como em todas
as outras atividades ligadas ao modelo capitalista que visam o lucro em primeiro
plano, observa-se que o turismo atende prioritariamente aos desejos dos turistas
em detrimento dos anseios da população local. Para Rodrigues (1999) o turismo
tem se mostrado, em algumas comunidades, uma atividade que não é capaz de
efetuar mudanças positivas, sendo a atividade responsável por transformações
sociais, culturais e econômicas que acabam não mudando em nada a realidade das
populações locais, as quais não se beneficiam com o turismo e ficam à margem
desse processo. Em outras palavras são excluídas. O que o turismo tem realizado
na verdade é uma substituição das atividades tradicionais, como a pesca e
agricultura, por exemplo, por outras ligadas à atividade turística, e na maioria
das vezes isso não se traduz em ganhos reais para os residentes. E sim acarreta
em perda de qualidade de vida, sendo que anteriormente a população local era
vista como proprietária dos meios de produção, e agora está inserida num
contexto de relações servis, no caso prestando serviços aos turistas.
Portanto, de posse dessa análise feita sobre o uso do
espaço litorâneo pelo turismo, percebe-se que tal atividade ao ser implementada,
revela uma dinâmica dialética, à medida que a atividade turística segundo
Fontes, Lage (2003, p.94) “ao mesmo tempo em que o turismo pode organizar e (re)
produzir o espaço para uns, ele também desorganiza para outros e o (re) produz
segundo a lógica capitalista de apropriação do espaço”. O que se observa dentro
do contexto da expansão do turismo é uma mercantilização de tudo pelo turismo,
onde até mesmo segundo Ouriques (2005) os residentes são vistos como mercadoria,
ao mesmo tempo em que os trabalhadores são preparados para o turismo com a
finalidade de reproduzir a acumulação do capital. Outro fator de destaque são os
traços colonialistas na expansão do turismo na periferia do capitalismo
(OURIQUES, 2005), como nos revela Krippendorf (1989) destacando que não há a
possibilidade de um verdadeiro contato entre visitantes e visitados, já que de
acordo como o referido autor, os locais são vistos como servidores ou objetos de
consumo turístico.
Apesar do turismo se apresentar como uma forma
muitas vezes predatória e capaz interferir na composição socioespacial,
destacaremos a questão do desenvolvimento sustentável como uma possível
alternativa a ser debatida para promover um maior equilíbrio entre o homem e a
natureza, minimizando os impactos negativos de tal atividade e potencializando
os positivos.
Desenvolvimento
Sustentável no Turismo: Uma Possibilidade
Ao estabelecer que o turismo se enquadra como um
mecanismo de acumulação do capital e de apropriação dos espaços, aqui
representado pelo litoral, não se pretende afirmar que outras possibilidades não
possam confrontar o pensamento vigente em tal prática.
Muitos autores defendem que a atividade turística pode
ser concebida de maneira sustentável e com maior equidade social. Essa condição
seria alcançada através do uso do planejamento como forma de conter os abusos
referentes ao avanço do turismo sobre as diversas porções do território. Nessa
corrente, o planejamento “deve apoiar-se na participação social, bem como na
equidade, intersetorialidade e sustentabilidade” (BENI, 2006, p.
94).
Essa sustentabilidade a qual o autor se refere nos
remete a pensar na questão do desenvolvimento sustentável, cujo nos últimos dez
anos o debate acerca do tema, de um modo geral, vem ganhando força através de
exemplos consideráveis, sejam eles de governos urbanos ou municipais. Houve
também um maior reconhecimento do termo desenvolvimento sustentável a partir das
conferências do Hábitat II – a Declaração de Istambul sobre Assentamentos
Humanos e a Agenda do Hábitat, onde o mesmo foi citado por diversas vezes
(SATTERTWAITE, 2004).
De acordo com Schultink a preocupação com a questão do
desenvolvimento sustentável já levantava discussões, onde
a noção abrangente de
desenvolvimento de políticas que promovam a utilização sustentável dos recurso
naturais, a manutenção da capacidade de produção dos recursos e evitar a
degradação dos recursos foi posteriormente adotada por várias conferências das
Nações Unidas e apoiadas por muitas agências internacionais de desenvolvimento
(SCHULTINK, 2007, p.3).
Segundo a Comissão Brundtland, desenvolvimento
sustentável consiste em satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades
(SATTERTWAITE, 2004). Dessa forma pode-se entender que é necessário a satisfação
das necessidades humanas sem esgotar o capital ambiental.
Sobre as reflexões acerca do turismo no contexto do
desenvolvimento sustentável pode se destacar que houve uma maior orientação para
as questões relativas à atividade turística a partir da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO 92), e posteriormente em
Johannesburg
(2002), onde o turismo também seria orientado a adotar práticas sustentáveis
(MENDONÇA, 2004).
Segundo a autora anteriormente
citada,
Um desdobramento desse esforço é a Agenda 21,
que constitui o principal referencial para governos, iniciativa privada e
sociedade civil no que tange ao desenvolvimento em bases sustentáveis.
Inserindo-se nos estudos e práticas da sustentabilidade, a OMT – Organização
Mundial do Turismo, em 1994, publica a “Agenda 21 para a Indústria de Viagens e
Turismo” e aponta, como uma das áreas de ação estratégica, o incentivo ao
envolvimento da participação de todos os setores da sociedade, inclusive das
minorias (IRVING, 2002; WWF BRASIL, apud MENDONÇA, 2004,
p.20).
No caso brasileiro, alguns estudiosos apontam para a
questão da sustentabilidade no turismo e afirmam que alguns pontos são
necessários para que a atividade seja realmente sustentável. Suas bases
seriam:
A preservação e conservação do patrimônio
natural, valorização do patrimônio histórico e cultural e desenvolvimento
econômico com equidade social, com a participação efetiva e geração de
benefícios para as comunidades dos destinos turísticos, além de uma experiência
integral do turista (SEABRA 2001; IRVING, 2002 apud MENDONÇA, 2004,
p.23).
Os trabalhos que apontam para um desenvolvimento
sustentável no turismo sugerem a participação de todos no processo, inclusive
das minorias, respeitando tanto o patrimônio humano e ambiental, e alicerçado no
desenvolvimento econômico, onde todos usufruem dos benefícios da renda gerada
pela atividade turística. Nessa perspectiva, “tal ação interativa certamente
representará um esforço ponderável na construção de um modelo de desenvolvimento
integral, integrado e sustentável” (BENI, 2006, p.94).
O autor acredita na possibilidade de um turismo
socialmente responsável e sustentável a partir da premissa do planejamento
estratégico. E acrescenta que esse modelo pode
Superar paulatinamente a reprodução da pobreza e
da exclusão social provocadas pelo aumento das desigualdades, da
internacionalização da economia, da incontrolada competitividade e do
esgotamento das verbas públicas (BENI, 2006, p.94).
Nesse processo todas as variáveis devem ser avaliadas –
políticas ambientais, sociais e econômicas – para que uma análise possa ser
efetuada no intuito de observar qual medida é mais aconselhável para alcançar os
objetivos do desenvolvimento sustentável no turismo.
No entanto, essa interação entre os sujeitos sociais
envolvidos na atividade turística e o respeito aos patrimônios humano e
ambiental nem sempre são contemplados nos projetos turísticos, sejam eles
internacionais, ou mesmo das elites locais. Portanto, é necessário um projeto de
turismo voltado para os interesses coletivos do local ou região aonde o turismo
vai se instalar. Sendo que
Todo projeto de desenvolvimento local/regional
desencadeia um processo de reconstrução/reapropriação de um território entendido
como o espaço apropriado. Esse processo implica uma nova ordenação territorial,
que se propõe que seja sustentável e alavancada a partir dos interesses
coletivos da região (BENI, 2006, p.94).
De acordo com o referido autor o processo de ordenação
sustentável deve-se traduzir em um novo padrão de desenvolvimento, sendo que
este deverá ser pautado não somente à racionalidade da acumulação e consumismo,
mas na qualidade de vida. Nessa perspectiva, o turismo poderia dinamizar
melhorias no local/região, desde que contemplasse
As necessidades e expectativas coletivas da base
local, com a participação ativa da sociedade civil organizada de forma
multiescalar, buscando adotar a alternativa que melhor viabilizasse sua inserção
no processo regional de desenvolvimento. Define-se essa nova ordenação
territorial com a projeção no espaço físico, mediante ocupação e uso, das
políticas, interesses, racionalidades e valores econômicos, sociais, culturais e
ambientais de uma comunidade local ou regionalmente referenciada. O que se
busca, na realidade, como objetivo principal, é a consecução da estrutura
espacial adequada para a forma de desenvolvimento de interesse da comunidade
(BENI, 2006, p.95).
Reiterando essa discussão a respeito do desenvolvimento
sustentável, apesar do envolvimento de toda a população nas decisões ser
relevante, acredita-se que “os governos locais, com seus múltiplos e variados
papéis, estão em uma posição estratégica para fazer avançar as metas do
desenvolvimento sustentável” (SATTERTWAITE, 2004).
No que concerne o turismo como uma prática sustentável,
pode se destacar a importância de levar em consideração os custos ambientais e
sociais gerados pela atividade, porém cabe ressaltar que esses custos são
ocorridos por uma pequena parcela da sociedade, pois a maneira como é absorvido,
onde se desenvolve, é diferenciada pelos sujeitos sociais interligados com a
atividade turística, tendo em vista que a produção e o consumo, bem como a maior
exploração dos recursos naturais advêm da parcela economicamente mais
forte.
Considerações
Finais
Dessa maneira, o presente trabalho pretendeu demonstrar
a dinâmica da atividade turística e como essa problematiza a vida da população
local, demonstrando algumas transformações no espaço litorâneo através da
expansão do turismo e as conseqüências, nem sempre positivas, advindas do mesmo,
sendo a atividade turística, como aponta Ouriques (2005) uma consumidora de
espaços para a reprodução do capital.
Como conseqüência dessas mudanças na composição do
espaço pelo turismo, observa-se uma segregação social, a qual remete alguns
elementos da população à exclusão social, tendo em vista que
A exclusão moderna é um problema social porque
abrange a todos: a uns porque os priva do básico para viver com dignidade, como
cidadão; a outros porque lhes impõe o terror da incerteza quanto ao próprio
destino e ao destino dos filhos dos próximos. A verdadeira exclusão está na
própria sociedade contemporânea, que ou nos torna panfletários na mentalidade ou
nos torna indiferentes em relação aos seus indícios [...] (MARTINS, 2002,
p.21).
Esse problema social, a exclusão, é próprio do sistema
que é dominante, o capitalismo, pois seria difícil acreditar que esse entrave
não houvesse em um sistema que tem em seu propósito a dinâmica da acumulação do
capital. Dessa forma promove um grau de desenvolvimento desigual entre os seus
locais de atuação, de acordo com a perspectiva local (CORIOLANO, 2007).
O turismo, articulado ao capitalismo, segundo Ouriques
(2005) reproduz essa lógica da acumulação, não conseguindo eliminar as
distorções sociais e promover um desenvolvimento realmente eqüitativo. O que tal
atividade realiza, de acordo com o referido autor, é uma apropriação dos espaços
transformando quase tudo em mercadoria passível de ser consumida. Nesse
contexto, podem-se destacar as paisagens, culturas, tradições e mesmo os
próprios nativos, dentre outros, onde o turismo se afirma como um importante
agente modificador desses espaços e relações sociais.
No entanto, outras possibilidades surgem como forma a
contrapor a essa linha de pesquisa do turismo. Dentre elas foi destacado o
desenvolvimento sustentável e como esse pode ser inserido no campo do turismo e
como essa articulação pode contribuir com a formação de uma sociedade mais
igualitária. Segundo Beni (2006, p.95), “a sustentabilidade é construída a
partir de experiências regionais, devendo presidir todas as iniciativas de
alavancagem do desenvolvimento”.
Não há dúvidas que para se conseguir trabalhar
com o conceito de desenvolvimento sustentável no turismo é preciso superar
muitos obstáculos, pois a atividade, desenvolvida nos moldes sustentáveis, ainda
é bastante incipiente no Brasil. Portanto, o desafio da sustentabilidade no
turismo ainda deve ser refletido nos estudos de tal atividade para se promover
um turismo responsável e socialmente sustentável.
Dessa maneira concluímos o presente trabalho, sem,
contudo, possuir a pretensão de esgotar as possibilidades teóricas que o tema
apresenta, mas com a esperança de ter contribuído para o avanço dos estudos
acadêmicos a esse respeito.
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