Michel Chossudovsky
Quando a guerra se torna paz,
Quando conceitos e realidades são invertidos,
Quando a
ficção se torna verdade e a verdade se torna ficção.
Quando uma
agenda militar global é apregoada como um empreendimento humanitário,
Quanto a matança de civis é anunciada como "dano colateral",
Quando aqueles que resistem à invasão da sua pátria pelos EUA-NATO
são classificados como "insurgentes" ou "terroristas".
Quando a
guerra nuclear antecipativa é apregoada como auto defesa.
Quando
técnicas avançadas de tortura e "interrogatório" são utilizadas
rotineiramente para "proteger operações de manutenção da paz",
Quando armas nucleares tácticas são apregoadas pelo Pentágono como
"inofensivas para a população civil circundante"
Quando três
quartos do imposto federal sobre rendimentos dos EUA são atribuídos ao
financiamento do que é eufemisticamente mencionado como "defesa nacional"
Quando o Comandante em Chefe da maior força militar sobre o
planeta terra é apresentado como um pacificador global,
Quando a
Mentira se torna Verdade.
A "guerra sem
fronteiras" de Obama
Estamos na encruzilhada da mais séria
crise da história moderna. Os EUA em parceria com a NATO e Israel lançaram
uma aventura militar global a qual, num sentido muito real, ameaça o
futuro da humanidade.
Nesta conjuntura crítica da nossa história,
a decisão do Comité Nobel da Noruega de conceder o Prémio Nobel da Paz ao
Presidente e Comandante em Chefe Barack Obama constitui uma absoluta
ferramenta de propaganda e distorção, a qual apoia irrestritamente a
"Longa Guerra" do Pentágono. Uma "Guerra sem fronteiras" no verdadeiro
sentido da expressão, caracterizada pela instalação à escala mundial do
poder militar dos EUA.
Aparte a retórica diplomática, não houve
reversão significativa da política externa dos EUA em relação à
presidência George W. Bush, a qual poderia ter justificado remotamente a
concessão do Prémio Nobel a Obama. De facto, aconteceu o oposto. A agenda
militar de Obama tem procurado estender a guerra a novas fronteiras. Com
uma nova equipe de conselheiros militares e de politica externa, a agenda
de guerra de Obama tem sido muito mais efectiva em promover a escalada
militar do que a formulada pelo NeoCons.
Desde o princípio mesmo
da presidência Obama, este projecto militar global tem-se tornado cada vez
mais generalizado, com o reforço da presença militar dos EUA em todas as
principais regiões do mundo e o desenvolvimento de novos sistemas de armas
avançadas numa escala sem precedentes.
Conceder o Prémio Nobel da
Paz a Barack Obama dá legitimidade às práticas ilegais de guerra, à
ocupação militar de terras estrangeiras, à matança implacável de civis em
nome da "democracia".
Tanto a administração Obama como a NATO
estão a ameaçar directamente a Rússia, a China e o Irão. Os EUA sob Obama
estão a desenvolver um "Sistema de Escudo para Primeiro Ataque Global por
meio de Mísseis" ("First Strike Global Missile Shield System").
"Juntamente com armas
baseadas no espaço, o Laser Aerotransportado (Airborne Laser) é a
próxima fronteira de defesa. ... Nunca o sonho de Ronald Reagan de
camadas de defesa de mísseis – a Guerra das Estrelas, em suma – esteve
tão próximo, pelo menos tecnologicamente, de se tornar realidade".
Reagindo a esta consolidação, projecção e aperfeiçoamento do
potencial de ataque nuclear global americano, em 11 de Agosto o
Comandante-em-Chefe da Força Aérea Russa, o mesmo Alexander Zelin citado
anteriormente sobre a ameaça de ataques americanos a partir do espaço
sobre o seu país, disse que "a Força Aérea Russa está a preparar-se para
fazer frente às ameaças resultantes da criação do Comando de Ataque
Global (Global Strike Command) na Força Aérea dos EUA" e que a Rússia
está a desenvolver "sistema apropriados para enfrentar as ameaças que
possam surgir". (Rick Rozoff, Showdown with Russia and China:
U.S. Advances First Strike Global Missile Shield System , Global Research, August 19, 2009)
Em momento algum desde a crise
cubana dos mísseis o mundo esteve tão próximo do impensável: um cenário de
III Guerra Mundial, um conflito militar global envolvendo a utilização de
armas nucleares.
1. O chamado escudo de defesa
de mísseis ou a iniciativa Guerra da Estrelas envolvendo a utilização em
primeiro ataque de armas nucleares está agora a ser desenvolvido
globalmente em diferentes regiões do mundo. O escudo de mísseis é em
grande medida dirigido contra a Rússia, a China, o Irão e a Coreia do
Norte.
2. Nova bases militares americanas foram instaladas tem
em vista estabelecer esferas de influência dos EUA em todas as regiões
do mundo bem como cercar e confrontar a Rússia e a China.
3. Tem
havido uma escalada da guerra na Ásia Central e Médio Oriente. O
"orçamento de defesa" sob Obama teve aumento vertiginoso com verbas
acrescidas tanto para o Afeganistão como para o Iraque.
4. Sob a
ordens do presidente Obama, a actuar como Comandante em Chefe, o
Paquistão é agora objecto de bombardeamentos aéreos rotineiros dos EUA
em violação da sua soberania territorial, utilizando a "Guerra ao
Terrorismo Global" como justificação.
5. A construção de novas
bases militares é encarada na América Latina, incluindo a Colômbia na
fronteira imediata da Venezuela.
6. A ajuda militar a Israel tem
aumentado. A presidência Obama exprimiu o seu apoio inflexível a Israel
e aos militares israelenses. Obama tem permanecido mudo sobre as
atrocidades cometidas por Israel em Gaza. Não tem havido nem mesmo uma
aparência de negociações renovadas israelenses-palestinas.
7.
Houve um reforço do novos comandos regionais, incluindo a AFRICOM e o
SOUTHCOM.
8. Uma nova ronda de ameaças dirigida contra o Irão.
9. Os EUA tentam promover novas divisões entre o Paquistão e a
Índia, o que poderia levar a uma guerra regional, bem como à utilização
do arsenal nuclear da Índia como meio indirecto de ameaçar a China.
A natureza diabólica deste
projecto militar foi esboçada no Project for a New American Century
(PNAC), de 2000. Os objectivos declarados do PNAC são:
defender a pátria americana;
combater e vencer decisivamente guerras
múltiplas e simultâneas nos principais teatros
desempenhar os deveres "de polícia"
associados à moldagem de ambientes de segurança em regiões críticas;
transformar as forças dos EUA para
explorar a "revolução em assuntos militares" ( Project for a New American
Century, Rebuilding Americas Defenses.pdf , September 2000)
A "Revolução em assuntos
militares" refere-se ao desenvolvimento de novos sistemas avançados de
armas. A militarização do espaço, novas armas químicas e biológicas
avançadas, mísseis refinados guiados por laser, bombas rompedoras de
bunkers, sem mencionar o programa de guerra climática da US Air Force
(HAARP) baseado em Gokona, Alasca, são parte do "arsenal humanitário" de
Obama.
Guerra contra a verdade
Isto é uma guerra
contra a verdade. Quando a guerra se torna paz, o mundo está invertido. A
conceptualização já não é possível. Emerge um sistema social
inquisitorial.
O entendimento dos acontecimentos sociais e
políticos fundamentais é substituído por um mundo de absoluta fantasia,
onde "sujeitos maus" estão a espreitar. O objectivo da "Guerra ao
terrorismo global", o qual foi plenamente endossado pela administração
Obama, tem sido galvanizar apoio público para uma campanha mundial contra
a heresia.
Aos olhos da opinião pública, ter uma "causa justa"
para travar guerra é essencial. Uma guerra é dita ser Justa se for travada
com bases morais, religiosa ou éticas. O consenso é para travar guerra. As
pessoas deixam de pensar por si próprias. Elas aceitam a autoridade e
visão da ordem social estabelecida.
O Comité Nobel diz que o
presidente Obama deu ao mundo "esperança para um futuro melhor". O prémio
é concedido a Obama pelo seus
"extraordinários esforços
para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre povos. O
Comité atribuiu especial importância à visão e trabalho de Obama por um
mundo sem armas nucleares".
"... A sua diplomacia é fundada no
conceito de que aqueles que estão a liderar o mundo devem fazê-lo na
base de valores e atitudes que sejam partilhados pela maioria da
população mundial". ( Nobel Press
Release , October 9, 2009)
A concessão do Nobel "da paz"
ao presidente Barack Obama tornou-se uma parte integral da máquina de
propaganda do Pentágono. Ela proporciona um rosto humano aos invasores,
reforça a demonização daqueles que se opõem à intervenção militar
estado-unidense.
A decisão de conceder o Prémio Nobel da Paz a
Obama foi sem dúvida negociada cuidadosamente com o Comité norueguês aos
mais altos níveis do governo dos EUA. Ela tem implicações de grande
alcance.
Ela inequivocamente reforça a condução estado-unidense da
guerra como uma "Causa justa". Ela apaga os crimes de guerra cometidos
pelas administrações Bush e Obama.
Propaganda de guerra: Jus
ad Bellum
A teoria da "guerra justa" serve para camuflar a
natureza da política externa dos EUA, enquanto proporciona um rosto humano
aos invasores.
Tanto nas suas versões clássica como contemporânea,
a teoria da guerra justa confirma a guerra como uma "operação
humanitária". Ela apela à intervenção militar nos planos ético e moral
contra "insurgentes", "terroristas", "fracassados" ou "estados vilões".
A Guerra Justa foi apregoada pelo Comité Nobel como um instrumento
de Paz. Obama personifica a "Guerra Justa".
Ensinada em academias
militares dos EUA, versão dos dias actuas da teoria da "Guerra Justa" foi
incorporada à doutrina militar estado-unidense. A "guerra ao terrorismo" e
a noção de "apropriação" ("preemption") estão baseados no direito à
"auto defesa". Eles definem "quando é permissível travar guerra": jus
ad bellum.
O jus ad bellum tem servido para construir
um consenso dentro das estruturas de comando das forças armadas. Também
tem servido para convencer as tropas de que estão a combater por uma
"causa justa". Mais geralmente, a teoria da Guerra Justa na sua versão
moderna é uma parte integral da propaganda de guerra e da desinformação
dos media, aplicada para obter apoio público à agenda de guerra. Sob Obama
laureado com o Nobel da Paz, a Guerra Justa tornou-se aceite
universalmente, endossada pela assim chamada comunidade internacional.
O objectivo final é subjugar os cidadãos, despolitizar totalmente
a vida social na América, impedir o povo de pensar e conceptualizar, de
analisar factos e desafiar a legitimidade da guerra conduzida pelos
EUA-NATO.
A guerra tornou-se paz, um meritório "empreendimento
humanitário". A discordância pacífica tornou-se heresia.
Escalada militar com rosto humano: O Comité Nobel dá o sinal
verde
Mais significativamente, o prémio Nobel da paz concede
legitimidade a uma escalada sem precedentes de operações militares
efectuadas pelos EUA-NATO sob a bandeira da pacificação.
Ele
contribui para falsificar a natureza da agenda militar EUA-NATO.
Mais 40 a 60 mil tropas dos EUA e de aliados estão a ser enviadas
para o Afeganistão sob uma bandeira de pacificação. A 8 de Outubro, um dia
antes da decisão do Comité Nobel, o Congresso dos EUA concedeu a Obama uma
lei que autoriza 680 mil milhões de dólares para a defesa, a qual está
destinada a financiar o processo de escalada militar:
"Washington e seus aliados da
NATO estão a planear um aumento sem precedentes de tropas para a guerra
no Afeganistão, em acréscimo aos 17 mil novos americanos e vários
milhares de forças da NATO que foram comprometidos para a guerra até
agora neste ano".
O número, baseado em relatórios ainda não
confirmados de que Stanley McChrystal, comandante dos EUA e da NATOm e
Michael Mullen, presidente da Joint Chiefs of Staff, pediram à Casa
Branca, vai dos 10 a 45 mil.
A Fox New tem mencionado números
tão elevados como mais 45 mil soldados americanos e a ABC News até 40
mil. Em 15 de Setembro o Christian Science Monitor escreveu
"talvez até 45 mil".
A semelhança das estimativas indica que foi
acordado um número consensual e os media obedientes da América estão a
preparar o público interno para a possibilidade da maior escalada de
forças armadas estrangeiras da historia do Afeganistão. Apenas sete anos
atrás os Estados Unidos tinham 5000 tropas no país, mas foi programado
ter 68 mil em Dezembro mesmo antes de emergirem informações sobre as
novas deslocações de tropas. (Rick Rozoff, U.S., NATO Poised For Most Massive
War In Afghanistan's History ,
Global Research, September 24, 2009)
Poucas horas após a decisão do
comité norueguês do Nobel, Obama reuniu-se com o Conselho de Guerra, ou
talvez devêssemos chamá-lo o "Conselho da Paz". Esta reunião fora
cuidadosamente programada para coincidir com a do comité norueguês do
Nobel.
Esta reunião chave a portas fechadas, na Sala de Situação
da Casa Branca, incluiu o vice-presidente Joe Biden, a secretária de
Estado Hillary Clinton, o secretário da Defesa Robert Gates e conselheiros
políticos e militares chave. O general Stanley McChrystal participou da
reunião através de ligação vídeo com Cabul.
O general Stanley
McChrystal disse ter apresentado ao Comandante em Chefe "várias opções
alternativas", "incluindo uma injecção máxima de 60 mil tropas extra". O
número 60 mil foi citado a seguir a uma fuga no Wall Street Journal
(AFP: After Nobel nod, Obama convenes Afghan war council, October 9,
2009)
"O presidente teve uma
conversação saudável acerca dos desafios de segurança e políticos no
Afeganistão e das opções para construir uma abordagem estratégica de
progresso", segundo um responsável da administração (citado em AFP: After Nobel nod, Obama
convenes Afghan war council ,
October 9, 2009)
O comité Nobel num certo
sentido deu um sinal verde a Obama. A reunião de 9 de Outubro na Sala de
Situação era para estabelecer os fundamentos para uma nova escalada do
conflito sob a bandeira da contra-insurgência e da construção da
democracia.
Enquanto isso, no decorrer dos últimos meses, forças
dos EUA têm intensificado seus bombardeamentos aéreos a comunidades aldeãs
nas áreas tribais do Norte do Paquistão, sob a bandeira do combate à Al
Qaeda.
11/Outubro/2009