NCeHu
620/09
XI
ENCONTRO INTERNACIONAL HUMBOLDT
Da
guerra
Entre 1495 e 1975, as Grandes
Potências estiveram em guerra durante 75% do tempo, começando uma nova guerra a
cada sete ou oito anos. As guerras foram a principal atividade dos estados
nacionais europeus, durante seus cinco séculos de existência, e agora de novo, o
século XXI já começou sob o signo das armas. Neste contexto, soa absolutamente
cômica e desnecessária a justificativa de que as novas bases militares dos EUA,
na Colômbia, tem a ver com o combate ao narcotráfico e a guerrilha local.
José Luís Fiori
Entre 1495 e 1975, as Grandes Potências
estiveram em guerra durante 75% do tempo, começando uma nova guerra a cada sete
ou oito anos. Mesmo nos anos mais pacíficos deste período, entre 1816 e 1913,
estas potências fizeram cerca de 100 guerras coloniais. E ao contrário das
expectativas, a cada novo século, as guerras foram mais intensas e violentas do
que no século anterior (J. Levy, “War in the modern Great Power System”, Ky
Lexington, 1983). Por isso, se poder dizer que as guerras foram a principal
atividade dos estados nacionais europeus, durante seus cinco séculos de
existência, e agora de novo, o século XXI já começou sob o signo das armas. Mas
apesar disto, segue sendo um tabu falar e analisar objetivamente o papel das
guerras na formação, na evolução e no futuro do sistema inter-estatal
capitalista, que foi “inventado” pelos europeus, nos séculos XVI e XVII, e só se
transformou num fenômeno universal, no século XX. Talvez, porque seja muito
doloroso aceitar que as guerras não são um fenômeno excepcional, nem decorrem de
uma “necessidade econômica”. Ou porque seja muito difícil de entender que elas
seguirão existindo, mesmo que não ocorram enfrentamentos atômicos entre as
Grandes Potências, porque elas não precisam ser travadas para cumprir seu
“papel” dentro do sistema inter-estatal. Basta que sejam planejadas de forma
complementar e competitiva.
A primeira vista, tudo isto parece meio
absurdo e paradoxal. Mas tudo fica mais claro quando se olha para o começo desta
história, e se entende que o sistema mundial em que vivemos, foi uma conquista
progressiva dos primeiros estados nacionais europeus. E desde os seus primeiros
passos, este sistema nunca mais deixou de se expandir, “liderado” pelo
crescimento competitivo e imperial de suas Grandes Potências, que lutam
permanentemente para manter ou avançar sua posição relativa dentro do sistema.
Por isto, tem razão o cientista político norte-americano, John Mearsheimer,
quando diz que “as Grandes Potências têm um comportamento agressivo não
porque elas queiram, mas porque elas têm que buscar acumular mais poder se
quiserem maximizar suas probabilidades de sobrevivência, porque o sistema
internacional cria incentivos poderosos para que os estados estejam sempre
procurando oportunidades de ganhar mais poder às custas dos seus rivais...”.
(Mearsheimer, “The tragedy of the great powers”, 2001: 21).
Neste
processo competitivo, a guerra, ou a ameaça da guerra, foi o principal
instrumento estratégico utilizado pelos estados nacionais, para acumular poder e
definir a hierarquia mundial. E as potências vencedoras - que se transformaram
em “líderes” do sistema - foram as que conseguiram conquistar e manter o
controle monopólico das “tecnologias sensíveis”, de uso militar. Por sua vez,
esta competição pela ponta tecnológica, e pelo controle monopólico dos demais
recursos bélicos, deu origem à uma dinâmica automática e progressiva, de
preparação contínua para as guerras. Numa disputa que aponta todo o tempo, na
direção de um império único e universal. Mas, paradoxalmente, este império não
poderá ser alcançado sem que o sistema mundial perca sua capacidade conjunta de
seguir se expandindo. Por que? Porque a vitória e a constituição de um império
mundial seria sempre a vitória de um estado nacional específico. Daquele estado
que fosse capaz de impor sua vontade e monopolizar o poder, até o limite do
desaparecimento dos seus competidores. Se isto acontecesse, entretanto, acabaria
a competição entre os estados, e neste caso, os estados não teriam como seguir
aumentando o seu próprio poder.
Ou seja, neste sistema inter-estatal
inventado pelos europeus, a existência de adversários é indispensável para que
haja expansão e acumulação de poder, e a preparação contínua para a guerra é o
fator que ordena o próprio sistema. Assim mesmo, como a “potência líder” também
precisa seguir acumulando poder, para manter sua posição relativa, ela mesma
acaba atropelando as instituições e os acordos internacionais que ajudou a criar
num momento anterior. Ela é quem tem maior poder relativo dentro do sistema, e
por isto, ela é que acaba sendo, quase sempre, a grande desestabilizadora de
qualquer ordem internacional estabelecida.
Agora bem, a preparação para a
guerra, e as próprias guerras, nunca impediram a complementaridade econômica e a
integração comercial e financeira, entre todos os estados envolvidos nos
conflitos. Pelo contrário, a mútua dependência econômica sempre foi uma peça
essencial da própria competição. Às vezes, predominou o conflito, às vezes a
complementaridade, mas foi esta “dialética” que se transformou no verdadeiro
motor político-econômico do sistema inter-estatal capitalista, e no grande
segredo da vitória européia, sobre o resto do mundo, a partir do século
XVII.
Entre 1650 e 1950, a Inglaterra participou de 110 guerras
aproximadamente, dentro e fora da Europa, ou seja, em média, uma à cada três
anos E entre 1783 e 1991, os Estados Unidos participaram de cerca de 80 guerras,
dentro e fora da América, ou seja, em média, também, uma a cada três anos.
(M. Coldfelter, “Warfare and armed conflicts”, MacFarland, Londres,
2002). Como resultado, neste início do século XXI, os Estados Unidos tem
acordos militares com cerca de 130 países, ao redor do mundo, e mantém mais de
700 bases militares, fora do seu território. E assim mesmo, devem seguir se
expandindo - independente de qual seja o seu governo - sem precisar ferir
necessariamente o Direito Internacional, e sem precisar dar explicações a
ninguém. Por isto, soa absolutamente cômica e desnecessária a justificativa de
que as novas bases militares dos EUA, na Colômbia, tem a ver com o combate ao
narcotráfico e a guerrilha local, assim como os argumentos que associam a
instalação do escudo anti-mísseis dos EUA, na fronteira com a Rússia, com o
controle e bloqueio de foguetes iranianos. Como soa ridícula, neste contexto, a
evocação do “princípio básico da não ingerência”, na defesa das decisões
colombianas, polacas ou checas. Neste “jogo” não há limites e por mais
lamentável que seja, os “neutros” são irrelevantes ou sucumbem, e só lhes restam
duas alternativas, para os que não aceitam aliar-se ou submeter-se à potencia
expansiva: no caso dos mais fracos, protestar; e no caso dos demais,
defender-se.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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