NCeHu 21/08
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A REPETIÇÃO DE UM
ERRO
Israel não aprende!
A história tem mostrado que o colonialismo só sobreviveu
intacto, quando a maioria dos nativos usurpados foram exterminados. Algumas
vezes, como na Argélia ocupada, os colonizadores tiveram de fugir. A prosseguir
a violência de Israel sem que nada a detenha, os palestinos não aceitarão nem a
solução de um Estado igualitário, e os colonialistas de Israel serão forçados a
sair.
Nir
Rosen
Al-Jazeera
Quando George Bush, presidente dos EUA, pisou pela primeira vez
na Casa Branca como comandante-em-chefe, em 2001, os palestinos estavam sendo
mortos na intifada de al-Aqsa. Oito anos depois, quando Bush prepara-se para
sair de lá, Israel realiza um dos maiores massacres dos seus 60 anos como
potência ocupante, na Palestina. Antes, como hoje, os EUA decididamente apóiam a
ofensiva israelense, e dizem, até, que seria defensiva.
Recentemente, um
general israelense ameaçou usar força militar para obrigar Gaza a "retroceder
décadas", a mesma linguagem usada antes de Israel invadir o Líbano, em 2006.
Mas, apesar de Israel ter devastado o Líbano, o Hizbóllah emergiu vitorioso, e o
movimento social e de resistência dos xiitas emergiu como herói do mundo árabe.
Hoje, Israel está próximo de cometer erro idêntico, na luta contra o Hamás.
Israel, para assinar uma trégua com o Hamás, exige que os palestinos
aceitem, mudos e imóveis, qualquer tipo de bloqueio ou sítio. Israel negou-lhes
até os meios mais básicos para a sobrevivência e, isso, sem falar que sempre
lhes negou qualquer chance de construírem uma sociedade funcional. E a cada
movimento de resistência, Israel tentou esmagá-los.
Já no Líbano, há
anos, Israel deveria ter aprendido, de uma vez por todas, que a força militar
não basta, para destruir a resistência dos palestinos.
O papel da
mídia
O exército israelense chacina, depois de ter aprisionado, a
população de 1,5 milhão de seres humanos que vive em Gaza, e o Ocidente assiste
ao sacrifício dos palestinos. A mídia opera para explicar, quando não para
justificar, a carnificina em cores.
Até no mundo árabe houve noticiários
e comentaristas para informar que o poder de fogo da resistência palestina -
praticamente rojões, todos de fabricação caseira - seria grave ameaça à
portentosa máquina militar que Israel é, mais do que comanda ou possui.
Pois nada disso é surpresa; os israelenses montaram uma campanha global
de propaganda para obter apoio para o assalto, e até conseguiram, sim, a
colaboração de alguns Estados árabes.
Um jornal norte-americano
convidou-me certa vez para uma discussão sobre se haveria caso ou circunstância
em que se justificasse o terrorismo ou o ataque militar a populações civis.
Respondi que nenhum jornal norte-americano deveria perguntar a mim sobre
justificativas para ataques a civis desarmados. Que essa pergunta só poderia ser
respondida por, e portanto só poderia ser feita a, civis que algum dia tivessem
sofrido ataque militar: pelos índios nos EUA, há 150 anos; pelos judeus, na
Alemanha Nazista; pelos palestinos, hoje.
Terrorismo é termo que se usa
hoje, doentiamente, para descrever o que 'outros' fazem, não para descrever o
que 'nós' fazemos. Nações poderosas, como Israel, os EUA, a Rússia ou a China,
sempre descrevem como "terrorismo" a luta de resistência que seja feita, contra
as nações poderosas, pelas suas vítimas.
Estranhamente, não dizem que
seria ato de terrorismo a destruição da Chechênia, o massacre lento do que resta
dos palestinos, a repressão aos tibetanos e a ocupação, pelos EUA, do Iraque e
do Afeganistão.
As mesmas nações, porque são potências militares,
definem o que seja legal e permitido, no que tange a matar em grande escala. As
mesmas nações formulam o conceito de terrorismo, criam leis terroristas, e fazem
parecer que alguma corte neutra houvesse definido alguma espécie de lei do
opressor, do ocupante, do invasor, do assassino.
Assim se torna ilegal,
por definição, que o oprimido, o ocupado, o invadido, o mais fraco resista.
O uso excessivo do jargão judiciário e legalista de fato mina os
fundamentos do que é legítima e verdadeiramente legal e diminui a credibilidade
das instituições internacionais como a ONU. A lei passa a ser inimiga dos que
resistam.
Já é visível que os poderosos - os que escrevem as leis -
insistem na legalidade apenas para preservar relações de poder que lhes sirvam
ou para criar ou para manter relações de ocupação e de
colonialismo.
Resistência desesperada
Os poderes coloniais
sempre usam estrategicamente as populações civis. Sempre cabe a civis ocupar
terras e deslocar as populações nativas, sejam as populações indígenas nos EUA,
sejam palestinos no que hoje são Israel e os Territórios Ocupados.
Assim
surgem os grupos civis armados, em movimento desesperado de resistência, porque
a resistência local grupal passa a ser o único modo de enfrentar a ameaça sempre
iminente da erradicação.
Os palestinos não atacam civis israelenses
porque esperem que aquela violência derrote ou destrua Israel. Eles recorreram à
resistência armada quando perceberam que há uma dinâmica poderosíssima, quase
irreversível, que os quer extrair da própria terra e da própria identidade,
apoiada num poder que parece ser incomensuravelmente maior do que qualquer
resistência. Então, sim, recorreram às armas, como qualquer um recorreriam a
qualquer meio que encontrasse.
OLP, depois Hamás
Em 1948,
quando Israel implantou-se como um novo Estado, houve um processo de 'limpeza
étnica' de 750 mil palestinos, deliberadamente arrancados de suas casas;
centenas de vilas foram destruídas até serem reduzidas a pó.
A terra que
ali havia foi entregue a colonos judeus que até hoje negam que ali existissem
palestinos e fazem guerra, há 60 anos, contra as populações nativas e contra
todos os movimentos de libertação nacional que os palestinos organizaram por
todo o mundo.
Israel, seus aliados no Ocidente e vários países árabes na
região conseguiram corromper as lideranças da OLP, com promessas de poder, ao
preço da liberdade da Palestina. Assim, Israel neutralizou o poder legítimo da
OLP de Arafat e surgiu a OLP que passou a colaborar com a Israel ocupante. Dos
restos da OLP de Arafat nasceu então o Hamás. Imediatamente, Israel mudou seu
foco: o alvo, então, passou a ser o Hamás.
E o Hamás passou a ser
obsessão, para Israel quando, há três anos, venceu as eleições legislativas.
Ao apoiar o boicote e o sítio de Gaza, para atacar o Hamás, o Ocidente,
de fato, declara os palestinos 'não preparados' para a democracia. Todas as
ditaduras do mundo, até hoje, fizeram, sempre, igual
'avaliação'.
Isolamento e radicalização
Ao declarar aos
palestinos que não são livres para votar e escolher seus líderes, líderes nos
quais confiam, e têm de curvar-se e aceitar líderes que lhes sejam impostos, a
comunidade internacional aprofunda o isolamento – e portanto os leva a
radicalização cada vez maior dos palestinos.
Essa radicalização já é hoje
maior do que jamais foi, porque Israel continua a bombardear a já precaríssima
estrutura de sobrevivência na Palestina ocupada, sob o pretexto falso, como se
vê, de estar atacando estruturas do Hamás.
É mentira sobre mentira; as
forças de Israel bombardearam instalações da Polícia palestina. Já assassinaram,
dentre outros, Tawfiq Jaber, Chefe da Polícia, ex-oficial da OLP de Arafat, que
permaneceu no cargo depois que o Hamás foi eleito.
Com o fim dos últimos
vestígios de ordem e segurança debilitados ainda mais por sucessivos ataques
militares israelenses, haverá caos, em Gaza. Com o Hamás muito enfraquecido, não
haverá grupo moderador.
Então, assumirá o poder, não alguma Fatah
debilitada, corrompida e impopular, mas um grupo extremista, persuadido pela
violência do bloqueio e pela brutalidade dos ataques israelenses, de que nenhuma
negociação se pode esperar, que não se pode confiar, porque todo e qualquer
acordo sempre será rompido por Israel.
Políticas fracassadas
Nos últimos 60 anos, os políticos israelenses têm incansavelmente
repetido que "a violência é a única linguagem que os árabes entendem." Mas
Israel, muito mais que os árabes, tem feito da violência, rotina. Na Cúpula
Árabe em Beirute, em 2002, a Liga Árabe, coletivamente, ofereceu meios a Israel
para pôr fim ao banho de sangue e evoluiu para um acordo de paz regional amplo.
Em resposta, Israel invadiu Jenin e matou centenas.
Mês passado, a Fatah
lançou campanha, pelos jornais, para reviver a Iniciativa de Paz de 2002.
Israel, outra vez, respondeu com brutalidade.
Uma Israel sionista já não
é projeto viável. E as colônias armadas, a expropriação violenta de terras e os
muros de separação já tornaram impossível qualquer Solução dos Dois Estados.
Só pode haver um Estado, na Palestina histórica. Mais dia, menos dia, os
israelenses terão de enfrentar a questão que decidirá seu destino: como
construir uma transição pacífica e construir, afinal, uma sociedade de
palestinos e israelenses, sociedade igualitária, na qual os palestinos tenham os
mesmos direitos que os israelenses.
Mais alguns anos de violência
desmedida, nem essa alternativa será possível.
A história tem mostrado
que o colonialismo só sobreviveu intacto, quando a maioria dos nativos usurpados
foram exterminados. Algumas vezes, como na Argélia ocupada, os colonizadores
tiveram de fugir. A prosseguir a violência de Israel sem que nada a detenha, os
palestinos não aceitarão nem a solução de um Estado igualitário, e os
colonialistas de Israel serão forçados a sair.
Restaurar a Palestina
Apesar de nada fazer na direção de qualquer processo de paz para o
Oriente Médio, a Casa Branca, nos anos recentes tem-se mostrado incapaz de
resolver o nó da ocupação da Palestina por Israel, principal causa que põe em
armas todos os militantes anti-americanos no mundo árabe e fora do mundo árabe.
O anti-americanismo é o denominador comum que modula todos os discursos
populistas, no Oriente Médio. Invadir o Iraque ou oferecer vantagens a Estados
aliados, não ajudará a resolver o problema em que os EUA converteram em problema
quase insolúvel para todo o mundo.
Nas minhas viagens e pesquisas, tenho
falado com jihadistas no Iraque, no Líbano, no Afeganistão, na Somália e em
outros lugares: todos falam da luta dos palestinos como sua de suas principais
motivações.
O apoio a Israel custará muito caro aos EUA. Em breve, as
ditaduras árabes, que os EUA consideram moderadas e que contribuem para manter a
hegemonia dos EUA na região perceberão que, elas mesmas, estão em posição
insustentável.
Perda de prestígio
Já se vêem aparecer novas
tensões na região. Damasco retirou-se das conversações tripartites com Telavive.
Muitos árabes já temem, não só Israel ou os EUA ou ambos, mas, mais, a própria
instabilidade interna de seus governos e regimes, enfraquecidos por décadas de
colaboração com Washington.
Também em Israel, a opinião pública começa a
apresentar tendências novas. Embora 81% dos israelenses estejam hoje apoiando a
guerra, pesquisa recente mostrava que apenas 39% dos israelenses acreditam que o
atual governo, com guerra ou sem, conseguirá enfraquecer o Hamás ou reduzir a
violência.
Em editorial, há poucos dias, o jornalista Gideon Levy
escreveu, no Haaretz, de Telaviv, editorial intitulado "The neighborhood bully strikes again" ("O delinquente do
quarteirão ataca novamente" (28/12/2008).
Barack Obama, presidente eleito
dos EUA permanece mudo, enquanto Israel assassina palestinos. A mudez é
manifestação de cumplicidade.
(*) Nir Rosen é jornalista, professor
do New York University Center on Law and Security, autor de "The Triumph of the
Martyrs: A Reporter's Journey in to Occupied Iraq" (escrevendo de
Beirute).
Publicado originalmente na Al-Jazeera, em 31/12/2008.