O
Reciclo da Região Turística por
Expansão Geográfica
e
Redistribuição
Territorial das Funções
Nilson Crocia
Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
Brasil
Resumo:
O trabalho examina experiência brasileira de difusão do turismo na perspectiva
da extração de lições para a construção do turismo sustentável. Relaciona
a teoria dos ciclos das destinações (resorts) à análise da redistribuição
territorial das funções dentro das regiões turísticas, identificando
assim um tipo de reciclo ou rejuvenescimento continuado da destinação mediante extensividade
geográfica. Sugere urgentes correções no processo de extensividade (3
Figuras, 2 Tabelas, 1 Quadro-síntese e Referências
Bibliográficas).
Introdução
O
presente Artigo, motivado pelas análises e problemas em torno do tema da
sustentabilidade na atividade turística no Brasil, propõe-se a rediscutir a
Teoria Evolutiva das Destinações Turística ou do Ciclo dos
Resorts. Desta maneira, revisita-se este modelo teórico no contexto do
imperativo da sustentabilidade e à luz das realidades empíricas de
uma experiência da difusão do
turismo no Brasil. O campo central de observação é a Região Turística de
Pipa (RTP), que envolve os Municípios de Tibau do Sul e de Canguaretama
no Estado do Rio Grande do Norte, litoral ao sul da capital (Natal) (Figura 1).
A cidade
de Natal se transformou na última década numa das mais bem sucedidas destinações
turísticas e foco de investimentos públicos – através do Projeto Prodetur - e
privados do litoral do Brasil; daí e pouco a pouco, a função turística foi se difundindo para o litoral dos
Municipios ao norte e ao sul desta cidade. A Região Turística de Pipa
(RTP), a cerca de 60 km de Natal,
representa a parte mais remota territorialmente dos efeitos consistentes
da difusão do turismo em direção ao sul.
O Município de Tibau do Sul, onde se encontra a destinação Pipa que é a
cabeça da RTP, teve um crescimento demográfico médio de 6,87%
ao ano entre 1996/2000, e isto essencialmente provocado pelo turismo que se
expande sobre o seu sítio geográfico de dunas e falésias. O outro
Município pertencente à RTP, Canguaretama, onde se encontra a destinação
Barra do Cunhaú, apresentou no mesmo período um crescimento populacional de
2,82% em média ao ano – a maior parte deste dinamismo, é verdade, deve-se à carcinocultura em larga escala (Tabela
1, Figura 1).
Figura 1
(Mapa)
Tabela 1
Municípios
da RTP e respectivas Populações Totais, nos anos de 1991, 1996 e 2000,
e
Taxas Médias Anuais de Crescimento (%) entre 1991/1996 e 1996/2000.
RN
Municípios
|
População
Total
em 1991
|
População
Total
em
1996
|
População
Total em 2000
|
Taxa
méd. anual (%) de crescimento
nos
períodos
1991/96
1996/2000
|
|
|
5,964 |
5,946 |
7,757 |
- 0.06
6.87
|
|
2.
Canguaretama |
22,919 |
24,128 |
26,963 |
1.03
2.82
|
96,6 |
Fontes: Ibge , Censos Demográfico. do Brasil (1991,
2000), e Contagem de Pop. 1996, R. de Janeiro
Observação:
de 1996 a 2000, a taxa média anual
de crescimento para o Estado do Rio Grande do Norte (RN) (com 2,8 milhões de habitantes no ano 2000)
foi 2,01% (Ibge, mesmas fontes).
Ao
fim do Prodetur I, identificou-se que a fragilidade na capacidade de gestão a
nível municipal, em toda a Região Nordeste, ameaçava a sustentabilidade do
desenvolvimento turístico nos Pólos. Em decorrência disto, o
fortalecimento desta capacidade assumiu o status – agora ao lado das
infra-estruturas – de componente estratégico no
Prodetur II (BNB/Prodetur, 2002). Daí certamente deriva na nova fase do
projeto a enfática
exigência institucional que os municípios dentro dos Pólos
Turísticos tenham já, como
condição para recepção dos investimentos, os seus Conselhos de Turismo
instalados, assim como já elaborados os seus Planos de Desenvolvimento Integrado
de Turismo Sustentável (PDITS).
A
seguir, o conceito de paisagem/região, que é central na epistemologia da
Geografia (Gomes, 1995), é utilizado para cooperar no entendimento da
experiência sob foco, circunscrevendo-a territorialmente, e deste modo
fornecendo o objeto que vai ser submetido à análise temporal ou cíclica proposta
no modelo de Butler (1980). Procede-se a uma revisão teórica sumária deste
modelo, examinando-se alguns criticismo e endossos que se mostram relevantes
para a análise e interpretação da difusão do turismo na Região Turística de
Pipa (RTP). A análise temporal é relacionada com as discussões sobre turismo
e sustentabilidade, e por fim o fenômeno mesmo da dinâmica têmporo-espacial da
RTP é analisado e tipificado
formalmente do ponto de vista geográfico. Diretamente emergentes destas
análises, são apresentadas propostas de ação no campo do planejamento
territorial do turismo na perspectiva da sustentabilidade.
1.1. Região/Paisagem,
Sustentabilidade e Modelo Cíclico
Paisagem/Região.
É com o objetivo de
identificar, na continuidade da superfície da terra, identidades areais em
função de um critério ou conjunto de critérios, que se emprega a terminologia
Região/Paisagem. No caso presente, a Região Turística de Pipa
apresenta uso dominante e progressivo do solo pela função turística e o
comportamento desta função ao longo dos últimos anos tem sido o elemento chave
para o entendimento da dinâmica da ecologia regional ou da paisagem.
1.2. Análise temporal
ou cíclica das destinações turísticas.
A análise de longo prazo do
resort.
O modelo mais conhecido a introduzir a
análise temporal das destinações turísticas é o modelo de tendência (longo
prazo) dos resorts de R. Butler (1980). O resort é equalizado a uma
região turística e o seu desenvolvimento é modelado através da
identificação de uma seqüência de seis estágios ou fases de evolução:
1)
exploração,
2)
envolvimento,
3)
desenvolvimento, 4)
consolidação,
5)
estagnação
e, finalmente, a última fase na
qual poderia acontecer ou o 6)
declínio ou o
rejuvenescimento da destinação.
Que os
resorts passam por mudanças ao longo do tempo muitos haviam percebido.
Likorish & Kershaw (1958, cit. por Choy, 1992, p.26) descreveram a tendência
à substituição dos visitantes ricos pelos visitantes da classe média à proporção
que o resort se torna mais antigo; e finalmente o domínio da destinação
pelos visitantes de menor renda. Observações similares estão nos trabalhos de
Christaller (1963, cit. por Butler, 1980, p.5) acerca de destinações na Europa,
e de Plog (1972) e Stansfield (1970). A idéia básica é que existe uma
sucessão diferencial de visitantes e R. Butler sistematiza esta idéia
inspirando-se no conceito de ocupação seqüencial de D. Whittlesey (1929)
tal como o observa Johnston (2001, p.5). O modelo de Butler, portanto,
inspira-se nas idéias ecológicas de dinâmica das populações, de difusões de
mudanças pelo espaço (Wilkinson, 1996, p.17) e de ecologia regional ou da
paisagem.
Para
Butler existiria um processo acumulativo na evolução de uma zona turística, de
maneira que o acontecido em uma destinação vai organicamente afetar o que irá
acontecer no futuro. Neste modelo, um resort turístico possui origem,
desenvolvimento e decadência, de maneira que dificilmente outro modelo poderia
ser mais apropriado às discussões sobre o imperativo da sustentabilidade.
Fases e análise de sustentabilidade da Região
Turística.
O modelo de Butler tem sido objeto de
muitas críticas, inclusive quanto à seqüência das fases. O próprio Butler afirma
que no caso de o turismo ter se difundido por áreas onde não havia assentamento
humano anterior, ou em que este assentamento era de pequena importância, não
faria sentido considerar os dois primeiros estágios (exploração e envolvimento)
(Butler, 1980, p.11, baseando-se em Noronha, 1976). Douglas, por seu turno,
aponta a situação das Ilhas Salomão que aparentam estar no início de seu
desenvolvimento mas que devem, na realidade, já estar entrando em um “estágio
modificado de declínio” (Douglas, 1997, p.17), situação similar à de Papua
New Guinea que deixou os “primeiros momentos de evolução” para declinar
desde 1973 (Douglas, 1997, p.17).
Agarwal
lamenta a ausência de indicadores claros para os pontos de passagem de
uma fase a outra; melhor seria considerar momentos de superposição entre fases
(Agarwal, 1997, p.69,70,71). Estas críticas lançam dúvidas sobre o poder
antecipatório do modelo para enfrentar questões de sustentabilidade do
resort. Outros acusam o modelo de Butler de oferecer uma interpretação
naturalista e fatalista para o desenvolvimento das destinações
turísticas.
Modelo, sustentabilidade e ação
humana.
O modelo, argumenta-se
deconstrutivamente, seria reforçador das visões deterministas dos processos
sociais e ambientais, produzindo uma desvalorização dos indivíduos como agentes
sociais capazes de reações sustentáveis. O modelo, segundo Franklin &
Crang, modelaria o turismo tomando-o como “um fenômeno cultural
constante”, gerando-se, segundo Picard (1996, p.104, cit. por Franklin &
Crang, 2001, p.7), um “esquema conceitual coercivo” (Franklin &
Crang, 2001, p.7). Existem, evidentemente, outros modelos de natureza evolutiva
similares ao de Butler,
mas foi o seu modelo que acabou se tornando, segundo Franklin & Crang (2001, p.7), o “vilão”.
Fatores externos/internos, reciclo e
sustentabilidade da destinação.
Um dos aspectos do modelo de Butler a
atrair maior criticismo refere-se ao papel exercido pelos fatores externos e
internos no desenvolvimento da região turística. Sendo maior a ênfase conferida
pelo modelo aos fatores orgânicos internos, o complexo ambiente de fatores
culturais/sociais/políticos e econômicos externos seria sub valorizado. Agarwal afirma, por exemplo, que
mudanças em um destes fatores poderiam ser suficientes para afetar a forma geral
da curva do ciclo do resort (Agarwal, 1997, p.66-67) e que as alterações
nestes fatores são usualmente imprevisíveis (Agarwal, 1997, p.67).
A
introdução de novas atrações - tais como casas de shows, marinas - pode lançar a
destinação em novo(s) ciclo(s) a ponto de alterar toda a lógica de seqüências do
ciclo anterior, cortando-se os vínculos com a história prévia do resort
(Choy, 1992, p.29). O modelo de Butler falharia em identificar as
mudanças de produto em uma destinação. Estaríamos diante de um novo ciclo
ou diante do mesmo antigo ciclo renovado (Choy, 1992, p.29). Oppermann (1993,
p.550) reporta um fenômeno analisado por Evans (1979, cit. por Oppermann),
aquele em que uma destinação original congestionada e enfrentando sérios
problemas para se desenvolver acaba por se revitalizar como foco de visitas
de um dia (mudança funcional e de produto), em função de longos
desenvolvimentos hoteleiros ao longo da costa.
Modelo e
previsibilidade.
Cooper argumenta que o modelo é útil
como “conceito descritivo unificador”, uma vez que permite ao pesquisador
integrar diferentes fatores que influenciam a dinâmica de uma destinação
turística, mas que apenas no caso de algumas destinações o desenvolvimento do
resort coincidiria com o modelo (Cooper, 1994, p.344, cit. por Wilkinson,
1996, p.23). Não se deveria esperar muito da sua capacidade preditiva, conclui.
Similarmente,
Agarwal considera o modelo de Butler como uma estrutura conceptual descritiva
útil para identificar agentes e processos atuando em uma destinação particular.
Mas, quanto à capacidade de generalização do modelo, Agarwal é ainda mais
restritivo que Cooper, ao afirmar
que cada destinação tem seu modelo específico (Agarwal, 1997, p.67).
Choy, por seu turno, apesar de considerar o modelo de Butler “intuitivamente atrativo”,
argumenta que ele não coincidiria com a experiência das destinações nas Ilhas do
Pacífico (Choy, 1992, p.29). Russel
Smith, contudo, em seu trabalho sobre a destinação litorânea de Pattaya, na
Tailândia, entende que os efeitos de deterioração da destinação, à proporção que
a urbanização turística se expande, não negam as proposições gerais contidas no
modelo de Butler (1992, p.318). O problema reside em que a evolução dos
resorts, assim como que caminhos a morfologia urbana dos resorts acaba
por seguir, são assuntos a exigir mais investigações (Smith, 1992,
317-318).
2.1. Análise temporal da Região
Turística de Pipa (RTP)
É em
torno da vila de Pipa - com 54 dos 79 hotéis e pousadas existentes na sua Região Turística em 2001 (Tabela
2) - que a difusão do turismo é constelada ou gravita nos Municípios de Tibau do
Sul, principalmente, e de Canguaretama. Esta difusão se realizou mediante uma
forma alongada e litorânea apoiando-se na sede de T. do Sul, na vila de Pipa e na vila de Barra do
Cunhaú (Canguaretama). A estrada que as liga todas, litorânea, especialmente no
trecho Tibau-Pipa, está se transformando num emblemático corredor de
hotéis e pousadas (Figura 1). A dominação pela atividade turística no Município
de Tibau do Sul atingiu já uma intensidade muito alta, a julgar pelo cálculo do
Índice da Intensidade da Função
Turística de Defert que atinge o valor de 31,5.
Tabela
2
Acomodações
na Região Turística de Pipa (RTP), RN.
N0
de Hotéis (NH), N0 de Unidades de Habitação (UH)
e
Relação
UH/NH (capacidade média de alojamento por Hotel),
segundo
os elementos da estrutura espacial integrada turística de Pipa.
Ano de 2001 – pesquisa direta
Destinação |
Número
de Hotéis |
N0
de Unidades
de
Habitação
|
Numero
de UHs/Numero de
Hotéis |
Tibau
do Sul sede |
6 |
69 |
11,5 |
Corr.
Tibau-Pipa |
5 |
92 |
18,4 |
Pipa |
54 |
565 |
10,5 |
Barra
do Cunhaú |
14 |
135 |
9,6 |
Total
da RTP
|
79 |
861 |
10,9 |
Ao longo
dos anos de 1970 e 1980, Pipa, como as demais localidades que hoje compõem a sua
Região, não apresentava importância quanto ao turismo. Assim,
toda a área em foco manteve até o começo dos anos de 1990 paisagens rurais
tradicionais com estoques conservados de capital natural e cultural tradicional.
Como se deu a difusão do turismo em Pipa? Ao final dos anos de 1970 uns poucos
turistas aventureiros – drifters – oriundos dos países nórdicos e de
perfil alternativo descobriram a vila de Pipa. Estes turistas eram
atraídos pela autêntica cultura tradicional de Pipa povoado pesqueiro e pela
conservada natureza das suas dunas e falésias (fases de exploração e
envolvimento), e a difusão seguia lentamente.
Mas,
em 1994 a velha estrada colonial e carroçável cortando os campos de cana de
açúcar ligando a cidade de Goianinha
- nas margens da BR 101 e a 60 km de Natal – a Tibau do Sul (sede) foi
asfaltada, e foi aberta a estrada
ligando esta sede à vila de Pipa pela beira do mar, uma via costeira por cima
das falésias e cortando as dunas. A aceleração na difusão turística já percebida
desde 1992 ganhou energia (Figura 2),
evidentemente em sintonia e
impulsionada
pelas mesmas forças da difusão geral da
função na região de relações de Natal e no litoral do Nordeste (fase de
desenvolvimento). Em decorrência disto, no litoral dos Municípios de T. do Sul e
Canguaretama - formando a RTP - pode-se presentemente identificar a
seguinte estrutura espacial:
Æ
a sede administrativa de Tibau, com apenas seis hotéis/pousadas, que mantém
sua planta física tradicional pouco desfigurada e padrão funcional rural e
pesqueiro, apesar de em franca turistização;
Æ
o Corredor de Hotéis Tibau-Pipa, à frente do mar, com cinco hotéis cuja média
de Unidades de Habitação é o dobro
do tamanho médio prevalecente em toda a RTP;
Æ
a vila de Pipa, transformada ao longo dos anos de 1990 em localidade altamente
especializada na função turística, com 54
hotéis/pousadas;
Æ
e o assentamento de expansão hoteleira de Barra do Cunhaú, ao sul de Pipa, no
Município de Canguaretama (Tabela
2, Figura 1).
Sendo
Pipa o foco da difusão, logo a escassez de terrenos no centro da vila – o
DRC: Distrito de Recreação e Comércio - impulsionou para cima o preço da terra na mesma, as edificações
se densificaram e os
congestionamentos na circulação se
tornaram rotineiros. Daí a
sede Tibau, o
mencionado Corredor Tibau - Pipa e mais recentemente Barra do Cunhaú - e ainda os terrenos nas bordas mais
próximas da vila de Pipa, a 1 ou 2 km do DRC - tornaram-se de especial interesse para os investidores de maior porte,
precisamente médios empresários com objetivos de instalar hotéis do tipo
resort para as classes médias. A informalidade nos serviços
turísticos foi cedendo
espaço
à institucionalização médio-empresarial à medida que o desenvolvimento e a
consolidação decorriam na RTP.
Tal
disponibilidade de terras à beira-mar ou a pouca distância do oceano na
Região Turística de Pipa, condição propiciada por um país continental com
ainda largos estoques de capital natural,
permitiu mediante a extensividade
que o desenvolvimento do resort Pipa (a vila) tivesse desviado o seu
potencial curto caminho rumo à estagnação e à deterioração por declínio da
qualidade ambiental e cultural (esgotamento do produto). A variável
geográfica
ofereceu generosamente sobrevida a esta destinação. A identificação da natureza
territorial e geográfica desta sobrevida, ainda que predatória e
super-extrativa, constitui o problema central identificado neste Artigo
acerca do desenvolvimento da RTP.
A
Figura 2 permite visualizar, de maneira agregada – Região Turística de Pipa
(RTP) –, ou separadamente
– na vila de Pipa e nos Assentamentos Externos -, o marcante crescimento da oferta de acomodações nos últimos 12
anos (1990/2001). Tal oferta passa de ½ centena de Unidades de Habitação (UHs)
em 1990 para quase 9 centenas em 2001. O gráfico expõe ainda o caráter
organicamente enredado e coeso – a extensividade
-
deste crescimento nas duas secções de área ou zonas internas que compõem
a RTP.
A
Figura 3 esclarece como este crescimento se distribuiu entre aquelas duas
zonas internas. A situação de partida (1990) caracteriza-se por uma distribuição
eqüitativa da baixíssima oferta de acomodações, entre Tibau sede e a vila Barra
do Cunhaú – a expansão em Corredor evidentemente ainda não existia – por um lado, e a vila de Pipa por outro,
configurando uma indiferenciação distributiva. Entre 1990 e 1992 o
crescimento de UHs tendeu fortemente a se concentrar na vila de Pipa,
como foco da difusão turística e a vila obteve percentuais altos de concentração
de UHs até 1995, quando passa a concentrar 3/4 de todas as UHs. A partir de
então, o gráfico indica dois movimentos de declínio desta importância para a
vila de Pipa (um mais brusco e curto em 1995/96, e outro mais leve e sustentado
a partir de 1998) e demonstra que desde os
meados da década a importância relativa do
número de UHs na vila de Pipa jamais voltaria aos níveis elevados e crescentes
anteriores. Observou-se, portanto, uma clara tendência
de extensividade,
argumento que se tornaria ainda mais consistente se adicionássemos à área
‘externa’ (Assentamentos Externos) a Pipa as UHs dos hotéis situados nas bordas
a 1 ou 2 km do centro (RDB) a oeste da vila, processo espacial de clara
identificação. Para os hóspedes do
Corredor, da sede Tibau, de B.
do Cunhaú e das bordas
indicadas, Pipa se tornou uma área de visitação para gastronomia, compras &
entretenimento e diversão noturna. A extensividade territorial
reforçou sua função polarizadora dentro do espaço turístico local mediante uma
sua maior especialização como DRC. Esta polarização de visitas de 1 dia exercida
pelo DRC da vila de Pipa com base na gastronomia e entretenimento consegue mesmo
atingir os turistas hospedados na cidade de Natal.
Estes
processos são acompanhados na vila de Pipa por problemas de abastecimento de
água, de esgotamento sanitário, destinação do lixo e congestionamento de
trânsito. A coleta pública do lixo
foi introduzida em 2001, não existe saneamento público e apenas naquele ano
hotéis e restaurantes iniciaram pagamento de taxas e impostos à municipalidade.
Do Plano Diretor e da Legislação Urbanística do Município de Tibau (1999), assim
como do seu Plano Turístico, aguardam-se ansiosamente os seus efeitos. Fato é
que a destinação encontra-se num claro momento de transição institucional, que
se espera possa ser consolidado pela indução e exigências contidas no Prodetur
II.
A
Região Turística de Pipa parece apresentar, na perspectiva do modelo dos
ciclos dos resorts de R. Butler, uma situação de complexa superposição das fases de desenvolvimento e consolidação. Assim
Quadro
Sinóptico Descritivo da Região Turística de Pipa (RTP),
RN.
Ítem
Analítico
|
Descrição |
Sítio
Geográfico |
Dunas
encimando falésias em geral sob ligeira abrasão; escarpas de falésias
dominantemente perpendiculares ao datum ou acentuadas, terminando em praias curtas
cobertas na maré alta O assentamento central ( Pipa) desenvolve-se sobre
três unidades topográficas: delgada pós- praia (sítio original),
escarpa, e dunas/falésias
principalmente, onde o relevo
é forte ondulado sobre material
arenoso. |
Situação
Regional |
Região
funcional urbana de Natal, da qual dista cerca de 80 km por asfalto; a 24
km da rodovia BR 101 que conecta as capitais brasileiras no litoral
oriental do Brasil. Natal funciona como ‘portão de entrada’ do turismo por
via aérea nacional; integrada ao espaço cibernético
(www.pipa.com.br). |
Agentes,
Escalas |
Proprietários
de pousadas e hotéis, empreendimentos de natureza familiar (informal) ou médio
empresarial, dominantemente de brasileiros oriundos equitativamente de
áreas metropolitanas do Nordeste e do Centro Sul; poucos proprietários
estrangeiros, oriundos do Mediterrâneo. Predomínio de hóspedes brasileiros
de metrópoles do Nordeste e Centro Sul; presença sensível de europeus.
Nenhuma ação inicial indutora governamental direta e inconsistente papel gestor
público.
|
Relações
do Assentamento Turístico com o Ambiente
Biofísico |
Drenagem
dos efluentes dos assentamentos contamina água
subterrânea e marinha; remoção da vegetação pioneira fixadora das dunas;
perdas em biodiversidade; oclusão de panoramas; ocupação por hotéis dos
antigos campos de produção local de alimentos (mandioca, milho, feijão) e
de carvão (mata semi-caducifólia); rápida corrosão de estoques no Capital
Natural. |
Interações
Sócio-Culturais-Econômicas |
Alteração
no mercado de trabalho: do trabalho agrícola e pesqueiro em direção às
ocupações menos remuneradas dos serviços; sentimentos de exclusão geográfica
por parte dos residentes diante da urbanização turística e choque de
valores,de orientação e de comportamento cultural;
formação de ‘sub culturas’ ; dependência econômica do habitante local
combinada com rejeições culturais mútuas.
|
Situação
da RTP em Análise de Ciclo ou
Tendência |
A
vila de Pipa revela sintomas
das fases de desenvolvimento e consolidação; à escala da Região Turística de
Pipa, reciclo por expansão geográfica e redistribuição territorial das
funções de acomodação, por um lado, e entretenimento/gastronomia/compras
por outro;
Capital
Cultural da urbanização turística soterra Capital Cultural tradicional e
ganha mais e mais importância como atratividade em comparação com o
Capital Natural, que se corrói; necessidade imperativa de mecanismos
institucionais de planejamento, gestão e monitoramento – especialmente do
estoque de Capital Natural - para perseguir sustentabilidade p/a
Região. |
conclui-se
pela identificação dos sintomas ambientais e sociais e de reação institucional
já descritos. Ao mesmo tempo parece estar acontecendo na Região
Turística de Pipa
em seu conjunto - mediante a
expansão hoteleira no Corredor, na sede de Tibau, em direção à Barra do Cunhaú e
nas bordas da vila mesma de Pipa
- um re-ciclo
ou rejuvenescimento continuado do
‘produto’ por expansão geográfica e redistribuição territorial das
funções
de acomodação, por um lado, e entretenimento/gastronomia/compras por outro. As
novas secções territoriais de expansão ostentam uma viva fase de exploração
rápida, instantânea e empresarial-imobiliária, o que injeta rejuvenescimentos nas funções do DRC, ao
passo que a especialização do DRC em direção à melhoria dos serviços de
gastronomia e entretenimento
reforça as novas secções.
Conclusões
A
conclusão geral que se oferece é que o emprego feito do modelo de tendência das
destinações turísticas, associado à observação empírica da morfologia da
destinação e das direções que têm tomado as distribuições das funções turísticas
na Região Turística de Pipa, permitiu identificar uma forma de
reciclo ou
rejuvenescimento continuado da região turística em seu
conjunto.
Este fenômeno certamente está longe de ser único e peculiar à RTP no
litoral brasileiro. O reciclo
do produto acontece em condições de grande disponibilidade de estoque de
recursos naturais e tem se dado praticamente livre de constrangimentos
institucionais-ambientais de ordem
conservacionista e sustentável. Difícil é evitar a conclusão que severos problemas de sustentabilidade
impor-se-ão em futuro próximo.
Outra
conclusão geral é referente à escala de análise e decisão referente à busca do
desenvolvimento turístico sustentável. A região turística pode envolver um ou mais
Municípios, de maneira que, sem prejuízo das ações municipais executivas e
legislativas, as análises e as propostas que se desenhem na direção da
sustentabilidade necessitam incorporar um raciocínio regional pluri-municipal.
Por fim, apesar do risco de incorrermos em hiper-simplificação, as observações e reflexões produzidas ao
longo do presente trabalho, parcialmente sumariadas no Quadro Sinóptico,
sugerem as seguintes ações em destinações similares no Brasil, com o objetivo de
preservar a qualidade e imprimir sustentabilidade de longo prazo às
regiões
turísticas litorâneas
emergentes:
u
reconhecer a divisão territorial das funções que já se produziu ou
tende a se produzir à proporção que o resort evolui, derivando daí o
plano integrado de desenvolvimento turístico e o zoneamento a ser definido
na escala da região turística local, região que pode incluir mais
de um Município. Em conseqüência, elaborar as ações indutoras e de controle
urbanístico, assim como definir prioridades, em atenção às zonas e de acordo com
o ‘cenário-modelo’ que se defina para a destinação após ampla negociação de
envolvimento local e multi-escalar. Enfaticamente se recomenda permanente
atenção e monitoramento do estoque de Capital Natural, este recebendo
definição operacional para fins de legislação de uso da
terra.
v
fortalecer
linhas de pesquisa teóricas - baseadas em pesquisas comparativas das
experiências brasileiras e do mundo tropical (América do Sul e Caribe, Pacífico
e África) - nos Programas Brasileiros de Pós Graduação stricto senso em
Turismo, Hotelaria, Geografia & Meio Ambiente direcionadas para produzirem
capacidade estratégica e antecipatória de planejamento territorial turístico
para a sustentabilidade.
w
montar nas zonas de recente expansão turística, um preciso, atualizado e
sustentado sistema municipal de registro das funções turísticas (acomodações,
restaurantes, entretenimento,etc) desenhado não somente para fins tributários
mas também para subsidiar as análises e as tomadas de decisão nos conselhos e
nas instâncias técnicas no campo do planejamento, gestão e monitoramento dos
aspectos econômicos, ambientais, sociais e territoriais do turismo, sem o que
planos e diretrizes tornam-se de difícil elaboração,
implementação, monitoramento e avaliação.
Agradecimentos:
expressamos
os nossos agradecimentos ao CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, DF, Brasil -, que financiou a pesquisa da qual
resultou o presente trabalho.
Referências
bibliográficas
ALBUQUERQUE,
K. & McELROY, J. (1992), Caribbean small-island tourism styles and
sustainable strategies, Environmental
Management, 16(5):619-632, cit. por Wilkinson, 1996,
op.cit.
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applicability and validity, Tourism Management, 18
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BNB/PRODETUR
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www.banconordeste.gov.br/prodetur.
BUTLER,
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24(1):5-12.
CHOY,
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