A estratégia dos distritos industriais
como instrumento do desenvolvimento regionale sua
aplicabilidade em Mato Grosso do Sul
Prof. Dr. Adáuto de Oliveira
Souza
Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (Brasil)
Nesse
trabalho, o objetivo geral foi investigar o papel desempenhado pela polarização como estratégia particular
de desenvolvimento no Estado de Mato Grosso do Sul (Brasil); mais
especificamente, buscamos compreender o significado geográfico da implantação
dos pólos de desenvolvimento e de seu principal instrumento, os distritos
industriais.
Analisamos os
dados preliminares sobre a implantação dos distritos industriais em cada uma das
quatro cidades-pólos: Campo Grande, Dourados, Corumbá e Três Lagoas. Partimos do
que poderíamos chamar de “modelo ideal apresentado”, enfocando
primordialmente seus objetivos,
justificativas, projetos de loteamentos, fontes de receitas, enfim, um
delineamento das principais características que sustentaram os respectivos
projetos. Evidentemente, estabelecendo relações entre o que foi idealizado e o
efetivamente implementado, desvelando as continuidades, as rupturas e as
contradições, reconhecendo e tratando as determinantes estruturais, mas
igualmente concentrando a investigação na (re)construção do processo de
formulação dessa política, tomando como fio condutor os conflitos que permearam
os diversos programas apresentados
e as ações executadas, mostrando como a agenda (política) se modifica e como os
diversos atores sociais se posicionam face a essa agenda.
A análise da
aplicabilidade dessa teoria nas referidas cidades-pólos implicou em considerar a
historicidade do processo, na medida em que se inserem numa relação de espaço e
tempo. A criação dessas formas – pólos/distritos - ocorre como resposta às
necessidades históricas, e sua compreensão, desse ponto de vista, depende de um
entendimento contextualizado da divisão do trabalho. Ademais, a particular
polarização/industrialização destas cidades sul-mato-grossenses não se explica por si mesma, abstraída
da totalidade espacial considerada.
A história
econômica do Brasil e da maior parte da América Latina, no Pós-Segunda Guerra,
esteve marcada pelo esforço de industrialização por substituição de importações,
como meio de romper com as amarras impostas pela dotação das chamadas vantagens
comparativas que, segundo defesa da CEPAL à época, condenaria os países
não-industrializados ao papel de exportadores de matérias-primas, inibindo seu
desenvolvimento. Nesse quadro, a idéia de planejamento – com suas implicações
ideológicas - difunde-se e
constitui-se num dos conceitos fundamentais produzidos pelo capitalismo
como instrumento de imposição, em termos mundiais, do capital internacional.
Foi nesse contexto que se originou a
teoria dos pólos de desenvolvimento.
A concepção vigente era a de que com a aplicação da polarização se
promoveria a eficiência econômica e a equidade regional, as regiões atrasadas se
desenvolveriam e os fluxos de pessoas, bens e capitais, que de outro modo se
dirigiriam para as áreas metropolitanas congestionadas, desviariam até
seletivos centros regionais.
Esse
discurso da importância do planejamento
do desenvolvimento vem acompanhado da criação de um extenso aparato de
intervenção pública na sociedade e no espaço: a criação de pólos de
desenvolvimento, da instalação de distritos industriais assumem papel
preponderante.
Andrade (1977,
p.103), afirma que os estudos sobre
a polarização e a tentativa de aplicar essa teoria à planificação do
desenvolvimento regional brasileiro, teve precursores, em nosso País na década
de 1951/60. Foi o momento em que os chamados problemas regionais ganharam
destaque na temática tratada pelas Ciências Sociais em geral e pela Geografia em
particular.
Sobre essa
questão, Becker & Egler (1993, p.148) advogam: "Poucos são os países do mundo que levaram tão longe as
idéias de Perroux como o Brasil."
Com o advento da
fase monopolista do Capitalismo no Brasil,
há uma generalizada convicção de que a maior riqueza e melhores padrões
de vida estão diretamente vinculados com a industrialização. Nesse sentido, a
industrialização é convertida em meta fundamental para o desenvolvimento
socioeconômico, recebendo decisivo apoio governamental e produzindo mudanças na
ordem econômica, social e política e na ocupação e (re)ordenamento do espaço
nacional.
O Centro-Oeste e, singularmente, o então Mato Grosso - no interior do
processo de divisão regional do trabalho - buscavam oferecer condições para a
industrialização de matérias-primas locais, caracterizando-se como área
alternativa de desconcentração industrial e principalmente promovendo a sua
definitiva integração à economia brasileira. Com esse
princípio é que, parece-nos, se
tornou possível a implementação dessas áreas-pólos em Mato Grosso do
Sul.
Com base na
teoria da polarização - respaldado
pela orientação do Governo Federal, através do II Plano Nacional de
Desenvolvimento - chegou-se oficialmente à
conclusão de que as cidades de Campo Grande, Dourados, Corumbá e Três
Lagoas - pelo intenso ritmo de urbanização e pela infra-estrutura
econômica, capazes de garantir o
sucesso da industrialização - tinham plenamente justificadas as suas escolhas
como pólos de desenvolvimento para a polarização das atividades econômicas no
antigo sul de Mato Grosso. Isto
implicou em dar prioridade à implantação de seus distritos industriais.
São
cidades dinâmicas economicamente que, depois de selecionadas, o Estado concentra
todos os esforços promocionais, fundamentalmente na implantação de distritos
industriais visando fomentar/disciplinar o desenvolvimento nesse pólo, com o
pressuposto de que, uma vez introduzidos novos incentivos, aquela tendência mais
facilmente se aceleraria e a partir dele (o pólo), desenvolver-se-ia a economia
regional, de modo que o crescimento se processaria e se propagaria para as áreas
sob sua influência.
Concebe-se a
política de distritos industriais como um instrumento fundamental para a atração
de novas indústrias, na medida em que, ao facilitar a localização desconcentrada
de unidades fabris, o façam de modo a propiciar maior aproveitamento de
economias externas e de aglomeração e, minimiza o seu impacto no ambiente
urbano, mediante implantação planejada.
Portanto, a eficácia dos distritos industriais na orientação do
desenvolvimento econômico e social do País tem, do ponto de vista
tecnoburocrático, poderes multiplicadores que inicialmente utilizam um nível
mínimo de desenvolvimento socioeconômico que é catalisado e utilizado num
processo de retroalimentação contínuo.
Embora se
justifique a criação de pólos e de distritos com argumentos derivando de
objetivos de promoção do desenvolvimento e
de área alternativa para a desconcentração industrial, é possível
observar que tais objetivos são tomados como um fim desejável em si mesmo, e não
como necessidades intrínsecas à própria valorização do capital. Assim, a
participação dos fundos públicos é
ideologicamente sustentada. Como exemplo, Perroux (1967, p.204) argumenta que "a
nação do século XX encontra nos pólos de desenvolvimento a sua força e o seu
meio vital."
O processo de
expansão capitalista em todas as escalas, teve na ativa presença governamental
um instrumento de proteção e incentivo à
acumulação. Oliveira (1998)
advoga que "a formação do sistema capitalista é impensável sem a utilização dos
recursos públicos."
Kurz (1998),
igualmente afirma "quanto mais a economia de mercado se expandiu
estruturalmente, abrangendo toda a reprodução social e tornando-se o modo de
vida universal, tanto mais a atividade do Estado precisava ser expandida." Esse
autor situa esse processo em termos
de teoria econômica, após a Segunda Guerra, no qual o Estado assume uma
orientação desenvolvimentista e intervencionista, nos moldes do que se
convencionou chamar “revolução keynesiana".
Com tais
pressupostos e analisando a trajetória de atuação do Estado na economia
brasileira, Mantega (1988) assinala que o Estado sempre teve, desde o início da
industrialização, um papel destacado na viabilização do capitalismo industrial e
financeiro do País. Tal assertiva é válida sobretudo com a implantação do II PND
no qual
previa-se a definição e fortalecimento de pólos de desenvolvimento, bem
como uma política de desconcentração industrial. É nesta conjuntura histórica
que há uma intensificação na implantação de distritos industriais pelo
território nacional, entre os quais incluem-se os Campo Grande, Dourados, Três
Lagoas e Corumbá.
No interior
das diretrizes do II PND, o poder público foi levado a interferir praticamente
em todos os setores da economia brasileira. No dizer de Dreifuss (1981),"o
planejamento tornar-se-ia uma dimensão da "racionalização dos interesses das
classes dominantes e a expressão de tais interesses como "Objetivos Nacionais."
Com esse
pressuposto, investigar o desenvolvimento econômico no Brasil é pesquisar a
função precípua que o Estado tem exercido na orientação interna do processo de
acumulação capitalista como um todo.
No caso desses pólos, tem executado programas especiais, através dos
quais implantou a infra-estrutura, corrigindo os pontos de estrangulamento; tem
concedido incentivos e financiamentos e definido as atividades consideradas
motrizes, e prioritariamente implantado distritos industriais .
Perroux
(1967), não elaborou propriamente uma teoria do Estado. Na sua teoria da
polarização está implícita uma concepção de Estado mediador, ao mesmo tempo em
que se caracteriza como modelador de uma política espacial para o país.
Considera o Estado como neutro e defensor do bem comum. Ao deter-se mais nas
formas de expansão das indústrias e, com base no que considera
desenvolvimento/crescimento etc., propõe formas de atuação estatal.
Sobre essa
questão, Lefebvre (1949) assevera que "a ilusão tecnocrática supõe que se
considere o Estado como um simples instrumento, como um conjunto de técnicas
governamentais, indiferente em si mesmo às relações sociais e superior a essas
relações." Portanto, apesar de suas pretensões à pura objetividade, a teoria
tecnocrática tem um conteúdo político.
No
caso de Mato Grosso do Sul, mesmo sendo um governo com o slogan "Governo
Popular", percebemos, ao analisar sua estrutura organizacional, que ele
permanece preso à lógica do capital, evidentemente preservando uma relação
própria e diferenciada do fundo público com a estrutura de salários, a correção
de desigualdades e dos elevados índices de pobreza. Portanto, não se desmonta o
suporte do fundo público à acumulação do capital, pois, como assevera Oliveira
(1998), "essa relação estrutural não pode ser desfeita, à condição de completa
anulação da possibilidade de reprodução ampliada do capital." É no âmago desse
processo que as leis de incentivos fiscais são discutidas, aprovadas e
aplicadas.
Nesse sentido,
em 2003 a Lei de Diretrizes Orçamentárias de Mato Grosso do Sul prevê uma
renúncia fiscal de R$ 608,3 milhões, o correspondente a 27,5% da receita bruta
prevista para o mesmo ano. Sobre essa questão, Kurz (1998) nos esclarece que "trata-se,
da contradição interna do próprio sistema moderno de produção de mercadorias,
que se reproduz em níveis cada vez mais elevados: quanto mais total for o
mercado, tanto mais total será o Estado."
Ademais, Mato Grosso do Sul possui uma dívida
externa - contraída a partir de 1994 - que no primeiro semestre de 2002
apresentava um saldo próximo de R$4 bilhões. É importante salientar, que no
contexto de ascensão do processo de redenção ideológica do mercado, o Estado
contraiu boa parte dessa dívida
justamente para aplicar em empresas que posteriormente foram
privatizadas. Por exemplo, para a construção de 17 armazéns da AGROSUL,
contraiu-se uma dívida junto ao BNDES de R$170,19 milhões (valores de 1999).
Tais armazéns - incluindo-se os construídos nos distritos de Dourados, Três
Lagoas e Campo Grande - foram
privatizados. Enfim, de um montante
próximo de R$4 bilhões de dívida, nada menos que R$1,3 bilhão foi assumida pelo
Estado de empresas estatais, que posteriormente foram privatizadas. Trata-se de
uma prática, corrente em todo o País, na qual se privatiza o público, sem a
contrapartida que é a publicização do privado.
A
industrialização, enquanto sinônimo de desenvolvimento, permanece como política
e prática, evidenciando que, apesar do discurso predominante de "retirada do
Estado", o fundo público continua presente, como pressuposto do capital.
Nesse sentido,
atualmente vigora em Mato Grosso do Sul, o Programa Estadual de
Fomento à Industrialização, ao Trabalho, ao Emprego e à Renda (MS EMPREENDEDOR),
sancionado pelo Governo Estadual, em novembro de 2001. Evidenciamos uma relação
dos instrumentos previstos nesse
programa com os pressupostos
da teoria perrouxiana: a importância atribuída à promoção da indústria motriz.
Um outro aspecto que igualmente merece
consideração foi a relevância atribuída à exportação. Nesse sentido,
constatamos uma certa similaridade entre a política estadual e aquela
estabelecida nacionalmente.
Constatamos
também que os distritos industriais, que num passado recente ocuparam papel de
destaque enquanto instrumento de planejamento da localização industrial, parecem
ter perdido importância e até os financiamentos governamentais deixaram de ser
condicionados à localização do empreendimento. Hoje o empresariado tem acesso à
linha de financiamento para implantação
industrial independentemente de estar/ou não localizada num distrito
industrial. Como essas áreas comportam contradições e conflitos, o empresário dá
preferência às novas áreas, ainda isentas destas contradições, que englobam
muitas vezes a própria incapacidade do Estado em implantar o modelo proposto.
Evidencia-se assim, que, embora seja um espaço projetado, implantado e
administrado pelo poder público, portanto, inerente portador do que Lefebvre
(1999) denominou ilusão estatista,
o processo de ocupação dos distritos industriais não está isento das
contradições, dos conflitos e das
tensões.
Os empresários
avaliam que o poder público foi incompetente na implantação do modelo proposto. O
confronto entre o que foi projetado e o que foi efetivamente implantado quanto à
infra-estrutura, contraditoriamente, aponta que os distritos não se
consubstanciaram em espaço de agrupamento da oferta de serviços e facilidades,
conforme previsto na própria definição do termo. Nesse sentido, o Estado é
colocado no centro da polêmica
sobre o desempenho funcional dessas áreas industriais planejadas. Todavia, é
preciso ter a clareza de que a alegada falta de capacidade administrativa é
insuficiente para explicar as dificuldades e carências dos distritos, enfim,
suas performances funcionais. É que
os empresários sempre querem mais do Estado e a reclamação, generalizada, é uma forma de mantê-lo
sob pressão, conforme apontado por
Mantega (1988).
A questão do
aproveitamento local da produção agropastoril e dos seus demais recursos
naturais - no Centro-Oeste e em Mato Grosso do Sul, particularmente - está
presente nas diretrizes governamentais desde o início dos anos de 1970. São
setores (agro)industriais que se ligam à expansão capitalista no meio rural e,
ao mesmo tempo, enquanto processo industrial, têm sua gênese relacionada ao
capital comercial.
Entrementes, a
partir dos anos de 1990 o processo de industrialização em Mato Grosso do Sul
começa a apresentar mudanças, principalmente nas cidades-pólos, ora em
tela.
Em Três
Lagoas, promulga-se uma nova lei de
incentivos fiscais (1.429/97), iniciando-se uma verdadeira "caçada" aos
empresários. No mesmo período, conclui-se a eclusa de Jupiá, na hidrovia
Tietê-Paraná, e o Gasoduto Bolívia-Brasil, projetos estruturadores - na forma
expressa pelo Consórcio Brasiliana - que repercutem na economia e na sociedade
tres-lagoense.
Nesse
contexto, Três Lagoas apresenta uma particularidade. É a única cidade que tem
dois distritos industriais sendo que o último ainda está sendo implantado. Quanto ao primeiro, implantado em 1975,
constatamos que vários projetos de infra-estrutura foram concebidos; o aparato
legal considerado necessário ao seu
funcionamento foi promulgado. Todavia,
a concepção de projetos no Distrito Industrial I, via de regra, não
significou a sua execução,
revelando que a performance daquela área, não tem cumprido com os objetivos para
os quais foi criada: apresentar os requisitos exigidos pelo empresariado; atrair unidades fabris e gerar empregos.
Por sua vez, o
Distrito Industrial II cuja área
também foi doada pela CESP (Companhia Energética de São Paulo), mas que em outra
conjuntura histórica tem atraído diversas unidades industriais, tecnologicamente
modernas e de grande porte, principalmente do Estado de São Paulo. Trata-se de
um distrito industrial que, diferentemente do antigo, tem-se prestado como
espaço privilegiado para os setores de fiação, têxtil e almeja-se, atrair,
setores de informática. Portanto, com perspectiva de se redefinir o papel de
Três Lagoas na economia estadual, diversificando sua estrutura produtiva, uma
vez que, o município tradicionalmente apresenta base pecuária.
Assim, o
Distrito Industrial II passou a ser concebido como o novo instrumento de
industrialização, já que não possuindo infra-estrutura nem outros investimentos
fixos vindos do passado que pudessem dificultar a implantação de inovações,
pôde, receber uma infra-estrutura nova, totalmente a serviço de uma economia
moderna, uma vez que em seu território estavam praticamente ausentes as marcas
dos sistemas técnicos precedentes. Com tais características essa área industrial
planejada passa a ser a opção locacional,
instalando-se aí, gradativamente, toda a materialidade contemporânea
indispensável a uma economia exigente de movimento, de fluidez.
Assim, a
ideologia da industrialização e do progresso é internalizada a ponto de ser
destacada pelas escolas em desfile comemorativo ao aniversário da cidade.
Ademais, os distritos industrias são espaços onde o capital tem a primazia, pois
as obras compensatórias são aí implementadas prioritariamente. Apenas para
ilustrar tal assertiva, somente 20% da população de Três Lagoas é atendida por
rede de esgoto e tão somente, 25% das vias urbanas são asfaltadas.
Campo Grande
apresenta uma especificidade em relação às outras cidades-pólos. É que na
primeira metade dos anos de 1960, passa a ser considerada, pela CIBPU (1964), o
pólo de desenvolvimento para a
porção austral do então Mato
Grosso. Todavia, foi somente no início da década de 1970 que as ações no sentido
de instalação do seu distrito industrial se concretizaram, quando o governo
mato-grossense, tomou a iniciativa
do projeto, elaborando o seu
plano piloto. No interior deste processo, em março de 1975, a Prefeitura
declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação, uma área de 224
hectares para a implantação do distrito industrial. Adotados estes procedimentos
legais, o referido Distrito
foi inaugurado em 1977, e,
três anos mais tarde, sua administração foi transferida para o Governo
Estadual.
Quanto a
cidade de Corumbá sua história é pontilhada pela intervenção do poder público,
processo que remonta a sua fundação. Em termos de situação regional,
diferentemente dos outros pólos de Mato Grosso do Sul, a cidade de Corumbá
é destituída de um sistema de
cidades polarizadas, confrontando-se fisicamente com o território boliviano, e,
segundo o Plano Diretor (v.1, 1978, p.84), a única alternativa viável para seu
expansionismo, mas limitado em ativar essa integração devido às diferenças
político-institucionais entre os dois
países.
O seu distrito
industrial tem terreno comprado, desde 1976, especificamente para sua
instalação. Possui Plano Diretor, Projetos de Engenharia, enfim já consumiu
vultosos investimentos públicos, mas até o presente momento não deixou a
condição de projeto. O local encontra-se totalmente abandonado. A área está
incorporada ao patrimônio da União, fato que ocorreu em 1991, em virtude da
extinção da SUDECO (Superintendência para o desenvolvimento do
Centro-Oeste).
Na primeira
metade dos anos de 1990, surgiu mais uma notícia de que o Distrito Industrial de
Corumbá seria implantado numa outra
área, localizada na divisa com o município de Ladário. Mesmo com a mudança de
local, esse projeto não saiu do papel, apesar de ter movimentado instituições e empresários, canalizado recursos e
redundado em desperdício. Essa realidade, permite-nos asseverar que o distrito
industrial de Corumbá-Ladário é uma espécie de testemunho da ineficácia de
organismos oficiais.
Com relação ao
Distrito Industrial de Dourados (DID) em meados da década de 1990, existiam no
DID 14 unidades industriais (Souza, 1995, p.114), sendo que desse montante
08 estavam em funcionamento; 03 em
processo de edificação; e 03 estavam com suas atividades paralisadas.
Tais dados, permitem afirmarmos que, em termos de implantações
industriais, numericamente, tivemos poucas alterações no DID. A mudança mais significativa foi em
termos de origem do capital, isto é, as duas maiores unidades anteriormente em
funcionamento no DID, a Cooagri Abatedouro de Aves e a Fatisul Indústria de
Óleos Vegetais, de capital local,
uma cooperativa (Cooagri) e outra (Fatisul) de capital originário do comércio
foram adquiridas por grupos estrangeiros: a primeira pelo grupo chinês Avipal
e a segunda pelo grupo português
Campo Oeste. Também a Cormasul Indústria de Couros, de proprietários oriundos do
Sul do País, foi absorvida pelo Grupo Bertin, de Lins (SP). Portanto, visualizamos uma mudança, a
partir de meados dos anos de 1990: é que do total de oito unidades em
funcionamento no DID, (seis) 75% eram organizações independentes, ou seja, sem
matrizes ou filiais; somente uma (12,5%) era matriz e uma outra (12,5%) era
cooperativa. Não havia, portanto, indústrias caracterizadas como filiais,
significando que não se tratava de expansão de uma empresa através da abertura
de novas filiais, mas sim de criação de uma nova empresa. Atualmente, observa-se
um processo de centralização do capital, já que três empresas passaram a
integrar conglomerados (Avipal, Campo Oeste e Bertin), evidenciando um processo
de reestruturação (agro)industrial no DID, em particular, e na parte austral de
Mato Grosso do Sul, em geral.
No Distrito
Industrial de Dourados, a origem do capital dos empreendimentos, inicialmente foi desencadeado e
sustentado predominantemente por capitais locais. Entretanto, após a chegada da
Avipal Indústria Avícola (1998), inicia-se um ciclo da (agro)industrialização
regional fortemente marcado pela onipresença e poder do grande empreendimento
econômico que sinaliza a aceleração da apropriação e produção do espaço regional
pelos interesses comandados pelo capital monopolista.
A
Secretaria Especial de Políticas Regionais (BRASIL, 1997, p.7), vinculada ao
Ministério do Planejamento e Orçamento, afirma que as políticas regionais no
Brasil, com seus erros e acertos, tiveram um razoável sucesso, contribuindo para
reverter uma tendência de progressiva ampliação das disparidades inter-regionais
de distribuição de renda, entretanto, na sua concepção, o modelo de
desenvolvimento e a estratégia de ação que respaldavam essas políticas
parecem esgotados, impondo-se uma
reflexão sobre os rumos da política de desenvolvimento do Brasil, indicando que
urge conceber novas estratégias, rever políticas, reestruturar instituições e
renovar instrumentos de ação, a fim
de que as regiões periféricas possam dispor das condições de enfrentar os
desafios impostos pela competitividade e pelo paradigma do
desenvolvimento sustentável.
Ainda do ponto de vista governamental, o novo paradigma de
desenvolvimento pressupõe, de um lado, a liberalização econômica, o
fortalecimento da economia de mercado como base para a inserção competitiva nos
mercados estrangeiros e, de outro lado, a reforma do Estado, com a revisão de
suas relações com a economia e a
sociedade.
É neste "novo" contexto que se insere o programa do governo
federal denominado "Avança Brasil". Trata-se de uma intervenção planejada, cujas
premissas estão voltadas para a viabilização de grandes eixos de transporte
intermodal - rodoviário, hidroviário,
ferroviário e aeroviário - definidos como eixos nacionais de integração e
desenvolvimento que visam eliminar desvantagens locacionais das regiões
periféricas. No caso do Estado de Mato Grosso do Sul, estão dois Eixos: o do Oeste e o do
Sudoeste.
Do ponto de
vista governamental é uma concepção moderna, não se tratando de um pólo de
desenvolvimento que se concentre numa região, mas de um eixo que distribua seus
efeitos numa área mais ampla.
Igualmente, há
um entendimento de que a competitividade
da economia nacional é obstacularizada, fundamentalmente pelo que se
convencionou chamar "custo Brasil". A partir do diagnóstico, a redução desse
"custo" passa a ser a prioridade de governo, daí a infra-estrutura permanecer como essencial sua definição
desses Eixos.
A economia
capitalista reclama condições territoriais indispensáveis para a sua produção e
regulação e tais Eixos de Integração e Desenvolvimento caracterizam-se pela sua
inserção produtiva mundial, pelas relações distantes e, freqüentemente,
estrangeiras que criam e também pela sua lógica exógena.
Nesse sentido,
por mais que se diga que o "novo" conceito Eixo seja uma alternativa aos
conceitos anteriores de desenvolvimento, baseados em pólos - os quais teriam
sido incapazes de responder a crescentes demandas por infra-estrutura econômica
e social e ao comprometimento ambiental, gerado -, acreditamos que a estratégia
dos Eixos, primeiro, não ultrapassa essas limitações - principalmente,
socioambientais - e segundo, mesmo
que seja numa nova forma de encarar
o problema regional, "ignorando as fronteiras internas" permanece o seu velho
conteúdo, considerando o processo de integração física um instrumento do
desenvolvimento do País, da integração doméstica, refletindo a preocupação com
os desequilíbrios espaciais.
Julgamos
oportuno mencionar um exemplo para
demonstrarmos que em termos de conteúdos são semelhantes.
Observemos o
que dizia o então Ministro Reis
Velloso (1970, s.p.), por ocasião da implantação do I PND: "A tarefa é mais de
disseminar o hábito de planejamento, de estabelecer o cálculo econômico racional
como a norma comum para a tomada de decisão (...). É um problema de organização
e de administração gerencial." Fica demonstrado que o gerenciamento de programa
tão propalado como novidade administrativa no "Avança Brasil" não é,
efetivamente, uma novidade em termos de planejamento brasileiro.
Portanto, se o
tema dos eixos de desenvolvimento e integração é colocado como novidade em
relação aos pólos, em termos de intervenção espacial os projetos são
praticamente os mesmos. Neste sentido, não há nenhuma diferença quanto ao seu
conteúdo, em ambos os casos o capital detém a primazia.
Assim,
estabelecida a delimitação geográfica do "Avança Brasil" - consubstanciada nos
eixos nacionais - o Mato Grosso do Sul ficou inserido nos Eixos Oeste e
Sudoeste, concebidos de forma diferenciada pelo Consórcio Brasiliana.
O Eixo Sudoeste (onde se localizam Três
Lagoas e Dourados) aparece como Eixos do Sudeste e, com a visão estratégica de
"eficiência e competitividade, capacidade de difusão, importância do setor
terciário, desafio do desemprego estrutural, integração com Mercosul e papel de
articulação com os eixos."
Por sua vez, o Oeste (onde estão Campo
Grande e Corumbá), aparece como
Eixos do Centro-Oeste, com a visão estratégica de "integração, importância da
infra-estrutura, expansão agrícola e agroindustrial, adicionar valor: complexo
mínero-metalúrgico, grãos, algodão e acervo ambiental do Pantanal."
No bojo desse
processo, o que se objetiva é “a busca pela edificação de uma densidade técnica
nos lugares” – por meio de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, geração de
energia, distritos industriais – para torná-los aptos ao processo de
industrialização. Evidencia-se a significativa importância atribuída a fluidez de capital, de
mercadorias e de pessoas.
O próprio
Governo Estadual - em concordância às diretrizes nacionais expressas no "Avança
Brasil" - criou, em março de 2002, uma Subsecretaria Especial para cuidar das
políticas de logística e transporte, dentro da estratégia de integração
econômica. Essa iniciativa governamental considera como estratégicos a
implantação dos terminais hidroviários de Porto Murtinho, Porto Esperança e
Corumbá (na hidrovia do Paraguai); Bataguassu e Três Lagoas (na hidrovia do
Tietê-Paraná), assim como a recuperação da ferrovia Novoeste, a reforma do
aeroporto de Três Lagoas, a implantação dos pólos petroquímico e mínero-siderúrgico, as termelétricas e
as telecomunicações.
A prioridade
concedida à infra-estrutura econômica se explica pelo fato que essas áreas,
em processo de penetração do
capital, não disporem da "densidade técnica", que fora implantada no decorrer
dos anos de 1960 e 70 no Centro-Sul do País.
Do início de 1999 até o final de 2002,
exatos 124 empreendimentos
receberam incentivos do Governo Estadual para sua implantação; 53
empreendimentos foram expandidos, com investimentos que somam cerca de R$ 627
milhões (com 12.869 empregos gerados) e de acordo com estimativas do Conselho de
Desenvolvimento Industrial (CDI/MS), mais de 50% das unidades beneficiadas são
provenientes de outras Unidades da Federação, especialmente São Paulo. Segundo o
Secretário-Executivo do CDI/MS, Tito Vespasiano Ruchkys, "os empresários
paulistas estão em busca de segurança. Fora os incentivos fiscais, a
tranqüilidade das cidades do interior é o principal motivo que os faz optar por
Mato Grosso do Sul." Uma outra vantagem apontada por Ruchkys e que constatamos,
diversos empresários fizeram referência trata-se da localização geográfica,
principalmente de Três Lagoas, na divisa com São Paulo, pois "elas continuam
abastecendo o mesmo mercado consumidor, sem alterar muito o projeto de
expansão."
Se, como
apontam Benjamin et al. (1998), o
Estado brasileiro, desenvolvimentista na economia, foi profundamente
conservador nas relações sociais, nessa nova fase o crescimento de indicadores
econômicos também não tem significado pleno desenvolvimento, não demonstra, por
exemplo, que um outro processo paralelo é a miséria. Tal assertiva é válida,
sobretudo, em Mato Grosso do Sul - uma das Unidades mais ricas da Federação -
onde a miséria, de acordo com dados da
Fundação Estadual de Promoção Social de MS, atinge 115 mil famílias, ou
aproximadamente 460 mil pessoas, vivendo em situação precária.
É verdade que,
de acordo com último censo do IBGE, em Mato Grosso do Sul, nos anos de 1999/00,
diminuiu o número de pessoas - de 115
para 103 mil - em estado de miséria. Todavia, trata-se um número elevado
e fora de qualquer propósito considerando-se que as pessoas nestas condições
apresentam renda familiar inferior a R$ 80,00. Trata-se, portanto, da contraface
desse desenvolvimento.
O
conceito de pólos de desenvolvimento e das diversas construções teóricas dele
oriundas, foram extraídas várias diretrizes de política econômica de âmbito
nacional e regional como a executada no atual Mato Grosso do Sul. O exame da
aplicação dessa política econômica, tal como a executada em Mato Grosso do Sul,
apesar de relativamente recente, permitiu uma leitura, não só para avaliarmos a
sua eficácia (em termos de atração de unidades fabris, de geração de empregos
etc), mas principalmente para identificarmos as suas manifestações no espaço.
Acreditamos que o estudo dessa
experiência permitiu uma melhor compreensão do processo de
polarização-industrialização em Mato Grosso do Sul.
Referências bibliográficas
ANDRADE, M. C. Espaço, polarização e desenvolvimento. 4.ed. São Paulo: Grijalbo,
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