Reflexões sobre o Turismo enquanto consumo do/no
espaço
Aline Fernandes
Guimarães
Mestre em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento Local
alinefguimaraes2003@yahoo.com.br
UFRRJ – Campus Nova Iguaçu -
RJ
Rosália Caldas Sanábio de Oliveira
Mestre em Educação
rsanabio@deii.cefetmg.br
CEFET – MG – Belo Horizonte-MG
RESUMO
Relata-se nesse trabalho, reflexões sobre o
Turismo e espaço, abordando desde os diferentes conceitos de turismo, os
impactos do turismo no meio ambiente até o espaço geográfico visto como objeto
de consumo no Turismo. Pretendendo contribuir para a discussão de como o
planejamento do turismo é feito no país ou quando ele não é
feito.
Palavras-chave: turismo,
consumo, espaço
ABSTRACT
It is reported in this work, reflections on Tourism and space, spanning from the
different concepts of tourism, tourism impacts on the environment by the geographic seen as objects of consumption in
Tourism. Desiring to contribute to
the discussion of how the tourism planning is done in the country or when he is not done.
Keywords: tourism,
consumption , space,
1 - INTRODUÇÃO
Conceitos de
Turismo
A Organização Mundial do Turismo (OMT) conceitua
o turismo como uma modalidade de deslocamento espacial, que envolve a utilização
de algum meio de transporte e ao menos um pernoite no destino; esse deslocamento
pode ser motivado pelas mais diversas razões, como lazer, negócios, congressos,
saúde e outro motivos, desde que não correspondam a formas de remuneração
direta.
Muitos dos conceitos correntes sobre o turismo
priorizam três variáveis: o tempo fora do domicílio original, às relações
decorrentes da viagem e a ausência do fator lucro.
Essa visão é muito útil para auxiliar na
construção de indicadores estatísticos usados no dimensionamento de mercados
para empreendimentos, para dinamizar estabelecimentos existentes, motivar
fluxos, etc.
Em relação às questões da geração de um excelente
serviço turístico e pelo turismo, admite-se que esse objetivo permeia toda a
atividade do ponto de vista econômico.
Todo tipo de viagem é considerada turismo,
independente da modalidade de deslocamento; desde que se enquadrem nas
características pontuadas acima. Se o cidadão viaja para participar de
congressos, mesmo que não tenha momentos de lazer no destino, estará fazendo
turismo.
O segmento turístico de negócios (congressos,
feiras, simpósios, palestras, workshops, colóquios, seminários, dentre
outros) chega a ser mais representativo em algumas cidades como São Paulo, no
Brasil, e Milão na Itália, do que nas viagens promovidas por
lazer.
De acordo com Cruz (2003), o turismo é uma
prática social, que envolve o deslocamento de pessoas pelo território e que tem
no espaço geográfico seu principal objeto de consumo.
De acordo com Palomo (1979), o turismo consiste
no ato que supõe deslocamento momentâneo, com a realização de gastos de renda,
cujo objetivo principal é a obtenção de serviços que são oferecidos através de
uma atividade produtiva que implica em investimentos
prévios.
O turismo envolve gastos na organização e
efetivação das viagens e requer um elenco de serviços agregados na cadeia
produtiva do turismo, como: hospedagem, alimentação, transportes (incluindo
receptivo), agenciamento, comércio... Que exigem investimentos antecipados,
diminuídos em comparação ao fluxo de capital produzido e de rápido retorno,
gerando efeitos diretos sobre empregos e rendas. Agregando valores sobre outras
atividades econômicas como, construção civil, produção e comercialização de
produtos alimentícios, rouparia, artesanato, material de construção, decoração,
prestação de serviços, etc. O turismo também acarreta efeitos indiretos mediante
o acréscimo da receita nas cidades que têm esta atividade como o fator de renda
local.
Essa é a perspectiva que interessa às regiões em
desenvolvimento, mas que detêm recursos valiosos do ponto de vista do turismo
como forma de lazer. Esta atividade tem a capacidade de gerar empregos de forma
compensatória, criar empreendimentos que tanto necessitem de um menor volume de
investimentos como requerem um período menor de maturidade. É possível
constatar isso em muitas cidades no mundo.
Para os países em desenvolvimento o turismo tem
se manifestado de modo expressivo, em virtude de fatores condicionantes, quais
sejam: possibilidade de expansão da receita inversamente às saídas habituais,
efeito multiplicador sobre demais atividades econômicas, capacidade de gerar
empregos, curta maturidade de retorno dos investimentos em turismo em comparação
com outros projetos de desenvolvimento, possibilidade de diminuição dos
desequilíbrios regionais internos e atualização constante, mediante o contato
com povos de diferentes culturas.
2 - DESENVOLVIMENTO
2.1- Impactos do turismo no meio
ambiente
Como meio de aclarar a questão, citamos Cruz, (2003),
quando fala dos efeitos negativos do Turismo sobre ambientes
naturais:
Não há atividade humana que não interfira nos ambientes, de alguma
forma. É impossível o homem viver sobre este planeta sem transformá-lo. [.... ]
Apesar de diversos autores ressaltarem os efeitos negativos do turismo sobre
ambientes naturais, é preciso reconhecer que a degradação dos ambientes, de modo
geral, não interessa ao turismo porque este tem o espaço como principal objeto
de consumo. A degradação dos ambientes naturais ou urbanos provocada pelo
turismo contraria a lógica reprodução da atividade. Nesses casos, ou há algum
erro estratégico de planejamento subjacente ao processo de apropriação dos
lugares pela atividade ou, simplesmente, o planejamento jamais existiu.
Cruz, 2003:
30-31
Portanto, mesmo com a compreensão de que os
impactos sobre o meio ambiente e a sua destruição não interessam ao turismo,
essa é uma regra nos empreendimentos turísticos quando são realizados sem
planejamento adequado. E para discutirmos melhor esse complexo processo é
preciso que entendamos que o turismo é um fenômeno multidimensional, e qualquer
intervenção no sentido de analisá-lo ou de incrementá-lo deverá ocorrer de
maneira globalizante. Assim, o turismo abrange componentes sociais, culturais,
geográficos, políticos, ecológicos, psicológicos, tecnológicos,
econômicos...
Nos países latino-americanos, deve-se pensar em
tirar partido dos recursos turísticos para melhorar as condições de vida das
suas populações, mas, não para sacrificar ainda mais, explorando estas
populações, como vem ocorrendo em muitos países. No caso do Brasil, há uma
reprodução dessa forma de agir e isso é “vendido” brilhantemente pelas agências
de propaganda e imobiliárias como progresso.
Pode-se dizer que o turismo como setor econômico
apresenta-se com duplicidade de sentido, dependendo da forma como é explorado,
preserva ou destrói o ambiente natural e os valores socioculturais; valoriza o
patrimônio histórico-cultural ou depreda-o; auto-realiza ou alucina o homem;
integra populações ou as
exclui.
De acordo com Ferretti (2002) o turismo provocará
impactos positivos e negativos no ambiente, tendo em vista a complexidade das
relações de interdependência entre seus elementos. Os efeitos desses impactos
ocorrerão no tempo e no espaço, envolvendo o homem, a sociedade e o entorno
natural.
Refletir o turismo no Brasil provoca os seguintes
pressupostos:
- a consciência de que também a sua exploração
reproduz incoerências da sociedade, cujas imprudências devem ser
reavaliadas.
- as mudanças que estão ocorrendo no mundo
seguramente se refletirão no mercado turístico, abrindo perspectivas de inclusão
favorável ou não para o Brasil.
Já o impacto positivo da atividade turística
reside no fato de que, a partir da força do interesse turístico, podem ser
gerados recursos e ações efetivas por meio de projetos e empreendimentos
ecoturísticos. Os impactos negativos sobre o meio natural ocorrerão na formação
geológica, na vegetação natural, na água, no ar, na vida selvagem,
principalmente.
Para melhor compreensão dos impactos que o
turismo causa no meio físico é necessário (Cooper): identificar os impactos
físicos que o turismo criou e comparar aos de outras atividades; identificar
quais eram as reais condições antes de ser implantada a atividade turística;
desenvolver um inventário de fauna e de flora, bem como os índices de tolerância
para os tipos de impactos criados; identificar quais os níveis diretos e os
induzidos de impactos que estão associados à atividade turística.
Nesses caso, dividem-se os impactos negativos
sobre os ambientes naturais e socioculturais, não desconsiderando a idéia de que
ambos se agrupam em uma realidade turística.
Seguem alguns
aspectos positivos da atividade turística:
- Receita gerada e a rápida repercussão em outros
setores econômicos (efeito multiplicador).
- Tendência de ampliação do mercado quanto às
modificações nas relações de trabalho; maior tempo para o
lazer.
- Potencialidade de vendas do “produto turístico”
já que se compõe de serviços e bens intangíveis (clima, beleza natural, etc.),
dependendo apenas de promoção.
- Capacidade de gerar empregos. (diretos e
indiretos)
E alguns aspectos negativos da atividade
turística:
- Aceleração do processo inflacionário, em
detrimento da população nativa. Como exemplo, o caso da cidade de Tiradentes MG;
onde a população flutuante aumenta a demanda por bens e serviços, os empresários
elevam os preços, ao buscarem o lucro rápido.
- Degradação do meio ambiente, em favor de
interesses imediatos de empreendedores turísticos ou implantação de projetos,
como, as praias privativas, algumas delas comprometendo a sustentabilidade do
ambiente.
- Poluição de cursos d’água e de praias;
destruição de trilhas e vegetação, extinção da fauna e
flora.
- Uso do solo urbano de forma especulativa. Além
do aumento do preço do solo, devido à atividade turística, grupos econômicos são
beneficiados no mercado.
Muitas vezes esses grupos econômicos, após
adquirirem os solos a preços irrisórios, repassam os mesmos a terceiros.
Inicia-se uma cadeia especulativa com os mais diversos efeitos. O mais grave
deles consiste na expulsão das populações nativas de baixa renda, os antigos
moradores. Esse processo vem acontecendo em vilas de pescadores de muitas
aldeias praianas, que se transformaram em localidades turísticas ou tornaram-se
“praias particulares” de condomínios de alto padrão, onde a maioria dos novos
moradores é do exterior. Diminuindo-se deliberadamente, por força do capital, o
acesso da população mais simples aos seus lugares identitários, indo inclusive,
contra a legislação em vigor.
- Autorização para implementação, facilidades
para as elites locais ou para grupos de estrangeiros. Gerando, assim,
dificuldades para os pequenos e médios empresários locais, por não
disponibilizarem os valores
colocados no mercado.
- Descaracterização cultural, com a introdução de
hábitos alheios às populações nativas. A cultura torna-se uma mercadoria, com o
intuito de agradar o turista.
- Sexo e prostituição infantil: esta realidade é
acentuada em regiões com alto nível de desemprego e
subemprego.
- Implantação de monopólios turísticos: uma
tendência atual para hotéis de lazer (resorts) nas cidades do litoral
brasileiro. O turista vem diretamente para o hotel descansar e desfrutar dos
serviços de alta qualidade, na maioria das vezes não consumindo nada fora do
próprio complexo turístico, criando-se um mundo à
parte.
- Crime: devido ao poder aquisitivo do turista
geralmente ser superior ao do nativo. Acarretando assim, tráfico de drogas,
prostituição e roubos.
- Congestionamento em povoados distantes e sítios
históricos tradicionais.
Boullón (2000) define os seguintes grupos em
ordem de responsabilidades pelos impactos negativos do
turismo:
1° - Riqueza
2° - Administração
Pública
3° - População local
4° - Pobreza
De acordo com o autor a combinação do poder da
riqueza com a ignorância e a cumplicidade dos governos, aliada à indiferença da
população local, produz o fenômeno da especulação imobiliária.
A pobreza também gera impacto negativo. A
ocupação desordenada da periferia induz à depredação dos espaços naturais, a
captura de animais, em vias de extinção, para venda como mascotes ou como
alimento.
Os governos são os principais responsáveis, pois
aprovam projetos de desenvolvimento que, na maioria das vezes, não condizem com
a realidade daquele ambiente. Permitem usos de espaços sem respeitar as
características do ambiente. Com o tempo, os problemas se renovam, cada vez com
menores chances de solução.
De um lado, a população local, mesmo quando
percebe a paulatina destruição de seus valores e ambiente pelos interesses
econômicos de alto vulto, não consegue reagir, evidentemente, na mesma escala e
não têm voz. Não é ouvida por aqueles que
a representam e não têm acesso aos meios de
comunicação, que via de regra, estão na mãos dos políticos da região. De outro
lado, é expulsa para a periferia ou se subordina ao capital, buscando empregos
de baixa qualificação nos empreendimentos; o que não quer dizer que os
consigam.
2.2 - Espaço geográfico: objeto de consumo no
Turismo
De acordo com
Carlos (1999) o espaço geográfico articula duas dimensões, aquela da localização
(um ponto no mapa) e aquela que dá conteúdo a essa localização, que a qualifica
e singulariza. Esse conteúdo é determinado pelas relações sociais que aí se
estabelecem – o que confere ao espaço a característica de produto social e
histórico.
Diversos fatores influenciam a
produção do espaço. A cada dia criam-se mercadorias que são estratégias
políticas, para comercializarem o espaço. A globalização produziu um fluxo na
economia e como conseqüência, verifica-se uma ordenação e hierarquização do
espaço mundial.
Com a globalização, há uma
abertura de empresas para o mercado externo, ampliando lugares e movimentando a
economia. Tais mudanças modificam a vida das pessoas, criando novos hábitos,
padrões de comportamento, valores, vestimentas e várias estratégias de consumir
o espaço.
As mercadorias e os objetos mudaram de sentido,
posto que, em vez de designar uma coisa simples, articulada com o universo da
necessidade imediata, criam-se cada vez mais mercadorias que são estratégias e
políticas, como no caso especifico do espaço. [.... ] se por um lado assistimos
à tendência da produção de bens imateriais, por outro vende-se cada vez mais o
espaço, inaugurando um movimento que vai do espaço de consumo (particularmente
produtivo – aquele da fábrica que cria o espaço enquanto condição da produção,
distribuição, circulação, troca e consumo de mercadorias ) ao consumo do espaço,
isto é, cada vez mais se compram e vendem pedaços do espaço para a reprodução da
vida.
Carlos, 1999: 174-175
O espaço torna-se
mercadoria, entrando no contexto da comercialização, em um movimento da
transformação do uso em troca, mediado pelo mercado. Com isso, modificam-se os
modos de uso das pessoas. No plano regional e mundial, os espaços são
comercializados em prol da atividade turística.
A assimilação dos
espaços pela atividade turística determina novos significados ou acaba com
determinados espaços pré-existentes. O marketing possui forte papel nesta
reconstrução, criando novos valores e expectativas, dentre os modismos e muitas
vezes padrões de consumo da população.
Todo espaço pode
ser considerado espaço turístico, dependendo de sua valorização, diante da
sociedade; em aspectos políticos, econômicos, geográficos e culturais, e muitos
espaços só têm existência, devido à troca, enquanto consumo de
mercadoria.
Os moradores
também compõem o território turístico, visto que estão colocados nas trocas do
uso e consumo do espaço. Seus hábitos culturais, muitas vezes, são alterados
devido à atividade turística e muitos objetos na cidade ganham novos
significados no local.
A valorização
cultural pela prática social do turismo e a divisão social e territorial do
trabalho são fatores que condicionam a escolha de um espaço para uso turístico.
Porém, a cultura é dinâmica, devido a isto, não necessariamente, os territórios
que são turísticos hoje serão amanhã. Muitos espaços turísticos, devido à
influência e modificação do homem, perdem suas características, deixando de
atrair um fluxo turístico. Isso acontece devido à falta de qualificação
profissional em trabalhar em determinadas áreas turísticas, entre outros
fatores.
Devido a estas
mudanças, na maioria das vezes desarticuladas e desestruturantes, percebe-se
claramente a divisão social do
trabalho no mundo capitalista aplicada ao turismo. Uma parcela significativa da
população não tem condições financeiras de fazer turismo (em locais privados e
públicos), não participando direta ou indiretamente da atividade
turística.
Esta falta de
planejamento ocasiona conflitos nos lugares apropriados pelo turismo, entre os
turistas e os residentes. Estes possuem uma natureza distinta, onde, os turistas
se apropriam dos lugares a partir de relações superficiais e os residentes
possuem relações duradouras.
É necessário
considerar o ponto de vista do habitante, pois, para ele, o espaço se reproduz
enquanto lugar, onde se desenrola a vida em todas as dimensões; do habitar,
lazer, trabalho, familiar, emocional, dentre outras. Todas as relações sociais
do habitante estão no lugar, permitindo a ele criar sua identidade, fugindo da
padronização imposta pela sociedade de consumo.
O público e o privado
se distinguem cada vez mais no espaço consumido. A diminuição das trocas sociais
é assinalada pelo fim das atividades que aconteciam nos bairros, provocada pela
invasão dos meios de comunicação de massa (televisão, rádio, internet, etc.).
Com isso várias atividades populares passam a desaparecer diante desse cenário,
pois não se enquadram numa visão equivocada e pasteurizadora de “atividade
folclórica” vendida pelas administrações
municipais/locais, dentro de uma idéia de que as atividades populares
devem ser “transformadas” para atenderem ao turismo; isto é, mais coloridas,
alegres e dinâmicas.
E se as
comunidades rejeitam essas transformações forçadas, as manifestações populares
são colocadas de lado pelas administrações publicas e/ou permitidas longe dos
espaços centrais das comunidades ou não são mais permitidas. Nota-se o fim das
procissões, das quermesses, dos desfiles de carros de boi, dos encontros nas
esquinas, das brincadeiras nas ruas, as reuniões na praça, nas portas das casas,
o fim das serenatas. A população da cidade passa a não se identificar com os
antigos espaços públicos, pois, estes já não pertencem mais ao coletivo, foram
destinados e redirecionados aos turistas, pois, estes “pagam” para consumi-los.
Mas, não podemos
esquecer que o turismo é uma atividade sazonal, não possui fluxo contínuo, daí o
esforço que se faz na realização de eventos durante todo o ano em alguns locais,
principalmente nas cidades maiores, para assim permitir a sobrevivência
econômica dos lugares que têm ou vêem no turismo uma via de sobrevivência ou
“”tábua de salvação”. Ele deveria ser encarado, no mínimo, como mais uma
possibilidade de contribuir para a sustentabilidade daquela comunidade em
questão e não como solução para os problemas. Na verdade, não sendo bem feito,
poderá desestruturar toda uma comunidade, correndo o risco de que a mesma perca
a sua identidade enquanto coletivo. E o que acontecerá com essa cidade e
população quando a mesma ficar vazia de “turistas”? Como
sobreviverá?
O público e o privado estão sendo abordados aqui para refletir a relação
de identidades. A identidade que dá vida as relações de convivência e
pertencimento ao grupo e ao lugar. São processos de apropriações diferenciadas,
gerando um dinamismo cultural, que a todo o momento sofre modificações em prol
das trocas sociais, num embate: turismo versus
nativo.
De acordo com Carlos (1996), o lugar é a porção do espaço apropriável
para a vida, apropriada através do corpo, dos sentidos, dos passos de seus
moradores, é o bairro, é a praça, é a rua, e nesse sentido poderíamos afirmar
que não seria jamais a metrópole ou mesmo a cidade lato sensu a menos que seja a pequena
vila ou cidade, vivida, conhecida, reconhecida em todos os cantos.
A metrópole não é “lugar”, ela pode ser vivida parcialmente, pensando nos
espaços sociais dos bairros. Onde se cria espaços de identidades - lugar, como
os pequenos atos corriqueiros, como, ir à padaria, jogo de bola, as
brincadeiras, conversar na porta de casa, varrer o passeio, dentre
outros.
O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser
analisado pela tríade habitantes – identidade – lugar. A cidade, por exemplo,
produz-se e revela-se no plano da vida do individuo. Este plano é aquele do
local. As relações que o indivíduo mantêm com os espaços habitados se exprimem
todos os dias nos modos de uso, nas condições mais banais, no secundário, no
acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido
através do corpo.
Carlos, 1996:20
E de acordo com
Cruz (2003), em se tratando de territórios turísticos, são três os agentes de
sua turistificação: os turistas, o mercado e os planejadores e promotores
territoriais.
Os turistas,
devido à prática espontânea de alguns lugares, sem a mediação do mercado,
transformam estes, em lugares turísticos.
O mercado é capaz de criar produtos turísticos, em lugares até então não
conhecidos (para o turismo); os transformando em potenciais turísticos. Os
planejadores e promotores territoriais são agentes que possuem uma relação mais
próxima com a localidade. São iniciativas locais, regionais, nacionais, com
investimento na atividade turística.
O poder público
possui o papel de intervir no planejamento, apoiar e muitas vezes, tomar a
iniciativa no processo de urbanização das cidades com potenciais turísticos. São
necessários projetos sustentáveis, que retratem realidades locais e que
beneficiem primeiramente a população diretamente envolvida, contribuindo, de
fato, com a economia local.
Considerações Finais
O espaço
geográfico é o principal objeto de consumo do turismo. O turista (consumidor)
desloca-se até o lugar turístico (produto), contribuindo assim, com a cadeia
produtiva do turismo.
O turismo cria
novos objetos nos lugares, e também se apropria de objetos que já existem, como
os objetos naturais (cachoeiras, rios, praias, montanhas, etc.) e objetos
culturais (patrimônios históricos, festas populares, comidas típicas,
artesanatos locais, etc.), conferindo-lhes novos
significados.
Devido a este
poder da atividade turística, é necessário repensar as formas de apropriação de
espaços, para que neste processo, não haja exclusão dos moradores dos lugares e
nem dos possíveis turistas. Mas, que isso seja feito não tendo como base a
apropriação desse lugares apenas por uma elite e que os turistas sejam aqueles
que respeitem a cultura dos habitantes dos lugares que
irão conhecer. Nesse sentido, o turismo não pode ser predatório e elitista do
ponto de vista ambiental e muito menos no cultural.
É necessária que
haja um turismo que potencialize a conscientização das populações nativas, dos
locais que têm o turismo como a principal atividade econômica, bem como na
adoção de estratégias mais inteligentes e mais responsáveis que evitem os seus
inúmeros efeitos negativos. A sociedade local deve ser inserida em qualquer
atividade turística seja na cidade ou no campo, e o seu espaço deve ser
respeitado, tais como, casas, praças, roças, fazendas, pastos, espaços
destinados ao lazer, dentre outros, sem que haja a descaracterização das suas
referências naturais, arquitetônicas e culturais. Sem modificar drasticamente o
ambiente e a cultura da população e seus hábitos em favor do turismo e da
obtenção do lucro.
Conforme o
turismo é desenvolvido, ele pode variar de um extremo em que prevalece o
imediatismo dos empreendedores, a alienação dos esforços mercadológicos e a
excludência das populações de baixa renda, até um outro extremo, trabalhando-se
em conjunto com a população local, buscando-se a sustentabilidade. O turismo tem
o papel de incluir o respeito às populações nativas das regiões que possuam
vocação turística, convertendo-se num meio de integração, renovação, convívio e
a transformação da sociedade. O turismo passaria então a ter um caráter
educativo, além de incorporar as vantagens
econômicas.
É necessário
questionar um mercado seletivo, acessível apenas aos privilegiados
economicamente e a ação da indústria cultural que se fortalece, propagando uma
visão de cultura superficial. Agindo assim, ela reduz as possibilidades de
vivências de lazer da população e coloca em risco as manifestações tradicionais
de uma cultura popular. O desafio é tornar as atividades de lazer acessíveis a
todos, de forma superior às de hoje, bem como o de idealizar a intervenção no
campo de ação do lazer como algo que possa contribuir para superar essa lógica
social pautada na diferença e na desigualdade
social.
Muitas
manifestações populares, em cidades turísticas estão sendo vendidas como
mercadorias, estão transformando as atividades turísticas como um conjunto de
produtos de um grande “supermercado”, capaz de satisfazer as necessidades do
consumidor, no caso, o turista e de modo geral, num nível superficial, um
“clichê”. Ao mesmo tempo em que se faz a defesa da técnica, enquadra-se o
cidadão em funções que lhe são impostas pelas normas da sociedade (que na
verdade nem sempre correspondem à vontade da maioria) e acaba-se com os espaços
públicos destinados ao lazer. Marcam-se os limites do consumo do espaço e
transformam os moradores em platéia. As manifestações
culturais perdem sua essência e viram um espetáculo, em um cenário em que há
regras estipuladas não mais só pelas tradições e memória, mas por “pseudos” interesses
políticos.
Na verdade, estão
matando a “galinha dos ovos de ouro” que é a identidade cultural de cada
população tradicional, populações que estão ficando à mercê de muitos
especuladores e “empreendedores” quando os mesmos querem o lucro fácil,
dissociado da realidade das comunidades que habitam esse espaço.
E não só podem
correr o risco de desestruturação do ponto de vista cultural, mas também de suas
formas de subsistência, desagregando a pequena economia familiar de autoconsumo, formas de artesanato, as
relações de convívio, o meio ambiente, entre outros.
Pode-se pensar
que essa realidade é uma exceção, sem efeito diante de um possível volume de
recursos comercializados quando atrelados ao turismo. Mas, o que se coloca aqui
é como uma política irresponsável voltada ao pretenso aumento do turismo pode
repercutir danosamente sobre uma localidade ou região; e sem maiores
questionamentos jurídicos políticos ou aqueles feitos pelos meios de
comunicação. Acabando por transformar tudo o que toca em produto substituível de
acordo com os mesmos interesses econômicos e midiáticos. O consumo deixa de ser
individual, pois todo o espaço passa a ser consumível e consumido, por
poucos.
O consumo do espaço através do turismo passa a
ser e o é, nesse quadro, um consumo dirigido não só em razão da própria natureza
dos interesses políticos e econômicos presentes nesse território, mas
igualmente, em função das conjunturas que determinam a direção do consumo para
determinados setores de produção. O que resultará, por exemplo, em investimentos
de infra-estrutura para uma região e não outra.
Quase sempre, também, não se leva em consideração
a distribuição das formas de satisfação das necessidades de sobrevivência, de
cultura, de lazer de todos os que habitam e os que transitam, temporariamente,
em determinado espaço. O turismo como atividade econômica pode agravar a
situação, diminuindo ainda mais o contato dos que podem usufruir de determinado
atrativo turístico presente num lugar específico com os moradores tradicionais
dessas localidades, (chamados aqui no presente artigo como nativos, termo muito
utilizado no Turismo e que não tem nenhum caráter depreciativo, é bom
esclarecer!).
Uma vez que a identidade da comunidade seja
destruída, dificilmente ela terá chance de se recompor, pois as pessoas não
serão mais as mesmas e nem o lugar; podemos dizer nessa situação que foram
“efetivamente consumidas”. Fazendo-se uma analogia, é como o que aconteceu com o
personagem Deraldo ( interpretado por José Dumont) no filme nacional - O Homem
que virou suco (1981); que no transcorrer da sua história, (não trabalhava com
turismo, era um poeta popular do Nordeste que migrou para São Paulo) acabou
perdendo a sua identidade e sua condição de cidadão - sendo engolido pelo
sistema.
Um lugar é consumido de forma perversa e
por essa razão destruído, ”vira suco”, quando abandonando-se a sua riqueza de
significações e valores, passa a ser pasteurizado, igual a centenas de outros.
Ou seja, voltado para um turismo de “cartão postal”, instantâneo, apenas mais
uma rápida parada para se tirar uma fotografia, num roteiro equivocado e
apressado. O triste, é que muitos desses turistas não se darão conta do que
estão vendo de fato e nem que tipo de turismo estão fazendo, embora seus
moradores, sim!
Analisa-se aqui o
consumo do espaço quando este é transformado em mercadoria, tornando-o privado e
excludente. Assim, o processo de reprodução do espaço aponta como caminho as
parcelas de trocas sobre os modos de uso, revelando a oscilação do espaço de
consumo para o consumo do espaço e dos indivíduos.
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