A
DESCONTINUIDADE TERRITORIAL NA ESPACIALIALIDADE INTRAURBANA DE TRÊS LAGOAS:
UM
ESTUDO DE CASO DOS COHABs
Greisse Quintino Leal
Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul/Brasil
RESUMO
Este artigo é parte da dissertação em andamento intitulada “(Re)Estruturação territorial intraurbana em
Três Lagoas-MS: as contradições da/na cidade média” desenvolvida pelo
Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul. Tem como objetivo analisar os resultados territoriais implicados pela
instalação de conjuntos habitacionais da cidade de Três Lagoas-MS, esta
classificada como cidade média a partir de meados de 2010. Como e onde são
instalados estes produtos imobiliários e a qual é a demanda social atendida são
os questionamentos que nortearão esta análise.
Palavras
chave:
COHABs, cidade média, descontinuidade territorial.
ABSTRACT
This article is a part of a dissertation intitled
“(Re)Structuring territorial intraurban
in Três Lagoas-MS: The contradictions of/in the middle city” developed in
the pos-grad program in geography at the federal university of Mato Grosso do
Sul. Have as objective analyze the territorial results implicated by
installation of popular housings in the city, this classified as a middle city
from the middle of 2010. How and where are installed that imobiliary products
and what’s the social demand attended are the questions that are north this
analyses.
KeyWords:
Popular housings, Middle city, Territorial
discontinuity.
Introdução
Este trabalho é resultado parcial do capítulo da dissertação
intitulado “As estratégias especulativas na produção da moradia em Três Lagoas”,
cuja finalidade é analisar as formas de produção imobiliária e conhecer quais as
lógicas que norteiam tais processos. Neste artigo, será tratada apenas a questão
dos Conjuntos Habitacionais Populares – COHABs –, levando em conta seus
principais elementos delineadores e seus reflexos no espaço
intraurbano.
As lógicas econômicas advindas da desconcentração industrial
paulista adensaram o tecido urbano a partir de meados dos anos 2000. As
construções de fábricas atraíram a mão de obra migrante, houve o aumento
populacional e em consequência, a expansão da malha urbana pelo setor
imobiliário e pelo poder público. Estes ampliaram os limites periurbanos, cada
um segundo suas dinâmicas.
Os agentes imobiliários e os incorporadores criam novos produtos
imobiliários ao passo em que ampliam a malha urbana, pois sua principal
estratégia é adquirir terras rurais e torná-las urbanas. A terra rural é
comprada por um preço baixo e após o parcelamento do solo, os lotes adquirem um
alto valor, o que Marx chamou de renda diferencial da terra (SINGER,
1980).
Tais agentes imobiliários valem-se de outra estratégia que coaduna
com a primeira: deixar um espaço vago entre o novo loteamento ou bairro e a
malha urbana já constituída com a finalidade de fazer esta gleba valorizar-se. É
a lógica de expansão do tecido urbano associada à lógica de vazios
urbanos.
Assim como os agentes capitalistas de produção do espaço, o poder
público também compactua com tais lógicas e interesses ao produzir conjuntos
habitacionais intermediados por vazios urbanos, que num momento posterior serão
loteados pelas imobiliárias a um preço elevado.
Neste sentido, as lógicas da produção territorial a partir dos
conjuntos habitacionais serão postas em xeque para que haja um construto
teórico-conceitual acerca da urbe três lagoense.
As
reestruturações da cidade média: espaços em
transição
O município de Três Lagoas, situado no interior de Mato Grosso do
Sul/Brasil (Figura 1) faz divisa com o estado de São Paulo, logo possui uma
localização estratégica para escoamento de mercadorias, o que fica facilitado
pela multimodalidade dos transportes (rodoviário, ferroviário, aquaviário,
aeroviário).
[...] o conjunto de vias de transporte outorga
fatores básicos para a localização industrial e levam a uma densidade de
infra-estrutura, capitais, pessoal especializado e fluxo de informações e de
mercadorias que consolidam as decisões de localização [...] (SPOSITO, 2007, p.
215).

Figura 1: Localização do município de
Três Lagoas/MS.
Atributos como tais citados, fizeram com que indústrias que se
encontravam no estado de São Paulo e em outras cidades industrialmente
adensadas, migrassem rumo às cidades de pequeno e médio porte, num movimento de
desconcentração industrial iniciado nos anos 1970 (SPOSITO, 2004). Além destas
prerrogativas, a gestão pública oferece vantagens locacionais que elevavam o
nível de atração de capital monopolista no município, como por exemplo, a doação
de terrenos e isenção fiscal, mão de obra abundante e barata, disponibilidade de
matéria-prima e conforme Antunes (1999), a inexistência de representatividade de
classe de trabalhadores.
A associação entre estes elementos provocou uma reestruturação
urbana, cujo primeiro reflexo fora a mudança da matriz econômica: de
agropastoril para industrial-exportador. Em fins da década de 1990 as atividades
produtivas dos parques industriais são diversificadas (têxtil, calçadista,
alimentício, plástico) e ainda hoje se refaz com a instalação do complexo
papeleiro.
A reestrutração pela qual a cidade de Três Lagoas passa não se
reduz ao nível econômico, todas as outras dimensões sociais se transformam, se
refazem. A partir de meados dos anos 2000, a papeleira Votorantin Papel e
Celulose (VCP) e a Aracruz fundiram capitais, surgindo a atual Fibria, que
fornecerá celulose para ser transformado em papel pela transnacional
International Paper, fazendo com que haja uma série de alterações nas dinâmicas
urbanas e no espaço rural, disputas intracapital por terras e matéria prima
(eucalipto).
Estas transformações são acompanhadas por um denso fluxo de
trabalhadores migrantes, que vem em busca de trabalho na construção desses
empreendimentos, impulsionando um boom no mercado imobiliário, pois tais
trabalhadores necessitando de residir no município, acabam inflacionando os
preços dos aluguéis, e a construção de mais residências tornou-se uma atividade
altamente rentável.
O município, mesmo após ascender ao nível de cidade de porte médio
(100 a 500 mil habitantes, segundo o IBGE), não conseguiu absorver tal demanda,
o que provocou vários desdobramentos: trânsito mais caótico, postos de saúde e
hospitais superlotados, maiores índices de violência, especulação
imobiliária, entre outros.
Três Lagoas tem hoje sua malha urbana expandida, havendo
descontinuidades territoriais intraurbanas, além de vazios urbanos que remontam
a décadas. Três Lagoas, segundo o IBGE (2010), possui 101.791 habitantes, o que
a coloca na categoria de cidade de porte médio. Entretanto as teias de relações
estabelecidas na rede urbana a qual pertence, evidencia que a cidade exerce
funções e papéis de cidade média antes mesmo de ter atingido o índice
demográfico (CASTELLO BRANCO, 2007, p. 111). Essas funções e papéis são
desdobramentos das dinâmicas industriais implantadas no município a partir da
década de 1990, visto que estas reestruturaram o espaço intraurbano e
influenciam intensamente na economia municipal e
estadual.
Alguns aspectos reafirmam a condição de intermedialidade de Três
Lagoas, como diversificação do setor terciário (principalmente pelas
filiais de empresas
nacionais (e internacionais), pelos pontos que estabelecem relações comerciais-
internacionais e pela produção de novas centralidades. Um exemplo desta é a
futura implantação de Shopping Center, nas proximidades à saída para core area (São Paulo), longe do centro
principal aproximadamente 6 quilômetros, e que muito
provavelmente constituir-se-á como resultado da interação entre
multicentralidade e policentralidade (SPOSITO, 2004, p. 375), porquanto os
serviços oferecidos por um shopping
atenua o consumo no/do centro principal.
Retomando a questão do acréscimo populacional pelo qual a cidade
está passando, o setor imobiliário alavancou, e a produção de casas, loteamentos
e conjuntos habitacionais multiplicaram pelo território urbano (SILVA &
LEAL, 2011). Todos estes produtos imobiliários têm a finalidade de prover o
cidadão urbano da moradia, contudo os COHABs suprem esse direito?
Ter paredes e um teto sobre a cabeça solve a questão da moradia?
Viver segregado socioespacialmente segundo um movimento político-econômico
sistólico/diastólico (SANTOS, 2008) permite ter dignidade no meio urbano? O
COHAB propicia ao seu morador viver a cidade ou ele apenas está alojado e
consumindo seus resquícios?
COHABs:
modelo residencial ou residual de viver?
Os COHABs – Conjuntos Habitacionais Populares – se difundem no território
nacional a partir da década de 1930, onde o Estado passa a intervir na produção,
comercialização e financiamento do setor imobiliário. A postura adotada pelo
governo Vargas (1930-54) escamoteava o cunho populista ao alegar a melhoria das
condições de habitação dos operários e migrantes que adensavam as cidades.
Todavia, o que se buscava eram a formação e o fortalecimento de uma sociedade
urbano-industrial capitalista (Bonduki, 1994). Daí em diante os conjuntos habitacionais se disseminaram pelo
território nacional, ainda com a finalidade de absorver a demanda habitacional
dos segmentos sociais mais precarizados.
Como se distribuem, na cidade, as pessoas,
segundo as classes e os níveis de renda? Quais as conseqüências da
marginalização e da segregação? Quais os problemas da habitação e da mobilidade,
da educação e da saúde, do lazer e da seguridade social? (SANTOS, 1993, p.
10).
Os conjuntos habitacionais são um produto imobiliário dotados de
interesse social, isto é atendem as demandas menos abastadas da sociedade.
Geralmente, o poder público municipal atua como incorporador e agente
imobiliário na produção dos COHABs. Ele é o dono da terra – quando necessário
adquire terras de fazendeiros cujas propriedades estão relativamente próximas do
tecido urbano – e o construtor do imóvel, vendendo-o a preços irrisórios e a
longos prazos aos moradores de maior risco social. Logo, os COHABs encontram-se
da distanciados dos equipamentos e serviços da malha urbana, por vezes estão
distanciados da malha urbana são recortes socioespacialmente
segregados.
A produção de um conjunto habitacional é um mecanismo que promove
a satisfação do adquirente do imóvel ao mesmo tempo em que concentra as
populações mais empobrecidas em guetos distanciados das localidades mais
centralizadas e de maior valor econômico.
Tem-se então uma dupla estratégia promovida pelos agentes
produtores do espaço (CORRÊA, 2003, CASTELLS, 1983), no caso, o poder público: o
futuro morador do COHAB se sente “contemplado” por adquirir a casa própria, fato
que vai ao encontro do interesse de classes economicamente mais privilegiadas de
desfrutar de espaços opulentos, paisagisticamente agradáveis e de padrão de
vizinhança homogêneo. Obviamente, isto não é uma máxima, os espaços urbanos
atuais não seguem uma lógica de homogeneidade de seu conteúdo social, existem
intermediações entre formas, funções e grupos sociais diferenciados, como será
tratado adiante.
Como já mencionado, os COHABs seguem a lógica de produção de
vazios urbanos, estes com o passar de alguns meses/anos são loteados por alguma
imobiliária privada com preços majorados. Tem-se um quadro evidente: o poder
público municipal compactua e permite a reprodução de tais vazios urbanos como
uma dinâmica de expansão do tecido urbano, constituindo uma morfologia dispersa,
o que Milton Santos chama de cidade espraiada:
[...] As cidades são grandes porque há
especulação e vice-versa; há especulação porque há vazios e vive-versa; porque
há vazios as cidades são grandes. O modelo rodoviário urbano é fator de
crescimento disperso e do espraiamento da cidade. Havendo especulação, há
criação mercantil da escassez e o problema do acesso à terra e à habitação. Mas
o déficit de residências também leva à especulação e os dois juntos conduzem a
periferização da população mais pobre e, de novo, ao aumento do tamanho urbano
[...] Assim, um primeiro momento do processo especulativo vem com a extensão da
cidade e a implantação diferencial dos serviços coletivos. O capitalismo
monopolista agrava o diferencial quanto à dotação de recursos, uma vez que
parcelas cada vez maiores da receita pública se dirigem à cidade econômica em detrimento da cidade social [...] (SANTOS, 1993, p.
96).
Há uma inevitável – e desejável – valorização destas glebas
vazias, já que estas estão entre a malha citadina formada e o COHAB a ser
criado, pois a administração pública implanta a infraestrutura básica, muito
dispendiosa, que é apropriada por agentes privados ao lotear e comercializar tal
recorte territorial.
Os agentes imobiliários lucram duas vezes: ao adquirir hectares
rurais a preços baixos e ao vender lotes urbanos por preços elevados, e após a
valorização da gleba com a implantação de infraestruturas realizada pelo poder
público. É o processo de homogeneização das terras frente ao dinheiro,
viabilizando sua mercantilização no meio urbano, é o movimento de transformação
do espaço em mercadoria (BOTELHO, 2007).
As despesas com a rede de energia elétrica, água, esgoto (quando
há) acabam por ser um ônus social que atende aos produtores capitalistas do
espaço, sem que estes contribuam com tais infraestruturas. Tem-se assim uma
produção social do espaço fundada na contradição entre a produção social do
espaço e sua apropriação privada (CARLOS, 2004).
Os sujeitos sociais que possuem maior atuação na produção do
espaço urbano são os promotores imobiliários, os agentes financeiros e aqueles
da gestão política que atuam em nível econômico porquanto suas ações orientam e
reorganizam o processo de (re)produção do espaço promovendo especializações de
áreas, hierarquias entre lugares, fragmentando espaços que serão comprados e
vendidos como mercadoria (CARLOS, 2004).
É salutar ressaltar que os conjuntos habitacionais estão
localizados na periferia geográfica da cidade, o que aponta para a situação de
segregação socioespacial, pois os moradores precisam se locomover quilômetros
para utilizar os equipamentos urbanos em poucas linhas de ônibus ou de acordo
com sua mobilidade – o número de automóveis é reduzido, ao contrário das
bicicletas e do intenso fluxo de andantes.
Situação bastante diversa é a vivenciada pelos moradores de
loteamentos privados ou condomínios fechados, que mesmo localizados na periferia
espacial da cidade não podem ser considerados segregados socioespacialmente, já
que possuem mobilidade para consumirem o espaço urbano. Já aqueles moradores de
bairros socialmente periféricos consomem a cidade de forma residual ou mesmo não
vivenciam a urbe, encontram-se muitas vezes alijados do direito à cidade
(LEFEBVRE, 1991, 1999).
A realidade social dos conjuntos habitacionais corrobora o que
Corrêa (1993, 2003) afirmou quanto à existência de homogeneidade interna e forte
disparidade externa: centenas de pequenas casas enfileiradas, apinhadas
produzindo uma paisagem idêntica, homogênea, monótona (Figuras 2 e 3). Tais
características podem evocar o sentimento de topofobia, em especial àqueles que
não vivenciam e consomem tal espaço (TUAN, 2005).
Quando se analisa a cidade numa escala maior torna-se perceptível
as diferentes formas espaciais construídas e reproduzidas no cotidiano, o que
constitui as heterogeneidades do todo urbano: indústrias, áreas de lazer,
prédios verticais, residências de arquiteturas diferenciadas, etc. Estes
diversos espaço e lugares gestam sensações de aversão ou bem estar, além de
permitirem ao cidadão urbano delinear a idéia de padrões urbanos idênticos e
dessemelhantes.
A homogeneidade (sócio)espacial dos COHABs aproxima-se da
isotopia, enquanto os diferentes recortes urbanos quando vistos em conjunto
delineiam a heterotopia: “Isotopias: lugares do mesmo, mesmos lugares. Ordem
próxima. Heterotopias: o outro lugar e o lugar do outro” (LEFEBVRE, 1999, p.
117).
Esta conjuntura evidencia que a cidade encontra-se em fragmentos,
cujos pedaços são formas socioespaciais diferentes umas das outras e que
estabelecem uma “intercambialidade” entre si (BOTELHO, 2007), a partir das
vivências, territorialidades e ritmos distintos que se relacionam e se articulam
produzindo um imenso puzzle urbano
(SANTOS, 2009). Corrêa refere-se a tal situação com muita precisão ao salientar
que o espaço urbano é fragmentado e articulado pela interdependência e pelas
relações entre áreas definidas pela divisão social do espaço (1993, 2003,
2004).


Figuras 2 e 3: Homogeneidade socioespacial na
porção limítrofe da cidade.
COHABs:
produção descontínua do território
Ao se implantar um equipamento urbano de maneira não contígua à
malha citadina já existente, se está produzindo uma cidade cujo território
encontra-se descontínuo. Entretanto, como as infraestruturas básicas (vias,
redes de energia elétrica e água, etc.) e a circulação conectam os recortes à
mancha urbana principal, tem-se a continuidade espacial (SPOSITO,
2004).
Cabe salientar que a descontinuidade do território urbano é
asseverada pelos vazios urbanos que surgem com a criação de novos equipamentos
urbanos afastados da malha urbana constituída. Tais vazios urbanos se
configuram, após alguns meses ou anos, em loteamentos privados, cujos lotes são
vendidos a preços elevados e já contam com a infraestrutura, outrora implantada
pela gestão municipal. Produzir o espaço urbano descontinuamente é uma das
estratégias dos agentes modeladores do espaço, já que nos interstícios gerados é
possível reproduzir a especulação imobiliária.
Quando essas duas dinâmicas – descontinuidade
territorial e continuidade espacial – ocorrem simultaneamente e se articulam,
pode se reconhecer, no plano da forma urbana, a constituição de
rupturas no tecido urbano e, no plano das dinâmicas e processos, a
realização da integração espacial (SPOSITO, 2004, p. 204, grifos da
autora).
O espaço urbano três lagoense é produzido segundo princípios de
uma urbanização em metástase, gerando
um território urbano descontínuo e esgarçado devido aos vazios urbanos e aos
produtos imobiliários implantados em porções periurbanas, o que segmenta o
tecido citadino. O espaço urbano:
[...] não se constitui apenas como produto das
relações sociais, mas também como condicionador dessas relações, enquanto produz
sua própria negação, através da dispersão. A descontinuidade [...] é também cada
vez mais possível no plano técnico. Esse é um elemento novo que contribui para a
segmentação e para a segregação espacial das cidades (WHITACKER, 2007, p.
145).
Nesse sentido, ao se analisar a produção dos conjuntos
habitacionais pela prefeitura municipal é perceptível a lógica dos vazios
urbanos e da expansão da malha urbana. Todos os COHABs foram criados em porções
espacialmente marginalizadas, o que inevitavelmente constituiu um quadro de
segregação socioespacial. Salvo alguns, os conjuntos habitacionais foram
implantados em porções limítrofes da tessitura urbana e com amplos vazios
urbanos. Com o passar dos anos, estes espaços vagos foram ocupados por
loteamentos e por atividades comerciais de pequeno porte. Pode-se ter como
pressuposto, que os COHABs funcionam como extensores da malha urbana que
posteriormente é preenchida por usos residenciais e comerciais (Figuras 4 e
5).

Figuras 4 e 5: vazio urbano com futura
valorização.
Não somente os conjuntos habitacionais são postos em porções
territoriais descontínuas (Figura 6), outros produtos imobiliários, como os
residenciais fechados ou loteamentos privados também procuram a periferia
geográfica da cidade. Entretanto, morar na periferia nesses casos não vai ao
encontro de ser a única alternativa
para se morar, é uma alternativa. Opta-se por esta forma de produzir e
consumir o espaço, sendo os fatores propulsores do afastamento da tessitura
urbana o contato com a “natureza”, status atribuído a consumir um espaço
exclusivo, suposta segurança, e outros.

Figura 6: Disposição territorial
dos COHABs na malha urbana.
Os COHABs são formas de moradia que estrangulam a malha urbana por
estarem localizados nos extremos citadinos, ao mesmo tempo em que estiram a
cidade por provocar a expansão territorial do tecido urbano. São produtos de
políticas públicas que visam organizar o espaço segundo lógicas capitalistas
ambivalentes, lógicas que atendem aos interesses dos grupos sociais mais e menos
abastados, e em simultâneo, produzem o espaço urbano em dispersão reticular
(SPOSITO, 2004), onde a fração territorial descontínua permanece conectada à
mancha urbana principal.
Castells (1983) aborda esta questão quando trata dos grandes conjuntos, na década de 1960,
cujas características principais são a dispersão e a coletividade, num período em que a
França passava por uma crise de moradia:
A forma que estas moradias tomaram foi
conseqüência do mecanismo que estava na base do movimento: era necessário andar
depressa, com preços acessíveis, e portanto em terrenos liberados e baratos,
situados na periferia das aglomerações; era preciso construir maciçamente, se
possível em série, faixas inteiras de moradias coletivas. E foram os grandes conjuntos que vieram modificar a
paisagem francesa e alimentar todas as ideologias reacionárias sobre a
desumanização da cidade, apoiando-se na insatisfação, perfeitamente legítima dos
moradores mal acomodados, e que atribuíam à forma os problemas decorrentes da
insuficiência de serviços e do exílio espacial, diretamente determinados pela
necessidade de um baixo custo líquido (CASTELLS, 1983, p.
202).
Os conjuntos habitacionais são uma das tentativas de sanar o
problema de onde e como morar (CORRÊA, 1993, p. 61-2),
contudo o que se apreende acerca deste produto imobiliário é uma alternativa
superficial, e mesmo residual, de alojar populações carentes no bojo da
urbe.
Uma alternativa de efeito “placebo”, já que estas populações
vivenciam um isolamento técnico decorrente do desprovimento de equipamentos
urbanos essenciais como posto de saúde, creche ou escola. Para se consumir tais
equipamentos longas distâncias devem ser vencidas, na maioria dos casos a pé, de
bicicleta ou de ônibus coletivo.
A partir dos trabalhos a campo e das entrevistas realizadas
chegou-se aos seguintes apontamentos:
·
A maioria da população destes COHABs vivia em residências cedidas ou
alugadas, o que cria o sentimento de conformismo mediante a “benção” da casa
própria, pois este era um sonho de quase todos os
entrevistados;
·
Grande parte desta população é de etnia negra, solteira ou amasiada,
e uma estrutura familiar com em média 4 filhos.
·
A maior parte dos pais e mães trabalha como assalariados ou
autônomos.
Os questionários aplicados têm objetivo amostral, afinal são mais
de 2000 pessoas apinhadas em espaços homogêneos, compartilhando as mesmas
agonias, as mesmas carências, as mesmas isotopias (Tabela
1).
Tabela 1: Relação de COHABs
implantados na cidade de Três Lagoas-MS
Programa |
Unidades
Habitacionais |
Nome do
Conjunto |
Ano de
entrega |
Imóvel na Planta |
26 |
Azaléia |
2006 |
PSH |
60 |
Orquídeas |
2006 |
PSH |
32 |
Lírios |
2007 |
PSH |
28 |
Girassóis |
2007 |
PSH |
48 |
Hortênsias |
2007 |
PSH |
16 |
Orquídeas I |
2007 |
FNHIS |
30 |
Orquídeas II |
2008 |
FNHIS |
191 |
Imperial |
2008 |
FNHIS |
17 |
Margaridas |
2008 |
FNHIS |
15 |
Hortênsias I |
2008 |
PSH |
220 |
Violetas |
2008 |
PSH |
20 |
Violetas I |
2008 |
PSH |
215 |
Violetas II |
2010 |
Total de Unidades Habitacionais:
918 |
Fonte:
Departamento de Habitação-Prefeitura Três Lagoas/MS
(2007-2011). |
O que se apresenta são estratégias de gestão do espaço urbano
segregadoras e práticas socioespaciais alienadas, conformadas, gestando uma
cidade regida por forças centrífugas e centrípetas (SANTOS, 2005) que expressam
espacialmente a heterogeneidade socioeconômica.
Os conjuntos habitacionais são uma forma espacial debilitada
inserida no tecido urbano, resultado de políticas públicas de habitação popular,
onde a principal meta é solver o problema habitacional pari passu oferecer alternativas para
alocar as populações expostas a riscos socioeconômicos. Tem-se, assim, uma
ferramenta de ordenamento territorial, que atua como elemento fragmentador do
espaço urbano em concomitância com a produção de diferenciações
socioespaciais.
Considerações finais
A cidade é fracionada, constituída por diversas formas
socioespaciais, recentes e antigas, que coexistem, se desfazem e refazem, se
transformam, e cada sujeito social, por ser morador da cidade, consome-a e se
reproduz segundo suas condições socioeconômicas e seus valores culturais e
políticos. Porém, estar na área citadina muitas vezes não é sinônimo de consumir
o espaço urbano, isso fica nítido quando se trata de conjuntos
habitacionais.
Os moradores destes bairros econômica e paisagisticamente
embrutecidos estabelecem relações com outros bairros, outros grupos sociais, e
reproduzem-se cotidianamente, todavia, estes espaços urbanos são de fato
consumidos, vivenciados? Partindo-se da premissa que estes moradores – e não só
estes – não gozam em plenitude dos espaços e das vivências da cidade, pode-se
levantar a indagação de Milton Santos (2002): uma cidade sem
cidadãos?
Os COHABs apontam para uma realidade árida quanto ao direito à
cidade, e o que traz maior preocupação é o fato da contínua reestruturação
urbana, que molda a cidade segundo princípios do capital, expulsando os mais
pobres às porções mais afastadas, construindo um modelo de cidade dispersa e
descontínua.
Mais que respostas, a ânsia deste artigo é provocar quanto ao
modelo de urbanização que está sendo empreendido, um modelo segregacionista,
desigualmente conservador e que desumaniza a cidade. Uma urbanização mais humana
e integrada é possível?
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Ponencia presentada en el XIII Encuentro Internacional
Humboldt. Dourados, MS, Brasil - 26 al 30 de setiembre de
2011.