Espaço Guarani Mato-Grossense:
Ocupação e Confinamento
Salvadora Cáceres
Alcântara de Lima
Doutoranda pela
Universidade Federal de
Goiás/UFG/IESA
RESUMO - O artigo trata a respeito do
povo Guarani que vive no município de Dourados Mato Grosso do Sul, região de
fronteira do Brasil com o Paraguai. A população indígena que vive nesse
município é bastante significativa, são cerca de treze mil pessoas das etnias
Guarani/Ñandeva, Guarani/Kaiowá e Terena, que compartilham o mesmo espaço
geográfico divididos entre duas aldeias a Jaguapiru e a Bororó. Analisamos o
processo histórico que levou a expulsão de grupos Guarani de seus territórios
tradicionais e a história de seu confinamento em conseqüência da expansão das
frentes de colonização agrícola, principalmente, a partir da década de 1930.
Quando o governo brasileiro passou a apresentar o espaço Mato-Grossense como uma
nova possibilidade para a expansão da fronteira agrícola e de pecuária, com
abundância de mata nativa, madeira e terras férteis, fator que levou muitos
migrantes a se deslocarem para essa região, impactando diretamente a organização
sociocultural e territorial do povo Guarani.
Palavras-chave: povo Guarani, confinamento, espaço
Mato-Grossense
Space Guarani Mato-Grossense:
Occupation and Confinement
ABSTRACT - The article treats regarding the people Guarani that
lives in the district of Dourados Mato Grosso do Sul, area of border of
Brazil with Paraguay. The indigenous population
that lives in that district is many significant, they are about thirteen
thousand people of the etnias Guarani/Ñandeva, Guarani/Kaiowá and Terena, that
share the same geographical space divided among two aldeias Jaguapiru and
Bororó. We analyzed the historical process that took the expulsion of groups
Guarani of their traditional territories and the history of her confinement on
consequence of the expansion of the fronts of agricola colonization, mainly,
starting from the decade of 1930. When the Brazilian government started to
present the space Mato-Grossense as a new possibility for the expansion of the
agricultural border and of livestock, with abundance of native forest, wood and
fertile lands, factor that it took many migrants the if they move for that area,
impactando directly the sociocultural and territorial organization of the people
Guarani.
Key Words: people Guarani, confinement, space
Mato-Grossense.
Espacio Guaraní Mato-Grossense:
Ocupación y Confinamento
RESUMEN - El articolo trata la respeito del pueblo Guaraní que
vivir en el município de Dourados
Mato Grosso Sul, region del frontera del Brasil con Paraguay. La población
indígena que vivir em eso município el bastante significativa, cerca de treze
mil persona de las etnias Guarani/Ñandeva, Guarani/Kaiowá e Terena, que
compartilham del los mismo espacio geográfico divididos entre dos aldeas y
Jaguapiru y la
Bororó. Analisamos el proceso histórico que levou la expulsión
del grupos Guaraní del su territórios tradicionais y la historia de su
confinamento em conseqüência de la expansão por la frentes del colonización
agricola, principalmente, después de la década de 1930. cuando el gobierno brasileño passou
apresentar el espacio Mato-Grossense como una nueva possibilid para la expansão
de la frontera agrícola e del pecuária, com abundancia del mata nativa, madeira
el tierras férteis, fator que levou muchos migrantes a se deslocarem para esa
región, impactando directamente la organización socioculturales y territorial
del pueblo Guaraní.
Palabras-Clave: Pueblo Guaraní, confiamento, espacio
Mato-Grossense
Os Guarani/Kaiowá
De acordo com SCHADEN (1974) os povos Guarani do
Brasil meridional são filiados ao tronco lingüístico Tupi-guarani e se
subdividem em Kaiowá, Ñandeva e Mbyá, a exceção dos Mbyá, os demais vivem em
diferentes aldeias situadas no interior de Terras Indígenas Mato-Grossense.
Os Kaiowá se autodenominam como “autênticos
Guarani” e os Ñandeva, são conhecidos apenas por Guarani, distinguindo-se dos
Kaiowá. Para SCHADEN (1974, p. 02), “a divisão se justifica por diferenças,
sobretudo lingüísticas, mas também por peculiaridades na cultura material e não
material”.
A classificação em subgrupos ou parcialidades foi
tratada pelos cronistas a partir do século XVI e, posteriormente pelos
historiadores, sob o ponto de vista da ocupação territorial. Apenas no século
XX, passou a interessar aos etnógrafos para análises lingüísticas, de
parentescos e de rituais.
No tempo da conquista colonial, a ocupação dos
espaços para o uso das unidades familiares Guarani, eram designadas pelo nome
dos rios que as circundava ou de seu líder principal:
En los siglos XVI y XVII, los españoles, a medida que avanzaban en
sus viajes de exploración y en sus expediciones de conquista – y los misioneiros
em su ‘conquista espiritual’ – encontraron a los Guarani formando conjuntos
territoriales más o menos extensos, que llamaron ‘provincias’, reconocidas por
su nombres propios: Cario, Tobatin, Guarambaré, Itatin, Mbaracayú, gente del
Guairá, del Paraná, del ruguai, los
del Tape....Estas províncias abarcaban un vasto território que iba de la costa
atlântica al sur de São Vicente, em el Brasil, hasta la margen derecha
del rio Paraguay, y desde el sur del rio Paranapanema y del Gran Pantanal, o
lago de los Jarayes, hasta las isla del Delta junto a Buenos Aires (MELIÁ, 1991,
p. 15)
Os conjuntos territoriais chamados de províncias, eram designados,
pelos Guarani, por Guára – que
significa “procedente ou morador de”. A procedência de uma pessoa ou de seu
grupo estaria relacionada à morfologia da paisagem local. Assim, aquele que
morava perto da serra era chamados de yvyty riguára, e os que viviam próximos à
cabeceira de um rio seriam os yry kuapeguára (CHAMORRO,
2008).
Segundo CLAVAL (2007), a nomeação dos lugares faz parte do processo
de apropriação e uso do espaço geográfico e que não é feito somente para ajudar
as pessoas a orientar-se nos lugares, trata-se de uma tomada de posse simbólica
do espaço ocupado.
A relação dos povos Guarani com o espaço vem passando por
transformações desde o período colonial. Naquela época, se formaram dezenas de
reduções jesuíticas nas províncias paraguaias do Guairá (parte do Paraguai, São
Paulo e Paraná atuais); do Itatin (parte do atual Mato Grosso do Sul e Paraguai
oriental); do Paraná (parte do Paraná e de Santa Catarina); e Tapes (Parte de
Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraguai e norte da
Argentina),
Acredita-se que os atuais Guarani Kaiowá ou pai-taviterã seriam ascendentes dos antigos
povos Guarani da província do Itatin e os Guarani Ñandeva seriam oriundos dos
povos das províncias do Paraná e do Guairá (MELIÁ, 1976)
Com a demarcação da fronteira entre Brasil e o Paraguai (Tratado de
Madri, 1750) os Guarani que não se submeteram ao sistema de reduções vão
aparecer nos diários das expedições demarcatórias e nos relatos de viajantes de
forma genérica, como monteces ou caagua-monteses (em espanhol quer dizer
monte, florestas ou selva) como pessoas que viviam preferencialmente, em áreas
de matas e que falavam uma língua que os colonizadores interpretaram como sendo
a língua mais usada na costa brasileira:
Esses monteces ou caagua, são aqueles índios que politicamente não
foram ‘reduzidos’, categoria pertinente a uma situação histórica específica e
que serve para designar um modo de vida como contraposto ao modo de vida que a
colônia tinha vindo instaurar (MELIÁ, 1976, p. 169).
Somente no século XIX e XX, os estudos
etnográficos realizados por NIMUENDAJÚ (1914); METRAUX (1927); SCHADEN (1974)
entre outros, ampliaram o conhecimento sobre os povos Guarani, que passaram a
ser identificados em função de suas especificidades lingüísticas, costumes,
rituais e outras particularidades na organização da vida social.
A divisão dos subgrupos passou a ser observada,
também, considerando a disposição dos lugares e regiões que habitam atualmente.
Esses lugares corresponderiam o mesmo amplo espaço geográfico descrito pelos
cronistas durante o período da conquista.
Atualmente, a maior concentração de
Guarani/Kaiowá encontra-se no Estado de Mato Grosso do Sul. Suas áreas de
domínio e ocupação compreendem pequenas áreas situadas em uma faixa de terras de
cerca de 150
km de cada lado da região de fronteira do Brasil com o
Paraguai. Onde são conhecidos por Pai-Tavyterã, denominação utilizada no
Paraguai e Kaiowá como é chamado no Brasil, particularmente nas aldeias de
Dourados/MS.
O nome Kaiowá deriva do termo ka’a o gua, que significa procedente da
floresta – indicado por gua que é uma
forma abreviada de guará, da mata ka’a. Receberam essa denominação
genérica, por se encontrarem em áreas de matas contíguas ao longo do rio Paraná
e às cordilheiras do Amambaí e do Maracaju (CHAMORRO,
2008).
Os chamados Guarani Ñandeva são conhecidos também
como Ava Chiripa, principalmente no Paraguai. O
termo ñandeva – o que somos nós os que são dos nossos –, é autodenominação usada
pelas comunidades que falam o dialeto registrado por CURT NIMUENDAJU com o nome
de Apapokuva (SCHADEN, 1974).
Segundo esse autor, no primeiro quartel do século
XIX, grupos Ñandeva se deslocaram do Oeste brasileiro em direção ao sul e à
região sudeste do Brasil onde se estabeleceram no litoral e no interior
paulista.
Dessa movimentação surgiram diversos
assentamentos como é o caso da aldeia de Araribá/SP, onde NIMUENDAJU esteve por
muito tempo. As aldeias de Jacareí ou de Porto Lindo, localizada no extremo sul
de Mato Grosso do Sul corresponderiam às indicações de NIMUENDAJU, como sendo o
local de onde teria partido as “migrações” Apapokuva por volta de
1870.
A história dos Guarani em território paulista é bastante conhecida
graças ao trabalho de Nimuendaju e de outros pesquisadores. Sabe-se que entre
eles não há remanescentes dos antigos Tupi da costa, desaparecidos já no período
colonial. Ligam-se às correntes migratórias, provenientes do Oeste, que se vêm
sucedendo desde o primeiro quartel do século passado (...) Nimuendaju indica,
entre os grupos que chegaram ao litoral, a horda dos Tañiguá (1820), a dos
Oguahuíva (1820), a dos Apapokuva (1870), e, ainda um grupo recente, vindo em
1912 (SCHADEN, 1974, p. 05).
Os Guarani/Kaiowá e os Guarani/Ñandeva são os
dois subgrupos que estão presente nas aldeias de Dourados/MS e em boa parte do
extremo sul do Estado. Muitos deles são descendentes de famílias que percorreram
os Estados de São Paulo, Paraná e outros países como o Paraguai, antes de serem
confinados em Dourados/MS.
Os Terena
A etnia Terena forma a segunda maior população
indígena do Estado de Mato Grosso do Sul. São povos que descende dos Txané-Guaná
e fala um dialeto da família lingüística Aruák (AZANHA,
2008).
Atualmente, vivem em diversas aldeias situadas em
vários municípios da bacia do alto pantanal, cujo espaço de mobilidade
compreende os municípios de Miranda/MS, Sidrolândia/MS, Aquidauana/MS,
Anastácio/MS, Dois Irmãos do Buriti/MS, Bonito/MS, Rochedo/MS, passando por
Campo Grande capital de Mato Grosso do Sul e Dourados/MS.
O termo Terena teria surgido ainda no contexto
colonial, para designar a população de vários subgrupos pertencentes ao tronco
lingüístico Aruák, que foram registrados em documentos históricos como Etelenoe, Layana e Quiniquinau. Assim, a denominação Terena
funciona como uma categoria que abarca diversos subgrupos ou etnias aparentadas
lingüística e culturalmente (PEREIRA, 2009).
A autodenominação Terena aplica-se hoje a todos
que se reconhecem e que são reconhecidos como tal. Além da filiação
consangüínea, o compartilhar da solidariedade étnica é outro quesito valorizado
e que compõem o modo-de-ser Terena.
No passado, os ancestrais da atual comunidade
Terena teriam ocupado um vasto território que compreendia a região do Chaco
paraguaio de onde teriam “migrados”, ao longo do século XVIII, em direção aos
locais onde hoje se encontram (AZANHA, 2001).
Algumas características socioculturais que ligam
o povo Terena à tradição cultural dos povos Aruák, evidenciadas na
historiografia AZANHA (2001); OLIVEIRA (1986); PEREIRA (2009) referem-se ao
papel relevante desempenhado pela prática da agricultura na sua economia e, a
outra é caracterizada pela grande abertura da comunidade para
exterioridade.
A intensa sociabilidade teria favorecido os
empréstimos culturais e lingüísticos, facilitando a adaptação do grupo a
ambientes diversos. Tal tendência também teria facilitado o domínio do grupo
sobre outros povos, considerados inferior, como ocorreu com os Guarani/Kaiowá de
Mato Grosso do Sul.
A organização sociocultural e lingüística do povo
Terena vem passando por transformações desde o advento da Guerra do Paraguai
(1864-1870). Após o conflito, começa um período conhecido por “tempo da
servidão” PEREIRA (2004) quando se inicia a dispersão da comunidade e a perda de
suas bases territoriais tradicionais.
As primeiras reservas indígenas demarcadas no
Estado de Mato Grosso do Sul, já no contexto de uma política indigenista
conduzida pelo Serviço de Proteção ao Índio/SPI, foram definitivas para o
reagrupamento de muitas famílias Terena que viviam dispersas após a
guerra.
A literatura registra a chegada de grupos Terena
na região de Dourados por volta de 1920, quando foram colocados em contatos com
os Guarani/Kaiowá com o propósito de trocar experiências sobre técnicas
agrícolas. Os objetivos do órgão indigenista, SPI e depois da FUNAI, era
inseri-los na economia regional como reserva de
mão-de-obra.
Na década de 30, um grupo de índios Terena (família Aruak),
habitante de uma região mais ao norte do território guarani, foi levado para a
área indígena de Dourados pelo antigo SPI, com objetivo de ‘civilizar’ os
Guarani-Kaiowá ali localizados (MANGOLIN, 1993, p.
23)
Por serem considerados hábeis agricultores e
afeito à sociabilidade, os Terena foram vistos pelo Serviço de Proteção ao Índio
como provável “civilizador” dos Guarani – considerados “raça indolente”. Esta
medida levou muitas famílias, Terena, a se deslocarem para a região e a viver
em território
Guarani, situação evidenciada hoje na Terra Indígena Francisco
Horta Barbosa, em Dourados/MS.
Também, há um grupo expressivo de Terena vivendo
na cidade de Campo Grande/MS, capital de Mato Grosso do Sul onde, nas últimas
décadas, surgiram duas aldeias indígenas – Marçal de Souza e Água Bonita –, as
quais compõem a chamada “aldeia urbana” (PEREIRA, 2009, p.
24)
A situação dos Terena urbanos é semelhante à de
outros povos dentre eles a dos Guarani que vivem, individualmente ou em grupos,
nas periferias da cidade de Dourados, onde tentam reproduzir e manter traços
mínimos de sua identidade cultural e lingüísticas por meio das relações de
parentescos.
Terra Indígena de Dourados: composição
étnica
A Terra Indígena de Dourados Francisco Horta
Barbosa foi criada pelo Decreto Estadual nº 401, de 3 de setembro de 1917
(BRAND, 1997), com uma área de 3.600 ha, localizada entre os
municípios de Dourados e de Itaporã. Antes mesmo da demarcação ocorrida, em
1965, a
área reservada perdeu 61
hectares de terras para proprietários circunvizinhos,
restando 3.539
ha, sendo que a maior parte pertence ao município de
Dourados.
Situada ao norte do município de Dourados/MS
distante 5
km do perímetro urbano, a TI Francisco H. Barbosa é
cortada pela rodovia/MS156 e margeada por chácaras e fazendas produtoras de
soja, milho e outros produtos agrícolas.
Terra Indígena de
Dourados: Francisco Horta Barbosa
A TI Francisco H. Barbosa é composta pelas
aldeias Jaguapiru e a Bororó. Onde vivem aproximadamente 13 mil pessoas das
etnias Guarani/Ñandeva, Guarani/Kaiowá e Terena além de alguns não-índios
casados com indígenas (SEMED, 2011).
A expressiva concentração demográfica em um
espaço físico reduzido levou alguns estudiosos CHAMORRO (2008); PEREIRA (2004);
BRAND (1997) a caracterizar a Terra Indígena de Dourados bem como as outras
áreas demarcadas na primeira metade do século XIX, como áreas de confinamento
humano. Já que a exigüidade do território para uma população crescente não
permite a sua reprodução física e cultural segundo seus costumes e tradições
como prevê o Art. 231 da Constituição Federal.
Contexto do confinamento
Guarani
A conquista e ocupação do espaço Mato-Grossense,
pelas frentes colonizadoras, resultaram de movimentos expansionistas distintos.
LIMA (2006); BRAND (1997); entre outros/as afirmam que a primeira fase de
ocupação se deu após a Guerra da Tríplice Aliança, que envolveu Brasil,
Argentina, Uruguai e Paraguai, no período de 1864 a
1870.
A erva-mate foi a primeira riqueza natural
extraída do território Guarani, com a instalação da Cia Matte Laranjeira, no
final do século XIX, iniciando o povoamento por não-índios das terras que hoje
pertencem ao Estado de Mato Grosso do Sul.
Thomaz Laranjeira fazia parte da Comissão que
atuava na demarcação dos limites fronteiriços do Brasil com o Paraguai,
concluída em 1874. Por conhecer bem a região e o potencial da erva-mate nativa,
Thomaz Laranjeira obteve do governo federal, em 1882, permissão para a
exploração da erva-mate nesta vasta região, área que foi sendo sucessivamente
ampliada, tendo ultrapassado os 5.000.000 ha, em 1895,
tornando-se um dos maiores arrendatários do período republicano em todo o Brasil
(ARRUDA, 1986).
Embora a atividade extrativista tivesse provocado
impacto na organização sociocultural e territorial das comunidades Guarani –
promovendo o deslocamento de inúmeras aldeias em virtude da função itinerante da
exploração constante de novos ervais –, não havia, ainda, disputa pela posse da
terra indígena já que a empresa, Matte Laranjeira, visava apenas o monopólio da
exploração dos ervais.
O processo de extração da erva-mate se
concentrava na poda, colheita dos galhos e folhas das árvores sem prejudicar as
outras espécies da flora regional. A mão-de-obra ervateira, segundo ARRUDA
(1986), teria sido predominantemente paraguaia. Porém, outros autores BRAND
(1997); SEREJO (1986) afirmam que a participação Guarani na composição da
mão-de-obra foi bem maior do que sugere as publicações sobre a Cia Matte
Laranjeira.
Segundo o relatório de GENÉSIO PIMENTEL BARBOZA
de 1927, servidor do SPI, citado por BRAND, (1997, p. 65): “A proporção de
índios Caiuás empregados na elaboração da herva, sobre o operário
(não-indígena), é em média, de 75%, na região de Iguatemi”. Informa ainda que
nos demais estabelecimentos visitados “a quantidade de índios que nelles
trabalham é sempre superior ao trabalhador
paraguaio”.
Para o autor, a ausência de referenciais mais
consistentes sobre a participação Guarani, como mão-de-obra, talvez possa ser
explicada pelo provável ocultamento no meio dos paraguaios, falando a mesma
língua e com costumes aparentemente próximos, estariam menos sujeitos a
preconceitos.
A Companhia Matte Laranjeira começou a entrar em
decadência por volta de 1912. Quando tratava da renovação do contrato de
arrendamento. Mesmo assim, a empresa atingiu seu auge em 1920 (ARRUDA,
1986).
Com a criação do Território de Ponta Porã, em
1943, o governo brasileiro anulou, definitivamente os direitos da empresa dentro
do território nacional, rompendo com o controle estrangeiro em uma região de
fronteira política onde a população e a língua era predominantemente
guarani.
Ainda nas primeiras décadas do século XX, já
dentro dos princípios de uma integração do mercado nacional, o governo
brasileiro vinha construindo as bases físicas e institucionais no sentido de
favorecer a expansão da fronteira agrícola, sem alterar, no entanto, a estrutura
agrária tradicional.
O processo de demarcação das Terras Indígenas foi
o fato mais expressivo do projeto de colonização e civilização, posto em prática
pelo indigenismo oficial. Cujo pensamento político e filosófico pouco se
diferenciava daquela concepção que existia desde o início da colonização que era
baseada no princípio da integração do indígena à sociedade nacional.
As primeiras reservas indígenas demarcadas no
espaço Mato-Grossense ocorreram entre 1915 e 1928: Terra Indígena Benjamim
Constant, no município de Amambaí/MS, criada em 1915, e que sofreu redução antes
mesmo de ser medida e só foi restituída em 1928, com o nome de Reserva Limão
Verde no mesmo município. Terra Indígena Francisco Horta Barbosa, no município
de Dourados/MS, criada em 1917, mas obteve o titulo definitivo somente em 1965.
Terra Indígena Tey-Cuê para os Kaiowá, no município de
Caarapó/MS, criada em 1927. Em 1928, foram criadas mais quatro TIs: a do Porto
Sassoró ou Ramada, hoje município de Tacuru/MS; Porto Lindo, no município de
Japorã/MS, onde predomina os Guarani Nãndeva; Reserva de Pirajuy, no município de Paranhos/MS e
Takuapery no município de Coronel
Sapucaia/MS.
Terras Indígenas reservadas até
1928
Municípios |
Ano |
Terras
reservadas |
Extensão
(ha) |
Amambaí |
1915 |
Benjamim
Constant |
2.438 |
Dourados |
1917 |
Francisco Horta
Barbosa |
3.600 |
Caarapó |
1927 |
Tey Cuê |
3.595 |
Amambaí |
1928 |
Limão Verde |
2.438 |
Tacuru |
1928 |
Porto
Sassoro |
1.923 |
Japorã |
1928 |
Porto Lindo |
1.650 |
Paranhos |
1928 |
Pirajuy |
2.118 |
Coronel
Sapucaí |
1928 |
Takuapery |
2.475 |
Org, LIMA, 2011
Colônia Agrícola Nacional de
Dourados
O processo de criação das reservas indígenas se
acha diretamente relacionado com as políticas públicas direcionadas à ocupação
do Oeste brasileiro a partir da ideologia de unificação nacional iniciada com o
Estado-Novo (1937-1945) a chamada “Marcha para Oeste”, que culminou com a
implantação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados/CAND e de outros projetos
de colonização particulares, intensificando os conflitos e forçando a uma
reconfiguração fundiária em toda a região Sul Mato-Grossense, particularmente do
território Guarani.
O Programa de colonização “Marcha para o Oeste”
implantado promoveu a criação da Fundação Brasil Central, em 1943. Esse órgão
visava planejar e coordenar o processo de desenvolvimento e ocupação de áreas
desabitadas pelo homem branco nas regiões oeste e central do Brasil. Sob a
influência da visão geopolítica militar, objetivava garantir a segurança da
fronteira oeste do país.
A Fundação Brasil Central foi mais um instrumento político do
Estado Novo no sentido de viabilizar a ocupação do território brasileiro e
estimular o avanço das frentes de expansão sobre os territórios indígenas e a
ocupação de suas terras (BORGES, 2000, p. 79)
Para ocupar os chamados “espaços vazios”, o
Estado brasileiro implantou a Colônia Agrícola Nacional de Goiás, em Ceres/GO,
no ano de 1941, e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados/MS – CAND, em 1943
que, segundo LENHARO (1986, p. 56), ocorreria somente em junho de 1948, quando o
governo federal demarcou a área e os limites para a sua implantação.
A criação da CAND e de outras colônias agrícolas
transformou a porção meridional do Estado de Mato Grosso do Sul numa das
principais áreas de atração populacional, principalmente de famílias pobres
oriundas do nordeste brasileiro que receberam, gratuitamente, lotes delimitado
em áreas de 20
a 30 hectares LIMA, (2006).
Simultaneamente ocorreu a destruição de inúmeras aldeias Guarani provocando a
dispersão de seus moradores.
Ao tratar do “impacto da perda da terra sobre a
tradição Guarani/Kaiowá”, (BRAND, 1997), caracteriza o período de
1950 a
1970, de esparramo – sarambipa –,
quando famílias extensas teriam sido desarticuladas devido o loteamento de suas
aldeias. Esse processo atingiu seu auge na década de
1980.
Os Guarani/Kaiowá foram, compulsoriamente confinados dentro das
Reservas, extinguindo qualquer alternativa de oguata (caminhar), ou de buscar
outros refúgios. Esse processo atingiu seu auge durante a década de 1980 (BRAND,
1997, p. 90).
O processo de colonização e os estímulos
migratórios provocaram mudanças significativas na configuração do espaço
Mato-Grossense com a predominância de pequenas e médias propriedades, nas áreas
de colonização em convívio com a grande propriedade rural, em grande parte
vinculada à pecuária e que seria, em parte, incorporada a produção comercial da
soja, nos anos setenta do século XX.
O discurso social presente nesses projetos
colonizadores refletia, claramente, uma preocupação geopolítica articulada a
outros objetivos: a) garantir a ocupação territorial nas áreas de fronteiras com
os países vizinhos; b) desafogar áreas de possíveis conflitos sociais e;c)
confirmar a parte austral mato-grossense como extensão do sudeste (ABREU, 2001,
p. 59): a)
Além da criação da CAND, várias outras colônias
particulares surgiram nessa época como: Companhia Viação São Paulo Mato-Grosso;
Companhia Moura Andrade e Sociedade de Melhoramentos e Colonização SOMECO S.A.
Como mostra (PEBAYLE & KOECHILIN, 1981):
Assim nasceram, durante os anos 50, os centros de colonização da
Companhia Viação São Paulo Mato Grosso, que comprou do theco Jan Bata cerca de
6000 km² de terra hoje repartida entre os municípios de Bataiporã, Anaurilândia
e Bataguaçu. (...) A Companhia Moura Andrade, depois de haver colonizado a
região de São Paulo, a qual deu seu nome (Andradina) encontrou nas altas bacias
dos rios Samambaia, São Bento e Inhanduí-guaçu uma outra razão de negócio e de
culto da personalidade (Nova Andradina é a sede desta colonização). A Companhia
Melhoramentos e Colonização S.A ou SOMECO devia, por sua vez, lotear as terras
florestais do vale médio e inferior do rio Ivinhema, entre os domínios de Bata e
a Colônia Agrícola de Dourados. Todas essas companhias e os pequenos centros de
colonização mais modestos que os circundavam (em Naviraí, Caarapó, Rio
Brilhante) conheceram uma evolução mais ou menos similar (PEBAYLE &
KOECHILIN, 1981, p. 12).
O processo que deu origem às cidades sede desses
municípios corresponde a uma época de intensa colonização pública e privada, que
deixou suas marcas impressas no espaço e na memória de seus habitantes.
A junção de duas línguas reflete a forte
influência étnica e histórica na formação desses municípios, evidenciada na
nomeação dos lugares: uma própria do lugar - o guarani e outra que veio de fora.
Os nomes próprios desses lugares são herança
cultural e lingüística que tem sido perpetuado pelos nomes que essas cidades
receberam em homenagem às pessoas que se apropriaram do território. É o caso de
Batai-porã e Bata-guaçu que significa bonito, belo e
grande, poderoso, respectivamente. Seria uma forma de cultuar e conservar uma
memória positiva do conquistador.
Em nome do bom, belo, poderoso em fim da
“civilização”, tenta-se silenciar, ocultar os conflitos sociais e as disputas
territoriais geradas com a chegada dos colonizadores. Talvez estivesse ai a
primeira fronteira entre civilizações no sentido apontado por MIGNOLO (2003)
quando a diferença étnica se traduziu em desigualdade, opressão e
extermínio.
No caso de Dourados, aspectos importantes de sua
história estão impressas na toponímia da cidade, representadas por nomes de
pessoas que ajudaram na construção da cidade e na implantação da Terra Indígena
Francisco Horta Barbosa. Um exemplo disso é a nomeação de algumas ruas da cidade
como: Dr Nelson de Araujo, Albert Maxwell, Esthon Marques como uma homenagem a
professores e médicos missionários que atuaram na cidade de Dourados, na área de
educação, assistência à saúde e à evangelização de grupos Guarani/Kaiowá e
Terena.
Um exame mais detalhado dos nomes das cidades
citadas por (PEBAYLE & KOECHILIN, 1981) e de outros municípios do Estado
pode revelar os valores ideológicos que sustentavam o poder político e econômico
das elites da época, que transposto culturalmente, é uma forma de fazer a
manutenção desse poder.
Para a conclusão desse artigo, cabe ressaltar que
o processo de conquista e ocupação do Oeste brasileiro ocorreu em consonância
com as transformações estruturais da economia do Sudeste. A criação de áreas
reservadas para a população indígena foi uma estratégia utilizada pelo Estado
para a liberação das terras para a colonização.
Nesse contexto, a implantação da Colônia Agrícola
Nacional de Dourados, na década de 1940, foi o resultado de políticas públicas
de planejamento dirigido, fundamentado no ideário desenvolvimentista de
integração econômica do espaço brasileiro. O discurso geográfico relacionado ao
desenvolvimento para o país visava incorporar as novas terras ditas vazias e
desocupadas para aumentar a produção de produtos primários necessários ao
processo de industrialização vivido naquele momento pelo
país.
Nesse contexto, o modo como foi sendo recortadas
as Terras Indígenas no espaço Mato-Grossense e a trajetória sócio-espacial dos
diferentes grupos étnicos que compõem a Terra indígena de Dourados resultaram de
um projeto claro de colonização e civilização que desconsiderou as
especificidades étnica, cultural e lingüística ao negar-lhes o direito às terras
que tradicionalmente ocuparam.
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