A PARTICIPAÇÃO DA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL
NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO
DAS CIDADES GÊMEAS DE
PONTA PORÃ – BR E PEDRO JUAN CABALLERO – PY
Cecilia Aparecida Costa[1]
Resumo
As cidades gêmeas de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero devido à proximidade, aparentemente fundidas em uma só, apresentam
diferenças fundamentais nas suas constituições territoriais internas e nas
relações entre elas. No entanto, essas cidades compartilham os problemas
ambientais, uma vez que fronteira é uma construção humana e não da natureza.
Assim, nesse trabalho busca-se analisar as relações dessas cidades frente às
questões ambientais com destaque para o problema do lixo urbano, esse que
constitui umas das contradições do modo de produção
capitalista.
Palavras chaves: fronteira, cidades gêmeas, natureza, problemas ambientais, lixo
urbano.
Abstract
The twin cities of Ponta Porã and Pedro Juan Caballero
have fundamental differences as for this territorial constitution and the
relations between them both owing to the proximity and to the fact that they
apparently merged into only one. However, these cities share the environmental
problems since the border is a human construction and not a nature one.
Hence, in this work, we try to analyze the relations that these cities
have when faced with the environmental issues, drawing special attention to the
problem of urban waste. This is in fact one of the contradictions in the
capitalist production way.
Key words: border, twin cities, nature,
environmental problems, urban waste.
Introdução
Esse trabalho faz parte de um projeto de Mestrado
em Geografia, financiado pela FUNDECT que tem como
objetivo analisar o processo de valorização da natureza na fronteira
Brasil-Paraguai mais especificadamente entre as cidades gêmeas de Ponta Porã e
Pedro Juan Caballero, refletindo como a problemática ambiental participa na
produção do espaço dessas cidades fronteiriças, e como essas questões acabam
influenciando as relações que são estabelecidas entre as mesmas.
As cidades em questão se originaram as margens da
Lagoa Punta Porã no Paraguai, foram crescendo e se estruturando uma ao lado da
outra, tendo apenas uma avenida definindo a divisão, o limite territorial. Por
essa razão faz pensar, num primeiro olhar, que se trata de uma única
cidade.

Figura 1. Conurbação Ponta Porã - BR e
Pedro Juan Caballero - PY
Fonte: Malha Municipal Digital do
Brasil – IGBE, 2005
Denominadas de cidades gêmeas, essas cidades,
mesmo estando tão próximas fisicamente, a ponto de parecerem fundidas em uma só,
apresentam características específicas, são pertencentes a países diferentes,
possuindo cada qual suas leis, costumes, idioma, cultura, situação política,
social e econômica. Quanto à cultura cabe ressaltar que não se refere apenas as
binacionais (Brasil/Paraguai). Naquele espaço se configura um ambiente
cosmopolita composto por uma mescla de idiomas, hábitos, costumes pertencentes a
países como Coréia, Japão, China, Líbano, dentre outros. Para Machado (2010,
p.69) isso ocorre porque as pessoas de “diferentes lugares do país e do mundo,
são em parte atraídas pela possibilidade de ser mais um ‘estrangeiro’ em meio a
outros”.
Portanto, é um espaço muito complexo composto
pelas especificidades de cada cidade somadas ao grande fluxo de pessoas,
mercadorias e serviços, que se refletem não apenas em benefícios, mas também em
diversos problemas. Esses vão desde a questão do trânsito de veículos e as
multas aplicadas em cada lado da fronteira; como também o atendimento hospitalar
através do Sistema Público de Saúde brasileiro, que se vê obrigado a atender os
pacientes de ambas cidades, sobrecarregando um sistema que já é precário; e
perpassando pela questão dos resíduos sólidos e seu destino final, que se
caracteriza como um dos principais problemas ambientais e que nesse trabalho
será objeto de estudo.
Algumas considerações sobre a categoria
fronteira
Discutir a questão ambiental no urbano dessas
cidades significa necessariamente procurar entender o funcionamento do espaço
fronteiriço, pois a fronteira muito além de separar dois países diferentes
compreende o estabelecimento do encontro, de relações de grupos culturais
distintos. O estudo do ambiente na fronteira possibilita refletir sobre os
limites da fragmentação imposta pelo entendimento de fronteira como barreira,
como limite, como separação.
Falar de fronteira a primeira ideia que vem em
mente é o limite de um Estado Nação, é a divisa entre países, e essa forma de
entender a expressão fronteira como sinônimo de limite seria uma visão muito
simplista, uma vez que seu significado é algo muito mais complexo. Deste modo,
buscaremos o entendimento de diversos autores com o intuito de identificar
algumas concepções a cerca do que seria uma fronteira, diferenciá-la de limite,
mostrando que se trata de uma invenção humana pela qual, quando a inventamos,
admitimos a existência do outro, da diferença - a
alteridade.
Apenas dizer que fronteira e limite não possuem o
mesmo significado não é o bastante, é preciso distingui-los. Afirma-se que
limite é algo que foi determinado, uma linha divisória que permanece como um
obstáculo fixo, independente da existência ou não de fatores físico-geográficos
ou culturais enquanto a fronteira é fluida, tem vida própria e não se prende ao
limite. Nesse sentido, o chamado “marco de fronteira” é na verdade, um símbolo
visível do limite.
A esse respeito Raffestin (1993, p. 166) afirma
que “o limite é, portanto, uma classe geral, um conjunto cuja fronteira é um
subconjunto”. Por sua vez, Dorfman e Rosés conceituam limite e fronteira
afirmando:
(Limite) [...] é um atributo do estado-nação,
delimitando soberania, isto é, demarcado a vigência de normas estatais
diferenciadas em cada um dos seus lados e extensivas no interior do território.
A fronteira distingue os territórios estatais, mas não os torna estanques, na
medida em que fluxos de pessoas, objetos e informação cruzam constantemente o
limite. (DORFMAN E ROSÉS, 2005, p.196).
Para as autoras, o limite é definido pelo
Estado-Nação que irá delimitar até onde vai sua extensão territorial, a
abrangência de sua legislação, a sua soberania. O limite seria o fim daquilo que
mantém coesa uma unidade político-territorial. Já fronteira, separa territórios
estatais, mas isso não significa que os tornam isolados porque sempre haverá o
ir e vir das pessoas, de objetos e de informações.
De acordo com o entendimento de Hissa (2006) o
limite seria algo que se insinua entre mundos, com objetivo de dividir o que não
pode permanecer ligado, de mostrar que existe diferença. Mas de todos os
significados, o mais decisivo é o que conduz a ideia de restringir a liberdade,
de ser um obstáculo de trânsito livre. Nesse sentido o limite “é reconhecido
como o que se põe a vigiar o território e o domínio proibido, como se nele
houvesse uma vida autônoma e a vocação da guarda” (HISSA, 2006, p.19). Vale
ressaltar que o autor tem claro que o conceito de limite é próprio do homem e
que nos elementos da natureza ele é um elemento intruso.
Apesar de ser um termo antigo e as noções de
limites e fronteiras evoluírem ao longo dos tempos, mesmo assim Raffestin (2005)
chama a atenção de uma concepção conceitual fronteiriça ocidental muito pobre
que precisa ser refletida:
A reflexão e mais ainda a ausência de reflexão a
respeito do significado de fronteira ratificam a falta do regramento nos
diversos aspectos do pensamento e da ação. A vontade de eliminar as regras e por
consequência os ritos e códigos, é uma formidável manifestação de uma cultura
inteira colocada em cheque. [...] A representação que a cultura ocidental faz
atualmente da fronteira é de uma pobreza tão absoluta, que precisa ser alertada,
pois ela é a negação de toda a história. (RAFFESTIN, 2005,
p.09-10).
De acordo com o entendimento de Albuquerque
(2010, p.329) a noção de fronteira no mundo contemporâneo adquire vários
sentidos, tais como: “delimitações de territórios ou como metáforas da vida
social, fronteiras porosas e rígidas, barreiras ou formas de travessias,
diferenças e sincretismos, limites e caminhos”, o autor ainda afirma que
fronteira é um termo polissêmico e que pode ser entendido através de diferentes
metáforas. Nesse sentido, Albuquerque se remete ao ensaio de Simmel, 2001,
intitulado “ponte e porta” para refletir algumas dimensões de fronteira.
As metáforas da ponte e da porta são indicativas
das fronteiras que delimitam e atravessam a experiência humana e as vivências em
determinados espaços sociais. A ponte como uma criação humana que consegue unir
o que a natureza havia separado. A construção do caminho e a percepção dos
trajetos e dos pontos de ligação. A porta como algo que estabelece um limite, a
edificação de barreiras entre o interno e o externo, uma separação num espaço
que antes era naturalmente unificado. Contudo, a porta simboliza também a
passagem, o cruzamento entre o fora e o dentro, entre a objetividade e a
subjetividade da vida dos indivíduos em sociedade. (ALBUQUERQUE, 2010, p. 330)
Dessa forma o autor entende os símbolos ponte e
porta como metáforas da experiência coletiva e individual. Desta maneira,
fronteira é uma construção humana, invenção, imaginação, experiência/vivência
humana não existindo, portanto, fronteira natural. Embora entendamos dessa
forma, André Roberto Martin (1994, p.47) cita o professor britânico A. E. Moodie
o qual diz “a fronteira se distingue do ‘limite’ precisamente porque a primeira
é ‘natural’ e remete, portanto, à geografia, enquanto a segunda é ‘artificial’ e
remete diretamente ao Estado”. Em sentido contrário, Raffestin afirma ser um
absurdo falar em fronteira natural:
Basta pensar na Revolução Francesa ou na
Revolução Russa para se constatar que todos os sistemas sêmicos sofreram
transformações e, em particular, o sistema dos limites. É a razão pela qual é
absurdo falar em fronteiras naturais, que só existem na condição de serem
subtraídas da historicidade. E se as subtraímos da historicidade, é para
“naturalizá-las”, ou seja, para fazê-las o instrumento de uma dominação que
procura se perpetuar. (RAFFESTIIN, 1993, p. 166).
Toda fronteira é uma construção humana e na
medida em que inventamos fronteira, identificamos o outro, a alteridade, assim
elas surgem com o intuito de se sobrepor, de dominar territórios redefinindo-os
constantemente.
José de Souza Martins em sua obra “Fronteira a
degradação do outro nos confins do humano” investiga fronteira a partir de uma
dimensão propriamente sociológica e antropológica, a qual acaba discutindo-a a
partir do humano, da alteridade, o humano no seu limite
histórico:
[...] fronteira de modo algum se reduz e se
resume à fronteira geográfica. Ela é fronteira de muitas e diferentes coisas:
fronteira da civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira
espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, fronteira de etnias,
fronteira da História e da historicidade do homem. E, sobretudo, fronteira do humano. (MARTINS, 1997, p.
13)
Para o autor as limitações sobre estudos de
fronteiras e sua expansão interna nos campos sociológicos, antropológicos,
históricos e geográficos, podem ser facilmente reconhecidas através do
reconhecimento do pioneiro como suposto herói. Esse equivocado entendimento
contribui para escamotear o aspecto principal da fronteira, o seu aspecto
trágico:
As concepções centradas na figura imaginária do
pioneiro deixam de lado o essencial, o aspecto trágico da fronteira, que
se expressa na mortal conflitividade que a caracteriza, no genocida desencontro
de etnias e no radical conflito de classes sociais, contrapostas não apenas pela
divergência de seus interesses econômicos, mas sobretudo pelo abismo histórico
que as separa. (MARTINS, 1997, p. 15, grifo nosso).
Nesse sentido, Martins (1997, p.12) concentra-se
na vítima como figura central e não no pioneiro, pois dessa forma, o autor
afirma poder encontrar duas características essenciais na constituição do ser
humano: a alteridade e a liminaridade. A primeira é “à particular visibilidade
do Outro, daquele que ainda não se
confunde conosco nem é reconhecido pelos diferentes grupos sociais como
constitutivo do Nós”. Enquanto que a
segunda é “própria dessa situação, a um modo de viver no limite, na fronteira, e
às ambiguidades que dela decorrem”.
Martins no decorrer de seu texto deixa claro o
seu entendimento a respeito da singularidade da fronteira, devido essa ser,
essencialmente, o lugar da alteridade, pois nela há embate de temporalidades
diversas:
Na minha interpretação, [...] a fronteira é
essencialmente o lugar da alteridade. É isso o que faz dela uma realidade
singular. A primeira vista é o lugar do encontro dos que por diferentes razões
são diferentes entre si, como os índios de um lado e os civilizados de outro;
como os grandes proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres, de
outro. Mas o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente, a um só
tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro. Não só o desencontro e
o conflito decorrentes das diferentes concepções de vida e visões de mundo de
cada um desses grupos humanos. O desencontro na fronteira é o desencontro de
temporalidades históricas, pois cada um desses grupos está situado diversamente
no tempo da História. (MARTINS, 1997, p. 150-151)
Como bem expresso por Martins (1997, p.12) “na
fronteira, o Homem não se encontra – se desencontra”, de modo que estamos
acostumados a pensar fronteira apenas como algo que separa, porém ela se
caracteriza muito mais por distinguir/diferenciar um do outro, e, quando assim
não for, é porque essa deixou de existir.
É necessário ter claro que fronteira só existe
porque o homem a criou. Assim, é evidente que não encontraremos fronteira na
natureza. Por essa razão, os problemas urbano-ambientais causados em uma das
cidades – Pedro Juan Caballero ou Ponta Porã – serão perfeitamente sentidos em
ambas, situação que força seus dirigentes a desconstituir a “fronteira do
humano” e trabalhar em ações conjuntas.
Problemática ambiental na fronteira: as cidades
gêmeas como área de estudo
Vivemos em um período onde à preocupação com os elementos da
natureza se mostra presente nas reflexões cotidianas da sociedade, ocorre a
disseminação da necessidade de
salvar o planeta dos inúmeros danos que a espécie humana tem causado à biosfera,
em uma perspectiva de crise ambiental, dissociada da produção social do mundo
moderno.
Na base do pensamento moderno sobre natureza está
a separação homem – natureza, pois o homem apesar de ter instintos naturais e
sua própria vida ser natural se considera externo a natureza. Keith Thomas
(1989) comenta sobre a diferença descrita por Descartes entre o homem e os
demais animais:
Tratava-se da tese de que os animais são meras
máquinas ou autômatos, tal como os relógios, capazes de comportamento complexo,
mas completamente incapazes de falar, raciocinar, ou, segundo algumas
interpretações, até mesmo de ter sensações. Para Descartes, o corpo humano
também é um autômato; afinal ele desempenha várias funções inconscientes, como a
da digestão. Mas a diferença está em que no seio da máquina humana há a mente e,
portanto, uma alma separada, enquanto os seres brutos são autômatos desprovidos
de almas ou mentes. Só o homem combina, ao mesmo tempo, matéria e intelecto
(THOMAS, 1989, p. 39).
Assim, por não se sentir pertencente à natureza e se considerando
superior, o homem vai à busca de conhecer as leis da natureza para, então,
dominá-la. De acordo com Rodrigues, a ciência, desde o do século XVII, é quem é
o agente motor desse conhecimento.
Através da ciência foi possível o desenvolvimento de novas
tecnologias que permitiram a apropriação da natureza, explorando-a
ilimitadamente, pois como afirma Castoriadis
(1987):
[...] não há limite para a progressão de nosso
conhecimento, tampouco os há para a progressão de nosso ‘poder’ (e de nossa
‘riqueza’); ou dizendo de outro modo, os limites, onde quer que se apresente,
tem valor negativo e devem ser ultrapassados. (CASTORIADIS, 1987,
p.145).
Para as autoras Zanon e Wiziack (2009) o ser considerado racional,
se comporta irracionalmente ao não comandar suas ações, impedindo de se
autolimitar do poder de controle e de dominação. Enquanto que Castoriadis (1987)
vai além ao citar o entendimento de Hegel que se refere ao homem como um ser
louco, que por meio da sua loucura inventou a
razão:
Pois é verdade que o homem não é um ser “natural”
– se bem que tampouco seja um animal “racional”. Para Hegel, o homem era “um
animal doente”. Dever-se-ia dizer, antes, que o homem é um animal louco que, por
meio da sua loucura, inventou a razão. Sendo um animal louco, ele naturalmente
fez dessa sua invenção - a razão –
o instrumento e a expressão mais metódica de sua loucura. Isso nos podemos saber
agora, mas apenas porque ela foi inventada. (CASTORIADIS, 1987, p.
158).
Portanto, devido à razão,
que surgiram muitos problemas, os quais, segundo Rodrigues são denominados de:
problemas ecológicos, ambientais, problemática ambiental, questão ambiental,
questão do meio ambiente, e que no caso das cidades gêmeas de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero esses
se materializam principalmente na questão dos resíduos sólidos.
Vale ressaltar que o comércio é um grande
fomentador da economia da cidade paraguaia. Grandes números de turistas
brasileiros vão até Pedro Juan Caballero em busca dos famosos importados, mas,
junto com os “Reais” ficam também muito lixo.
O problema do lixo é observado nas duas cidades,
Ponta Porã alega usufruir pouco dos benefícios do comércio paraguaio (lucrando
mais apenas na rede de hotelaria e alimentação uma vez que a cidade possui uma
melhor infraestrutura), mas ao mesmo tempo são obrigadas a compartilhar com os
prejuízos do lixo, a exemplo dos problemas causado pelos
pneus.
Atualmente os brasileiros tem buscado muito por
esse produto paraguaio devido ao baixo custo. Destaca-se que o pneu descartado
no Paraguaio vai parar no lixão desse país, lá será queimado, pois essa é a
técnica usada para retirar os arames e tornar possível seu reaproveitamento.
Porém, a queima irá provocar danos ambientais em
escalas diversas, tais como, de maneira mais ampla/abrangente devido a emissão
de gases poluentes serem maléficos a camada de ozônio e prejudicar a planeta
como um todo, e mais direta e específica para os moradores de Pedro Juan
Caballero e Ponta Porã que são obrigados a conviver com fumaças e fuligens que
chegam as cidades devido a realização dessas queimadas serem muito próximas da
área urbana. Outro problema ainda mencionado é a contribuição dos pneus para a
proliferação da dengue.

Figura 2. Queima de pneus em Pedro
Juan Caballero - PY
Fonte: Prefeitura de Pedro Juan
Caballero – Sala de Projetos, 2010
O Secretário de Meio Ambiente de Ponta Porã,
Hélio Peluffo Filho, informou que
parte desses pneus descartados no Paraguaio chega ao município e mesmo existindo
no Brasil legislação específica referente a pneus não é suficiente para resolver
o problema.
A Resolução nº 416, de 30 de Setembro de 2009 do CONAMA,
dispõe “sobre a prevenção à degradação ambiental causada por pneus
inservíveis e sua destinação ambientalmente adequada, e dá outras providências”
e no Art. 1º determina que “os fabricantes e os importadores de pneus
novos, com peso unitário superior a 2,0 kg (dois quilos), ficam obrigados a
coletar e dar destinação adequada aos pneus inservíveis existentes no território
nacional [...]” (BRASIL, 2009, p.1), entretanto, é necessário frisar que o fato
desses produtos serem vendidos no país vizinho acaba isentando as empresas
instaladas no Brasil de qualquer responsabilidade sobre esse produto e isso se
torna um problema para Ponta Porã. Dessa forma, para tentar amenizar os danos a
saúde da população e aos problemas do meio ambiente o município contratou uma
empresa de reciclagem de Campo Grande/MS para recolher o produto, de modo que
o município tem prejuízo com essa
despesa.
De acordo com informações fornecidas pela
professora Wandi Mara Frediani Tirelli, Bióloga,
coordenadora do Projeto de Resíduos
Sólidos, em Ponta Porã, são levados praticamente todos os dias ao lixão da
cidade caminhão de pneus, e isso é cobrado pelo órgão público federal o IBAMA
uma resposta, portanto, o município é responsabilizado por algo que não foi ele
que provocou.
Nesse sentido,
concordamos com Rodrigues que afirma existir uma cortina de fumaça envolvendo o
processo de produção destrutiva no que se refere a quem tem sido
responsabilizado por danos ambientais, que geralmente a culpa recai a apenas
alguns setores da sociedade. Neste caso culpa-se a prefeitura de estar causando
dano ambiental devido permitir pneus no lixão, portanto, a solução seria
retirá-los para direcioná-los a uma empresa especializada.
Entretanto, não se questiona o porquê da
existência de tantos pneus, e naturalmente de tantos carros e o porquê são
fabricados, apenas culpa a prefeitura, ou o consumidor que economizou seu
dinheiro trocando os pneus no Paraguai e não ao modo de produção capitalista, a
produção desenfreada de mercadorias que para serem produzidas necessita de
elementos da natureza.
Como já mencionado o lixo é um problema comum às
essas cidades, em razão disso, elas tem buscando soluções em conjunto. Hoje
existe um trabalho em parceria das duas cidades, a União Europeia e a ONG
espanhola “Paz y Desarrollo” no
projeto de Resíduos Sólidos. Esse projeto tem como objetivo o fortalecendo da
gestão municipal e comunitária no serviço de reciclagem e disposição de resíduos
sólidos para melhorar as condições de vida em um ambiente sustentável, limpo e
saudável, dos habitantes do município de Pedro Juan Caballero, Departamento de
Amambaí, República do Paraguai e de Ponta Porã, cidade do Estado de Mato Grosso
do Sul, República Federativa do Brasil.
Segundo a professora Wandi, o projeto é voltado
para a coleta seletiva, uma vez que nenhuma das cidades a possui, assim, visa-se
capacitar as lideranças, construir um centro de reciclagem e criar uma
legislação próxima/parecida referente ao tema, não significa que serão leis
iguais, cada cidade possuirá a sua.
Essa necessidade de ter legislações mais
parecidas é porque as cidades estão unidas e separadas ao mesmo tempo, pois o
obstáculo de separação é apenas uma avenida, portanto, na teoria, temos leis
municipais e Federais que se alternam num atravessar de rua, o que facilita
escapar de limitações politicamente impostas. Segundo
Oliveira:
Enquanto as leis no Estado-Nação funcionam de
forma horizontal onde todos, sem distinção, estão sob sua égide e suas
imposições, na fronteira, existe um escopo legal dividido em duas partes. Dista muito de ser espaço
isonômico. São duas legislações que impõem (ou se contrapõem): de forma horizontal para um lado e vertical para o outro, e vice-versa. É
como se o indivíduo fronteiriço vivesse em dois estados (sólido e gasoso), cuja
necessidade imperativa é se adaptar. (OLIVEIRA, 2005, p. 379).
Dessa forma é instigante buscar o entendimento a
respeito do comportamento dessas cidades diante das questões urbano-ambientais,
pois as consequências decorrentes do uso, da valorização e da produção dos
elementos da natureza serão sentidas em ambas as cidades, não respeitando
fronteiras nem leis.
Quando falamos em “meio ambiente urbano”
concordamos com Rodrigues, que assim o conceitua:
[...] conjunto das edificações, com suas
características construtivas, sua história e memória, seus espaços segregados, a
infra-estrutura e os equipamentos de consumo coletivo. Costuma, o meio ambiente
urbano, ser atributo de desenvolvimento quando apresenta determinadas condições
modernas de vida. Quando ocorrem problemas ou “dificuldades” estas são
atribuídas aos desvios dos modelos e não ao próprio desenvolvimento que é
desigual e combinado [...] Compreende, também, o conjunto de normas jurídicas,
as quais estabelecem os limites administrativos das cidades, as possibilidades
de circulação, de propriedade e de uso do espaço – do acesso ao consumo da e na
cidade –, que por sua vez envolve um conjunto de atividades públicas e
políticas, representadas pelos poderes executivo, legislativo e judiciário.
(RODRIGUES, [199?], p. 88-89).
O meio ambiente urbano está relacionado com o
desenvolvimento, porque diz respeito, como afirma Rodrigues ([199?], p. 89) “ao
conjunto das atividades exercidas na cidade, o que significa que compreende a
dinâmica da própria sociedade”.
Porém, encontrar o “meio ambiente natural” nas
cidades é algo cada vez mais difícil, e nas cidades em questão isso não é
exceção, visto que, com o desenvolvimento/crescimento destas, foram sendo
ocupadas “áreas de preservação permanente com edificações, construção de ruas
sobre solo hidromórfico, canalização do curso de córregos e rios,
impermeabilização do solo, etc.”, ilustrando
como a ação antrópica tem causado danos, muitos deles, irreversíveis a natureza
e tudo isso é devido as contradições embutidas no modo de produção
capitalista.
Cabe destacar, que segundo informações obtidas
nas duas cidades o lixo e as ocupações irregulares são os maiores problemas
ambientais enfrentados pelos dirigentes. Assim, verifica-se que a ocupação das
áreas, que deveriam ser de preservação permanente, provocam poluição dos rios e
córregos, porque como essas moradias não são servidas por esgotamento sanitário,
resta aos moradores canalizar seus dejetos nessas águas, já que não é possível a
construção de fossas devido a proximidade do lençol freático. As cidades estão
localizadas em um interflúvio, onde os rios de Ponta Porã vertem para a Bacia
Hidrográfica do Rio Paraná, enquanto que os rios de Pedro Juan Caballero correm
para a Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai, a primeira possui seis córregos na
área urbana e a segunda, dois, portanto, é uma quantidade considerável comparada
a extensão territorial urbana e deveriam despertar maior interesse por sua
preservação.
Reforçamos a ideia que todos esses problemas são
resultados indesejáveis das contradições do modo capitalista e que segundo
Rodrigues ([199?]):
As contradições estão impressas no espaço desse
modo de produção, que produz ao mesmo tempo mercadorias e territórios desejáveis
e vendáveis e mercadorias e territórios indesejáveis e invendáveis. [...]
Utilizo o termo ‘indesejáveis’ no sentido que não foram "planejadas como
mercadorias", muito embora com o tempo e em determinados espaços, acabem
tornando-se mercadorias. [...] Vão desde as que se deslocam no território -
alimentos deteriorados, automóveis poluidores - como aqueles fixados no
território - casas pobres ou subhabitação e infraestrutura precária ou ausência
desta, tendo como consequência esgotos e lixo a céu aberto, contaminação hídrica
e consequentemente saúde precária, etc. (RODRIGUES, [199?], p.
63-64)
Portanto, o lixo e seu destino final, as moradias
inadequadas, a poluição dos córregos, a falta de esgotamento sanitário
constituem produtos indesejáveis e compartilhados por Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero. Vale destacar, que como a divisão numa sociedade capitalista sempre é
injusta/desigual, é incontestável que a população de baixa renda, independente
do lado que estejam (brasileiro ou paraguaio) acabe recebendo a parcela maior
dos prejuízos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutir a problemática urbano ambiental nas
cidades gêmeas Ponta Porã e Pedro Juan Caballero significa primeiramente
procurar entender o funcionamento do espaço fronteiriço devido à sua
complexidade, pois a fronteira muito além de separar dois países diferentes
compreende o estabelecimento de relações de grupos culturais
distintos.
Entretanto, cumpre destacar que fronteira são
criações humanas e não da natureza, portanto, não existem fronteiras para os
problemas ambientais, o que for provocado em uma cidade poderá ser perfeitamente
sentido na outra.
No caso das cidades em estudo, o lixo urbano tem
ocupado lugar de destaque nas administrações locais, não que ele seja o único
problema das cidades, mas que no momento o empenho local e para conscientizar a
população da importância da coleta seletiva, criar uma legislação que objetive
um fim comum, retirar as pessoas que vivem nos lixões oferecendo-lhes
oportunidade de emprego no próprio centro de reciclagem criado.
Percebe-se que a preocupação maior é melhorar a
aparência das cidades, livrando-as do lixo, pois esse projeto casaria com um
outro, ainda maior, também em conjunto com as duas cidades, financiado pelo
União Europeia, de Revitalização da Linha de Fronteira, uma vez que o comércio
fomenta a economia, e um local com aspecto agradável poderia atrair mais
consumidores.
Depois do lixo, as ocupações em áreas próximas
aos córregos garantem o segundo lugar nos problemas ambientais. Na cidade de
Ponta Porã que possui seis córregos na área urbana já foi desenvolvido projeto
para retirar 180 famílias das áreas de um desses córregos e a prefeitura
informou que existem projetos para serem realizados nos
demais.
Enquanto que o município de Pedro Juan mesmo
possuindo apenas dois córregos apresenta uma situação muito mais preocupante,
não informando a existência de nenhum projeto.
Portanto, é preciso pensar esses problemas
ambientais como sendo as contradições existentes no modo de produção
capitalista, ficando evidente uma dessas contradições na questão do lixo, que
tido como um grande problema, sua causa esta relacionada ao consumismo, e, no
entanto, os projetos desenvolvidos visam à melhoria do comércio que, por sua
vez, gerará mais lixo.
Referência
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Mestranda em Geografia pela UFGD. Bolsista da
FUNDECT
ceciliaapcosta@yahoo.com.br
Orientador: Prof. Pós-Doutor Edvaldo César
Moretti
Avaliação da Vulnerabilidade Ambiental de Ponta Porã-MS -
AVA, 2005. Prefeitura de Ponta Porã