UM OLHAR ACERCA DAS CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
NAS ESCOLAS DAS ALDEIAS INDÍGENAS DE DOURADOS (MS)
Solange Rodrigues da Silva
Flaviana Gasparotti Nunes
Universidade Federal da Grande Dourados
so_ufms@hotmail.com
flaviana.nunes@hotmail.com
RESUMO
O objetivo central deste plano de trabalho foi
identificar e refletir sobre as concepções e práticas de Educação Ambiental
desenvolvidas nas escolas municipais
localizadas nas aldeias indígenas do município de Dourados tendo em vista,
principalmente, as diferenças culturais presentes nestas em relação às escolas
de outras áreas da cidade. Em dados levantados junto a Secretaria
Municipal de Educação de Dourados no ano de 2010, nas sete escolas vinculadas às
quatro unidades escolares (Aldeia Jaguapiru, Aldeia Bororó, Panambizinho e
Missão Caiuá) estão matriculados 3.573 alunos indígenas. Assim, a partir de
contatos, visitas, realização de entrevistas semi-estruturadas (com coordenadores,
professores) e acompanhamento in
loco das atividades de Educação
Ambiental, levantamos elementos que caracterizam as concepções de Educação
Ambiental, as quais apontam significativa preocupação no que se refere à
utilização e procura por novos recursos didáticos, visando respeitar a realidade
de cada aldeia, dentro de uma proposta educacional diferenciada. Entretanto, uma análise mais detalhada
das práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas indígenas de Dourados (MS)
demonstra que a maioria acaba por restringir a Educação Ambiental a simples mudança de hábitos cotidianos
como reciclar o lixo, reflorestamento, limpeza de nascentes, entre outras.
Palavras-chave: Concepções e Práticas;
Educação Ambiental; Escolas Indígenas; Dourados.
RESUMEN
El
objetivo principal de este plan
de trabajo fue identificar y reflexionar sobre conceptos y prácticas de educación ambiental desarrollados en las escuelas públicas ubicadas en los pueblos indígenas en el municipio de Dourados, en vista sobre todo las
diferencias culturales en relación con estas escuelas de otras áreas de de la ciudad. En los datos recogidos por el Departamento de Educación de la
Ciudad de Oro en 2010 en siete escuelas vinculadas a las cuatro unidades escolares (Jaguapiru del
pueblo, del pueblo bororo,
y Misión Panambizinho Caiuá) 3.573 estudiantes indígenas están matriculados. Por lo tanto, de los contactos, visitas, la realización
de semi-estructuradas (con los coordinadores, profesores) y en el seguimiento in
situ de las actividades de educación ambiental, aumentar los elementos que
caracterizan a los conceptos de educación ambiental, que indican preocupación
significativa con respecto a el uso y la demanda de nuevos materiales
didácticos, a fin de respetar la realidad de cada pueblo dentro de una propuesta
educativa diferenciada. Sin
embargo,
un examen más detenido de las prácticas pedagógicas desarrolladas en las
escuelas indígenas de Dourados (MS) muestra que la
mayoría en última instancia, restringir la Educación Ambiental un simple cambio en los hábitos diarios, como el reciclaje de residuos,
la reforestación, las fuentes de agua
potable, entre otros.
Palabras
clave: Conceptos
y Prácticas, Educación Ambiental, Escuelas Indígenas de Dourados.
ABSTRACT
The main objective of this work
plan was to identify and
reflect on concepts and environmental education
practices developed in the public
schools located in indian villages in the city of Dourados in view mainly the cultural
differences in relation to
these schools from
other areas of city. In data collected
from the City Department of Education to Dourados in 2010 in seven schools
linked to the four school units (Jaguapiru Village, Village Bororo, and Mission Panambizinho Caiuá) 3573 indian
students are enrolled. Thus, from contacts, visits, conducting semi-structured (with coordinators, teachers) and in
monitoring of environmental
education activities, we raise the
elements that characterize the
concepts of environmental
education, which indicate significant concern regarding the use and demand for
new teaching resources, in order to respect the reality of each village in
a differentiated educational proposal. However, a closer examination of
pedagogical practices developed in schools for indian Dourados (MS) shows that the
majority ultimately restrict the Environmental Education a simple change in daily
habits such as recycling
waste, reforestation, clean water sources, among others.
Keywords: Concepts
and Practices, Environmental Education, Indigenous
Schools; Dourados.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS ESCOLAS DAS ALDEIAS
INDÍGENAS DE DOURADOS
A Reserva Indígena de Dourados (RID) localiza-se
a norte da cidade, tendo seus limites a um km do perímetro urbano do município.
A RID é formada pelas aldeias Bororó e Jaguapiru. De acordo com dados obtidos
junto a Secretaria Municipal de Educação de Dourados, estima-se que em 2010
vivam na RID cerca de 13.000 mil pessoas, dentre as etnias Caiuás (KAIOWÁ),
Guarani (Ñandeva) e os Terenas, além dos não-indígenas que ali são integrados,
condição esta que confere caráter peculiar à Reserva e consequentemente às
escolas que ali se localizam.
A aldeia Panambizinho localiza-se a
30
quilômetros do centro da cidade, é composta por
aproximadamente 329 indígenas da etnia Kaiowá. Suas terras foram homologadas em
2004, após 10 anos de luta entre índios e fazendeiros, momento em que a área
ocupada passou de 60 para 1.240 hectares.
De acordo com dados levantados junto à Secretaria
Municipal de Educação de Dourados existem, no município, sete escolas municipais
indígenas: Escola Municipal Indígena Francisco Meireles, Escola Municipal
Indígena Agustinho, Escola Municipal Indígena Araporã, Escola Municipal Indígena
Lacu’í Roque Isnard, Escola Municipal Indígena Pai Chiquito, Escola Municipal
Indígena Tengatuí Marangatu-Polo, Escola Municipal Indígena Ramão Martins, nas
quais estão regularmente, matriculados 3.573 alunos no ano de
2010.
Com base nas considerações de Troquez (2006, p. 41), de que “a composição étnica da RID, desde os seus
primórdios, tem sido singular e atípica, ou seja, formada por três etnias, a
saber: Kaiowá, Guarani (Ñandeva) e Terena (...),” as quais, juntamente com os
não-índios que vivem dentro da Reserva ou no seu entorno, mantém entre si,
complexa rede de relações, procuramos levantar elementos que nos permitissem
identificar e refletir sobre as concepções e práticas de Educação Ambiental,
desenvolvidas nas escolas municipais indígenas do município de Dourados, bem
como a relação com o poder público municipal, enquanto política pública para
Educação Ambiental e para a educação de forma geral.
Para tal, nos apoiamos no Art.
41 da Lei do Sistema Estadual de Ensino do Mato Grosso do
Sul que estabelece que, é dever do poder público
oferecer ensino específico para as escolas e para as comunidades indígenas, bem
como na bibliografia pertinente ao assunto e elaboramos um questionário que foi
aplicado junto aos coordenadores e professores das escolas indígenas o que nos
possibilitou levantar um conjunto de dados, que serão apresentados e analisados
a seguir.
O questionário aplicado junto aos coordenadores, e professores das escolas indígenas
demonstra que, em sua maioria, a Educação Ambiental é trabalhada com base em
projetos elaborados por professores e coordenadores das referidas escolas, como
fica evidenciado nas falas a seguir:
Faz parte do currículo da nossa escola trabalhar com projetos sobre
educação ambiental, para formar cidadãos mais conscientes. Todos os anos nós
trabalhamos com projetos de educação ambiental. Nesse bimestre estamos
trabalhando com o projeto educação ambiental e saúde. (Coordenadora da E. M. I
Tengatuí Maragatu-Polo)
No ano de 2009, realizamos um projeto intitulado “A escola e o meio
ambiente”, no qual o principal objetivo era de arborizar a escola, pois a mesma
foi recentemente inaugurada, ainda é nova e até então não tinha nenhuma árvore
plantada. Neste ano de 2010,
a partir do 2° bimestre, estaremos trabalhando com um
projeto “Meio Ambiente e Saúde”, pois entendemos que a falta de cuidado com o
meio ambiente irá interferir diretamente em nossa saúde. (Coordenador da E. M. I
Ramão Martins)
Contudo, apesar de a maioria dos entrevistados afirmarem que estão
previstos na grade curricular da escola projetos voltados para a Educação
Ambiental, no período de nosso trabalho de campo, somente a escola Ara Porã
estava trabalhando em um projeto, no qual, acompanhamos as atividades in loco.
O Projeto intitulado Meio Ambiente, coordenado pelos professores de
Geografia e Ciências e desenvolvido pelos alunos do 9° ano, tinha por objetivo
“conscientizar a comunidade escolar e a comunidade indígena em relação à
preservação do meio ambiente”. Na prática, o projeto se resumiu a uma atividade
na qual os alunos juntamente com os professores realizaram o plantio de 40 mudas
de árvores frutíferas, visando, segundo eles, além do alimento, sanar ou pelo
menos diminuir a falta de arborização da aldeia (ver Foto 1).
Foto
1: Alunos da E. M. I Araporã em atividade proposta no Projeto Meio
Ambiente

Fonte: Trabalho de
Campo/2010.
Foto:
SILVA, Solange Rodrigues.
Apesar de identificarmos um expressivo interesse por parte do
professores, assim como dos coordenadores da escola, percebemos que essas
atividades acabam por se resumir a atitudes comportamentais desvinculadas da discussão e reflexão sobre um contexto
socioambiental mais amplo.
De acordo com Carvalho (2006, p. 181):
O grande desafio da EA é, pois ir além da aprendizagem
comportamental, engajando-se na construção de uma cultura cidadã e na formação
de atitudes ecológicas. Isso supõe a formação de um sentido de responsabilidade
ética e social, considerando a solidariedade a e a justiça ambiental como faces
de um mesmo ideal de sociedade justa e ambientalmente orientada. A formação de
atitude orientada para a cidadania. A formação de atitude orientada para a
cidadania ecológica vai gerar novas predisposições para ações e escolhas por
parte das pessoas. Nesse caso, mais do que apenas comportamentos isolados,
estaremos em face de um processo de amadurecimento de valores, e visões de mundo
mais permanentes.
Concordamos com a referida autora que há diferentes orientações
pedagógicas, voltadas para a chamada Educação Ambiental. A nós, fica a tarefa de
buscarmos orientações que valorizem a formação de uma atitude de fato
ecológica.
A análise dos questionários aplicados junto aos
coordenadores e professores nos possibilitou refletir, sobre as concepções de
Educação Ambiental trabalhadas nas Escolas Indígenas do Município de Dourados,
nas quais identificamos significativa preocupação quanto à “conscientização”
para a preservação dos recursos naturais, principalmente no que se refere aos
problemas relacionados ao lixo, falta de saneamento básico, recuperação de
nascente e reflorestamento. A título de exemplo utilizamos a Foto 2, a qual
ilustra a preocupação dos alunos quanto aos problemas ambientais, em especial no
que se refere a importância da reciclagem.
Foto 2: Cartaz elaborado por alunos da E. M.
I Arapoã para a Semana Nacional do
Meio
Ambiente

Fonte: Trabalho de Campo/2010.
Foto: SILVA, Solange Rodrigues.
Ao analisarmos a foto acima, fica claro a ideia
de socialização do chamado “prejuízo ambiental”. Essa concepção acaba por
desconsiderar o fato de que esses prejuízos são causados de forma distinta,
pelos diferentes sujeitos sociais, os quais pertencem a classes econômicas diferentes e que
portanto, tem responsabilidades diferenciadas na geração dos problemas
socioambientaisTal preocupação é apresentada por parte significativa dos
entrevistados, em especial, quando questionados sobre os principais problemas
socioambientais existentes no entorno escolar, como demonstra o Gráfico
3.
Gráfico 3: Principais Problemas Socioambientais Existentes no Entorno
escolar
Fonte: Trabalho de
Campo/2010.
Org.: SILVA, Solange
Rodrigues.
Como podemos verificar no gráfico acima, o lixo se destaca como um
dos principais problemas existentes no entorno escolar, citado por 8 dos 15
entrevistados. Essa situação ocorre, principalmente, por não haver um sistema de
coleta de lixo nas aldeias. De acordo, com os coordenadores e professores
entrevistados, todo lixo produzido na aldeia é queimado ou enterrado pelas
famílias e muitas vezes jogado nos quintais ou em qualquer outro lugar.
Outros problemas apontados pelos entrevistados referem-se à falta de
saneamento básico, contaminação das nascentes e erosão.
O lixo é um problema muito sério, não temos coleta e todo lixo
produzido na aldeia ou é queimado ou enterrado pelas famílias, e muitas vezes
jogados nos quintais ou em qualquer lugar. Outra questão é a água. As poucas
nascentes que existem na aldeia estão secando pela falta de reflorestamento
próximo a elas e os poços semi-artesianos não tem dado conta de abastecer toda a
aldeia e por isso tem faltado água para as famílias indígenas e pela questão do
mau uso da água. . (PROFESSOR DA E. M. I. TENGATUÍ
MARANGATU- POLO)
Consideramos as questões aqui apontadas relevantes tendo em vista
principalmente, serem problemas que afetam diretamente a saúde dessas
comunidades. Assim, entendemos que esses problemas necessitam e devem ser
sanados pelos órgãos responsáveis.
Contudo, essas atitudes não são suficientes, para solucionar ou até mesmo
entender a questão ambiental que se encontra interligada ao sistema de produção
altamente concentrador, excludente e contraditório. Nesse sentido, concordamos
com Guimarães (2006) que mesmo que tenha ocorrido um avanço se comparado há
trinta quarenta anos atrás, atualmente há um reconhecimento generalizado do
mundo sobre a seriedade dos problemas ambientais. Sendo assim,
a ação que me parece prevalecer ainda nos ambientes educativos
restringe-se apenas à difusão da percepção sobre a gravidade dos problemas
ambientais e suas conseqüências para o meio ambiente. Essa perspectiva não é
suficiente para uma educação ambiental que se pretenda crítica, capaz de
intervir no processo de transformações socioambientais em prol da superação da
crise ambiental da atualidade. (2006, p.15 e 16).
Essa concepção aparece em outros momentos, como
por exemplo, quando questionados sobre o entendimento e/ou metodologia utilizada
nas aulas e demais atividades voltadas para a educação ambiental. Como demonstra
ao Quadro 1, grande parte dos entrevistados demonstram preocupação quanto à
“conscientização” para a preservação dos recursos naturais.
Quadro 1: Entendimento e Metodologia
utilizada pelos coordenadores e professores nas aulas e demais atividades
voltadas para a Educação Ambiental
EDUCADOR |
O QUE VOCÊ ENTENDE
POR
EDUCAÇÃO AMBIENTAL? |
QUAL A METODOLOGIA UTILIZADA NAS AULAS E DEMAIS ATIVIDADES
VOLTADAS PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL? |
A |
Educação Ambiental é tudo que se relaciona com o meio ambiente,
ou seja, preservação dos recursos naturais como: água, o ar, o solo, as
plantas e os animais conscientizando os seres humanos
da importância e os cuidados com os mesmos para uma vida melhor e saudável
no planeta. |
Aulas expositivas, uso da tecnologia, e apresentação de belezas
naturais do Brasil, para conscientizar os alunos para que
possam sempre preservar o meio ambiente para melhor condição de vida no
futuro.
|
B
|
Para mim Educação Ambiental é fazer um trabalho de reflexão com
os alunos, pais, funcionários, através do qual todos irão se conscientizar sobre a importância da
conservação do ambiente e atuar nele de forma positiva.
|
Os professores tentam conscientizar alunos do que
devemos fazer para a conservação do meio ambiente, que com isso estamos
protegendo a nós e ao planeta e também aborda a questões de desmatamento,
poluição, queimadas, lixo, reciclagens, entre
outras. |
C
|
A Educação Ambiental é um conjunto de teorias e práticas
pedagógicas, relacionados ao meio ambiente, visando à formação da consciência ambiental e uma ação
e intervenção sustentável sobre a natureza e o meio ambiente em que
vive.
|
Procuro conscientizar da importância de
cada componente do ecossistema. Fazer uma pesquisa investigativa das
transformações ocorridas ao longo do tempo e suas conseqüências para
comunidade. Usar para isso: desenhos, leituras, produção de texto, cartões
informativos, produzir cartaz, poesia música, jornal, DVD, textos dos
livros didáticos, outros. |
E |
Preservação e respeito ao meio em que vivemos e também conscientização por parte de cada
um, pois natureza tem se vingado através das catástrofes que vem ocorrendo
devido à destruição que esta sofreu ao longo dos
anos.
|
A escola e os professores buscam informar e refletir com os
alunos sobre os projetos, promover reuniões com todos da unidade escolar e
os pais, realizar leituras de diferentes tipos de texto sobre o tema,
produção de texto individual e coletivo, interpretação de texto oral e
escrita, trabalhar com musicas e filmes relacionados ao
tema. |
Fonte: Trabalho de Campo/2010.
Org.: SILVA, Solange Rodrigues.
No que se refere à conscientização, concordamos
com Medeiros (2006, p.76) que “apesar de existirem cada vez mais informações
sobre o tema, o ritmo de degradação está cada vez mais acelerado.” O que nos
remete a buscarmos elementos, que visem uma educação para além da ideia de
“conscientização”, atualmente tão disseminada pela mídia, e que como podemos
verificar no quadro acima, também se faz presente em grande parte das falas dos
professores e coordenadores das escolas das aldeias indígenas de
Dourados.
De um modo geral, identificamos na maioria das atividades descritas
pelos professores, grande diversidade de recursos para trabalharem o tema. Contudo,
grande parte dos materiais utilizados pelos professores, ou são elaborados por
eles sem maiores subsídios do poder público local, ou são os mesmos materiais
utilizados nas demais escolas do município.
Em sua maioria, identificamos nas atividades
propostas pelos educadores a presença de uma
concepção de Educação Ambiental conservacionista na qual predomina a ideia da
preservação ou da conservação da natureza e, que desconsidera a grande
complexidade que envolve os problemas ambientais. Essa proposta não condiz com o
método proposto por Reigota (1996, p. 38) no qual a “educação ambiental que visa
a participação do cidadão na solução dos problemas deve empregar metodologia que
permitam ao aluno questionar dados e ideias sobre um tema, propor soluções e
apresentá-las”.
Quanto às concepções de natureza e meio ambiente
que permeiam as práticas pedagógicas das escolas municipais indígenas de
Dourados percebemos certa peculiaridade, principalmente, no que se refere, a
concepção de natureza, como destacado a seguir, na fala de um dos educadores da
E. M. I Araporã:
A natureza para nós indígenas é quem nos protege e ajuda para o que
for preciso. A questão ambiental é
preservar a natureza, as árvores os animais e tudo que nela existe, o que se
pode tirar dela sem explorá-la e sim preservando tirando dela o sustento e as
cores que nós indígenas usamos para poder se pintar, a importância dela é muito
importante se sustentar da natureza e sobreviver com as cores preservando nossa
cultura usando o urucum e o jenipapo.
A natureza é aqui apontada como algo necessário a
subsistência humana, sem a ideia de exploração do recurso para a produção e
reprodução do excedente.
Entretanto, identificamos em grande parte das
falas dos coordenadores, professores e até mesmo expressos em cartazes
produzidos pelos alunos, significativo discurso ideológico no que se refere à
preservação dessa “natureza”, colocando igual peso a todos os sujeitos sociais
quanto à responsabilidade pela degradação ambiental (desmatamento, poluição dos
córregos, geração de lixo, entre outras):
Educação Ambiental é tudo que se relaciona com o meio ambiente, ou
seja, preservação da natureza, dos recursos naturais como: água, o ar, o solo,
as plantas e os animais conscientizando os seres humanos da importância e os
cuidados com os mesmos para uma vida melhor e saudável no planeta. (Trecho retirado de Cartaz produzido pelos alunos da escola Indígena
Araporã, para a semana do meio Ambiente)
A fala acima nos remete a uma ideia de meio
ambiente ora como sinônimo de natureza (de ordem somente física), ora como o
lugar onde habitam os elementos dessa “natureza”. Essa visão acaba por desconsiderar os aspectos históricos,
sociais, políticos, culturais e econômicos, restringindo o saber ambiental à
transmissão de informações e conteúdos sobre meio ambiente.
Tal situação, a nosso ver, pode ser explicada
pelo constante intercâmbio entre os indígenas de Dourados e os não-índios e
também devido ao acesso cada vez maior desses indígenas aos meios de comunicação
em massa, como podemos constatar nas afirmações de Troquez (2006, p.47):
O intercâmbio entre os indígenas das diferentes
etnias e entre os indígenas e não indígenas é constante na área indígena de
Dourados e fora dela caracterizando a existência de um “sistema multiétnico” de
relações. O contexto sócio-histórico-cultural em que estão inseridos os sujeitos
da RID é marcado por certa “instabilidade das fronteiras (étnicas e culturais).
“Transitaram” e “transitam” neste espaço também, turistas, indigenistas,
funcionários de secretaria de educação. Da FUNAI, da FUNASA, missionários,
pesquisadores, dentre outros, em constante “contato” com os indígenas. Os
indígenas por sua vez, transitam pela cidade por diversos motivos, como: estudo,
trabalho, diversão, vendas de artesanato, de alimentos, “mendicância”, dentre
outros motivos. Os meios de comunicação de massa como a TV e o rádio fazem parte
do seu cotidiano e levam para dentro de suas casas as diversas programações
veiculadas pela mídia.
Quanto ao direito assegurado às comunidades indígenas de uma
“educação escolar diferenciada”, como podemos constatar a seguir, há tanto por
parte dos coordenadores como dos professores, uma preocupação em resguardar tal
direito, buscando principalmente considerar a realidade dos alunos.
Professor A:
Por se tratar de uma escola indígena, todos os conteúdos trabalhados
estão diretamente ligados a uma educação escolar diferenciada. Primeiramente se
trabalha a realidade do aluno, mas sempre fazendo um paralelo com os
conhecimentos do outro que também são de suma importância para o aluno.
Contudo, para que isso de fato ocorra é necessário maior respaldo por
parte do poder público local, uma vez que percebemos que apesar de haver no
município de Dourados a categoria Escola Indígena, o que consideramos uma
conquista, ainda são muitos os desafios para que uma educação de fato
diferenciada, de acordo com as necessidades de cada povo se efetive no
município.
Outro elemento que merece destaque é a falta de materiais didáticos
voltados para a realidade das aldeias, o que contribui para que as práticas
educacionais trabalhadas nas escolas indígenas de Dourados acabem por reproduzir
as mesmas atitudes identificadas nas demais escolas da cidade, comportamentais e
desvinculadas de uma reflexão mais ampla sobre o contexto socioambiental em que
estão inseridas.
Tal situação/condição acaba por não possibilitar
uma educação de fato diferenciada, que não se resuma apenas ao uso da língua
indígena, mas que também tenha autonomia para discutir e decidir que tipo de
projeto de educação atenderá a demanda da necessidade de cada povo.
Em resumo, verificamos na fala de grande parte dos entrevistados, a
presença de um enfoque ambiental dicotômico dissociado do contexto social,
político e cultural. A maioria dos entrevistados enfatiza a necessidade de um
programa de coleta seletiva, preservação de espécies de fauna, flora, numa
concepção apenas biofísica, desconsiderando o processo de inter-relação e
interdependência e o fato dos problemas ambientais serem, antes de tudo,
problemas sociais. Nessa perspectiva, distancia-se do projeto o qual
idealizamos, de Educação Ambiental capaz de nos proporcionar, uma real
compreensão do ambiente, entendido como um conjunto de práticas sociais. Assim,
concordamos com Carvalho (2006, p 163) que a Educação Ambiental,
(...) deve auxiliar-nos em uma compreensão do
meio ambiente como um conjunto de práticas sociais permeadas por contradições,
problemas e conflitos que tecem a intricada rede de relações entre os modos de
vida humanos e suas formas peculiares de interagir com os elementos
físico-naturais de seu entorno, de significá-los e manejá-los.
A discussão acerca da questão ambiental envolve o entendimento de
questões históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais. Nesse contexto,
entendemos que a educação ambiental nas escolas indígenas, não deve estar
pautada apenas em conteúdos, mas sim baseada nas relações cotidianas, vividas na
sala de aula, na escola, na aldeia, em suas casas, em seu direito de ir e vir,
no contato com os não índios que vivem na aldeia ou em seu entorno. Uma educação
capaz de formar cidadãos críticos, politizados, que questionem que identifiquem
as divergências, desigualdades sociais e econômicas, que procurem identificar,
entender os problemas socioambientais numa escala não somente global, mas que
busque soluções para os problemas encontrados em escala local. Ou seja, cidadãos
que busquem uma maior qualidade de vida, numa sociedade mais justa para todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tomamos por base as idéias de Carvalho (1991) e Gonçalves (1998) os quais apontam as diferenças entre as concepções de natureza para
cada sociedade destacando que para as sociedades indígenas esta é concebida como
um “espaço de vida do próprio grupamento não sendo distinta em relação a ele”.
Sendo assim, pressupomos que as comunidades indígenas possuem (ou pelo menos
possuíam) uma relação diferenciada com a natureza, com os elementos naturais, ou
mesmo aquilo que chamamos de meio ambiente.
No entanto, devido às grandes transformações ocorridas em nossa
sociedade nos últimos anos e em virtude da proximidade física das aldeias da
Reserva Indígena com a cidade, bem como na presença significativa de professores
não-indígenas nas escolas indígenas do município de Dourados (MS) verificamos
que as concepções e práticas de Educação Ambiental trabalhadas nessas escolas,
pouco se diferenciam das práticas realizadas nas demais escolas do município.
Quanto a idéia de natureza e meio ambiente que
permeia as práticas pedagógicas das escolas municipais indígenas de Dourados,
percebemos certa peculiaridade, principalmente no que se refere à concepção de
natureza. Contudo, identificamos, em grande parte das falas dos coordenadores,
educadores e até mesmo expressos em cartazes produzidos pelos alunos para a
semana do meio ambiente, significativo discurso ideológico, no que se refere a
preservação dessa “natureza”, colocando igual peso a todos os sujeitos sociais
quanto à responsabilidade pela degradação ambiental (desmatamento, poluição dos
córregos, geração de lixo, entre outras):
Verificamos assim, o discurso que vem sendo
trabalhado por diversos setores da nossa sociedade e extremamente disseminando
pela mídia, o qual desconsidera a maneira com a qual a sociedade se organiza e
que dita à regra das diferentes formas de apropriação das riquezas naturais.
Desse modo, apesar de identificarmos nas
atividades de Educação Ambiental propostas nas escolas significativo avanço no
que se refere à utilização e busca por novos recursos, visando respeitar a
realidade de cada aldeia, na busca por uma educação diferenciada na prática, a
maioria restringe a Educação Ambiental a uma simples
mudança de hábitos cotidianos como reciclar o lixo, reflorestamento, limpeza de
nascentes, entre outras.
Entendemos que essas atividades são relevantes, entretanto,
identificamos que a prática realizada nas escolas indígenas limita-se a um
reconhecimento generalizado sobre a seriedade dos problemas ambientais. No que
se refere especificamente à educação diferenciada, as respostas dos professores
quando questionados sobre o direito assegurado às comunidades indígenas de uma
“educação escolar diferenciada” demonstram certo equívoco quanto ao entendimento
do que seria esse ensino diferenciado.
Nesse sentido, concordamos com Troquez (2006, p. 98) que há um
“entendimento errôneo sobre o ensino diferenciado partilhado por muitos –
inclusive por alguns que fazem partem do projeto - das questões curriculares,
especialmente, as que se referem a metodologias e aos conteúdos escolares.” Tal
constatação aponta para a necessidade de uma análise mais verticalizada sobre
esta temática, o que já está sendo por nós trabalhado e que resultará em nosso
trabalho de conclusão de curso.
REFERÈNCIAS
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UFGD.
Sites
Consultados