Os assentamentos rurais de Mato Grosso do Sul no contexto das
políticas públicas: o caso do Programa Luz Para todos
Adriano Michel
Helfenstein
Resumo
Este trabalho tem por objetivo levantar
considerações sobre os assentamentos rurais de Mato Grosso do Sul, demonstrando
a forma como surgem no âmbito das lutas políticas no estado, marcadas pela
opressão de uma elite agrária. Em contrapartida, temos o movimento de luta pela
terra, formado por trabalhadores rurais, os quais lutam pela implantação de uma
reforma agrária que vai além do acesso a terra, mas que contemple um conjunto de
políticas que propiciem de fato uma justa distribuição de terras e melhorias nas
suas condições de vida e de produção, para que possam assim, viver na terra e da
terra. Nesse contexto se faz necessário a intervenção do Estado através da
viabilização de políticas públicas que forneçam essas condições básicas de
sobrevivência e de produção, como é o caso do Programa Luz Para Todos, criado no
mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva e que tem por objetivo
universalizar a energia no país, além de fornecer conforto e alternativas
produtivas aos assentados que são os alvos dessa
análise.
Palavras-Chave: Políticas públicas, desenvolvimento, Programa Luz Para todos,
assentamentos rurais de Mato Grosso do Sul.
Resumen
Este trabajo tiene como objetivo aumentar las
consideraciones para los asentamientos rurales de Mato Grosso do Sul, que
muestra cómo surgen en el contexto de las luchas políticas en el estado, marcada
por la opresión de una elite agraria. Por el contrario, tenemos el movimiento
que lucha por la tierra, que consiste de los trabajadores rurales, que luchan
por la aplicación de la reforma agraria, que va más allá del acceso a la tierra,
pero incluyendo un conjunto de políticas que favorecen de hecho un reparto
equitativo de tierras y mejoras en sus condiciones de vida y de producción, y lo
que les permite vivir en la tierra y la tierra. En este contexto, es necesaria
la intervención del Estado a través de la facilitaciónde las políticas públicas
que proporcionan estas condiciones básicas para lasupervivencia y la producción,
tales como el Programa Luz para Todos, creado bajoel presidente Luis Inácio Lula
da Silva y es que objetivo de la energía universal en elpaís, y con todas las
comodidades y alternativas productivas a los pobladores queson los objetivos de
este análisis.
Palabras
clave: desarrollo de
políticas públicas, el programa Luz para Todos, los
asentamientos rurales de Mato Grosso do Sul
Abstract
This work aims to raise considerations for the rural settlements of Mato Grosso do Sul, showing how they arise in the context of political struggles in the state, marked by the oppression of an agrarian elite. In contrast, we have the movement that struggles for land, consisting of rural workers, who fight for the implementation of agrarian reform which goes beyond access to land, but including a set of policies that favor indeed a fair land distribution and improvements in their conditions of life and production, and thus allowing them to live on earth and support themselves by the fruits of this earth. In this context it is necessary the state intervention through the facilitation of public policies that provide these basic conditions for survival and production, such as the Light for Everybody Program, created under President Luis Inácio Lula da Silva and that is objective of universal energy in the country, and provides comfort and productive alternatives to the settlers who are the targets of this analysis.
Keywords: Public politics, development, Light for All Program, ural settlements of Mato
Grosso do Sul.
A realidade dos assentamentos rurais
de Mato Grosso do Sul e o papel do Programa Luz Para
todos
Os anos de aprofundamento do processo
agroindustrial contribuíram para o êxodo rural, a concentração fundiária e ao
mesmo tempo para o crescimento dos movimentos de luta pela terra e a instalação
dos assentamentos, em todos os estados, não sem sangue ou sem embates. O gráfico 1,
a seguir, evidencia a existência de um grande número de conflitos envolvendo a
questão agrária no estado de Mato Grosso do Sul.
Gráfico 1: Número de
conflitos agrários em Mato Grosso do Sul
(1985-2006)

FONTE:
CPT
ORG.:
Helfenstein, 2010
Também nos chama atenção a quantidade de famílias
envolvidas nos conflitos agrários no estado de Mato Grosso do Sul (Gráfico 2),
que em 1988 alcançou um número expressivo de mais de 40.000 famílias,
demonstrando o tamanho da exclusão e do conflito agrário no
estado.
Gráfico 2:
Número de famílias envolvidas nos conflitos de luta pela terra em Mato Grosso do
Sul (1985 -
2006)

Fonte:
CPT
Org.:
Helfenstein, 2010
Esse embate que as forças populares travaram com
as elites agrárias do estado de Mato Grosso do Sul resultou na criação de vários
assentamentos rurais (gráfico 3), que desde os anos 1980, foram impulsionados
pelo fim da ditadura militar e consequentemente a retomada da organização dos
movimentos em prol das lutas sociais, dentre elas a luta pela reforma agrária.
Gráfico 3:
Número de assentamentos rurais criados em Mato Grosso do Sul
(1980-2009)

Fonte: INCRA ; AGRAER, 2010.
Org.: Helfenstein, 2010.
O gráfico 3 demonstra a criação de um número
expressivo de assentamentos rurais em Mato Grosso do Sul, uma conquista dos
movimentos populares, que se contrapõe à política hegemônica que permeia o
histórico de formação do estado baseado na grande propriedade de terras.
Atualmente vivenciamos uma nova luta, pautada em uma política de reforma agrária
que mais do que o acesso à terra, dê condições de produção e de permanência para
que seja alcançada uma política agrária de fato.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST), por exemplo, se tornou uma referência na luta pela terra, por exigir que
a reforma agrária não se resuma a simples distribuição de terras improdutivas,
mas, segundo Fernandes (1994, p.46), por um sistema agrário que
propicie,
(...) a construção de novas formas de organização
social que possibilitem a (re)conquista da terra de trabalho - a propriedade
familiar. Vai em direção à (re)construção da propriedade coletiva dos meios de
produção, e, mais importante ainda: vai em direção à construção de novas
experiências realizadas cotidianamente pelos trabalhadores rurais no movimento
de luta pela terra.
O processo de reforma agrária baseado na simples
distribuição de terras contribuiu para criar péssimas condições de vida no
campo, o que dificulta a permanência das famílias na terra. Apesar disso, a
maioria resiste heroicamente, lutando para fazer a terra produzir e para fazer
chegar essa produção aos mercados.
Os assentamentos de Mato Grosso do Sul são na sua
grande maioria territórios onde se desenvolve a reprodução da força de trabalho
familiar, que não se utiliza de técnicas avançadas para produção, e que ainda
tem na burocracia parte fundamental
dos problemas para produzir. A burocracia impede que algumas
ações sejam
implementadas pois torna o acesso aos créditos agrícolas inapropriados às
temporadas de determinados cultivos.
A energia elétrica tem sido apontada como ferramenta
fundamental para se desenvolver a produção dos assentamentos rurais de Mato
Grosso do Sul. Vejamos essa premissa do Plano de Metas do Governo
de Mato Grosso do Sul (2003,
p.17).
A eletrificação rural de Mato Grosso
do Sul é uma condição básica para viabilizar a produção dos agricultores
familiares, abrindo possibilidades para a verticalização produtiva por meio de
programas específicos. No que diz respeito à propriedade rural tradicional, isso
significa a abertura de um novo horizonte de produtividade
(...).
Dentro dessas perspectivas, o Programa Luz Para Todos torna-se um
dos principais mecanismos com possibilidades de alavancar e tornar a pequena
propriedade economicamente viável, pois teoricamente aproxima os assentados de
alternativas produtivas de diferentes espécies e tem contribuído para que mais
pessoas se aproveitem das benesses que a energia elétrica
proporciona.
A iniciativa da universalização da energia elétrica como promotora
de desenvolvimento é defendida por vários segmentos da sociedade, sejam eles
políticos ou até mesmo a sociedade civil organizada. Contudo, em Mato Grosso do
Sul, tal iniciativa teve que se deparar com a realidade do baixo número de
residências com acesso a energia elétrica, além de estar lidando com áreas de
assentamentos rurais familiares que especificamente representam uma forma de
produção não vinculada ao chamado agronegócio, ou seja, diferente dessa última
modalidade que se ajusta aos parâmetros capitalistas de
produção.
A operacionalização do Programa é de responsabilidade do Comitê
Gestor Estadual, que é a instância na qual se priorizam as demandas, o andamento
do Programa e o cumprimento da meta estadual de universalização do uso da
energia elétrica.
O Comitê Gestor do Programa Luz Para Todos no Estado de Mato
Grosso do Sul é formado por representantes de todos os segmentos envolvidos
nessa política pública de tentativa de universalização de energia e geração de
renda, Ministério de Minas e Energia, agências reguladoras estaduais,
distribuidoras de energia elétrica, governo estaduais, prefeituras e
representantes da sociedade civil.
Assim, a implementação do Programa Luz Para Todos tem um apelo
forte na geração de renda e na inclusão social. De acordo com a imprensa, nessa
Unidade da Federação, o Programa deveria contribuir com a geração de 7,5 mil
empregos diretos e indiretos.
No estado de Mato Grosso do Sul, os dados oficiais apontam que
97.922 pessoas estavam excluídas do acesso à eletrificação (Censo IBGE 2000)
. Deste total,
82.619 (84,4%) encontravam-se no campo. Nesse sentido, o Luz Para Todos foi
pensado para promover a antecipação do ano máximo previsto para a
universalização, de 2013 para 2008. Foi investido na rede de distribuição um
total previsto de R$ 133 milhões, sendo 75% deste montante de recursos federais
e o restante custeado pelo governo estadual, concessionárias e cooperativas de
eletrificação rural.
Referindo-se ao Programa, o então Governador José Orcírio dos
Santos (2003-2006) afirmava:
(...) Luz nos assentamentos
significa o desenvolvimento das famílias, isso melhora a qualidade de vida, pois
podem ter um geladeira para guardar o doce, o leite. Podem ter uma televisão
para se manterem informados (...). Podem comprar um triturador para fazer ração
para o gado, assim, melhorando a produtividade. Ou seja, indiscutivelmente a luz
elétrica, e as estradas são fatores importantíssimos para desenvolver a área
rural.
Nesse contexto, o Programa Luz para Todos vem sendo implantado no
estado de Mato Grosso do Sul e teria atingido quase 100% de atendimento aos
assentamentos rurais.
Essa informação é dada pela Enersul, considerando que, do que
estava proposto, 100% teria sido realizado.
De acordo com Carlos
Augusto Longo, então secretário de Infra-Estrutura do Estado, em entrevista
pessoal,
(...) até o início de dezembro de
2005, já tinham sido investidos R$117 milhões, sendo que R$ 28, 6 milhões de
contrapartida do governo de Mato Grosso do Sul, R$68 milhões do Governo Federal,
R$ 15,9 milhões da Enersul e da Eletrobrás e R$10,3 dos proprietários rurais,
que propiciou atendimento a 18.997 propriedades, beneficiando 85.500 pessoas.
Governo do Estado de Mato Grosso do
Sul, (apud Helfenstein,
2007, p.20).
Em função dessa condição de atendimento, o Mato Grosso do Sul vem
sendo conhecido como um estado modelo na implantação do Programa Luz Para Todos.
Esse foi o discurso recorrente do Governo Zeca do PT, durante o seu segundo
mandato (2002- 2006), mas também de políticos do estado, como o Senador Delcídio
do Amaral, principalmente durante a campanha para governador (2006), que
repetidas vezes discursou e apontou essa situação do Mato Grosso do Sul em
relação a esse Programa e outros estados
brasileiros.
O senador Delcídio do Amaral definiu o Luz Para Todos como um dos
programas de maior alcance social do Governo e fez dele uma de suas metas no
Senado, com um trabalho que foi decisivo para a sua implantação, em Mato Grosso
do Sul. Assim está colocado o discurso do Senador Delcídio do Amaral:
(...) Levar energia a todos os
recantos do Estado, as cidadezinhas mais isoladas, iluminar as fazendas que
antes só conheciam a lamparina, e especialmente levar a energia elétrica aos
assentamentos era um sonho pessoal e um compromisso do senador, que já está
sendo cumprido.
Na Região do Pantanal, onde as características físicas do relevo
dificultam a chegada da energia elétrica, estão sendo viabilizadas fontes de
energia alternativa, quais sejam: energia solar microturbinas que funcionam
movidas pela água do rio. Além disso, atualmente algumas Regiões do Pantanal
estão sendo contempladas com a energia decorrentes de novos investimentos, uma
vez que nessas condições de relevo o custo se torna mais alto para implementar
novas linhas de energia elétrica.
Evidenciou-se na fala dos representantes governamentais a idéia do
desenvolvimento do campo, o qual vê na energia elétrica ferramenta indispensável
para a diversificação da produção dos assentados. Estes, por sua vez, possuem
esse discurso, mas também defendem seu direito ao acesso à energia elétrica pelo
fato de tornar a vida no campo mais fácil.
É a respeito da construção do significado que tem a energia
elétrica e as modificações que provoca nas relações de produção dos
assentamentos rurais de Mato Grosso do Sul, que passaremos a discorrer no
próximo subitem.
A energia elétrica como infra-estrutura básica
para o crescimento econômico – o LUZ PARA TODOS como contradição do Capitalismo
no Brasil?
O apagão ocorrido no ano de 2001 provocou uma
série de mudanças no que se refere ao consumo de energia, no comportamento da
população brasileira. Da mesma forma evidenciou a falta de planejamento e
investimentos governamentais para que não ocorresse interrupção no fornecimento
e distribuição de energia elétrica no Brasil.
Segundo Netto (2010):
A crise ocorreu por uma soma de fatores: as poucas chuvas, e a
falta de planejamento e ausência de investimentos em geração e distribuição de
energia. Com a escassez de chuva, o nível de água dos reservatórios das
hidroelétricas baixou e os brasileiros foram obrigados a racionar
energia.
A crise energética que atingiu o país em 2001
provocou uma série de medidas fundamentais para que os chamados apagões não
paralisassem o país. De acordo com o relatório do Tribunal de Contas da União
(TCU), elaborado no
ano de 2009,
o prejuízo econômico que o apagão gerou de R$ 45,2 bilhões, o
grosso do dano (60%), R$ 27,12 bilhões, vieram na forma de aumentos cobrados nas
contas de luz de empresas e pessoas físicas. O restante foi bancado pelas arcas
do Tesouro, nutridas pelo contribuinte. Segundo o TCU, o governo teve de aportar
recursos em companhias de energia elétrica.
O mesmo relatório acima realça ainda que além dos
R$ 45,2 bilhões, houve outros prejuízos. Antes do apagão, em 2000, a economia
crescera 4,3%. E em 2001, o PIB despencou para 1,3%.
Apesar de todas as preocupações geradas em
decorrência do apagão, não é atual a preocupação com a produção e a manutenção
da energia elétrica. Ela compõe parte importante de uma série de
infra-estruturas indispensáveis à produção de mercado. Para Santos &
Silveira (2006, p.225), “a expansão do meio técnico-científico-informacional
aumenta as necessidades em energia elétrica”. Os referidos autores destacam
ainda que não são só os grandes centros industriais do Sudeste e do Sul que
aumentam suas demandas, “mas também a procura representada pelo sistema de
transportes e telecomunicações, e pela mecanização da agricultura e a
informatização de boa parte das atividades econômicas”. (2006,
p.225)
Gradativamente, o consumo de energia elétrica foi
aumentando no Brasil, de forma desigual, quando comparados os atendimentos
urbanos e rurais. Como apontam Santos e Silveira (2006, p.
226):
Em 1995, 96% dos domicílios urbanos de todo país eram
eletrificados, e no Sudeste e no Sul havia esse serviço em 99% dos domicílios.
No campo, a iluminação elétrica passou a integrar as condições materiais de
vida. A eletricidade rural passou de 6% em 1975, para 63,1% dos domicílios em
1985. Em 1995 o fenômeno se intensifica, pois há presença da eletricidade em 85%
dos domicílios rurais no Sul, 78,1 no Sudeste, 62,7% no Centro-Oeste e 47,6% no
Nordeste em 1995. A modernização agrícola foi, ao mesmo tempo, causa e
conseqüência dessa difusão.
No campo, como podemos verificar no gráfico 4 , o
índice de desigualdade regional é ainda maior o que evidencia uma cruel
realidade, quanto ao atendimento elétrico do país.
Gráfico 4 : Exclusão elétrica rural das regiões brasileiras, segundo o
IBGE (2003)

Fonte:
IBGE, 2003.
Org.
Helfenstein, 2010
É interessante notar que o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), já mencionado nesta dissertação no primeiro
capítulo, apresenta maior expressivade nas Regiões com maior atendimento de
energia elétrica, certamente pelo acesso a outros serviços que a energia
proporciona.
Em Mato Grosso do Sul, os números deixam claros a
importância e as especificidades da utilização da energia elétrica. A produção
no Estado, em sua maioria, está voltada à lógica do agronegócio, ou seja, a
produção para a geração da mais-valia em detrimento das necessidades das
populações existentes no estado.
Contudo, apesar da energia elétrica ser
indispensável para a produção de mercado, nos assentamentos ela não impediu que
sua utilização fosse baseada na coletividade, pois serviços como o abastecimento
de água é, em cerca de 90% dos assentamentos, pago coletivamente e só realizado
dentro da lógica coletiva.
Algumas visões românticas foram sendo
desconstruídas durante os trabalhos de campo. O conceito de campesinato
utilizado aqui é formulado pela via campesina, em que o modelo camponês não
propõe a rejeição da modernidade, tecnologia ou comércio, contrapondo o discurso
de retorno a um passado arcaico baseado em tradições rústicas, nas quais as
novas tecnologias são vistas apenas como tentativa de inserção do campo as
políticas neoliberais. Diferentemente, a via campesina insiste que um modelo
alternativo deve ser baseado em certos valores em que a cultura e a justiça
social pesem, e mecanismos concretos sejam estabelecidos para assegurar um
futuro sem fome. O modelo alternativo da Via Campesina busca resgatar aspectos
tradicionais, locais e conhecimento dos agricultores e, quando e onde for
apropriado, combinar esse conhecimento com novas tecnologias. (DESMARAIS, 2007,
p.38)
No caso dos assentamentos rurais, a energia sobre
a ótica do capital, tem a função de tornar viável a extração do excedente
econômico, pois a produção de alimentos que tem se tornado satisfatório à
indústria exige condições de quantidade e qualidade do produto a ser
transformado nas fábricas. Exemplo a ser citado dentro de nossa pesquisa é a
produção de leite, explorada por algumas indústrias, a partir do momento em que
a energia elétrica proporcionou a aquisição de resfriadores, aumentando a
quantidade de leite armazenada, tornando o transporte viável e atendendo as
exigências de qualidade do produto.
Observando a importância da energia
elétrica para o campo, ficam evidenciadas as contradições que a mesma gera, uma
vez que faz parte da técnica indispensável para produção do mercado, o que
consequentemente gera concentração, exclusão e expansão. Por outro lado, a
energia elétrica tem sido utilizada dentro dos assentamentos rurais como forma
de resistência, auxiliando na produção, oferecendo conforto, fixando e, em
alguns casos, trazendo de volta o “homem" ao campo.
Os dados do senso 2003 apontavam que, no estado
de Mato Grosso do Sul, 97.922 pessoas estavam excluídas do acesso à
eletrificação. Deste total, 82.619 (84,4%) estão no campo. Esses números
acabaram sendo maiores que a estimativa, haja a vista que o número de pedidos
superou em muito os dados apresentados pelo senso, fazendo com que houvesse um
atraso para o ano de 2013 da conclusão das ligações que
faltaram.
O quadro de consumo de Mato Grosso do Sul
(gráfico 5) aponta ainda a classe residencial como responsável por consumir 59%
dos MWH produzidos, seguido pela indústria com 18%, o comércio com 14%, o rural
com 8% e os setores restantes representando 1% dos MWH
produzidos.
Gráfico 5 :
Consumo de energia elétrica em Mato Grosso do Sul por setores
(2003)

Fonte: ENERSUL / ELEKTRON
Org.: Helfenstein2010
No que diz respeito às unidades de consumo
(gráfico 6), 81% estão na classe residencial, 9% na classe comercial, 8% na
classe rural, 1% na indústria e 1% das demais classes. Esses dados demonstram
que apesar de representar 1% dos consumidores, a indústria é responsável pelo
segundo maior consumo, enquanto o setor rural equivale o número de consumidores
com a quantidade de energia consumida.
Gráfico 6: Porcentagem do consumo de
energia elétrica em (MS) por classe de
consumidores

Fonte: ENERSUL / ELEKTRON.
Org.: Helfenstein, 2010.
O Gráfico 7 demonstra o crescente aumento da
extensão das redes tanto particular como privadas no campo, demonstrando que o
campo está sendo alvo de políticas que pretendem eletrificar as propriedades
rurais.
Gráfico 7: Crescimento da Rede de Extensão (KM) em (MS) de
(2000-2003)

Fonte: ENERSUL
Org.: Helfenstein, 2010.
Nas políticas de Eletrificação Rural dos governos
federais, se destacam o Luz no Campo, implementado durante o Governo FHC, e o
Programa Luz Para Todos, em realização no Governo Luís Inácio Lula da Silva, que
apesar de serem destinados a um determinado setor (o campo), têm atuações
diferentes e a mesma racionalidade. Os dois programas são conhecidos como
referência no que tange à tentativa de universalização da energia elétrica,
porém o primeiro deles, denominado Luz no Campo, não possuía estrutura capaz de
fazer com que as concessionárias implementassem o acesso à energia. Vejamos as
considerações de Viana (2008. P. 12), quando analisa os resultados do
Programa:
Apesar da intensa publicidade feita pelos criadores e
gestores do programa, o Luz no Campo não representou uma quebra de paradigma,
pois apenas financiou parte da responsabilidade da distribuidora. Entretanto,
com base na legislação referente à participação financeira, houve o repasse de
parte dos custos ao consumidor. Dessa forma, grande parte dos que poderiam ser
beneficiados pelo programa acabou ficando de fora por não ter condições de arcar
com os custos do empréstimo. O Luz no Campo mitigou a situação de falta de
acesso ao serviço de energia elétrica; contudo a falta de um gestor e um comando
legal capaz de definir e estabelecer as responsabilidades de metas de
universalização, além da escassez de recursos necessários para a expansão da
distribuição, impediram a plena universalização dos serviços de
energia.
O insucesso do Programa Luz no Campo se deu devido à baixa quantidade
de recursos destinados a financiar as concessionárias, falta de mecanismos que
garantissem o não repasse dos custos aos demais consumidores, de um gestor que
garantisse eventuais adaptações ao programa e uma meta de universalização a ser
alcançada gradativamente. Em outras palavras, aqueles que não podiam pagar o
financiamento da ligação elétrica, como a concessionária achava justo cobrar
pelo serviço, ficavam novamente sem energia. Esse fato é apontado por
Pertusier (apud Fugimoto, 2005, p.50):
De acordo com dados da Eletrobrás, apresentados
por Pertusier (2000), o investimento total previsto para o Programa Luz no Campo
era de R$ 2, 255 bilhões, enquanto o valor financiado com recursos da RGR
correspondia a R$ 1, 525 bilhões (aproximadamente 68% do total). O restante dos
investimentos era complementado com recursos próprios das distribuidoras dos
governos estaduais e dos solicitantes.
O Programa Luz no Campo obteve como resultado
final, em junho de 2002, o atendimento de 419 mil novas famílias beneficiando
cerca de 2,08 milhões de habitantes, número esse muito abaixo do número de
pessoas que ainda estavam à margem do acesso à energia
elétrica.
A criação da lei nº 10.438, em 2002, é
considerada um marco regulatório do setor energético, pois criou uma série de
regulamentações, que deixaram bem claros os papéis de cada agente operacional
dessa política, suas responsabilidades e metas. A partir dessas definições, foi
criado aquele que é considerado a maior intervenção governamental brasileira no
acesso à energia elétrica, referimo-nos ao decreto, lei nº 4.873/2003, que criou
o Luz Para Todos.
Com os financiamentos do Governo Federal partindo
da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e também da RGR (Reserva Global de
Reversão), o governo estipulou prazos e metas para a universalização da energia
elétrica no país. Para tal foram levados em conta o Índice de Atendimento (IA) e
a capacidade técnica e econômica das distribuidoras. Sobre essas premissas foram
estabelecidos esses prazos:
Quadro 1: Prazo máximo para a
universalização na área de concessão segundo índice de atendimento
(Ia)
Índice de Atendimento da
Concessionária |
Prazo Máximo para a Universalização na Área
de Concessão |
Ia > 99,50
% |
2006 |
98,00 % < Ia < 99,50
% |
2008 |
96,00 % < Ia < 98,00
% |
2010 |
80,00 % < Ia < 96,00
% |
2013 |
Ia < 80,00
% |
2015 |
Fonte: Resolução nº 223/2003 In: Fugimoto
,2005.
Org.: Helfenstein,
2010.
Levando em consideração os números apresentados
na tabela anterior, temos a seguinte distribuição e prazos para as
concessionárias cumprirem:
Quadro 2: Ano limite para a universalização, por concessionárias de
energia
Ano Máximo
para
Universalização |
Quantidade
de
Distribuidoras |
Concessionárias |
2006
|
14 |
ELETROPAULO, LIGHT, CEB, CPFL, PIRATININGA,
BANDEIRANTE, JAGUARI, JOÃO CESA, POÇOS DE CALDAS, COOPERALIANÇA, NACIONAL,
URUSSANGA, CPEE, MOCOCA.
|
2008
|
19 |
ESCELSA, CEEE, ELEKTRO, AMPLA, CELESC,
ELETROCAR, VALE PARANAPANEMA, MUXFELDT, CENF, CAIUÁ, SANTA CRUZ, CELB,
NOVA PALMA, BOA VISTA, MANAUS, CSPE, DEMEI, SANTA MARIA,
BRAGANTINA.
|
2010
|
13 |
CEMIG, COPEL, AES SUL, RGE, CELG, CELPE,
COGEL, PANAMBI, CAT-LEO, CHESP, CELO, CORONEL VIVIDA, IGUAÇU
ENERGIA
|
2013
|
11 |
COELBA, ENERSUL, CEMAT, CEA, COSERN,
SAELPA, ENERGIPE, CEAL, COELCE, CERON,
SULGIPE
|
2015 |
07 |
CEMAR, CELPA, ELETROACRE, CELTINS, CEPISA,
CEAM, CER
|
Fonte:
Resolução nº 223/2003 In: Fugimoto,
2005.
Org.: Helfenstein, 2010.
O número de pessoas que o Programa Luz Para Todos
atendeu por Região do Brasil chegou, segundo o governo, a 11,1 milhões de pessoas, sendo 2 milhões na
Região Norte, 5,5 milhões no Nordeste, 777 mil no Centro-Oeste, 1,9 milhão no
Sudeste e 898 mil no Sul.
Viana (2008, p.16) ao discursar sobre o Programa
Luz Para Todos, o descreve:
O Luz para Todos, ainda em vigor, tem representado
uma importante ferramenta na universalização do acesso ao serviço de energia
elétrica no Brasil. O programa, criado em um ambiente bastante favorável à
universalização, reflete exatamente as mudanças no contexto regulatório
concernentes ao tema e, mais do que isso, objetiva, além de levar energia
elétrica a mais de dois milhões de domicílios no país, criar condições
econômicas (capacidade de pagamento) para viabilizar o acesso, já que a maioria
das pessoas excluídas do serviço é de baixa
renda.
O Programa de Universalização Luz Para Todos,
principalmente entre a parcela da população carente, aparece como um sucesso, já
que esses sujeitos sem o Programa não teriam acesso à energia até hoje. Tal
condição demonstra duas faces da mesma moeda.
Desta forma, se de um lado a energia
elétrica serve como fator indispensável para produção de mercado, no qual a
lógica é incorporar os agricultores familiares a uma cadeia de produção que lhes
propicie renda para se manter na terra, do outro, temos o fator histórico de
exclusão de uma parcela muito grande da população que sempre viveu às margens
dos benefícios que a energia elétrica propicia.
Dentro dessa lógica, parte do processo de criação
de um cidadão passa pelo reconhecimento do direito, que não é mais baseado sobre
a capacidade de produzir para o mercado e sim pelo fato de a energia ser uma
peça chave no auxílio a outras diversas políticas públicas. Portanto, o Luz Para
Todos não significa uma contradição ao mercado, mas é parte fundamental de uma
nova visão governamental, que tem a preocupação em garantir os direitos básicos
de todos os cidadãos.
Referências Bibliográficas
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Consultados
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