A TRAJETÓRIA MIGRATÓRIA DE BRASILEIROS PARA O PARAGUAI
E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE TERRITORIAL:
O CASO DA COLÔNIA NUEVA
ESPERANZA EM YBY YAÚ- CONCEPCIÓN/ PY
Karoline Batista Gonçalves
RESUMO
A partir de 1960 iniciaram-se as primeiras trajetórias migratórias de
brasileiros para o Paraguai, com o intuito de adquirirem terras e ascensão
financeira. Muitos migrantes brasileiros, inicialmente oriundos do nordeste e
posteriormente do sul do Brasil, migraram atraídos por um forte esquema
publicitário que divulgava as facilidades para conseguir terras e maquinários no
país vizinho. Dentre muitas das trajetórias de brasileiros, foram os sulistas
(gaúchos, catarinenses e paranaenses) quem tiveram uma melhor adaptação no
Paraguai, pois ao migrarem muitos levaram consigo um pequeno pecúlio,
possibilitando a compra de pequenas propriedades, “levando” também costumes e
práticas culturais, contribuindo para que reproduzissem no Paraguai práticas
culturais semelhantes ao do país de origem. Na Colônia Nueva Esperanza (Yby Yaú – Concepción)
não foi diferente. Em especial, brasileiros da colônia (re) produzem
velhas/novas representações em relação ao Paraguaio, enquanto (re) constroem
velhas/novas representações em relação ao Brasil e aos brasileiros que ficaram.
Nesse sentido, o que se analisará é como esses migrantes construíram
uma nova identidade, ou seja, a identidade territorial que buscou referenciais
em uma base territorial num processo de intercâmbio de identidades com os
próprios brasileiros e os paraguaios, pois esses migrantes já não são nem
brasileiros, e nem paraguaios, mas sim migrantes brasileiros no
Paraguai.
Palavras- Chave: Migração, Identidade
e Território.
ABSTRACT
From 1960 the first migratory trajectories of
brazilians to Paraguay had been initiated, with intention to acquire lands and
financial ascension. Many brazilian migrants, originally from the northeast and later in southern Brazil
migrated attracted by a strong project advertising executive who
divulged the easiness’s to obtain lands and machinery in
the neighboring country. Amongst many of the trajectories of Brazilians, they
had been the sulistas (gauchos, catarinenses and paranaenses) who had had one
better adaptation in Paraguay, therefore when migrated many had led also obtain
a small savings, making possible the purchase of small properties, “taking”
cultural practical customs and, contributing so that they reproduced in Paraguay
practical cultural fellow creatures to the one of the native country. In the
Colony Nueva Esperanza (Yby Yaú - Concepción) it was not different. In special,
Brazilian of the colony (reverse speed) they produce old/new representations in
relation to the paraguayan and they construct old/new representations in
relation to Brazil and to the brazilians who had been. In this direction, what
it will be analyzed is as these migrants had constructed a new identity, that
is, the territorial identity that searched references in a territorial base in a
process of interchange of
identities with the proper brazilians and the paraguayan, therefore these
migrants already are not nor brazilian, and nor paraguayan, but migrants
Brazilians in Paraguay.
Key Words: Migration, Identity and
Territory.
Por volta de 1954 iniciava-se um novo governo no Paraguai, ocupado
pelo general Alfredo Stroessner, fato esse
que coincidiu com a migração dos primeiros brasileiros para as terras
paraguaias, cuja maioria dos mesmos eram pequenos agricultores, oriundos de
várias partes do Brasil.
Após assumir o governo o general Alfredo Stroessner teve como
prioridade conseguir o apoio do Partido Colorado, que juntamente com as Forças
Armadas lhe proporcionaram sustentação política. De acordo com Wagner (1990)
após ajeitar a casa o general Stroessner como era conhecido, começou a colocar
em prática um plano de modernização econômico denominado "Plano de Crescimento
para Fora", que visava aumentar a presença paraguaia no mercado externo,
exportando o que até ali o Paraguai produzia como a pecuária, a erva-mate e o
algodão.
O forte da economia paraguaia sempre foi a agricultura, e para
colocar em prática seus planos para a economia o governo Stroessner escolheu o
Alto do Paraná para receber os primeiros investimentos a fim de
desenvolver a agricultura, devido fato, de ser uma divisão administrativa
composta por distritos dos quais Cidade do Leste é a capital, bem como pela
região ser próxima ao porto marítimo do Paraná, o que permitiu que a madeira
extraída ali pudesse ser comercializada nos estados brasileiros do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul.
Assim em 1960, o General Stroessner assume o poder apostando na
permanência de um modelo de sociedade rural, e para alcançar esse objetivo, a
partir de 1960 o mesmo decide confiar às colonizadoras brasileiras,
norte-americanas e japonesas a tarefa de organizar o processo de colonização,
dando origem a “Marcha al Leste” cujo
objetivo consistia em fazer um reordenamento territorial que materializasse os
ideais de progresso e modernização capitalista de ambos os
agentes.
As empresas colonizadoras distribuíram as terras em sua maioria
entre os militares e os líderes do Partido Colorado, que por sua vez expulsaram
os campesinos paraguaios, visto em sua maioria como “indolentes para o pesado
serviço de derrubar mato” , ou seja, os
mesmos não possuíam um sentimento em relação à terra semelhante ao colono
brasileiro devido a sua cultura, eles apenas chegavam e ocupavam a terra sem se
preocupar com registros e escrituras, fato que contribuiu para expulsão desses
campesinos por não atenderem as expectativas com relação à produção da
terra.
Com a retirada dos campesinos paraguaios, e pela proximidade geográfica e
vínculos econômicos existentes entre Paraguai e o Brasil, foi deste que saiu a
maior parte dos colonos para habitar e desenvolver a agricultura paraguaia. Os
primeiros brasileiros a chegarem ao Paraguai foram os moradores das regiões
Norte e Nordeste do Brasil, devido fato de serem desprovidos de posse, e naquele
momento os paraguaios necessitavam de mão-de-obra que se submetessem a seguir as
ordens dos colonizadores. Dessa maneira, esses migrantes denominados negros,
mulatos e cafuzos (mestiços de índio com negro) foram às centenas para o
Paraguai, com a esperança de ganhar dinheiro suficiente para comprarem terras,
porém chegando ao país vizinho encontravam outra
realidade:
Estos “negros”, tal como los llama, son actores
tradicionales de los frentes pioneros del sudeste brasilero
esencialmente. En su gran mayoría mestizos (caboclos) y originarios del
nordeste del Brasil. Su papel estaba entonces claramente definido, se
encargaban de preparar las tierras forestales para el cultivo. A pesar de estar
con contrato de arrendamiento o de aparcería, eran expulsados por diversos
procedimientos (fin del contrato, especulación o a veces expulsión violenta) una
vez que habían quemado el bosque y realizado algunas plantaciones en suelos
vírgenes. El contrato podía prever de ante mano que las tierras se repartirían
poco a poco entre la agricultura de autoconsumo en los rosados y la agricultura
comercial (menta y café, en los primeros años) o ganadería (pasturas naturales o
artificiales). Año tras año progresaba, por la lenta intervención de estos
desmontadores, una agricultura casi exclusivamente manual que mientras los
desmontadores prendían fuego al bosque en la avanzada del frente también
limpiaban las tierras recientemente integradas a la superficie agrícola. Al
finalizar este proceso tierras ricas, quedarían a disposición de una agricultura
mecanizada. (SOUCHAUD, 2007,
p.120).
Desta maneira, o trabalho realizado pelos migrantes brasileiros
nordestinos, foi abrir as matas e preparar a terra para a prática da agricultura
mecanizada, feito isso o governo Stroessner percebeu que grande parte das terras
já estava desmatada e pronta para a implantação do cultivo mecanizado, que era
um dos seus principais objetivos, pois a mecanização agregaria valor às terras.
Entretanto, o problema é que esses migrantes nordestinos não estavam aptos a
trabalharem com a agricultura mecanizada, o que modificou os planos do governo
Strossner.
Assim, o esquema publicitário montado para atrair os agricultores do
Norte e Nordeste foi desativado, e o principal
objetivo passou a ser atrair para o Paraguai os camponeses sulistas, ou seja,
pessoas dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, utilizando o
seguinte slogan “com a venda de um hectare no Brasil é possível comprar mais de
cinco lá no Paraguai” . Além desse
atrativo, o governo paraguaio se propôs a financiar o dinheiro necessário para
adquirir os maquinários e equipamentos suficientes para a produção o que encheu
de esperanças os camponeses sulistas.
Atraídos por promessas e propagandas muitos migrantes sulistas decidiram
migrar para o país vizinho com o intuito de conseguirem terras para produzirem e
deixar aos seus filhos já que muitos desses habitavam no Brasil poucos hectares
de terras, e muitas vezes improdutivas, e não viam nas mesmas perspectivas de
crescimento, dessa forma migrar para o Paraguai tornou-se uma chance
única.
De acordo com Souchaud (2007) a
maioria dos migrantes sulistas era de origem alemã, italiana ou eslava e se
distinguiam de forma notável dos migrantes nordestinos tanto culturalmente
quanto nas condições sócio-econômicas. Além disso, esses sulistas migraram em
uma grande superioridade numérica, e chegando ao Paraguai não deixaram de seguir
suas estruturas de produção, bem como também mantiveram sua forma de
comercialização e o estilo de vida modificando radicalmente a paisagem, pois
conseguiram modificar as práticas agrícolas importadas da Europa e adaptá-las ao
clima tropical, mostrando assim uma grande capacidade de adaptação e inovação.
Portanto, percebe-se que os migrantes brasileiros sulistas tiveram
uma trajetória migratória que lhe proporcionaram perspectivas diferentes se
comparadas aos migrantes nordestinos. E foram justamente as condições de
migração que permitiram que os mesmos se instalassem no Paraguai, e em muitas
vezes formassem pequenas colônias como a Nueva Esperanza localizada em Yby Yaú no
Departamento de Concepción formada em sua maioria por migrantes brasileiros
sulistas.
A migração dos “sulistas” e a formação da
Colônia Nueva Esperanza
Atraídos pelo baixo valor das terras e pela ajuda financeira que o
governo paraguaio proporcionava para preparar a mesma, muitos agricultores
sulistas optaram por tentar uma nova vida no país vizinho. Cruzaram a fronteira
Brasil-Paraguai em busca de novas oportunidades, sendo que grande parte dos
migrantes sulistas partiram de regiões como Noroeste do Rio Grande do Sul, Oeste
de Santa Catarina e Oeste do Paraná.
Ao chegarem às terras paraguaias os mesmos tinham características
culturais e sócio-econômicas muito diferentes dos migrantes nordestinos e dos
próprios paraguaios, pela grande quantidade de migrantes que diariamente
cruzavam a aduana paraguaia levando consigo máquinas, animais e outros objetos o
que contribuiu para que esses migrantes conseguissem adaptar-se com grande
facilidade no país vizinho.
Os sulistas se destacaram frente aos migrantes nordestinos por sua
superioridade numérica e pela imposição de um modelo cultural sulista que se
estende desde a maneira de produzir até a forma de
comercializar:
Los Sulistas diferente de los
Nordestinos, atravesaron la frontera con un capital, a veces pequeño,
pero suficiente para la adquisición de tierra en Paraguay, entonces
aproximadamente diez veces más barata. Las magras economías provenientes de un
paciente ahorro, fruto de la venta de una parcela o de algunos bienes
mobiliarios, no habrían bastado para acceder a la propiedad inmobiliaria en el
Brasil meridional, mientras Paraguay les ofrecía amplias perspectivas. Este
acceso rápido a la propiedad de la tierra les permite instalar, en la Región
Oriental, un tipo de organización espacial en pleno desarrollo en el sur del
Brasil, basado en un monocultivo intensivo fuertemente integrado al mercado
agro-industrial internacional. (SOUCHAUD, 2007, p.122).
Deste modo, os sulistas ao contrário dos nordestinos não migraram
totalmente desprovidos de renda, mas muitos levaram consigo uma renda que
proporcionasse pelo menos conseguir um pedaço de terra, além de levarem também
um novo tipo de cultura e de cultivo moderno que se diferenciava dos paraguaios,
fato que contribuiu para que esses migrantes fossem aceitos para trabalharem nas
fazendas dos produtores paraguaios.
Como resultado dessa trajetória pode-se identificar a formação da
Colônia Nueva Esperanza em Yby Yaú,
no Departamento de Concepción, no Paraguai, localizada a aproximadamente 120 km
da cidade fronteiriça de Ponta Porã/MS – Brasil, formada em sua maioria por
pequenos agricultores, mas também sujeitos de média ou grandemente capitalizados. Os
depoimentos abaixo são de paraguaios, bem como de brasileiros que participaram
da formação da referida colônia:
La llegada de los brasileños acá data del año
de 1966, cuando esta Ruta Asunción llegaba acá. Entonces en el año de 1966
comenzó, y yo era encargado de la firma de la tierra de la Unión Paraguaya,
porque era anónima y tenía 117 mil hectáreas en total, una tierra teniente que
era muy grande en el Departamento de Concepción y con la abertura de la Ruta 5
(quinta), entonces fue posible ya hacer el loteamiento, colocar la persona que tiene que
trabajar en agropecuaria tanto en la agricultura como en haciendas. Entonces
llamamos a una publicación para la gente interesada y aparecerán dos personas el
Dr. Hernal Pedroso Martins y el Sr.
D’Arbeloff, ambos brasileños, y yo estuve
en la representación de la firma Unión Paraguaya anónima y fundamos esa
Colonia Nueva Esperanza. Primeramente 13.000 hectáreas la Nueva Esperanza tenían
luego se hizo la adquisición de otras 7.000 hectáreas más y completamos 20.000
hectáreas. Entonces podemos decir que la población son los migrantes brasileños, que vienen
del Brasil trata del año de 1966
con la abertura da Ruta 5. (Sr.
Nímio Claudio Almirón Yanes primeiro Prefeito da cidade de Yby Yaú
e fundador da Colônia Nueva Esperanza).
A chegada dos primeiros migrantes brasileiros a região que
posteriormente veio a ser Yby Yaú no Departamento de Concepción/ Paraguai, onde
se localiza a Colônia Nueva
Esperanza, iniciou-se em meados de 1966 no qual, atraídos pelo baixo preço
das terras paraguaias, e com o sonho de mudarem suas vidas, construindo um
futuro para suas famílias migraram.
A cidade de Yby Yaú possui uma superfície de 2.174
quilômetros quadrados, e um total
de 19.764 habitantes dos quais 3.331 vivem na zona urbana e os demais na zona
rural, sendo que
grande parte desses habitantes formam a Colônia Nueva Esperanza localizada a sete
quilômetros do centro urbano da cidade, e possui uma área de
20.000
hectares.
Parte dos brasileiros que chegaram inicialmente em Yby Yaú para trabalharem na
agricultura, e nos diversos projetos de infraestrutura que estavam sendo
realizada no Paraguai, como a construção das chamadas “Ruta” vieram dos estados
do Paraná, bem como do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Muitos
chegaram ao país através dos projetos de expansão que ocorriam em ambos os
países, como a Marcha para o Oeste do Brasil e a Marcha para o Leste no
Paraguai.
Por meio de levantamentos feitos nas entrevistas com os migrantes
brasileiros foi possível verificar que grande parte dos mesmos vieram das
seguintes cidades: do Paraná são oriundos de Londrina, Loanda, Santa Cruz de
Monte Castelo, Paranavaí, Pontal do Paraná, Santa Izabel do Ivaí, Terra Roxa,
Uraí. Já de São Paulo vieram das cidades de Lins, Paulínia, Santa Adélia e
Viradouro. De Santa Catarina vieram de Itapiranga e São Miguel do Oeste e do Rio
Grande do Sul de Porto Alegre:
Viemos de Monte Castelo pra cá para Ponta Porã, saímos de lá a
noite na boquinha da noite amanheceu o dia e chegamos aqui, passamos no Porto
Caiuá posamos lá e ficamos até o dia amanhecer, e aí do Porto Caiuá viemos e
chegamos a Ponta Porã, e ficamos o dia o resto do dia de tarde, e aí pegamos o
ônibus e viemos pra aqui, para no outro dia o patrão que nós ia morar lá com
ele, ele tinha a migrante aí no outro dia ele foi passar a nossa mudança pra cá,
porque nós não tinha a migrante. Então ele como já morava aqui, ele já tinha a
migrante então ele ia lá e passava a gente. E também eu vim para morar no sítio
dele mesmo. (Sr. Deraldino, 68 anos morador da Colônia há 37 anos).
Entretanto, é importante ressaltar que partes dos migrantes de outros
estados passaram ou viveram nas respectivas cidades paranaenses antes de
migrarem para o Paraguai, assim, foi possível por meio das entrevistas
identificar, que os migrantes oriundo de São Paulo em sua maioria foram para a
cidade paranaense de Santa Cruz de Monte Castelo, para depois junto com amigos e
familiares seguirem para o Paraguai.
Dessa forma, é possível verificar no mapa abaixo a trajetória que muitos
migrantes fizeram para chegarem ao Paraguai:

Figura 1: Mapa Trajetória Migratória
Por meio de relatos de alguns moradores da Colônia Nueva Esperanza é
possível compreender como ocorreram as trajetórias migratórias dos brasileiros
que formaram a referida colônia:
Eu
tenho 61 anos, mas que a gente entrou aqui nesse Paraguai mesmo temos mais tempo
aqui dentro do país do que dentro do Brasil, porque a gente chegou aqui em 10 de
setembro de 1973. Mas a gente não veio direto. Nós viemos direto do nordeste
para o Paraná e do Paraná que viemos pra cá. Eu saí em 1959 e aí eu fui para o
Paraná. O meu marido nesse caso ele era solteiro, ele passou em São Paulo, ficou
um tempo, e depois que ele foi para o Paraná, trabalhou muito de peão e no ano
de 1970, a gente se conheceu começamos a namorar, casamos e viemos pra cá com
duas filhas em 10 de setembro de 1973 e estamos até hoje, nessa colônia aqui
nasceram mais cinco filhos. Já tinha uns dez anos que essa colônia vinha se
abrindo quando a gente chegou aqui, porque já tinha muita gente entrando. Da
família o primeiro que veio foi o José Teles meu irmão, que tinha uns
conhecidos, aí eles entraram aqui já tinha mais outros brasileiros que entraram
uns dez anos atrás que a gente nem conhecia, através dos outros que foram
vindos, e a gente também foi acompanhando. Naquela época no Paraná já estavam
tirando a metade dos empregados e estavam formando capim, estava entrando à
agropecuária e daí daquele ano prá cá já começou a mudar as coisas, as geadas
queimando os cafezais, os fazendeiros plantando capim, e aí o pessoal cada um
teve que tomar um rumo na vida. E foi isso que a gente fez naquela época, e aqui
estamos até hoje. E a gente veio para plantar café porque aqui o café era caro e
todo mundo estava vindo pra plantar café. Porque aqui era colônia do café uns 20
anos, foi colônia do café grande mesmo, formado pelos brasileiros. Nós viemos
para cá de caminhão mesmo, nós viemos com a mudança direto pra cá, porque já
tinha conhecido aqui. O pessoal fazia assim vinha olhava, gostava e voltava
porque já tinha gente conhecida, então os lotes foram comprando e aí depois
foram procurando alguns da família que queria vim, e nesse intervalo todo mundo
já estava saindo à gente também foi procurar um lugar melhor pra comprar um
pedaço de chão, e nesse nosso caso ficamos aqui. (Srª. Luzia Tomas de Matos, 61
anos, moradora da colônia há 38 anos).
Quando nós chegamos aqui no Paraguai não tinha problema com
documentação, só os adultos precisavam de documentos. Quando os brasileiros
chegaram aqui não sabiam falar nem o castelhano nem o guarani e comprar na
cidade era difícil. Aí nós chegamos à conclusão de que se já estamos aqui, vamos
ter que aprender a viver com os paraguaios. Quando nós chegamos aqui à maioria
se juntou, e um alemão vendeu muitos pedaços de terras parcelado, o que ajudou a
adquirir as propriedades, muitos vieram só para adquirir terras e deixavam
empregados para cuidar. No começo foi tudo muito difícil, tivemos que viver
embaixo de lona e nossa mercadoria tinha que durar o ano inteiro.
(Sr. José dos Santos
– 45 anos agricultor e morador da Colônia).
A vida na colônia sempre foi enfrentada com grandes dificuldades,
pois esses migrantes, ao se instalarem no Paraguai, tiveram que aprenderem a
conviver com língua, cultura e pessoas diferentes, ou seja, os mesmos tiveram
que adaptar-se com um novo lugar, conciliando o sentimento nacionalista, ou seja, o
sentimento de pertencer a algum lugar com os desafios de uma cultura
estrangeira. Desse modo, a formação da Colônia Nueva Esperanza contribuiu para se
redesenhar uma nova geograficidade brasileira em terras
paraguaias:
No Paraguai, esses agricultores desmataram áreas
imensas de selva, limparam os terrenos, construíram suas casas, tiveram seus
filhos e produziram, durante anos e anos de arrendamento, sucessivas lavouras de
café, algodão e hortelã, entre outros produtos comerciais, que algumas vezes
eram vendidos nas cidades brasileiras fronteiriças. O contato com a população
paraguaia dependia da localização dos imóveis. Poderia ser inexistente, para
aqueles que trabalhavam na fronteira seca, ou intensa, com a escolarização dos
filhos de brasileiros em escolas paraguaias. Muitas dessas crianças já nasceram
no Paraguai, mas eram registrados também em cartórios dos Estados do Paraná ou
de Mato Grosso do Sul, como se fossem brasileiros. (SPRANDEL, 1998, p.
113).
Nessa perspectiva, depreende-se que os migrantes brasileiros ao
chegarem ao Paraguai depararam-se com outra realidade, e tiveram que aprender a
conviver com o “outro”, ou seja, com os paraguaios. A migração brasileira
diferencia-se dos demais grupos migratórios no Paraguai, devido ao seu volume e
às diversas identidades ativadas pelos migrantes.
Se analisarmos a migração brasileira para o Paraguai através de uma
perspectiva identitária contrativa, não podemos afirmar que exista objetivamente
uma identidade brasileira ou paraguaia válida para todos os contextos, mas que
esses traços identitários são reconstruídos no Paraguai, quando os sujeitos
mobilizam os recursos simbólicos, que estão ao seu alcance e de acordo com
contextos políticos e estratégias específicas.
Dessa maneira nossa preocupação fundamental será compreender como ocorreu
o processo de formação social e econômica desses migrantes em território
estrangeiro, ou seja, na Colônia Nueva
Esperanza, e como as relações que esses migrantes ainda estabelecem com o
Brasil, têm definido e redefinido as relações que estão estabelecidas com os
paraguaios como também com os brasileiros no
Brasil.
As
relações estabelecidas entre brasileiros e paraguaios na Colônia Nueva Esperanza e a formação de uma
identidade territorial
Os migrantes brasileiros que vivem na Colônia Nueva Esperanza construíram uma “nova”
identidade, sobretudo territorial que não é nem totalmente brasileira nem totalmente paraguaia, e sim de migrante
brasileiro no Paraguai, pois sua identidade foi construída a partir das relações
que foram sendo estabelecidas no novo território. Assim, os mesmos são participantes de
uma condição onde, eles não estão mais no mundo que deixaram como também não
pertencem ao mundo que chegaram.
Dessa maneira, quebra-se aquilo que podemos denominar de
binarismos, que é o
confronto de narrativas históricas de línguas, etnias, cores e relações.
Diante desse choque entre encontros e desencontros o migrante brasileiro
é construído e afirmado como o diferente, pois ele não é nem o colono nem o
colonizador ele é o entremeio. Assim,
o mesmo assume um desafio de mostrar ao “outro” uma figura de si mesmo
diferente, outra identidade e passar a imagem de que ele não é aquilo que o
outro pensava. Portanto, pode-se pensar que não é a identidade que produz o
sujeito, e sim são os sujeitos que produzem as identidades que vão se adaptando
no processo de permeação dos movimentos históricos.
Quando o migrante se desloca de um país para o outro, ele não se encontra
nem sob uma identidade, nem sob outra, pois ele está no meio de duas
identidades, uma antiga, e a outra que pode ser assumida. De alguma maneira, as
novas relações definem situações e condições de “sínteses” sempre inacabadas
entre os lugares de origem e de destino.
A identidade do migrante brasileiro deve
sempre ser pensada como movimento e processo, e não assentada sobre
essencialismos ou substantivismos, ou seja, toda identidade se movimenta a
partir das relações que sujeitos, grupos, classes ou sociedades estabelecem
interior ou exteriormente. Nestas relações, o movimento é sempre para dentro – de “id-entificação” – e
também, concomitantemente, para fora
– de “alter-idade”; portanto, o mesmo movimento define/redefine o Nós e os
Outros.
A perspectiva identitária é construída a partir das relações que os
migrantes brasileiros que vivem na Colônia Nueva Esperanza estabelecem com outros
sujeitos que podem ser paraguaios, brasileiros que vivem na colônia ou ainda com
os brasileiros que vivem no Brasil. À medida que esses migrantes mantêm contato
com o “outro” o mesmo percebe a diferença a partir da afirmação de sua
identidade nacional que lhe proporciona tanto a condição de membro de um Estado
Nação político, quanto uma identificação com uma cultura nacional, pois as
culturas nacionais a partir do momento em que produzem sentidos sobre a nação,
sentidos esses com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.
Na Colônia Nueva Esperanza
quando o migrante utiliza a identidade de brasileiro é uma forma de o mesmo
afirmar e reconhecer sua identidade frente ao paraguaio. Entretanto, é
importante destacar que esse migrante além de afirmar e reconhecer sua
identidade frente à outra, o mesmo pode entrecruzar a mesma no confronto com
outras culturas.
Isso se
torna perceptível ao analisarmos os migrantes sulistas que vivem na colônia,
onde os mesmos não deixaram de levar consigo sua língua costumes e culturas,
pois, grande parte dos colonos domina o português, o alemão e o espanhol, além
disso, muitos mantêm a tradição de tomar o “Chimarrão”, e as festas religiosas
são celebradas assim como são feitas no Brasil:
A
Colônia Nueva Esperanza mantém muito
viva a cultura brasileira, como o 12 de outubro festa da padroeira Nossa Senhora
Aparecida, as casas são quase do mesmo estilo que no sul do Brasil, algumas,
claro se fala quase exclusivamente português e as lojas tem placas no mesmo
idioma e vende igual que no Brasil, como a pinga e os pratos feitos. Enrique Ramón Galeano (escritor do Blog Hola
Vecino).
É importante salientar também a forma de organização da colônia
onde as casas, os terrenos e as lavouras são formados de forma muito semelhantes
as do sul do Brasil, fato esse que permite com que esses migrantes vivenciem as
mesmas práticas que antes eram vivenciadas em sua terra natal,
“a comunidade daqui se parece com as do Sul do
Brasil, e a propriedade é diferente das propriedades paraguaias, você olha pra
cá e se lembra do Sul até o modo de plantar é igual a do Sul”, Sr. José dos Santos – 45 anos
produtor e morador da Colônia Nueva
Esperanza.
Toda a estrutura das casas e a forma de
organização dos lotes são muito semelhante com as da região sul do Brasil, até
pelo fato de que esses migrantes fazem questão de se sentirem como se estivessem
morando no Brasil.
De forma geral, as relações estabelecidas dentro da colônia entre
brasileiros e paraguaios podem ser considerada como estáveis, pois os mesmos
acabaram criando fortes vínculos, seja no comércio, ou até na própria família
com o casamento de seus filhos com paraguaios e
brasileiros:
No começo a nossa relação com os paraguaios era
meio enroscada, mas agora é tranquilo. É porque antes eles achavam que a gente
estava tomando o que é deles, achavam que a gente estava tirando par de terras
deles. Agora não, agora eles agradecem pelos brasileiros, alemães e toda nação
que entrou para ajudar eles. (Celso Lenarduzi, 66 anos, morador da Colônia Nueva Esperanza há 36
anos).
Os paraguaios são tranquilo conosco, e nós somos
tranquilo com eles, agora se eles forem mal, nós também somos mal. Não adianta
falar mal dos paraguaios, nós vivemos aqui, temos as coisas aqui construída, nós
não podemos falar mal dos paraguaios. Eu moro aqui porque aqui estão as coisas
que eu gosto, tenho minhas criações e o meu gado. Eu gosto daqui por causa
disso, se eu for para o Brasil no momento eu não posso fazer o que eu estou
fazendo aqui. Se eu vender isso aqui para ir para o Brasil lá vou comprar o quê?
(Francisco Bononi, 69 anos, morador da colônia há 25
anos).
Diante dos relatos, percebe-se que a figura do “outro”, é a figura
do paraguaio, pois, o migrante brasileiro chegou a um novo país e teve que
estabelecer relações com o “outro”, ou seja, com o paraguaio e o mesmo teve que
buscar sua afirmação em um novo território:
Determinadas identidades ou, caso se preferir,
facetas de uma identidade, manifestam-se em função das condições
espaço-temporais em que o grupo está inserido. Finalmente, a (s) identidade (s)
implica (m) uma busca de reconhecimento, que se faz frente à alteridade, pois é
no encontro ou no embate com o Outro que buscamos nossa afirmação pelo
reconhecimento daquilo que nos distingue e que, por isto, ao mesmo tempo, pode
promover tanto o dialogo quanto o conflito com o Outro. (HAESBAERT, 1999, p.
175).
Os migrantes brasileiros ao se instalarem em território paraguaio
tiveram que adaptar-se a um jogo de analogia e valores, onde a única opção é
conviver com uma identidade diferente da sua sem deixar seus costumes e práticas
culturais de lado, trata-se de optar por um caminho intermediário onde são
levados em consideração os múltiplos valores do novo território, e os valores e
identidades de sua terra natal.
Além disso, mesmo estando em outro país grande parte dos migrantes
brasileiros ainda mantêm contato com seus familiares no Brasil. Alguns sempre em
épocas de férias retornam ao Brasil para ir visitá-los, outros os recebem no
Paraguai, entretanto quando estabelecem relações com os brasileiros que estão no
Brasil, esses migrantes percebem que eles também podem ser considerados como o
“outro”.
Nessa perspectiva, a figura do “outro” aparece em duplicidade para
esses migrantes pelo fato de que o outro é o paraguaio, mas também o brasileiro
que ficou no Brasil, pois ao manterem contato com seus familiares e amigos que
ficaram em sua terra natal, esses migrantes percebem que estes já não são os
mesmos e as relações também se modificaram.
Há que se destacar que muitos migrantes além de retornaram ao Brasil para
visitar seus familiares, aproveitam para regularizar sua situação para
conseguirem se aposentar, outros buscam tratamento de
saúde:
Tenho bastante parentes no Brasil, eu tenho no
Paraná em Curitiba, em Paulínia e em São Paulo. Falo com eles pela internet, por
telefone e direto eles vem passear aqui, eles adoram vir passear aqui, porque
eles moravam aqui. Principalmente os filhos dos meus irmãos que foram criados
aqui, para eles a terá deles é aqui. (Aparecida de Lurdes Bononi, 66 anos,
moradora da colônia há 35 anos).
Assim, pode-se afirmar que os migrantes sulistas construíram
qualidades positivas e passaram a utilizar seus traços identitários como
símbolos de prestígio, ou seja, a própria forma como se organizaram na colônia
contribuiu para a adaptação do modo de vida desses migrantes no Paraguai, e a
nova identidade que foi construída como fruto dessa trajetória migratória é uma
identidade fundada por meio das relações que são estabelecidas nesse novo
território, onde o migrante ainda pratica os hábitos e costumes de sua terra
natal, mas por outro lado incorpora novas práticas por meio das relações que o
mesmo estabelece com os próprios brasileiros da colônia e do Brasil, como também
com os paraguaios.
Considerações
Finais
A discussão feita aqui mostrou que a identidade desses migrantes é
uma identidade em movimento que se formou a partir das relações que estes mantêm
com os paraguaios e com os brasileiros tanto da colônia como os do Brasil, pois
a partir do momento em que esse migrante afirma sua nacionalidade colocando em
prática características identitárias e culturais de brasileiro ele se diferencia
dos paraguaios, devido fato das relações que são estabelecidas proporcionam aos
mesmos vivenciar um conjunto diferenciado de possibilidades, que lhes permite
ativarem sua identidade de acordo com as relações que estão sendo realizadas no
momento.
Dessa maneira, a nova identidade que os migrantes brasileiros que vivem
na colônia formaram é uma identidade que buscou referenciais em uma base
territorial num processo de intercâmbio de identidades, onde o mesmo não deixou
suas práticas culturais e foi inserindo novas prática a partir do contato que
teve com outros grupos sociais onde “novas e antigas formas de identificação
convivem no mesmo território".
Assim, os migrantes brasileiros que formaram a Colônia Nueva Esperanza, construíram uma “nova”
identidade, ou seja, a como uma forma de afirmar sua identidade frente ao
paraguaio, pois o mesmo teve que adaptar-se a um jogo de identidades e valores,
onde a única opção é conviver com outra identidade diferente a sua sem deixar
seus valores e sua identidade, trata-se de optar por um caminho intermediário
onde são levados em consideração os múltiplos valores do novo território e os
valores e práticas de sua terra natal.
Considerando-se, pois, que o referencial de análise aqui adotado ainda
não tem tido grande penetração nas áreas em que se têm desenvolvido grande parte
das pesquisas acerca da migração de brasileiros para o Paraguai, em especial, na
cidade de Yby Yaú no Paraguai, esse estudo pode gerar debates interessantes e
profícuos e apontar para outras possibilidades de investigação no que se diz
respeito às relações que são estabelecidas entre brasileiros e
paraguaios.
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